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NOÇÕES DE DIREITO PENAL PARTE ESPECIAL Direito Penal – Parte Especial INTRODUÇÃO Sujeitos do crime: -Sujeito ativo: vide concurso de pessoas. -Sujeito passivo: é a pessoa ou entidade que sofre os efeitos do delito (a vítima do crime). -Objeto jurídico ou objetividade jurídica: é o bem jurídico tutelado. -Objeto material: é a coisa sobre a qual recai a conduta delituosa. DOS CRIMES CONTRA A PESSOA 1 – dos crimes contra a pessoa. O Título I da Parte Especial do Código Penal abrange os crimes contra a pessoa. Dentro deste Título há a subdivisão em seis capítulos, que são: I – dos crimes contra a vida, II - lesões corporais, III - da periclitação da vida e da saúde, IV – da rixa, V – dos crimes contra a honra e VI – crimes contra a liberdade individual. 1.1 – DOS CRIMES CONTRA A VIDA. Obs.: os crimes contra a vida compreendem os artigos 121 até 128 do Código Penal. Tais crimes são julgados pelo tribunal do júri. O único crime previsto no capítulo “dos crimes contra a vida” que não é julgado pelo tribunal do júri é o homicídio culposo, pois os demais são dolosos contra a vida. Obs.2: são garantias constitucionais do tribunal do júri as seguintes: I.Plenitude de defesa; II.Sigilo das votações; III.Soberania dos vereditos; e IV.Competência mínima para julgar os crimes dolosos contra a vida. Homicídio simples Art 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. a) Divisão topográfica do homicídio: Art. 121, caput, CP – homicídio simples; Art. 121, § 1º, CP – homicídio privilegiado; Art. 121, § 2º, CP – homicídio qualificado; Art. 121, § 3º, CP – homicídio culposo; Art. 121, § 4º, CP – homicídio majorado; Art. 121, § 5º, CP – perdão judicial; Art. 121, § 6º, CP – homicídio por milícia privada e grupo de extermínio. b) Sujeitos da infração: Sujeito ativo – trata-se de crime comum, pois o delito de homicídio pode ser qualquer pessoa. Sujeito passivo – qualquer pessoa. c) Objeto material: É a pessoa contra a qual recai a conduta praticada pelo agente. d) Objeto jurídico: É a vida e, num sentido mais amplo, a pessoa. A vida humana, direito fundamental assegurado pelo art. 5º, caput, da Constituição Federal. É irrelevante a viabilidade do ser nascente, bastando o nascimento com vida. e) Exame de corpo de delito: Por ser um crime que deixa vestígios, é necessária a realização do exame de corpo de delito direto ou indireto, conforme determina os arts. 158 e 167 do CPP. f) Elemento subjetivo: É o dolo – a vontade livre e consciente de matar alguém. O agente atua com o chamado animus necandi, ou seja, é dirigida finalisticamente a causar a morte de um homem. O dolo pode ser direto, de primeiro ou segundo grau, bem como eventual. g) Modalidade comissiva e omissiva: Trata-se de crime comissivo. Pode ocorrer na forma comissiva por omissão quando o agente possuir a posição de garantidor. h) Meios de execução: O homicídio é crime de ação livre, ou seja, aquele que admite inúmeros meios de execução. Podem ser diretos, como o disparo de uma arma, indiretos, como o ataque de um cão instigado pelo dono, materiais, como o uso de veneno ou morais, como um susto. Se houver intenção de matar, a prática de relação sexual forçada e dirigida à transmissão do vírus da AIDS caracteriza o crime de homicídio tentado ou consumado. O vírus da AIDS, dessa forma, quando inoculado importa em doença letal e ainda incurável. O entendimento majoritário nesse caso é de que o agente deve responder por tentativa de homicídio ou homicídio consumado, conforme o resultado atingido. Jurisprudência: “Moléstia grave. Transmissão. HIV. Crime doloso contra a vida versus o de transmitir doença grave. Descabe, ante previsão expressa quanto ao tipo penal, Direito Penal – Parte Especial partir-se para o enquadramento de ato relativo à transmissão de doença grave como a configurar crime doloso contra a vida” (STF: HC 98.712/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 1.ª Turma, j. 05.10.2010, noticiado no Informativo 603). i) Consumação e tentativa: A consumação ocorre com o resultado morte. Admite-se a tentativa na modalidade dolosa, pois a tentativa é composta pelos seguintes elementos: • Início da execução; • Não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente; e • Dolo de consumação. j) Homicídio privilegiado: Caso de diminuição de pena (homicídio privilegiado) § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Obs.1: A natureza jurídica do homicídio privilegiado é caso de diminuição de pena. Crime privilegiado é aquele no qual o legislador diminui, em abstrato, os limites mínimo e máximo da pena. Traz o Código Penal em seu art. 121, §1°, que o juiz partirá da pena de homicídio simples, diminuída de um sexto a um terço. Por ser uma causa especial de diminuição de pena e, sendo direito subjetivo do agente, caso ele se enquadre nas hipóteses previstas, o juiz é obrigado a aplicar a redução de um sexto a um terço da pena. Obs.2: Destarte, é obrigatória a redução da pena pelo juiz quando do reconhecimento pelo conselho de sentença da prática de um homicídio privilegiado, tendo em vista tratar-se de uma causa especial de redução de pena. Obs.3: Uma das circunstâncias do homicídio privilegiado é estar o agente sob violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima. Esta emoção deve ser absorvente, plena, fazendo com que o agente perca sua capacidade de autocontrole, ou seja, dominado pela violenta emoção e não sob influência. E a expressão logo em seguida aponta um elemento temporal, devendo ser quase que imediatamente após injusta agressão. k) Homicídio qualificado: Homicídio qualificado § 2° Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo fútil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena - reclusão, de doze a trinta anos. Obs.1: são circunstâncias subjetivas as constantes dos incisos I, II e V, pois se referem ao agente, ou seja, são de caráter pessoal (motivação). Obs.2: são circunstâncias objetivas as constantes dos incisos III e IV, pois se referem, respectivamente, ao meio e ao modo de praticar o homicídio. Motivo torpe – O motivo torpe, que qualifica o homicídio, é aquele motivo abjeto, indigno, desprezível, que provoca acentuada repulsa. Entendimento dos Tribunais Superiores, o ciúme, por si só, sem outras circunstâncias, não caracteriza o motivo torpe. Este é caracterizado pelo homicídio praticado por um sentimento vil, repugnante, que ofende a moralidade média ou sentimento ético social comum. O ciúme, embora muitas vezes excessivo e doentio ao ponto de afetar o equilíbrio emocional do agente, ainda assim, não pode ser enquadrado no conceito de torpeza. O homicídio qualificado mediante paga ou promessa derecompensa é um crime bilateral. Crime bilateral é aquele que, por sua própria natureza, exige o encontro de dois agentes, sem o qual o mesmo não seria possível. No homicídio praticado mediante paga ou promessa de recompensa, também conhecido como mercenário, há a figura do mandante e a do executor. Motivo fútil – Fútil é o motivo insignificante, que faz com que o comportamento do agente seja desproporcional. A futilidade para qualificar o homicídio deve ser apreciada objetivamente, ou seja, não pode ser examinada subjetivamente (pela opinião do sujeito ativo). Meio insidioso – é o meio utilizado pelo agente sem a vítima dele tome conhecimento. Meio cruel – é aquele que causa em sofrimento excessivo, desnecessário à vítima enquanto viva, obviamente, pois a crueldade praticada após a sua morte não qualifica o delito. Meio que resulte perigo comum – é aquele que abrange um número indeterminado de pessoas. Direito Penal – Parte Especial Traição – é a ação que colhe a vítima por trás, desprevenida, sem ter esta qualquer visualização do ataque. Emboscada – o agente se coloca escondido, de tocaia, aguardando a vítima passar, para que o ataque tenha sucesso. Dissimulação – tem o significado de ocultar a intenção homicida, fazendo-se passar por amigo, conselheiro, enfim, dando falsas mostras de amizade, a fim de facilitar o cometimento do delito. Conexão teleológica – quando se leva em consideração o fim em virtude do qual é praticado o homicídio. Exemplo: assegurar a execução de outro crime. Conexão consequencial – o homicídio é cometido para assegurar a ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime. Na teleológica, o homicídio ocorre antes do crime conexo, enquanto na consequencial, o homicídio ocorre depois do crime conexo. Obs.3: a premeditação