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17 COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - ?-?sem-?mod Unidade II 5 10 15 20 6 INTERTEXTUALIDADE A intertextualidade é uma forma de diálogo entre os textos. Para que o leitor possa interpretar esse diálogo, é necessário que ele tenha conhecimentos culturais extratextuais. Para exemplifi car o recurso da intertextualidade, leia com atenção o poema de Camões: Amor é fogo que arde sem se ver Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer; É um não querer mais que bem querer; É solitário andar por entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É cuidar que se ganha em se perder; É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata lealdade. Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor? 18 Unidade II Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - Veja a letra da música de Renato Russo: Monte Castelo Ainda que eu falasse a língua dos homens. E falasse a língua do anjos, sem amor eu nada seria. É só o amor, é só o amor. Que conhece o que é verdade. O amor é bom, não quer o mal. Não sente inveja ou se envaidece. O amor é o fogo que arde sem se ver. É ferida que dói e não se sente. É um contentamento descontente. É dor que desatina sem doer. Ainda que eu falasse a língua dos homens. E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria. É um não querer mais que bem querer. É solitário andar por entre a gente. É um não contentar-se de contente. É cuidar que se ganha em se perder. É um estar-se preso por vontade. É servir a quem vence, o vencedor; É um ter com quem nos mata a lealdade. Tão contrário a si é o mesmo amor. Estou acordado e todos dormem todos dormem todos dormem. Agora vejo em parte. Mas então veremos face a face. É só o amor, é só o amor. Que conhece o que é verdade. 5 10 15 20 25 19 COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - ?-?sem-?mod Ainda que eu falasse a língua dos homens. E falasse a língua do anjos, sem amor eu nada seria. Verifica-se que o músico estabelece um diálogo com o poeta Camões, ao utilizar uma das estrofes de seu poema. Caso o leitor não tenha esse conhecimento, a intertextualidade não será reconhecida e, portanto, também não será reconhecida a essência da mensagem sobre o tema “amor”. A escolha de uma mesma caracterização os une no papel de poetas, cuja proposta é difundir um valor ou ponto de vista sobre o amor. 6.1 Tipos de intertextualidade São ocorrências cujo principal objetivo é apresentar referências de outros textos para diversas fi nalidades: • citação: ocorre quando, em um texto, aparece a refl exão ou ponto de vista de um determinado autor ou autoridade no assunto; • paráfrase: quando, no texto, ocorre a alusão de um outro texto, com o objetivo de reafi rmar a mensagem ou parte dela. A paráfrase de Carlos Drumond de Andrade, a partir do poema de Gonçalves Dias, é um exemplo clássico, encontrado em vários livros de literatura: Canção do Exílio Minha terra tem palmeiras Onde canto o sabiá As aves que aqui gorjeiam, “Não gorjeiam como lá” (Fragmento do poema de Gonçalves Dias: “Canção do Exílio”) 5 10 15 20 25 20 Unidade II Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - Paráfrase Meus olhos brasileiros se fecham saudosos Minha boca procura a “canção do Exílio” Como era mesmo a “canção do Exílio”? Eu tão esquecido de minha terra... Ai terra que tem palmeiras Onde canta o sabiá! (Carlos Drummond de Andrade, “Europa, França e Bahia”) • paródia: ocorre ao se contestar ou ridicularizar outro texto. A ironia é uma fi gura de linguagem muito utilizada para esse fi m. A paródia de Mario de Andrade ao poema de Gonçalves Dias também é um exemplo clássico encontrado nos livros de literatura: Cantos de Regresso à Pátria Minha terra tem palmares Onde gorjeia o mar Os passarinhos daqui “Não cantam como os de lá.” (Oswald de Andrade: “Canto de regresso à pátria”) Na paródia, é possível constatar, pelo uso da palavra “palmares”, uma crítica à escravidão no Brasil. As paródias levam o leitor a uma refl exão crítica e oferece a possibilidade de contestação aos dogmas de diversas naturezas. • Epígrafe: é um recurso utilizado para fazer referência o alguém. A dedicatória, observada nas páginas dos livros, é um exemplo de epígrafe; • tradução: é um procedimento que implica a intertextualidade. 5 10 15 20 25 21 COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - ?-?sem-?mod A intertextualidade é um dos procedimentos de construção textual que reorganiza a mensagem, e são utilizados pontos de referência em comum. 7 INFORMAÇÕES IMPLÍCITAS Há produções textuais que só fazem sentido se o leitor tiver a habilidade e os conhecimentos necessários para desvendar a sua mensagem. As piadas são gêneros textuais desse tipo. Várias vezes, em uma roda de amigos, a graça de uma piada é motivo de chacota para aqueles que “viajaram”, sem encontrar nenhum sentido na mensagem. O problema provavelmente é não encontrar as informações implícitas. Platão e Fiorin (2001) discorrem sobre o assunto e apresentam alguns exemplos e considerações que serão utilizadas como ilustração para as nossas refl exões. 7.1 Pressupostos e subentendidos Para os autores, há duas categorias de conteúdo implícito, comumente utilizadas nas situações de comunicação do nosso cotidiano: os pressupostos e os subentendidos. Ambos exigem do receptor/leitor o conhecimento e o reconhecimento de alguns índices no texto, que auxiliam na tarefa de interpretação de alguns tipos de mensagens. 7.1.1 Pressupostos As ideias são expressas de maneira explícita. Observe o exemplo apresentado pelos autores: André tornou-se um antitabagista convicto. É possível pressupor que André deixou de fumar, por intermédio do verbo “tornar-se”, que signifi ca “vir a ser”. Como dito anteriormente, há palavras e expressões no enunciado que indicam um sentido, construído por uma informação pressuposta. 5 10 15 20 25 22 Unidade II Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - 7.1.2 Subentendidos O subentendido não vem marcado por expressões linguísticas; é um processo de construção de sentido que se organiza a partir da percepção do ouvinte ou do receptor. O falante ou emissor pode negar a interpretação de seu ouvinte/ receptor. O subentendido é um recurso utilizado em situações de comunicação, nas quais o sujeito não quer se comprometer com o que disse. Analise o conteúdo semântico da mensagem do cartum, apresentado por Platão e Fiorin (2001, p.310-11), camufl ado por insinuações ou subentendidos: Neste cartum, o humorista Millôr Fernandes cria duas mensagens subentendidas, uma mais evideinte, outra mais camufl ada. A mais evidente é que a personagem masculina tem maior interesse pela mulher de biquini do que pela arte. A mensagem camufl ada é a depreciação do abstracionismo geométrico, pois os quadro expostos na galeria pertencem a essa tendência artística. 5 10 23 COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - ?-?sem-?mod 8 ALTERAÇÃO DE SENTIDO DAS PALAVRAS Para o estudo da alteração de sentido das palavras, é necessário observar dois conceitos implicados na sua elaboração:conotação e denotação. A denotação é o sentido literal das palavras, o sentido de dicionário. Por exemplo, em um livro de biologia, no capítulo em que se estuda o corpo humano, a palavra “cabeça” indicará uma parte do corpo e assim será defi nida no dicionário. A conotação envolve outras circunstâncias de sentido, que possibilitam outras interpretações que não a proposta pelo sentido literal. Por exemplo, no enunciado “João é o cabeça da sala”, o sentido da palavra “cabeça” não é o literal. No caso, indica que João é o aluno mais “inteligente” da sala. Os processos de denotação e conotação é que garantem a elaboração do sentido das palavras. Quando o falante elabora a imagem abstrata (signifi cado) a partir da cadeia de sons (signifi cante) de uma palavra, é possível interpretar ou elaborar sentidos muito distintos. O contexto será fundamental para a sua instituição no texto, pois limita as tantas possibilidades que um signo linguístico oferece em termos de interpretação. No processo de conotação, há duas importantes fi guras de linguagem, utilizadas em vários tipos de texto, que provocam alterações no sentido literal das palavras e, muito exploradas poeticamente, seduzem nossa interpretação para outros universos de entendimento. Vale ressaltar, portanto, as defi nições de metáfora e metonímia. 