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Fichamento - DURKHEIM, Émile. "Regras relativas à distinção entre normal e patológico". In: DURKHEIM, Émile. 1995. As regras do método sociológico. (Trad. Paulo Neves) São Paulo: Martins Fontes [1894]. Fruto do seu tempo, Durkheim sente necessidade de criar um método propriamente sociológico - já que não havia sido abordada questão em outras obras da área, estas aproximando-se sempre dos métodos das ciências exatas ou biológicas, ou não fazendo uso de método algum -. Dessa forma, Émile dedica-se a desenvolver um método geral, que esteja, ao mesmo tempo que deveria estar em consonância com o que havia de moderno na ciência europeia, à época, também deveria adaptar-se à natureza particular dos fenômenos sociais. Uma das distinções relevantes para atingir esse objetivo, para o autor, é a que é feita entre normal e patológico. Essas ordens sociais são muito distintas: As 'normais' indicam o que deve ser, e as 'patológicas', o que deveriam ser, porém de outro modo, de certa forma caracterizado como 'desviante'. Dentro desta perspectiva, poderíamos encontrar em uma dada sociedade estados de saúde e doença social. Assim, "a saúde seria boa e desejável, ao passo que a doença é ruim e deveria ser evitada" – segundo autor, devemos pensar a sociedade como um organismo no sentido biológico, o que aproxima a esquematização dessa ideia do objetivo Durkheiminiano de estabelecer a sociologia como uma ciência. Tendo essa analogia em vista, Durkheim busca encontrar um critério objetivo em que a ciência encontre nos fatos mesmos algo que permita cientificamente distinguir a saúde da doença então ela esclarecerá a prática e se manterá fiel ao seu método. O primeiro passo é definir o que é um Estado Normal. Para Durkheim, este é um estado relativo, condicionado pela sociedade - assim como na biologia a idéia de normal é relativa à espécie, variando ao tipo de sociedade, bem como as variações dentro da sociedade e ao estágio de desenvolvimento da mesma. Dentro da concepção de Durkheim, normal também tem uma concepção de generalidade. Ou seja, se um fato social é encontrado em todas as sociedades de todos os tempos, então ele é normal. Ou então, se é encontrado em todas as sociedades daquele mesmo tipo social (sociedades semelhantes). Em suma, fenômenos sociais capazes de assumir duas formas diferentes, embora não deixem de ser essencialmente eles próprios: a) Gerais: se verificam senão em todos na maior parte dos indivíduos, variando de um sujeito a outro (variações compreendidas dentro de limites) – chamaremos de fatos normais – tipo normal se confunde com o tipo médio; b) excepcionais: se verificam na minoria e muitas vezes nem duram muito tempo (exceção no espaço e tempo) – chamaremos de fatos patológicos. Durkheim também buscará explicar a generalidade que caracteriza os fatos exteriormente. Esclarecer o normal do patológico sobretudo em vistas à prática. Durkheim aponta que a generalidade é, por si mesma, um fato que tem necessidade de ser explicado e, para tanto, demanda uma causa, o que fornece um meio de controlar os resultados do método precedente. Ou seja, uma vez que a generalidade, que caracteriza exteriormente os fenômenos sociais, é "ela próopria um fenômeno explicável, compete,, depois que ela foi diretamente estabelecida pela observação, procurar explicá-la", assim como o caráter normal do fenômeno será "mais incontestável se demonstrarmos que o sinal exterior que o havia revelado a princípio não é puramente aparente, mas sim fundado na natureza das coisas; em uma palavra, se pudermos erigir essa normalidade de fato em normalidade de direito" (p. 61). Dessa forma, Durkheim estabelece a primazia da observação na denotação da percepção de um fato social, sem deixar de, ao espírito da época, considerar uma possibilidade de que fatos existam pela natureza humana, ou seja, "sem servir a nada "(p. 62). Durkheim também busca aproximar seu método das ciências biológicas, de forma que traça um paralelo com o parto feminino, supondo que "talvez fosse útil que [...] não causasse problemas tão violentos ao organismo feminino; mas isso é impossível. Em consequência, a normalidade do fenômeno será explicada pelo simples fato de estar ligada às condições de existência da espécie considerada, seja como um meio que permite os organismos adaptarem-se a elas" (p. 62). Tendo o exemplo empírico como base, Durkheim conclui que as proposições científicas que são relativas ao estado normal serão mais imediatamente aplicáveis a casos particulares conforme suas razões estiverem propriamente traçadas, de forma que "saberemos reconhecer melhor em que casos convém modificá-las, ao aplicá-las, e em que sentido" (p. 62). Um fato que esteja já realizado no passado, mas não encontre precedentes no presente, apesar de enraizado na estrutura social, para Durkheim tem apenas as aparências da normalidade, mantendo-se apenas pela força cega do hábito (p. 63). Um sociólogo pode ter dificuldades para saber se um fenômeno é normal ou não, estando privado de qualquer ponto de referência, mas deverá "estabelecer pela observação que o fato é geral", para só então "remontar as condições que determinaram essa generalidade no passado" e por fim buscar saber "se tais condições ainda se verificam no presente ou se alteraram-se" (p. 63). Por fim, Émile Durkheim afirma ser este o melhor procedimento para a sociologia e estabelece três regras para norteá-lo: "1) Um fato social é normal para um tipo social determinado, considerado numa fase determinada de seu desenvolvimento, quando ele se produz na média das sociedades dessa espécie, consideradas na fase correspondente de sua evolução. 2) Os resultados do método precedente podem ser verificados mostrando-se que a generalidade do fenômeno se deve às condições gerais da vida coletiva no tipo social considerado. 3) Essa verificação é necessária quando esse fato se relaciona a uma espécie social que ainda não consumou sua evolução integral" (p. 65) Para pôr seu teste à prova, Durkheim conduz um estudo de caso, tendo como objeto o crime. É importante ressaltar que, sociologicamente, o crime pode ser visto como "funcional" e "normal", o que vai contra a visão geral da sociedade, que tende a encarar o crime como uma ameaça e como anormal (patológico, portanto). Na sociologia, o crime ou o desvio é visto, usualmente, como uma resposta das (ou às) instâncias de controle. Para Durkheim, o crime se observa nas sociedades de todos os tipos: fazer do crime uma doença social é dizer que deriva da constituição fundamental do ser vivo (seria apagar as distinções entre fisiológico e patológico). O 'normal' é que haja criminalidade, mas não em excesso, o que caracterizia patologia. Émile indica que o crime o é [normal] pois uma sociedade em que ele não existe seria impossível. Há uma 'utilidade', além da vantagem imediata para quem o comete, no crime: Ele foi integrante essencial no desenvolvimento das bases teóricas e do direito. Não há desenvolvimento sem heterogeneidade de pensamentos. Além disso, demonstra a necessidade de mudança, o que também propulsiona o desenvolvimento de uma sociedade de forma positiva. Dessa forma, Durkheim define o criminoso como "agente regular da vida social". É dessa conclusão que Durkheim extrai o embasamento teórico do seu método: a Sociologia tem por objeto o estudo do tipo normal. Ou seja, um sociólogo deve trabalhar de forma exclusiva - ou próximo a isso - com os fatos que são objetivos. Segundo o mesmo, para que a sociologia seja realmente uma ciência de coisas, é preciso que a generalidade dos fenômenos seja tomada como critério de sua normalidade.
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