não é considerada qualificadora do crime de homicídio, mas pode ser analisada na fixação da pena base ao se analisar as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP. Sendo assim, a premeditação, apesar de não ser considerada qualificadora do delito de homicídio, pode ser levada em consideração para agravar a pena, funcionando como circunstância judicial. Obs.4: É entendimento pacífico nos Tribunais Superiores que não existe impedimento na aplicação das qualificadoras de homicídio no caso de ter ocorrido dolo eventual. A justificativa é que a valoração dos motivos é feita objetivamente da mesma forma que os meios e os modos. Portanto, motivos, meios e modos estão cobertos também pelo dolo eventual. Obs.5: há a possibilidade de o homicídio ser ao mesmo tempo qualificado e privilegiado, quando as circunstâncias qualificadoras forem de natureza objetivas, pois o privilégio sempre será subjetivo. Ex.: no caso da possibilidade da coexistência entre o homicídio praticado por motivo de relevante valor moral e o homicídio praticado com emprego de veneno. Obs.5: embora haja a possibilidade de coexistência entre um homicídio qualificado-privilegiado, ele não poderá ser considerado hediondo. l) Homicídio culposo Homicídio culposo § 3º Se o homicídio é culposo: Pena - detenção, de um a três anos. Obs.1: trata-se de tipo penal aberto, pois cabe ao juiz decidir, no caso concreto, se o comportamento é imprudente, negligente ou imperito. Obs.2: O sujeito realiza uma conduta voluntária, com violação do dever objetivo de cuidado a todos imposto, por imprudência, negligência ou imperícia, e assim produz um resultado naturalístico (morte) involuntário, não previsto nem querido, mas objetivamente previsível, que podia com a devida atenção ter evitado. A imprudência (culpa positiva) consiste na prática de um ato perigoso. Negligência (culpa negativa) é deixar de fazer aquilo que a cautela recomenda. A imperícia (culpa profissional) é a falta de aptidão para o exercício de arte, profissão ou ofício para a qual o agente, em que pese autorizado a exercê-la, não possui conhecimentos teóricos ou práticos para tanto. O crime culposo (ressalvada a culpa imprópria) é incompatível com a tentativa. O homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor é delito definido pelo art. 302 da Lei 9.503/1997 – Código de Trânsito Brasileiro (princípio da especialidade). Obs.3: são elementos do fato típico culposo: • Conduta humana voluntária; • Inobservância do dever objetivo de cuidado por o Imprudência; o Negligência; e o Imperícia. • Resultado naturalístico involuntário; • Nexo causal entre o comportamento que viola o dever de cuidado e o resultado. • Previsibilidade objetiva; • Ausência de previsão; e • Tipicidade. m) Causas de aumento de pena Aumento de pena § 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. Obs.: no caso de homicídio culposo, a pena será aumentada de um terço se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima. A intenção do legislador é fazer com que a vítima não fique desamparada após ter sua integridade física lesionada. Não cabe a simples imaginação do agente quanto à morte da vítima para afastar a majorante. Assim, se o autor do crime imagina que a vítima já está morta e por isso não lhe presta socorro, Direito Penal – Parte Especial responde pela causa de aumento de pena decorrente da omissão de socorro. n) Perdão judicial Perdão judicial § 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. Obs.: a natureza jurídica da sentença concessiva do perdão judicial, no homicídio culposo, segundo orientação sumulada do Superior Tribunal de Justiça, é declaratória, não subsistindo efeitos secundários. Homicídio por milícia privada ou grupo de extermínio § 6o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. (Incluído pela Lei nº 12.720, de 2012) o) Participação no suicídio Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Sujeitos da infração penal: trata-se de crime comum, pois o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, desde que tenha capacidade de discernimento, de autodeterminação, pois, caso contrário, o crime será o de homicídio. Objeto material e jurídico: o bem juridicamente tutelado é a vida. Já o objeto material é a pessoa contra a qual recai a conduta do agente. Elemento subjetivo: é o dolo, seja direto ou eventual, não havendo modalidade culposa. Roleta-russa e duelo americano: Aos sobreviventes será imputado o crime de participação em suicídio. Se um dos envolvidos, que não sabia se a arma de fogo estava ou não apta a efetuar o disparo, aciona seu gatilho, apontando-a na direção de outrem,provocando sua morte, o crime será de homicídio com dolo eventual. Comissão e omissão: as condutas são comissivas, mas o agente, se tiver a posição de garantidor, poderá responder na modalidade de omissão imprópria. Meios de execução: se o agente, de qualquer forma, pratica algum ato dirigido a causar a morte da vítima, deverá ser responsabilizado pelo homicídio e não pelo delito do art. 122 do CP. Consumação e tentativa: o crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio é um crime material, e consuma-se com o resultado morte ou lesão corporal grave. Apesar de haver divergência doutrinária, não é possível a tentativa por se trata de crime condicionado (só ocorrerá a consumação se houver morte ou lesão grave), pois, se não houver qualquer um desses resultados, o agente não responderá por nada. Pacto de morte: No pacto de morte ou suicídio a dois podem ocorrer as seguintes situações: a) se o sobrevivente praticou atos de execução da morte do outro, a ele será imputado o crime de homicídio; b) se o sobrevivente somente auxiliou o outro a suicidar-se, responderá pelo crime de participação em suicídio; c) se ambos praticaram atos de execução, um contra o outro, e ambos sobreviveram, responderão os dois por tentativa de homicídio; d) se ambos se auxiliaram mutuamente e ambos sobreviveram, a eles será atribuído o crime de participação em suicídio, desde que resultem lesões corporais de natureza grave; e) se um deles praticou atos de execução da morte de ambos, mas ambos sobreviveram, aquele responderá por tentativa de homicídio, e este por participação em suicídio, desde que o executor, em razão da tentativa, sofra lesão corporal de natureza grave. Parágrafo único - A pena é duplicada: Aumento de pena I - se o crime é praticado por motivo egoístico; II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. Obs.1: O parágrafo único enuncia as hipóteses de aumento de pena, dentre as quais o motivo egoístico, aquele torpe, mesquinho, no qual o agente quer alcançar algum proveito, e.g., receber herança, adquirir vaga em concurso público. Obs.2: O caso de aumento de pena do crime de induzimento se dá quando a vítima tiver diminuída sua capacidade da resistência. Se a vítima apresentar a capacidade de discernimento suprimida pelos problemas mentais, não ensejará o crime do art. 122 e sim homicídio, consumado ou tentado, na condição de autoria mediata. Obs.3: se a vítima for menor de 14 anos, o agente também responderá por homicídio na condição de autor mediato. p) Infanticídio Infanticídio Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena - detenção, de dois a seis anos. O infanticídio é uma forma privilegiada de homicídio em que o legislador previu uma pena menor pelo fato de ser Direito Penal – Parte Especial praticado pela mãe contra seu filho, nascente ou recém- nascido, durante o parto ou logo após, influenciada pelo estado puerperal. Possui iguais elementares do crime de homicídio, mas também elementos especializantes atinentes aos sujeitos, ao tempo e à motivação do crime. Não se exige qualquer finalidade especial para favorecer a mãe com a figura típica privilegiada, bastando esteja ela influenciada pelo estado puerperal. É preciso identificar o momento em que o feto passa a ser considerado nascente, a fim de diferenciar o infanticídio durante o parto do crime de aborto. Assim, o parto tem início com a dilatação, seguida da expulsão e terminando com a expulsão da placenta. A morte do ofendido, em qualquer dessas fases, tipifica o crime de infanticídio. Obs.1: O infanticídio é um homicídio cometido pela mãe contra seu filho, nascente ou neonato. É um crime próprio, ou seja, só pode ser cometido pela genitora que se encontra sob a influência do estado puerperal. O legislador optou por eleger este tipo de homicídio a um delito autônomo, com peculiaridades próprias, não incidindo