8.1 Metáfora Metáfora é uma fi gura de linguagem que altera o sentido das palavras por intermédio do acréscimo de um signifi cado que aproxima os termos por uma relação de semelhança. Ocorre 5 10 15 20 25 24 Unidade II Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - quando duas palavras possuem um traço de sentido semelhante. Observe como ocorre a metáfora, no trecho da poesia de Camões, utilizado como ilustração anteriormente: O amor é o fogo que arde sem se ver. É ferida que dói e não se sente. É um contentamento descontente. É dor que desatina sem doer. Ao defi nir amor por fogo ou ferida, o autor desloca o sentido literal da palavra amor para outro universo de interpretação: “quente” e “dolorido” são características que justapõem amor a fogo e a ferida. A metáfora é uma espécie de comparação, porém, sem o conectivo que a estabelece: “Amor é como fogo“ (comparação); “amor é fogo” (metáfora). 8.2 Metonímia A metonímia é o processo de alteração de sentido, por meio do acréscimo de um signifi cado que aproxima os termos por relação de contiguidade, inclusão, implicação, interdependência e coexistência entre dois termos. A sinédoque é um tipo de metonímia que ocorre quando se usa a parte de algo para designar seu todo; por exemplo, ao viajar, observa-se o uso de placas que sinalizam a proximidade de um restaurante, com fi guras de garfo, colher e faca. Essas fi guras são objetos que fazem parte do que se utiliza em um restaurante (todo). 9 PROCESSO DE ARGUMENTAÇÃO Falar em argumentação implica considerar que saber ler e escrever nos exige muito mais do que dominar técnicas e regras gramaticais. É necessário agir sobre o mundo e defender-se dele; 5 10 15 20 25 25 COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - ?-?sem-?mod reconhecer a intencionalidade de seu texto e do texto do outro; interagir, para que a sua proposta comunicativa seja efi caz; saber utilizar textos de informação e textos de opinião; reconhecer os tipos de argumentos adequados para uma determinada situação de uso; reconhecer os tipos de discursos; saber elaborar textos argumentativos. Argumentação é um procedimento que tem por objetivo levar o indivíduo a reconhecer e aderir a uma determinada tese ou “verdade”. Para essa fi nalidade, são utilizados argumentos (proposições ou frases declarativas) para defesa de uma ideia ou ponto de vista. Como dito no parágrafo anterior, a informação é a base de uma boa argumentação, e a opinião transforma a informação em argumento. Vale ressaltar que opinião não signifi ca, nesse contexto, uma representação da visão de mundo meramente subjetiva: dizer se a cor azul é mais bonita que a rosa; o procedimento exige muito mais, pois implica “provar” que o seu ponto de vista sobre um determinado tema é pertinente e passível de adesão. As condições de argumentação e os procedimentos argumentativos nortearão o desenvolvimento de textos persuasivos. 9.1 Condições de argumentação Segundo Abreu (2001), a primeira condição de argumentação é defi nir uma tese e saber para que tipo de problema essa tese é resposta. Por exemplo, um bom vendedor é aquele que identifi ca as necessidades de seu público e sabe aproveitá-las como informação para o desenvolvimento de seus argumentos. Uma segunda condição é ter uma linguagem comum com o público para quem se dirige o texto. O uso da língua deve obedecer a níveis de formalidade, de acordo com o grau de escolaridade, formação e especialização profi ssional de seu público. 5 10 15 20 25 30 26 Unidade II Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - A terceira condição é causar empatia, um contato positivo com o seu público, para garantir uma receptividade positiva em relação aos seus argumentos. Veja as sugestões propostas por Abreu (2001, p. 39): (...) Nunca diga, por exemplo, que vai usar cinco minutos de alguém, se vai precisar de vinte minutos. É preferível dizer que vai usar uma meia hora. (...) Outra fonte de contato positivo com o outro é saber ouvi-lo. (...) Devemos também aprender a ouvir como nossos olhos! A postura corporal do outro, suas expressões faciais, a maneira como anda, gesticula e até mesmo a maneira como se veste nos dão informações preciosas. A quarta condição é agir de forma ética, para que a argumentação não se torne uma manipulação. 9.2 Procedimentos argumentativos Procedimentos argumentativos são recursos utilizados para justifi car uma opinião. Segundo Andrade e Medeiros (2001, p.165), os recursos argumentativos são: • exemplifi cação: busca justifi car os pontos de vista exarados por meio de exemplos. São marcadores sintáticos principalmente: mais importante que, superior a, de maior relevância que, por exemplo, considerando, analisando os dados, pelos dados, segundo; • explicitação: o objetivo do texto é explicar, esclarecer os pontos de vista apresentados. São seus principais marcadores sintáticos: isto é, haja vista, quer dizer, na verdade, considera-se, denomina-se, chama-se, segundo, consoante, do ponto de vista, no pensamento de, parece- me, a meu ver, em meu entender; 5 10 15 20 25 27 COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - ?-?sem-?mod • enumeração: o autor do texto tem em vista apresentar uma sequência de elementos que provem a sua opinião. São seus principais marcadores sintáticos: primeiro, segundo, um, outro, por último, sucessivamente, respectivamente, antes, depois, ainda, em seguida, então, presentemente, outrora, atualmente, antes de, depois de, no passado, hoje, ontem, ao lado de, adiante (...); • comparação: texto que procura, mediante comparação, provar o que é apresentado como opinião do autor. São seus principais marcadores sintáticos: da mesma forma, tal como, tanto quanto, assim como, igualmente, em contraste, em oposição, ao contrário, por um lado, por outro lado, de outro lado, mais que, menos que, pior que. A comparação nem sempre é explícita; ela pode transformar-se em metáfora. A conclusão de uma argumentação deve apresentar a fi nalização da linha de raciocínio do autor e pode ser elaborada pelos seguintes formatos: • síntese: retomada do que já foi dito anteriormente.Por exemplo, ao defender a ideia de que é necessária uma política de preservação do meio ambiente para garantir a sobrevivência de gerações futuras e desenvolver argumentos que demonstrem a pertinência dessa defesa, pode-se retomar essa ideia no fi nal do texto argumentativo; • dedução: com base na defesa de uma ideia, é possível deduzir uma conclusão. São utilizadas expressões do tipo: de acordo com, logo, deduzindo, etc.; • relação de causa e consequência: as causas e as consequências relacionadas à defesa de ideia são apontadas por expressões do tipo: por causa de; graças a; em virtude de (causa), de forma que, de modo que, consequentemente (consequência); 5 10 15 20 25 30 28 Unidade II Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - • por interrogação: recurso utilizado quando se deseja gerar uma dúvida que se transforma em tema para a refl exão; por exemplo, é possível transformar a afi rmação da necessidade de uma política para preservação do meio ambiente em um questionamento como Sem política de preservação do meio ambiente, as gerações futuras sobreviverão?; • citação direta, parafraseada ou parodiada: recurso que traz ao texto o ponto de vista de outro, muitas vezes uma autoridade no assunto. Esse recurso também é reconhecido como um recurso de autoridade. Observe o exemplo citado por Andrade e Medeiros (2001, p.168)1: Dizia Oscar Wilde que nosso único dever para com a história é reescrevê-la. Estou fazendo a minha parte... 9.3 A estrutura do texto argumentativo As partes de um texto argumentativo são organizadas segundo a função de cada uma delas no texto: • introdução: apresenta a defesa de uma ideia ou anuncia o assunto; • desenvolvimento: apresenta os argumentos apropriados para a defesa de ideia; • conclusão: enfatiza a pertinência da defesa de ideia e fecha todo o processo de raciocínio desenvolvido no texto. As partes de um texto argumentativo poderão ser reconhecidas nos exemplos de artigo, editorial e crônica 9.4 Artigo, editorial e crônica As mídias constantemente nos trazem temas polêmicos que exigem um posicionamento. O desejo ou a necessidade de 1Folha de São Paulo, São Paulo, 22 dez.1996, p.1-4. 5 10 15 20 25 29 COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - ?-?sem-?mod apresentar refl exões desafi am leitores, estudantes e profi ssionais de diferentes áreas a escolher o gênero adequado. Vários tipos de textos argumentativos poderiam ser utilizados como exemplo. Foram escolhidos o artigo, o editorial, e a crônica para essa fi nalidade. O critério para a seleção desses gêneros é a facilidade de se encontrar exemplos nos jornais e revistas e o tipo de linguagem acessível à maioria dos leitores de nível universitário. Observe como se estrutura cada um dos tipos, com base na intencionalidade, fi nalidade, tipos de argumento e contexto. Esse último bloco de conteúdos serve para avaliar todos os conhecimentos adquiridos até esse momento. Veja como cada gênero desempenhará uma função especial para os desafi os implicados na relação entre comunicação e expressão. 