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1 Sumário RESUMO ................................................................................................................................. 2 LISTA DE SIGLAS .................................................................................................................. 3 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 4 DESENVOLVIMENTO ........................................................................................................... 6 Vitaminas e o Sistema Imunológico ...................................................................................... 6 Vitamina A ........................................................................................................................ 7 Vitamina D ...................................................................................................................... 10 Perspectivas Gerais......................................................................................................... 13 A relação existente entre o colesterol e o câncer .................................................................. 16 Perspectivas Gerais......................................................................................................... 22 Desnutrição protéico-calórica e o Sistema Imune ................................................................. 26 Macronutrientes e a imunidade ....................................................................................... 27 Infecção, DPC e o Sistema Imune .................................................................................... 30 Síndrome da anorexia-caquexia VS. Desnutrição protéico-calórica ................................. 32 Perspectivas Gerais......................................................................................................... 33 CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS GERAIS ........................................................................ 36 LISTA DE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 39 CORRESPONDÊNCIA COM OS AUTORES ........................................................................ 42 2 RESUMO A relação entre o estado nutricional e o sistema imunológico é um importante tema de estudo há décadas. A deficiência de micronutrientes, como vitaminas, resulta em resposta imune alterada, envolvendo a resposta inata e a adaptativa. A desnutrição protéico-energética também está associada a um comprometimento significativo da imunidade, alterando os a imunocompetência do organismo. Ademais, os nutrientes apresentam forte influência sobre o desenvolvimento do câncer. Sabe-se que existe uma intensa relação de interdependência entre a fisiopatologia do câncer e o colesterol. Portanto, esse trabalho busca revisar os efeitos da alimentação sobre o sistema imune, investigando o papel das vitaminas, a desnutrição protéico-calórica e a associação do colesterol com o câncer. Além disso, analisa a contribuição desses nutrientes no prognóstico das doenças e nas possíveis aplicações terapêuticas. ABSTRACT The relationship between nutritional status and the immune system has been an important topic of study for decades. A deficiency of micronutrients, such as vitamins, results in altered immune response, involving the innate and adaptive responses. Protein-energy malnutrition is also associated with a significant impairment of immunity by changing the immune competence. Moreover, the nutrients have a strong influence on the development of cancer. It is well known that there is a strong interdependence between the pathophysiology of cancer and cholesterol. Therefore, this paper aims to review the effects of nutrition on the immune system, investigating the role of vitamins, protein-calorie malnutrition and the association of cholesterol with cancer. It also examines the contribution of nutrients in disease outcomes and possible therapeutic applications. 