assim a agravante prevista na parte geral do CP, que é matar descendente. Obs.2: são requisitos do crime de infanticídio: • Que o delito seja cometido sob influência do estado puerperal; • Que tenha como objeto o próprio filho da parturiente; • Que seja cometido durante o parto ou, pelo menos, logo após. Estado puerperal é o conjunto de alterações físicas e psíquicas que acometem a mulher em decorrência das circunstâncias relacionadas ao parto e que afetam sua saúde mental. Não é imprescindível a perícia para sua constatação (é efeito normal e inerente ao parto – presunção iuris tantum). Exige-se relação de causalidade subjetiva entre a morte do nascente ou recém-nascido e o estado puerperal, pois a conduta deve ser criminosa sob sua influência. Não se confunde com a inimputabilidade penal ou com a semi-imputabilidade – ainda que em estado puerperal, a mulher é imputável. A expressão “logo após o parto” será interpretada no caso concreto. Enquanto subsistirem os sinais indicativos do estado puerperal, bem como sua influência no tocante ao modo de agir da mulher, será possível a concretização do delito. Se a mãe, sob a influência do estado puerperal, praticar alguma conduta visando a morte o filho, nascente ou recém-nascido, acometido de anencefalia, estará caracterizado crime impossível, em razão da impropriedade absoluta do objeto material, nos termos do art. 17 do Código Penal. Com efeito, não há vida apta a justificar a intervenção penal, em sintonia com a decisão lançada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54/DF. Obs.3: erro sobre a pessoa – na hipótese, e.g., em que a parturiente almejava causar a morte de seu próprio filho e, por erro, acaba matando o filho de sua colega de quarto, aplica-se a regra correspondente ao erro sobre a pessoa, devendo ser responsabilizada por infanticídio. Obs.4: concurso de pessoas – quando parturiente causa a morte do recém-nascido com a participação de terceiro que, por exemplo, a auxiliar materialmente, fornecendo- lhe o instrumento do crime, ou orientando-a a como utilizá-lo, ambos, da mesma forma, responderão pelo infanticídio, já que a parturiente atuava influenciada pelo estado puerperal e o terceiro que a auxiliou conhecia essa particular condição, concorrendo, portanto, para o sucesso do infanticídio. q) Aborto criminoso Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de um a três anos. Aborto provocado por terceiro Art. 125 - Provocar aborto, SEM o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três a dez anos. Art. 126 - Provocar aborto COM o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos. Aborto ou abortamento é a interrupção da gravidez, da qual resulta a morte do produto da concepção. É com a fecundação que se inicia a gravidez – a partir de então já existe uma nova vida em desenvolvimento, merecedora da tutela do Direito Penal. Há aborto qualquer que seja o momento da evolução fetal – a proteção penal ocorre desde a constituição do ovo ou zigoto até a fase em que se inicia o processo de parto, pois a partir de então o crime será de homicídio ou infanticídio. Obs.: no delito de aborto, quando a gestante recebe auxílio de terceiros, o terceiro que executa o aborto responde pelo crime de aborto consensual, art. 126do CP, e a gestante responderá pelo crime de aborto consentido, art. 124, segunda parte. Nesse caso, de forma excepcional, o Código Penal adota a teoria pluralista do concurso de pessoas, no qual existem dois tipos penais diversos para agentes que procuram o mesmo resultado. Direito Penal – Parte Especial Obs.2: O crime está tipificado no art. 125 do Código Penal, prática de aborto sem o consentimento da gestante, não importando a causa da gravidez nem se foi realizado por médico. É um crime de elevado potencial ofensivo, pois possui dupla subjetividade passiva, a gestante e o feto. Obs.3: O crime de aborto, arts. 124 a 128 do CP, não possui previsão para a modalidade culposa. A gestante que, por culpa, provocar o aborto em si mesma, não responderá por nada. Parágrafo único. (qualificadora do art. 126 do CP – aborto provocado com o consentimento da gestante) Aplica-se a apena do artigo anterior (reclusão, de três a dez anos), se a gestante: a) não é maior de quatorze anos, ou b) é alienada ou débil mental, ou c) se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência. Forma qualificada (na verdade, trata-se de causa de aumento de pena) Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores (art. 125 e 126 do CP) são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte. Obs.4: as hipóteses elencadas caracterizam causas de aumento de pena e são aplicáveis ao aborto praticado por terceiro, sem ou com o consentimento da gestante (arts. 125 e 126), por expressa disposição legal. São hipóteses de crimes qualificados pelo resultado, de natureza preterdolosa (aborto doloso e lesão corporal ou morte culposos). Aplica-se o art. 19 do Código Penal: “Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente”. Se em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo a gestante sofre lesão corporal de natureza leve, o terceiro responde somente pelo aborto simples, sem ou com o seu consentimento, restando absorvida a lesão corporal. Se, no entanto, o terceiro tinha dolo (direto ou eventual) no tocante a ambos os crimes, responde por aborto e por lesão corporal de natureza grave ou homicídio, em concurso (material ou formal imperfeito). Aquele que mata dolosamente uma mulher, ciente da sua gravidez, e assim provoca a morte do feto, responde por homicídio doloso e também por aborto, ainda que ausente a intenção de provocar a morte do feto (quando se mata uma mulher grávida há pelo menos dolo eventual quanto ao aborto). Se o terceiro ignorava a gravidez será responsabilizado por homicídio doloso, sob risco de caracterização da responsabilidade penal objetiva. Incide o aumento quando o aborto não se consuma, mas a gestante sofre lesão corporal de natureza grave ou morre. É imprescindível a prova da gravidez. r) Aborto legal Aborto Legal Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Obs.1: No Brasil só há duas espécies de abortamento legal: o aborto necessário ou terapêutico ou ainda profilático, que é aquele feito para salvar a vida da gestante e o aborto humanitário, sentimental ou ético, realizado na hipótese de estupro. Obs.2: Em consonância com o preceito legal, art. 128, II, do Código Penal, o aborto legal, conhecido como aborto humanitário ou sentimental, é uma regra permissiva. Não se exige autorização judicial para o feito, bastando o consentimento da gestante e que seja praticado por médico. Obs.3: O aborto eugênico ou eugenésico, feito para impedir a continuação da gravidez de fetos ou embriões com graves deformidades físicas ou psíquicas, não é permitido no ordenamento jurídico vigente, constituindo crime. Obs.4: Aborto de anencéfalo – Após dois dias de debate, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na quinta-feira (12 de abril de 2012) que grávidas de fetos sem cérebro poderão optar por interromper a gestação com assistência médica. Por 8 votos a 2, os ministros definiram que o aborto em caso de anencefalia não é crime. “Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente vivo, por ser formado por células vivas, e juridicamente morto, não gozando de proteção estatal. [...] O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura. Anencefalia é incompatível com a vida”, afirmou o relator da ação, ministro Marco Aurélio Mello. “[O aborto do feto anencéfalo] é um direito que tem a mulher de interromper uma gravidez que trai até mesmo a ideia-força que exprime a locução ‘dar à luz’. Dar à luz é dar à vida e não dar à morte. É como se fosse uma gravidez que impedisse o rio de ser corrente”, afirmou o ministro Ayres Britto. Celso de Melo destacou que a gravidez de anencéfalo "não pode ser taxada de aborto". "O crime de aborto pressupõe Direito Penal – Parte Especial gravidez em curso e que o feto esteja vivo. E mais, a morte do feto vivo tem que ser resultado direto e imediato das manobras abortivas. [...] A interrupção da gravidez em decorrência da anencefalia não satisfaz esses elementos." DAS LESÕES CORPORAIS Lesão corporal é a ofensa humana direcionada à integridade corporal ou à saúde de outra pessoa. Depende da produção de algum dano no corpo da vítima, interno ou externo, englobando qualquer alteração prejudicial à sua saúde, inclusive problemas psíquicos. É prescindível a produção