9.4.1 Artigo Conceito O artigo veicula a opinião sobre determinado tema, geralmente relacionado a um universo de conhecimento a ser apresentado. A política e a sociologia representam universos bastante explorados pelos artigos de jornais. Características Tem caráter opinativo; linguagem adequada ao perfi l do público-alvo; apresenta título; utiliza recursos argumentativos; apresenta assinatura; utiliza temas variados. Estruturação Na introdução, o autor apresenta o assunto relacionado a um determinado contexto (político, sociológico, etc.), com uma proposta de refl exão ou problematização do tema escolhido. No desenvolvimento, o autor apresenta argumentos apropriados 5 10 15 20 25 30 Unidade II Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - para a sua defesa. Na conclusão, geralmente o autor propõe soluções para a problematização. Exemplo de artigo de opinião2 Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo pede que governo e setor privado apoiem projetos comunitários que tentam conter ingresso de adolescentes no tráfi co Marie-Pierre Poirier* No domingo, 19 de março, os jovens personagens que havíamos conhecido no fi lme Cidade de Deus saltaram de seu mundo de fi cção para o mundo real e se apresentaram a todos os brasileiros no documentário Falcão - Meninos do Tráfi co, de MW Bill e Celso Ataíde. Já se passou um mês desde então, mas os gritos de socorro dos falcões continuam a reverberar em nossa consciência. Os debates que se seguiram apontaram para múltiplos aspectos de análise. Gostaríamos de destacar dois deles. Ao refl etir sobre o documentário, é importante lembrar que as crianças e as famílias moradoras das favelas ou de bairros periféricos das metrópoles brasileiras - assim como as de todos os países com economias em transição e integrados às rotas internacionais do comércio ilegal de drogas e de armas de fogo - vivem expostas cotidianamente a situações de alta violência, diretamente relacionadas a formas extremamente agudas de desigualdade socioeconômica. Impossível deixar de perguntar: quem lucra com o engajamento – e, conseqüentemente, com a morte – de crianças e adolescentes no mercado ilegal da droga e das armas? Sabemos que por trás dessas mortes há uma complexa rede de comércio ilegal cuja lógica, bem organizada, se alimenta da vulnerabilidade de famílias pobres. 2O exemplo foi retirado do site www.coav.org.br. Publicado em: 24/04/2006, às 12:00. 5 10 15 20 25 30 31 COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - ?-?sem-?mod Mas, além de refl etir sobre a lógica econômica que está por trás da violência contra essas crianças, temos de dar atenção ao recorte racial dos assassinatos de crianças e adolescentes nas grandes cidades brasileiras. O documentário expõe contundentemente uma das mais graves violências sofridas por crianças e adolescentes negros moradores das áreas pobres e periféricas dos centros urbanos. Dos 17 adolescentes do documentário, apenas um sobreviveu. Todos eram afro-descendentes. O documentário sinaliza para o crime e para a morte, mas sinaliza também para o preconceito. Expõe a forma violenta como crianças pretas e pardas estão morrendo nas cidades. Seria este um dos temas centrais a ser destacado na Conferência Regional das Américas, a ser realizada em julho, que deverá avaliar, após cinco anos, os avanços ocorridos nas Américas no combate ao racismo, à discriminação racial, à xenofobia e a intolerâncias correlatas? Os programas sociais dedicados ao fenômeno do aliciamento de crianças e adolescentes por grupos criminosos, bem como os resultados dos poucos estudos disponíveis, estimam que não deva passar de 1% o total de moradores envolvidos com o tráfi co nas comunidades onde o comércio ilegal de drogas se instalou. Estimam também que crianças e adolescentes com menos de 18 anos constituiriam não mais que metade deste porcentual (Souza; Silva, 2002; Dowdney, 2003). Trata-se de um indicador importante, que contrasta com o levantamento produzido pelo Núcleo de Estudos da Violência, da USP, a ser publicado em breve pelo Unicef, que aponta para um crescimento linear de 417% do número absoluto de homicídios de adolescentes brasileiros de 15 a 19 anos, desde 1980. Só em 2002 foram assassinados no Brasil 7.961 meninos e meninas. 