3 LISTA DE SIGLAS 1,25(OH)2VD3 – 1,25 dihidroxivitamina D3 Akt – Proteína quinase B APC – Célula apresentadora de antígenos Células NK – Linfócitos citotóxicos naturais CPH – Complexo principal de histocompatibilidade CRABPs – Proteínas celulares ligantes do ácido retinóico DPC – Desnutrição protéico-calórica DVA – Deficiência de vitamina A FABP5 – Proteína ligante do ácido graxo 5 HDL – Lipoproteína de alta densidade Ig – Imunoglobulina IL – Interleucina INF – Interferon LDL – Lipoproteína de baixa densidade PPARβ – Peroxisome proliferator-activated receptor β RAR – Receptor do ácido retinóico Receptor FAS – Antígeno apoptótico 1 RXR – Receptor do retinóide X SAC – Síndrome da anorexia caquexia Ta – Linfócito T auxiliar TNF – Fator de necrose tumoral Treg – Linfócito T regulador VDR – Receptor da vitamina D 4 INTRODUÇÃO Os alimentos são o centro de todas as culturas, em tempos de alegria e de tristeza. A relação entre o estado nutricional e o sistema imunológico tem sido um tema de estudo há décadas 5, 22 . Hoje percebemos a importância crucial da ingestão de alimentos e do estado nutricional na regulação das defesas do hospedeiro e no risco de doença aguda e crônica 6 . A desnutrição protéico-energética está associada a um comprometimento significativo da imunidade mediada por células, a função dos fagócitos, sistema complemento, concentrações de anticorpos imunoglobulina A e produção de citocinas 6 . A desnutrição é a principal causa de imunodeficiência secundária no mundo 5, 12, 22, 31 , aumentando o risco de infecções e morte. A deficiência de nutrientes individuais – como o zinco, o selênio, o ferro, o cobre, as vitaminas e o ácido fólico – também resulta em resposta imune alterada, a qual é observada mesmo quando o estado de deficiência é relativamente leve 6 . As vitaminas exercem papéis no sistema imunológico que vão desde a resposta imune inata até a resposta imune adaptativa 16 . Por isso, a ingestão de quantidades adequadas de vitaminas é essencial para o bom funcionamento das funções imunes, enquanto a deficiência desses micronutrientes é deletéria para tais atividades, aumentando a suscetibilidade a infecções 32 . É crescente, também, o interesse pelo câncer 7, 14, 25, 26, 28, 29, 30 . Entendido como uma doença multifatorial, são muito relevantes as influências dos hábitos alimentares na sua gênese e progressão 13 . Através de pesquisas e observações clínicas, ficam cada vez mais claras as relações de interdependência entre a fisiopatologia do câncer e o colesterol. 5 Esse trabalho busca revisar os efeitos da alimentação sobre o sistema imune, investigando a desnutrição protéico-calórica, o papel das vitaminas e a associação do colesterol com o câncer, bem como analisa a contribuição desses nutrientes no prognóstico e até mesmo na aplicação terapêutica. 6 DESENVOLVIMENTO Vitaminas e o Sistema Imunológico Bruna Lasserré Nunes Coêlho Vitaminas são componentes orgânicos necessários em pequenas quantidades na dieta, uma vez que não podem ser sintetizados em quantidades suficientes pelo organismo 16 . As vitaminas e seus metabólitos são essenciais para um grande número de processos fisiológicos, apresentando diversas funções, como hormonais, antioxidantes, de regulação do crescimento e da diferenciação tecidual, entre outras. Além disso, as vitaminas exercem papéis no sistema imunológico que vão desde a resposta imune inata até a resposta imune adaptativa 16 . Por isso, a ingestão de quantidades adequadas de vitaminas é fundamentalpara o eficiente funcionamento das funções imunes, enquanto a deficiência desses micronutrientes é deletéria para tais atividades, aumentando a suscetibilidade a infecções 32 . Enquanto algumas vitaminas, como a vitamina C, a vitamina E e membros do complexo B, podem agir de maneiras relativamente inespecíficas no sistema imune (como antioxidantes, por exemplo), outras vitaminas, como a vitamina A e a vitamina D, são capazes de influenciar a resposta imune de maneiras altamente específicas 16 . Ingestão adequada de vitaminas antioxidantes, como B6, folato, B12, C e E, bem como de alguns oligoelementos com semelhante função, como selênio, zinco, cobre e ferro, dão suporte a resposta imune Ta1, com produção de citocinas pró-inflamatórias, o que mantém uma resposta imune efetiva e evita o deslocamento para uma resposta imune anti-inflamatória Ta2 e o aumento do risco de infecções extracelulares 32 . 