de dores ou a irradiação de sangue do organismo do ofendido. A dor, por si só, não caracteriza lesão corporal. O crime pode ser cometido com emprego de grave ameaça ou mediante ato sexual consentido. Não é necessário seja a vítima portadora de saúde perfeita. São exemplos de ofensa à integridade física as fraturas, fissuras, escoriações, queimaduras e luxações, a equimose e o hematoma. Os eritemas não ingressam no conceito do delito. O corte de cabelo ou da barba sem autorização da vítima pode configurar, dependendo da motivação do agente, lesão corporal ou injúria real, se presente a intenção de humilhar a vítima. A pluralidade de lesões contra a mesma vítima e no mesmo contexto temporal caracteriza crime único. A ofensa à saúde, por seu turno, compreende as perturbações fisiológicas (desarranjo no funcionamento de algum órgão do corpo humano) ou mentais (alteração prejudicial da atividade cerebral). a) Divisão topográfica: Art. 129, caput, CP – lesões corporais de natureza leve; Art. 129, §1º, CP – lesões corporais de natureza grave; Art. 129, §2º, CP – lesões corporais de natureza gravíssima; Art. 129, §3º, CP – lesões corporais seguida de morte; Art. 129, §4º, CP – causa de diminuição de pena; Art. 129, §5º, CP – substituição da pena; Art. 129, §6º, CP – lesões corporais culposas; Art. 129, §7º, CP – causa de aumento de pena; Art. 129, §8º, CP – perdão judicial; Art. 129, §9º, CP – violência doméstica; Art. 129, §§10 e 11, CP – causas de aumento de pena da violência doméstica. b) Sujeitos: Sujeito ativo– trata-se de crime comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa. Sujeito passivo – qualquer pessoa, mas no caso das lesões com resultado aceleração de parto e aborto art. 129, §§1º, IV, e 2º, V, do CP, o sujeito passivo só pode ser a gestante e, no caso da violência doméstica, as pessoas referidas no art. 129, §9º, do CP. c) Objetividade jurídica: É a integridade corporal e a saúde do ser humano. d) Objeto material: É a pessoa humana, mesmo que com vida intrauterina, sobre a qual recai a conduta do agente no sentido de lhe ofender a integridade corporal ou a saúde. e) Elemento subjetivo: O elemento subjetivo do caput, ou seja, da lesão leve é o dolo, que pode ser direto ou eventual. A expressão latina usada para se referir ao dolo de lesão é animus laedendi. f) Ação Penal: Na lesão corporal dolosa de natureza leve e na lesão corporal culposa a ação penal pública é condicionada à representação do ofendido (Lei 9.099/1995, art. 88). As demais espécies de lesões corporais dolosas são crimes de ação penal pública incondicionada. g) Consumação e tentativa: Consuma-se o delito com a efetiva produção da ofensa à integridade corporal ou à saúde da vítima, incluindo-se, também, os resultados qualificadores. É possível a tentativa para o caso de lesões leves. Já nos casos qualificados pelo resultado culposo (preterdolosos), tais como perigo de vida, aceleração de parto, aborto e morte, não se admite a tentativa. Lesão corporal (de natureza leve) Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. Lesão corporal leve ou simples (art. 129, caput): toda e qualquer lesão corporal dolosa que não seja grave, gravíssima ou praticada com violência doméstica e familiar contra a mulher. A prova da materialidade é feita com o exame de corpo de delito. Para o oferecimento da denúncia é suficiente o boletim médico ou prova equivalente (art. 77, § 1º, Lei 9.099/1995). Para a condenação exige-se a perícia, sob pena de nulidade (CPP, art. 564, III, b). Se os vestígios houverem desaparecido será aceito o exame de corpo de delito indireto (CPP, art. 167). Obs.1: por ter pena máxima cominada de 1 ano, consiste em infração de menor potencial ofensivo e, por ter a pena mínima de 3 meses, admite-se a suspensão condicional do processo. Direito Penal – Parte Especial Obs.2: de acordo com o artigo 89 da Lei 9.099/95, a lesão leve e a lesão culposa processam-se mediante ação penal pública condicionada à representação. Obs.3: Lesão corporal e consentimento do ofendido: Nas lesões corporais dolosas de natureza leve o consentimento do ofendido caracterizará causa supralegal de exclusão da ilicitude, desde que seja: (a) expresso, pouco importando sua forma; (b) livre de coação, mediante violência à pessoa ou grave ameaça; (c) moral e respeite os bons costumes; (d) anterior à consumação da infração penal; e (e) manifestado por pessoa capaz. É irrelevante o consentimento do ofendido nos crimes de lesão corporal grave, gravíssima e seguida de morte, em face da indisponibilidade do bem jurídico protegido. Obs.4: Lesões corporais e cirurgias emergenciais: Não há crime nas situações em que o médico atua sem o consentimento do operado ou de seus representantes legais nas cirurgias de emergência, dotadas de risco concreto de morte do paciente, pois se encontra amparado pelo estado de necessidade de terceiro. Ausente a situação de emergência, deverá haver prévia anuência para afastar o crime pelo exercício regular do direito. Obs.5: Cirurgia de mudança de sexo: Não há crime por ausência do dolo de lesionar a integridade corporal ou a saúde do paciente. O médico que a realiza não pratica crime por estar acobertado pela excludente da ilicitude do exercício regular de direito (Portaria do Ministério da Saúde 1.707, de 19.08.2008). Lesão corporal de natureza grave § 1º Se resulta (lesão corporal de natureza grave): I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II - perigo de vida; III - debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV - aceleração de parto: Pena - reclusão, de um a cinco anos. Obs.1: Na lesão corporal grave, da qual resulte incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias, é necessário, primeiramente, a realização do exame de corpo de delito no qual o médico perito faz um diagnóstico. Decorridos 30 dias, é realizado um exame complementar, a fim de que se verifique a qualificadora prevista no art. 129, §1°, I. Obs.2: por ter a pena mínima cominada de 1 ano, admite- se suspensão condicional do processo. Lesão corporal de natureza gravíssima § 2° Se resulta (lesão corporal de natureza gravíssima): I - Incapacidade permanente para o trabalho; II - enfermidade incurável; III perda ou inutilização do membro, sentido ou função; IV - deformidade permanente; V - aborto: Pena - reclusão, de dois a oito anos. Lesão corporal seguida de morte (trata-se de crime preterdolosos) § 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. Diminuição de pena § 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Substituição da pena § 5° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis: I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior; II - se as lesões são recíprocas. Lesão corporal culposa § 6° Se a lesão é culposa: Pena - detenção, de dois meses a um ano. Obs.: na lesão corporal culposa, independente da lesão sofrida, não há classificação em leve, grave ou gravíssima. Lesão corporal culposa (art. 129, § 6º): É a conduta típica descrita pelo caput, quando praticada mediante culpa. Trata-se de tipo penal aberto, devendo o intérprete utilizar um juízo de valor para, com base no critério do homem médio, constatar se quando da conduta, cometida com imprudência, negligência ou imperícia, era possível ao agente prever objetivamente a produção do resultado naturalístico. A modalidade de culpa deve ser motivadamente descrita na inicial acusatória, sob pena de inépcia. Não há distinção com base na gravidade dos ferimentos. A gravidade da lesão, por se tratar de circunstância judicial desfavorável, deve ser sopesada pelo juiz na dosimetria da pena-base (CP, art. 59, caput). Trata- se de infração penal de menor potencial ofensivo, compatível com os benefícios contidos na Lei 9.099/1995. Se cometida na direção de veículo automotor, estará tipificado o crime previsto no art. 303 da Lei 9.503/1997 – Direito Penal – Parte Especial CTB. Resolve-se o conflito aparente de normas pelo princípio da especialidade. Aumento de pena § 7o Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4o e 6o do art. 121 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 12.720, de 2012) Obs.1: no caso de lesões culposas: • se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou • se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, • não procura diminuir as consequências do seu ato,ou • foge para evitar prisão em flagrante. Obs.2: no caso de lesões dolosas: • se a vítima é menor de 14 anos; • se a vítima é maior de 60 anos; • se