5 10 15 20 25 30 32 Unidade II Re vi sa o: A na Dia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - Estes números contrariam os preconceitos e estereótipos que, estimulados pelo medo, têm o poder de transformar vítimas em culpados e de fazer com que, aos olhos de muitos cidadãos, qualquer criança negra e pobre que caminha pela rua se constitua em ameaça e em símbolo de violência. É este mesmo medo, gerador de discriminação e preconceitos, que serve para legitimar táticas de ‘guerra’ e de ‘combate’ ao crime que não fazem diferença entre moradores e criminosos e já levaram à morte um número enorme de crianças – quase sempre negras – que brincavam na porta de suas casas. Como começar a reverter esta situação sem atuar exclusivamente sobre os sintomas? A idéia é intervir antes da chamada ‘idade da morte’. Estudos do Unicef revelam que entre os 11 e os 14 anos de idade crianças e adolescentes vivem o seu período de maior vulnerabilidade. É nessa fase que são registrados os maiores índices de evasão escolar, de ingresso nas redes de trabalho infantil, de uso de drogas, de exploração sexual, de abandono da casa e de ingresso no tráfi co de drogas. Trata-se de uma idade que deve ser percebida como uma ‘janela de oportunidades’ para programas e projetos de prevenção e redução dos homicídios, que têm maior incidência entre os 15 e os 19 anos. Já faz 20 anos que o Brasil convive com assassinatos de crianças nos grandes centros urbanos. No ano passado, o Unicef ajudou o governo brasileiro a organizar, em São Paulo, uma consulta nacional sobre a violência contra a criança, que faz parte do Estudo Global que será lançado pela ONU em outubro. Além disso, assim como muitas outras organizações e agências, temos acompanhado e apoiado projetos comunitários que reconhecem esses fatos e tentam conter o ingresso de adolescentes no tráfico, mas também resgatar aqueles que já ingressaram. São projetos que fazem 5 10 15 20 25 30 35 33 COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - ?-?sem-?mod dos adolescentes os protagonistas da reconstrução de sua própria identidade. Algumas dessas iniciativas são baseadas em tecnologias e práticas de comunicação e têm assumido papel relevante na valorização, pelo adolescente, do meio em que vive com sua família. Têm ajudado os adolescentes a se posicionar melhor tanto ante as dores e os preconceitos que sofrem, quanto no respeito pela alegria e vitalidade cultural de suas comunidades. Para o Unicef, as organizações comunitárias que implementam esses projetos constituem a maior força que o País tem para enfrentar o problema, reduzir violências e valorizar a diversidade. Cabe aos governos e ao setor privado reconhecer urgente e defi nitivamente a importância dessas iniciativas, articular-se com elas, fortalecê-las e contribuir - de forma efetiva - para que possam proteger os direitos das crianças e dos adolescentes, negros e brancos. Temos todos a obrigação de contribuir. * Marie-Pierre Poirier é representante do Unicef no Brasil. 9.4.2 Editorial Conceito O editorial apresenta a opinião do jornal, portanto, a linha de entendimento dos temas a serem explorados. Geralmente é apresentado em forma de comentário sobre o mais importante fato noticiado. Características Tem caráter opinativo, geralmente não traz assinatura, para que possa representar o jornal como um grupo de sujeitos que compartilham de uma mesma linha de pensamento. 5 10 15 20 25 34 Unidade II Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - Estruturação A introdução não deve ser longa e deve chamar a atenção do leitor para a linha de pensamento do jornal. O desenvolvimento deve apresentar argumentos que a comprovem, e a conclusão deve reforçá-la. Exemplo de editorial3 O crime e o jornalista A comissão encarregada pelo Ministério da Justiça de reformar o Código Penal que defi nir como crime a publicação, em qualquer meio de comunicação, de material com o fi m de exercer infl uência sobre testemunhas ou constranger autoridade judicial, antes da decisão defi nitiva em processo judicial. Assim, aumentaria desmesuradamente a ameaça de pena para jornalistas e articulistas que relatassem ou investigassem crimes, ações da polícia, de promotores e juízes. Qualquer informação publicada pela mídia a respeito de uma enorme esfera da vida pública, de grande interesse social, fi caria sujeita à inquisição judicial. Além de autoritária, pelo fato mesmo de praticamente estipular o que pode ou não ser dito, a redação do artigo emprega critérios, se é que se pode usar o termo,vagos e abstratos, sujeitos à interpretação arbitrária, para defi nir tal delito. Ao procurar defender juízes desse inefável constrangimento, a comissão que revisa o Código Penal na verdade vai constranger a liberdade de autonomia da esfera pública. Vai limitar a liberdade de informar, de opinar e de obter informações. 