o crime é praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou • se é praticado por grupo de extermínio. Perdão judicial § 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121. Obs: O perdão judicial para a lesão corporal culposa veio previsto de maneira idêntica ao delito de homicídio culposo. Assim, se as consequências da lesão atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária, o juiz poderá deixar de aplicar a pena. Violência Doméstica § 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo- se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. Lesão corporal e violência doméstica (art. 129, § 9º): Trata- se de forma qualificada de lesão corporal que leva em conta o contexto em que é praticada. A pena prevista ao caso, em razão da sua quantidade, somente deve ser aplicada na hipótese de lesão corporal leve. Se a lesão corporal for grave, gravíssima ou seguida de morte, aplicar- se-á o art. 129 do CP. Pode ser praticada: a) contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro: o parentesco pode ser civil ou natural (o art. 227, § 6º, da CF proíbe qualquer discriminação entre os filhos havidos ou não do casamento). Não ingressam as relações decorrentes do parentesco por afinidade. Exige-se prova documental da relação de parentesco ou do vínculo matrimonial. A união estável pode ser comprovada por testemunhas ou outros meios de prova que não exclusivamente os documentos; b) com quem conviva ou tenha convivido: tais expressões devem ser interpretadas restritivamente. Quanto ao trecho “tenha convivido”, exige-se tenha sido a lesão corporal praticada em decorrência da convivência passada entre o autor e a vítima. c) prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Relações domésticas são as criadas entre os membros de uma família, podendo ou não existir ligações de parentesco. Coabitação é a moradia sob o mesmo teto, ainda que por breve período – deve ser lícita e conhecida dos coabitantes. Hospitalidade é a recepção eventual, durante a estadia provisória na residência de alguém, sem necessidade de pernoite. Em todos os casos, a relação doméstica, a coabitação ou a hospitalidade devem existir ao tempo do crime, pouco importando tenha sido o delito praticado fora do âmbito da relação doméstica, ou do local que ensejou a coabitação ou a hospitalidade. Aumento de pena da violência doméstica § 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço). § 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. A pena da lesão corporal leve cometida com violência doméstica será aumentada de 1/3 (um terço) quando a vítima for pessoa portadora de deficiência. Esse dispositivo foi acrescentado pela Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Deve tratar-se de pessoa portadora de deficiência e ligada ao autor do crime pelos laços de violência doméstica indicados pelo § 9º do art. 129 do CP. Pessoa portadora de deficiência é aquela que, em consequência de alguma enfermidade, permanente ou transitória, enfrenta debilidade em sua capacidade física ou mental. DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE O Código Penal trata nesse capítulo, que compreende os arts. 130 a 136, dos crimes de perigo. Contrariamente ao que fez nos artigos anteriores (arts. 121 a 129 – crimes de dano), não se exige para a consumação do delito a efetiva lesão ao bem jurídico penalmente tutelado. Prescinde-se do dano. É suficiente a exposição do bem jurídico a uma probabilidade de dano. Essa bipartição dos crimes – de dano e de perigo – relaciona-se com o grau de intensidade do resultado almejado pelo agente como consequência da conduta. Com efeito, crimes de dano ou de lesão são aqueles em que somente se produz a consumação com a Direito Penal – Parte Especial efetiva lesão do bem jurídico. São exemplos o homicídio e as lesões corporais (CP, arts. 121 e 129, respectivamente). Perigo de contágio venéreo Art. 130 - Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. § 1º - Se é intenção do agente transmitir a moléstia: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 2º - Somente se procede mediante representação. O art. 130 do CP prevê duas espécies de crime de perigo de contágio venéreo, diferenciadas pelo elemento subjetivo: no caput encontra-se a modalidade fundamental ou crime simples. Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo. No § 1º encontra-se a figura derivada ou crime qualificado (crime de médio potencial ofensivo, pois autoriza a suspensão condicional do processo, desde que presentes os demais requisitos exigidos pelo art. 89 da Lei 9.099/1995). No caput, o crime se consuma com a prática da relação sexual ou do ato libidinoso. A contaminação da vítima caracteriza simples exaurimento, indiferente no plano da tipicidade, mas que deve ser sopesado na dosimetria da pena-base (CP, art. 59, caput – “consequências do crime”). Na figura qualificada definida pelo § 1º, o crime também se consuma com a prática da relação sexual ou do ato libidinoso. Se a vítima for contaminada, quatro situações distintas podem ocorrer: a) se resultar lesão corporal leve, o sujeito responderá apenas pelo crime de perigo, por ser sua pena superior em abstrato à reprimenda prevista no art. 129, caput, do Código Penal; b) se resultar lesão corporal grave ou gravíssima, responderá pelo crime tipificado no art. 129, § 1º ou § 2º do CP, que absorve o crime de perigo; c) se resultar lesão corporal seguida de morte, responderá pelo crime definido pelo art. 129, § 3º, do CP, que absorve o crime de perigo; e d) se resultar a morte da vítima (com dolo direto ou eventual), o sujeito responderá por homicídio doloso, simples ou qualificado, se estiver presente alguma das circunstâncias elencadas pelo art. 121, § 2º, I a V, do CP. Perigo de contágio de moléstia grave Art. 131 - Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. Perigo para a vida ou saúde de outrem Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave. Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais. A pena será aumentada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordocom as normas legais. Trata-se de causa de aumento de pena inerente à segurança viária, ou seja, é crime de trânsito localizado no Código Penal. Sua principal finalidade é punir mais severamente o transporte de “boias-frias” sem as cautelas necessárias. Nada obstante, o transporte pode ser efetuado para empresas, públicas ou privadas, ou propriedades de qualquer natureza (sítios ou fazendas, fábricas, lojas, empresas em geral etc.). Quando a vítima for pessoa idosa e a conduta encontrar correspondência no art. 99 da Lei 10.741/2003, restará afastado o art. 132 do Código Penal (princípio da especialidade). Abandono de incapaz Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena - detenção, de seis meses a três anos. § 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de um a cinco anos. § 2º - Se resulta a morte: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. Aumento de pena § 3º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço: I - se o abandono ocorre em lugar ermo; II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima. III – se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos O caput define a modalidade simples do abandono de incapaz. Cuidase de crime de médio potencial ofensivo. Os §§ 1º e 2º elencam qualificadoras, em virtude da superveniência de um resultado agravador: lesão corporal grave ou morte. Na primeira espécie – abandono de incapaz qualificado pela lesão corporal grave –, e somente nela, também é possível a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/1995). Finalmente, o § 3º elenca causas de aumento da pena. Direito Penal – Parte Especial Núcleo do tipo: “Abandonar” traduz a ideia de desamparar, descuidar. O abandono é físico, no sentido de deixar o incapaz sozinho, sem a devida assistência. O abandono deve ser real: depende de separação física, distanciamento entre o responsável e o incapaz. Em qualquer caso (ação ou omissão), há de ser provado o perigo efetivo para a vítima em decorrência da conduta criminosa. Inexiste crime quando o incapaz é quem abandona seu protetor. Se a finalidade do abandono do incapaz for ocultar desonra própria, e tratando-se a vítima de recém-nascido, o crime será o de exposição ou abandono de recém-nascido (CP, art. 134). Sujeito ativo: É somente a pessoa que possui o dever de zelar pela vida, pela saúde ou pela segurança da vítima. Cuida-se de crime próprio, pois apenas pode