3 Folha de São Paulo, 20 mar. 1998. Caderno 1, p. 2. In: Andrade; Henriques, 1999, p.132. 5 10 15 20 25 35 COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - ?-?sem-?mod É evidente que a imprensa erra; que comete abusos implicando inocentes em crimes, por exemplo. A lei da imprensa já estabelece punições para esses casos, e também para aqueles em que ocorra injúria e difamação. Mas quem defi nirá o constrangimento a não ser o constrangido? Criticar decisões de juízes antes do último recurso cabível poderia ser tomado como constrangimento? Um levantamento de opiniões sobre uma sentença teria o fi m de constranger um juiz? E o que dizer das informações que alterariam o curso de um processo contra um presidente da República? Os responsáveis pela redação desse possível novo artigo do Código Penal parecem crer que o correto juízo sobre os fatos depende apenas de carimbos e assinaturas de um trâmite legal. As demais esferas da sociedade merecem apenas tutela, sem direito de opinião. 9.4.3 Crônica Conceito É o relato de fatos do cotidiano, determinados por um contexto sócio-histórico. A etimologia da palavra nos remete a crónos, que em latim signifi ca “tempo”. Basicamente, o que a difere dos gêneros apresentados é a apresentação de fatos diversos, identifi cados pelos leitores como parte do cotidiano. Características Apresenta extensão limitada; narrativa relativamente leve; a ironia é um recurso prestigiado; uso da linguagem coloquial, sentimental ou emotiva; visão mais subjetiva, pessoal e crítica. 5 10 15 20 25 36 Unidade II Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - Estruturação Há três formas de crônicas: comentário, lírica e narrativa: • comentário: foco narrativo em primeira pessoa; linguagem direta e simples; presença de fatos que irão gerar a história e a refl exão; • lírica: foco narrativo em primeira pessoa; linguagem sentimental e coloquial; sem presença de fatos geradores da refl exão; visão sentimental da realidade interna ou externa; • narrativa: foco em primeira ou terceira pessoa; linguagem humorística, irônica; predomínio do diálogo; predomínio de uma história leve, divertida; geralmente apresenta fi nal inesperado. Exemplo de crônica4 O Pessoal Chega o velho carteiro e me deixa uma carta. Quando se vai afastando eu o chamo: a carta não é para mim. Aqui não mora ninguém com este nome, explico-lhe. Ele guarda o envelope e coça a cabeça um instante, pensativo: - O senhor pode me dizer uma coisa? Por que agora há tanta carta com endereço errado? Antigamente isso acontecia uma vez ou outra. Agora nãosei o que houve... E abana a cabeça, em um gesto de censura para a humanidade que não se encontra mais, que envia mensagens inúteis para endereços errados. Sugiro-lhe que a cidade cresce muito depressa, que há edifícios onde havia casinhas, as pessoas se mudam mais que antigamente. Ele passa o lenço pela testa suada: 4Braga,1987,p. 40 In: Andrade; Henriques, 1999, p.132. 5 10 15 20 25 37 COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - ?-?sem-?mod - É, isso é verdade... Mas reparando em o senhor vê que o pessoal anda muito desorientado... E se foi com seu maço de cartas, abanando a cabeça. Fiquei na janela, olhando a rua à toa numa tristeza indefi nível. Um amigo me telefona, pergunta como vão as coisas. E não consigo resistir: - Vão bem, mas o pessoal anda muito desorientado. (O que, aliás, é verdade).” Considerações fi nais Foram apresentados conteúdos valiosos para a refl exão e a elaboração de textos utilizados em nosso cotidiano e que, se bem estruturados, valorizam a nossa forma de compreender o mundo. Veja que interessante observar as especifi cidades do artigo, da crônica e do edital na maneira de apresentar ideias. No artigo utilizado como exemplo, é possível identifi car uma proposta de refl exão para um tema social bastante forte, enfatizada no seguinte trecho: É importante lembrar que as crianças e as famílias moradoras das favelas ou de bairros periféricos das metrópoles brasileiras - assim como as de todos os países com economias em transição e integrados às rotas internacionais do comércio ilegal de drogas e de armas de fogo - vivem expostas cotidianamente a situações de alta violência, diretamente relacionadas a formas extremamente agudas de desigualdade socioeconômica. A linguagem é carregada de expressões cujo sentido está na dolorosa relação entre os jovens, as drogas e sua condição social. Os argumentos são baseados na exemplifi cação e em dados retirados da realidade, muito próximos do leitor. 