ser praticado por aquele que tem o incapaz sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade. Destarte, é imprescindível a especial vinculação entre os sujeitos do delito, caracterizada pela relação jurídica estabelecida entre o agente e a vítima. Cuidado é a assistência eventual. Guarda é a assistência duradoura. Vigilância é a assistência acauteladora. Envolve pessoas normalmente capazes, mas que não podem se defender em razão de situações excepcionais. Autoridade é a relação de superioridade, de direito público ou de direito privado, para emitir ordens em face de outra pessoa. Sujeito passivo: É o incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono e que estava sob a guarda, cuidado, vigilância ou autoridade do sujeito ativo. Causas de aumento de pena: O § 3º elenca três causas que aumentam a pena em 1/3 (um terço): a) se o abandono ocorre em lugar ermo: Local habitual ou eventualmente solitário. Justifica-se o aumento pela maior dificuldade proporcionada ao incapaz para encontrar socorro (inciso I); b) se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima: fundamenta-se o aumento na maior reprovabilidade da conduta praticada quando presentes laços de parentesco ou de maior proximidade entre o autor e a vítima, os quais devem ser provados, e jamais presumidos (inciso II); c) se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos: Essa causa de aumento de pena foi inserida no CP pela Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso, em razão do número cada vez maior de pessoas idosas abandonadas por parentes na fase de suas vidas em que mais necessitam de cuidado e proteção. Exposição ou abandono de recém-nascido Art. 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. § 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - detenção, de um a três anos. § 2º - Se resulta a morte: Pena - detenção, de dois a seis anos. Esse delito representa uma figura privilegiada do abandono de incapaz (CP, art. 133) cometido por motivo de honra. Nada obstante estejam definidos por tipos penais autônomos, o abandono de incapaz é o crime fundamental, do qual deriva o tipo da exposição ou abandono de recém-nascido. Elemento normativo: O crime há de ser praticado “para ocultar desonra própria”. A honra aqui tratada é a de natureza sexual, a boa fama e a reputação que desfruta o autor ou a autora pelo seu comportamento decente e pelos bons costumes. O tipo penal pressupõe que o nascimento da criança deve ter sido sigiloso, no sentido de não ter chegado ao conhecimento de estranhos. A repetição do fato impede o reconhecimento do privilégio. Uma ação penal anterior por exposição de recém-nascido acarreta a impossibilidade de sustentar, quanto ao segundo crime, a ocultação de uma honra que a pessoa não mais possui. Abandono de recém-nascido é um crime próprio, que só pode ser cometido pela mãe da criança, com o fim de ocultar desonra própria. O sujeito passivo é o recém- nascido abandonado. Figuras qualificadas: A expressão lesão corporal de natureza grave (§ 1º) foi utilizada em sentido amplo, para abranger tanto as lesões corporais graves (CP, art. 129, § 1º) como as lesões corporais gravíssimas (CP, art. 129, § 2º). São crimes qualificados pelo resultado e estritamente preterdolosos. Se o sujeito agiu com dolo de dano (animus laedendi para as lesões corporais, animus necandi ou occidendi para a morte), a ele deve ser imputado o crime mais grave: lesão corporal grave ou gravíssima, infanticídio (se presente o estado puerperal) ou homicídio. A lesão corporal leve fica absorvida pelo abandono de incapaz, por se tratar de crime de dano com pena inferior à do crime de perigo. Omissão de socorro Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Direito Penal – Parte Especial Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte. Núcleos do tipo: “Deixar de prestar assistência” significa não socorrer quem se encontra em perigo. “Não pedir”, por sua vez, equivale a deixar de solicitar auxílio da autoridade pública para socorrer quem está em perigo. O agente, inicialmente, se puder fazê-lo sem risco pessoal, deve prestar socorro à vítima. Somente e quando não tiver condições de prestar diretamente o socorro, em face e risco pessoal, deve pedir o auxílio da autoridade pública. Cuida-sede típica hipótese de crime omissivo próprio ou puro, pois a omissão está descrita diretamente no tipo penal. Elemento normativo do tipo: É representado pela expressão “quando possível fazê-lo sem risco pessoal”. Não poderia a lei impor a alguém a prestação de socorro mediante a criação de risco fundado para sua integridade corporal. Quando presente o risco pessoal, o sujeito deve pedir socorro à autoridade pública, porque esta tem o dever legal de enfrentar o perigo (CP, art. 13, § 2º, a, e art. 24, § 1º). Em face desse critério hierárquico, o crime de omissão de socorro pode ser cometido de duas maneiras diversas: 1ª Falta de assistência imediata: o agente pode prestar socorro, sem risco pessoal, mas deliberadamente não o faz. 2ª Falta de assistência mediata: o sujeito não pode prestar pessoalmente o socorro, mas também não solicita o auxílio da autoridade pública. Sujeito ativo: Pode ser cometido por qualquer pessoa, mesmo que não tenha o dever de prestar assistência. Se várias pessoas negam a assistência, todas respondem pelo crime. Omissão médica: O crime de omissão de socorro pode ser praticado por um médico ao deixar de atender uma vítima necessitada. Igual raciocínio se aplica à enfermeira e a secretária do hospital que recusa o pronto atendimento médico. Sujeito passivo: São elas: criança abandonada, criança extraviada, pessoa inválida e ao desamparo, pessoa ferida e ao desamparo, e pessoa em grave e iminente perigo. Vejamos: a) Criança abandonada: é a pessoa com idade inferior a 12 anos (Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 2º) que foi intencionalmente deixada em algum lugar por quem devia exercer sua vigilância, e por esse motivo não pode prover sua própria subsistência. b) Criança extraviada: é a pessoa com idade inferior a 12 anos que está perdida, isto é, não sabe retornar por conta própria ao local em que reside ou possa encontrar resguardo e proteção. c) Pessoa inválida e ao desamparo: invalidez é a característica inerente à pessoa que não pode, por conta própria, praticar os atos cotidianos de um ser humano. Pode advir de problema físico u mental. Mas não basta a invalidez. Exige-se ainda esteja a pessoa ao desamparo, isto é, incapacitada para se livrar por si só da situação de perigo. d) Pessoa ferida e ao desamparo: é aquela que sofreu lesão corporal, não necessariamente grave, acidentalmente ou provocada por terceira pessoa. É imprescindível que também se encontre ao desamparo, ou seja, impossibilitada de afastar o perigo por suas próprias forças. e) Pessoa em grave e iminente perigo: o perigo deve ser sério e fundado, apto a causar um mal relevante em curto espaço de tempo. Não é necessário seja a vítima inválida, nem que esteja ferida. Obs.1: Omissão de socorro e vítima idosa: Em caso de omissão de socorro envolvendo vítima idosa, é dizer, pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, incide o crime tipificado pelo art. 97 da Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso. Obs.2: Omissão de socorro e Código de Trânsito Brasileiro: O art. 304 da Lei 9.503/1997 faz menção ao condutor do veículo que, na ocasião do acidente, deixa de prestar imediato socorro à vítima. Esse dispositivo será aplicável unicamente ao condutor de veículo que, agindo sem culpa, se envolva em acidente e não socorra imediatamente a vítima. Por sua vez, o crime de omissão de socorro tipificado pelo art. 135 do Código Penal será aplicável aos condutores de veículos automotores não envolvidos no acidente, bem como a qualquer outra pessoa que deixar de prestar socorro à vítima que se encontrar em alguma das situações por ele indicadas. Note-se também que o crime delineado pelo art. 304 da Lei 9.503/1997 é expressamente subsidiário. Condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial (Incluído pela Lei nº 12.653, de 2012). Art. 135-A. Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o Direito Penal – Parte Especial atendimento médico-hospitalar emergencial: (Incluído pela Lei nº 12.653, de 2012). Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. (Incluído pela Lei nº 12.653, de 2012). Parágrafo único. A pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte. (Incluído pela Lei nº 12.653, de 2012). na esfera penal, as situações descritas no art. 135-A do Código Penal sempre caracterizaram o crime de omissão de socorro (CP, art. 135), pois a pessoa a quem se condiciona o atendimento médico-hospitalar ao fornecimento de garantia ou ao preenchimento prévio de formulários administrativos indubitavelmente encontra-se “ferida” ou “em grave e iminente perigo”, e o sujeito ativo deixa de prestar-lhe assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal. Esta problemática, portanto, possui arcabouço jurídico para ser combatida pelo Poder Público e pelas pessoas em geral. Nesse cenário, se o Estado não desempenha a contento sua fiscalização sobre os estabelecimentos hospitalares, e se muitos particulares não reivindicam seus direitos perante a Administração Pública e o Poder Judiciário, não será o Direito Penal o salvador dos interesses em conflito. –Cheque-caução ou “cheque em garantia”: Cuida-se de título de crédito, normalmente preenchido em valor excessivo, com a finalidade de assegurar, no crime em análise, o pagamento de despesa médica, evitando-se o risco de inadimplemento da obrigação pelo paciente, ou ainda pela falta de cobertura pelo seu plano de saúde. –Nota promissória: Também é um título de crédito, representado pela promessa de pagamento do valor nela indicado. –“Qualquer garantia”: A fórmula utilizada deriva do emprego da interpretação analógica (ou intra legem), e abrange todas as situações diversas do cheque-caução e da nota promissória, mas que também colocam a entidade hospitalar em situação favorável, em prejuízo de quem necessita do atendimento médico-hospitalar emergencial, acarretando em risco efetivo à sua vida ou à sua saúde, a exemplo dos instrumentos particulares de confissão de dívida, do depósito em conta bancária, da entrega de bens (tais como joias e relógios), do endosso de outros títulos de crédito etc. Sujeito ativo: Pode ser qualquer funcionário ou administrador do estabelecimento de saúde que realize atendimento médico-hospitalar emergencial, e também o médico que se recusa a atender um paciente sem o fornecimento de garantia ou o preenchimento prévio de formulário administrativo (crime comum ou geral). É perfeitamente cabível o concurso de pessoas, nas modalidades coautoria e participação, a exemplo da situação em que o proprietário do hospital ordena ao atendente a exigência de cheque-caução como condição para o atendimento médico-hospitalar. Nessa seara, dois pontos merecem destaque: (a) o delito somente pode ser cometido no âmbito de hospitais particulares, pois nos estabelecimentos da rede pública de saúde é vedada a cobrança de qualquer valor para o atendimento médico. Se o funcionário público fizer esta exigência indevida, estará caracterizado o crime de concussão (CP, art. 316), sem prejuízo da responsabilidade pelo resultado decorrente da omissão frente ao atendimento médico, nos moldes do art. 13, § 2º, “a”, do Código Penal (dever legal); e (b) o crime não pode ser praticadopela pessoa jurídica (hospital), em face da ausência de previsão constitucional e legal nesse sentido. –O dever de agir para evitar o resultado: Se o sujeito possuir o dever de agir para evitar o resultado, e omitir-se em decorrência do não recebimento de garantia ou do não preenchimento de formulários administrativos, daí resultando lesão corporal de natureza grave (ou gravíssima) ou a morte da vítima, a ele será imputado o crime derivado da sua inércia. Causas de aumento da pena (art. 135-A, parágrafo único): A superveniência da lesão corporal de natureza grave (ou gravíssima) ou da morte da pessoa necessitada do atendimento médico-hospitalar emergencial funciona como causa de aumento da pena, incidente na terceira e derradeira fase da aplicação da pena privativa de liberdade. A majoração é obrigatória, reservando-se discricionariedade ao juiz para elevar a reprimenda até o dobro (lesão corporal grave em sentido amplo) ou até o triplo (morte). Como a lei não indicou o percentual mínimo, conclui-se que nos dois casos a exasperação será de 1/6 (um sexto) até o dobro ou até o triplo, pois tal montante é o menor admitido pelo Código Penal no tocante às causas de aumento da pena. As figuras agravadas são necessariamente preterdolosas, conclusão facilmente extraída das penas cominadas pelo legislador. Há dolo na exigência indevida de garantia ou do preenchimento prévio de formulários administrativos, e culpa no tocante ao resultado gravador (lesão corporal grave em sentido amplo ou morte). Nesses casos, ao contrário da modalidade fundamental contida no caput do art. 135-A, os crimes são materiais ou causais, pois a consumação reclama a concretização de qualquer dos resultados naturalísticos. Estatuto do Idoso: A Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso contempla, em seu art. 103,5 uma figura semelhante ao crime definido no art. 135-A do Código Penal: “Art. 103. Negar o acolhimento ou a permanência do idoso, como abrigado, por recusa deste em outorgar procuração à Direito Penal – Parte Especial entidade de atendimento: Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.” Vale destacar, em relação ao idoso, a inexistência de situação apta a exigir o atendimento médico-hospitalar emergencial. Não se trata de clínica médica ou hospital. Basta a negativa de acolhimento ou permanência da pessoa com idade igual ou superior a 60 anos em abrigo, diante da sua recusa em fornecer procuração à entidade de atendimento para administrar seus interesses. Maus-tratos Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando- a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa. § 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de um a quatro anos. § 2º - Se resulta a morte: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. § 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos. (Incluído pela Lei nº 8.069, de 1990) Núcleo do tipo: “Expor” significa colocar alguém em perigo. Cuida-se de crime de forma vinculada, pois a conduta de “expor a perigo a vida ou a saúde da pessoa” somente admite os modos de execução expressamente previstos em lei, quais sejam: a) Privação de alimentos ou cuidados indispensáveis: “Privar” equivale a destituir, retirar, tolher alguém de um bem ou objeto determinado. O crime, nessa hipótese, é omissivo próprio ou puro. Cuidados indispensáveis são os imprescindíveis à preservação da vida e da saúde de quem está sendo educado, tratado ou custodiado por alguém. b) Sujeição a trabalho excessivo ou inadequado: Trabalho excessivo é o capaz de prejudicar a vida ou a saúde de alguém, em razão de produzir anormal cansaço como decorrência do seu elevado volume. Deve ser aferido no caso concreto, levando-se em consideração os aspectos físicos da vítima. Trabalho inadequado é o impróprio para uma determinada pessoa, e por esse motivo apto a proporcionar perigo à vida ou à saúde de quem o realiza. c) Abuso dos meios de correção ou disciplina: Correção é o meio destinado a tornar certo o que está errado. Disciplina é o expediente utilizado para preservar a normalidade, isto é, manter certo aquilo que já está certo. Em ambas as situações o crime é comissivo. Surge o delito de maus-tratos, porém, quando o titular do direito de correção ou de disciplina dele abusa. Em outras palavras, o exercício do direito transmuda-se de regular para “irregular”. Sujeito ativo: O tipo penal reclama uma vinculação especial entre o autor e a vítima dos maus-tratos (crime próprio). O ofendido deve estar sob a autoridade, guarda ou vigilância do agente, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, mas pouco importa o grau de instrução ou a classe social do responsável pela conduta criminosa. Art. 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente x maus- tratos: Tratando-se de criança ou adolescente sujeita à autoridade, guarda ou vigilância de alguém e submetida a vexame ou de constrangimento, aplica-se o art. 232 da Lei 8.069/1990. Note-se que a vida ou a saúde da criança ou do adolescente não é exposta a perigo. Limita-se o sujeito a constrangê-la ou humilhá-la, tal como quando a reprime abusivamente em local público e na presença de outras pessoas. Distinção entre os crimes de tortura e maus-tratos: A distinção entre os crimes de tortura e de maus-tratos deve ser feita no caso concreto: aquela depende de intenso sofrimento físico ou mental, enquanto para este é suficiente a exposição a perigo da vida ou da saúde da pessoa. Ademais, o delito de maus-tratos é de perigo (dolo de perigo), e o de tortura, de dano (dolo de dano). Portanto, a diferenciação se baseia no elemento subjetivo. Se o fato é praticado por alguém para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, mas com imoderação, o crime é de maus-tratos. Sem essa finalidade, ou seja, realizado o fato apenas para submeter a vítima a intenso sofrimento físico ou mental, o delito é de tortura. DA RIXA Rixa Art. 137 - Participar de rixa, salvo para separar os contendores: Pena - detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa. Rixa qualificada Parágrafo único - Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo fato da participação na rixa, a pena de detenção, de seis meses a dois anos. Obs.1: O crime de rixa é uma luta desordenada, um tumulto, envolvendo troca de agressões entre três ou mais pessoas. É um crime instantâneo, ocorrendo sua consumação com as agressões recíprocas, pois é nesse momento que ocorre o perigo à vida ou à saúde da pessoa humana. Os participantes da rixa devem responder pelos atos de violência, momento em que há a produção do resultado, independente das consequências. Obs.2: A rixa é um crime plurissubjetivo ou de concurso necessário. O tipo penal reclama a participação de, no Direito Penal – Parte Especial mínimo, três pessoas, bastando um imputável para a configuração do crime. Não importa se os outros eram inimputáveis ou desconhecidos. O importante é a comprovação do número de pessoas participantes. É de se ressaltar que aquele que ingressa na contenda para separar os rixosos não poderá fazerparte do número exigido pela norma incriminadora, conforme art. 137 do CP. Obs.3: o crime se consuma com a prática de vias de fato ou violências recíprocas. Obs.4: Rixa qualificada: Também chamada de rixa complexa, está prevista no parágrafo único deste artigo. Permite a conclusão de que todos os rixosos, pelo fato da participação na rixa, suportarão a qualificadora quando ocorre lesão corporal de natureza grave ou morte, pouco importando qual deles foi o responsável pela produção do resultado agravador. É indiferente que a morte ou a lesão corporal de natureza grave tenha sido produzida em um dos rixosos ou em um terceiro, alheio à rixa, apaziguador ou mero transeunte. De igual modo, também há rixa qualificada quando um estranho mata um dos rixosos quando de sua intervenção destinada a conter o tumulto. Basta, em qualquer dos casos, a relação de causalidade entre a rixa e o resultado naturalístico. A pena da rixa qualificada é a mesma, tanto se resultar lesão corporal de natureza grave como se resultar morte. O resultado agravador (lesão corporal de natureza grave ou morte) pode ser doloso ou culposo. Não se cuida de crime essencialmente preterdoloso. As lesões leves e a tentativa de homicídio não qualificam a rixa. Rixa e homicídio: “Não tendo sido apurado o autor do tiro causador do homicídio, não é admissível que por ele respondam todos os participantes da rixa, que pressupõe grupos opostos” (STF: AP 196/PB, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, Tribunal Pleno, j. 10.06.1970). DOS CRIMES CONTRA A HONRA Honra é o conjunto das qualidades físicas, morais e intelectuais de um ser humano, que o fazem merecedor de respeito no meio social e promovem sua autoestima. É um sentimento natural, inerente a todo homem e cuja ofensa produz uma dor psíquica, um abalo moral, acompanhados de atos de repulsão ao ofensor. Representa o valor social do indivíduo, pois está ligada à sua aceitação ou aversão dentro de um dos círculos sociais em que vive, integrando seu patrimônio. Trata-se de patrimônio moral que encontra proteção como direito fundamental do homem no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal (fundamento constitucional dos crimes contra a honra). Bem jurídico: Os crimes de calúnia e difamação ofendem a honra objetiva da vítima, ou seja, sua reputação social. Já o crime de injúria ofende a honra subjetiva da vítima, em outras palavras, sua estima própria. Estes crimes fazem parte do capítulo dos crimes contra a honra, englobados no título dos crimes contra a pessoa. Calúnia Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa. § 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga. § 2º - É punível a calúnia contra os mortos. Exceção da verdade § 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo: I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível; II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141; III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível. Núcleo do tipo: É “caluniar”. O legislador foi redundante. Com efeito, caluniar é imputar, razão pela qual não era necessário dizer: “caluniar alguém, imputando-lhe...”. A conduta consiste em atribuir a alguém a prática de determinado fato. Esse fato, entretanto, deve ser previsto em lei como criminoso. Imputação falsa de contravenção penal atinge a honra, configurando crime de difamação, mas não calúnia. O fato deve ser também verossímil, pois em caso contrário não há calúnia. Se não bastasse, é fundamental seja a ofensa dirigida contra pessoa certa e determinada. Requisitos da calúnia: • a imputação de um fato; • esse fato imputado à vítima deve, obrigatoriamente, ser falso; • além de falso, o fato deve ser definido como crime. Consumação: No crime de calúnia, delineado no art. 138 do CP, há a ofensa da honra objetiva da vítima, ou seja, sua credibilidade no seu meio social. Sua consumação acontece quando terceiros tomam conhecimento do fato calunioso. É possível a tentativa, quando a ofensa é escrita e o autor intercepta, impedindo que chegue nas mãos de terceiros. Difamação Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. Exceção da verdade Direito Penal – Parte Especial Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções. Trata-se de crime que ofende a honra objetiva e, da mesma forma que na calúnia, depende da imputação de algum fato a alguém. Esse fato, todavia, não precisa ser criminoso. Basta tenha capacidade para macular a reputação da vítima, isto é, o bom conceito que ela desfruta na coletividade, pouco importando se verdadeiro ou falso. A imputação de fato definido como contravenção penal tipifica o crime de difamação, pois a calúnia depende da imputação falsa de crime. Requisitos da difamação: • imputação de fato; • verdadeiro ou falso; • ofensivo à reputação. Consumação: tem-se por consumada a infração penal quando terceiro, que não a vítima, toma conhecimento dos fatos ofensivos à reputação desta. É possível a tentativa. Obs.1: o crime de calúnia, definindo ser aquele no qual a pessoa atribui a outra falsamente fato definido como crime. Há de ser uma acusação falsa, definida como crime, manchando a reputação da pessoa em seu meio social. É um ataque à honra objetiva do sujeito passivo. É com precisão o caso da questão em tela. Diferentemente, a difamação é a imputação de um fato ofensivo à reputação da pessoa. Este fato não é definido como crime nem necessita ser falso. Obs.2: O enunciado do art. 138 do Código Penal explicita ser calúnia a imputação falsa de fato definido como crime. A atribuição de uma contravenção em vez de crime caracteriza uma difamação e não calúnia, em respeito ao princípio da legalidade. Obs.3: O crime de difamação, tratado no art. 139 do CP, é expresso quanto à admissão da exceção da verdade. Ela só será possível quando o ofendido for funcionário público e a ofensa for relativa ao exercício de suas funções. O fundamento reside no princípio da moralidade administrativa. Nos demais casos não há que se falar em exceção da verdade no crime de difamação. Injúria Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. § 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena: I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. Caracteriza-se o delito com a simples ofensa à dignidade ou ao decoro da vítima, mediante xingamento ou atribuição de qualidade negativa. Consumação e bem jurídico: aquele que ofende a dignidade ou decoro de outrem comete injúria. É um insulto, uma qualidade negativa, que macula a honra subjetiva da vítima, ou seja, o que a pessoa pensa de si mesma, sua autoestima. Não há necessidade, para consumação do delito, de conhecimento do fato injurioso por terceiros. Obs.: O instituto da exceção da verdade não é cabível para a injúria. Ela é admitida para a calúnia e na difamação, de acordo com o art. 138, §3° e art. 139, parágrafo único, respectivamente.
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