5 10 15 20 25 30 38 Unidade II Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - No editorial utilizado como exemplo é notável a indignação do jornal diante de uma pretensa lei para cercear a liberdade de imprensa. Veja como essa indignação é explicitada neste trecho: Ao procurar defender juízes desse inefável constrangimento, a comissão que revisa o Código Penal na verdade vai constranger a liberdade de autonomia da esfera pública. Vai limitar a liberdade de informar, de opinar e de obter informações. O propósito do editorial segue uma linha muito diferente do artigo, pois indica o posicionamento de um grupo e procura explorar a defesa de sua ideia com argumentos que, no caso do exemplo, sugerem questionamento. Para essa tarefa, utiliza várias vezes perguntas sobre o tema, para sensibilizar o leitor e seduzi-lo a compartilhar de sua defesa. Na crônica utilizada como exemplo, o tom sentimentalista e emocionado do narrador esconde uma crítica social bastante severa sobre a transformação desmedida e nada organizada das grandes cidades, que se desumanizam, gerando uma população totalmente desorientada: E abana a cabeça, em um gesto de censura para a humanidade que não se encontra mais, que envia mensagens inúteis para endereços errados. Sugiro-lhe que a cidade cresce muito depressa, que há edifícios onde havia casinhas, as pessoas se mudam mais que antigamente. Os atos de comunicação nos permitem vencer um dos desafi os mais instigantes e misteriosos: a relação com o outro, em uma sociedade que se transforma assustadoramente e nos mobiliza para a necessidade do novo, do já consagrado e da expressão que ainda nos cabe encontrar. 5 10 15 20 25 30 39 COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - ?-?sem-?mod Para fi nalizar, Paulo Freire (1997, p. 20) nos serve de inspiração para a compreensão da importância do ato de ler: Refi ro-me a que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. Na proposta a que me referi acima, este movimento do mundo à palavra e da palavra ao mundo está sempre presente. Movimento em que a palavra dita fl ui do mundo mesmo através da leitura que dele fazemos. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo por meio de de nossa prática consciente. Referências bibliográfi cas ABREU, A. A Arte de argumentar. 3. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. ________. Curso de redação. 1. ed. São Paulo: Ática, 2004. ANDRADE, M. M.; HENRIQUES, A. Língua portuguesa – noções básicas para cursos superiores. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1999. ANDRADE, M. M.; MEDEIROS, J.B. Comunicação em língua portuguesa para os cursos de jornalismo, propaganda e letras. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001. BUIN, E. Aquisição da escrita. São Paulo: Contexto, 2003. CITELLI, A. linguagem e persuasão. São Paulo: Ática, 2004. DUBOIS, J. et.al. Dicionário de linguística. São Paulo: Cultrix, 1973. FARACO, C. A; TEZZA, C. Prática de texto para estudantes universitários. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. 5 10 40 Unidade II Re vi sa o: A na D ia gr am aç ão : L éo 1 2/ 06 /0 9 - FREIRE, P. A Importância do ato de ler. 46. ed. São Paulo: Cortez,1997. GALEMBECK, P.T. A linguística textual e seus mais recentes avanços. Disponível em: http:// www.fi lologia.or.br/ ixcnlf/5/06.htm. Acesso em 5 jun.2009. INFANTE, U. Do texto ao Texto. 6. ed. São Paulo: Scipione, 2008. KOCH, I.G. V; TRAVAGLIA, L.C. A coerência textual. 5. ed. São Paulo: Cortez,1990. PLATÃO, F.; FIORIN, J.L. Lições de texto: leitura e redação. 4. ed. São Paulo: Ática, 2001. POIRIER, M.M. Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo pede que governo e setor privado apoiem projetos comunitários que tentam conter ingresso de adolescentes no tráfi co. Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo no dia 20 de abril de 2006. Disponível em: http:// www.coav. org. Acesso em 5 jun.2009. VANOYE, F. Usos da linguagem – problemas e técnicas na produção oral e escrita. 7. ed. 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