7 As vitaminas A e D são notavelmente distintas de outras vitaminas pelo fato de seus respectivos metabólitos bioativos, ácidoretinóico e 1,25-diidroxivitamina-D3, terem propriedades hormonais 16 . Vitamina A A vitamina A pode ser obtida na dieta sob as formas de all-trans-retinol, ésteres de retinil ou β-caroteno. O retinol é transportado no sangue por meio da formação de um complexo com retinol-bindingprotein (RBP) e transthyretin (TTR). No fígado, o retinol é esterificado a ésteres de retinil, os quais são armazenados nas células estreladas. Já nos tecidos, o retinol e o β-caroteno são oxidados a all-trans-retinal por álcool desidrogenases (ADHs) ou desidrogenases/ redutases de cadeia curta (SDRs), que são enzimas expressas constitutivamente. O retinal é então oxidado a ácido all- trans-retinóico por meio de uma reação irreversível catalisada por enzimas retinaldehidrogenases (RALDHs), cuja expressão é estreitamente controlada 16 . Em mamíferos adultos, as RALDHs podem ser encontradas em algumas células associadas ao intestino, incluindo células epiteliais intestinais (IECs) e células dendríticas intestinais, como as das placas de Peyer, e em linfonodos mesentéricos 16 . O ácido retinóico exerce seus múltiplos efeitos ligando-se a receptores nucleares da família dos receptores de ácido retinóico (RAR). Estes heterodimerizam com receptores nucleares da família dos receptores retinóides X (RXR), formando os heterodímeros RAR-RXR. Esses heterodímeros interagem com elementos de resposta do ácido retinóico (RAREs) nas regiões promotoras dos genes responsivos ao ácido retinóico. Proteínas RAR são constitutivamente expressas e são reguladas positivamente pelo ácido retinóico 16 . 8 Como veremos posteriormente, o receptor nuclear da vitamina D (VDR) também forma heterodímeros com a proteína RXR (bem como com outros receptores nucleares). Portanto, é possível que alguns ligantes, como o ácido retinóico e o 1,25(OH)2VD3, tenham efeitos antagonistas 16 . Além disso, o ácido retinóico também pode se ligar e sinalizar através do receptor nuclear PPARβ (também conhecido como PPARδ). A sinalização ocorrerá através de RAR ou de PPARβ a depender da proporção de proteínas celulares ligantes do ácido retinóico (CRABPs) em relação à proteína ligante de ácido graxo 5 (FABP5). Uma razão alta de CRABP:FABP5 promove sinalização por RAR através da canalização do ácido retinóico para o RAR mediada por CRABP, o que resulta em inibição do crescimento e apoptose em algumas linhagens celulares. Já uma baixa razão CRABP:FABP5 favorece a interação do ácido retinóico com PPARβ mediada por FABP5, o que resulta em sobrevivência nas mesmas linhagens celulares 16, 24 . Quanto às suas funções imunomodulatórias, o ácido retinóico 16, 32 : (1) estimula a citotoxicidade e a proliferação de células T (provavelmente mediada, ao menos em parte, pelo aumento da secreção de IL-2 e da sinalização em células T); (2) inibe a proliferação de células B, embora também já tenha sido encontrado que ele (3) estimula sua ativação sob algumas condições; (4) inibe a apoptose de células B; (5) aumenta a migração de células dendríticas infiltradoras de tumor para linfonodos de drenagem, o que pode estimular respostas de células T específicas tumorais; (6) aumenta a maturação e a capacidade de apresentação de antígenos de células dendríticas sob condições de estímulos inflamatórios, como na presença de TNF; (7) induz a expressão do gene IL-4, promovendo a diferenciação em células Ta2; (8) bloqueia a expressão do regulador de células Ta1, T-bet, o que resulta na supressão da produção de IL-12, TNF-α e INF-γ 9 pelos linfócitos Ta1; (9) estimula os fatores de transcrição promotores de Ta2, como o GATA3 (trans-acting T-cell-specific transcription fator GATA-3), o MAF (fator ativador de macrófagos) e o STAT6 (sinal transdutor e ativador de transcrição 6); (10) estimula a diferenciação em células Treg; (11) estimula a expressão de receptores para homing na mucosa intestinal nas células Treg; (12) induz a expressão da α4β7-integrina e de CCR9 (necessária à migração de linfócitos efetores e de memória para o intestino delgado); (13) induz a diferenciação em células Ta17, quando em baixas concentrações – o que demonstra que o ácido retinóico tem um papel duplo na manutenção da tolerância imunológica, dependendo da sua concentração, favorecendo a indução de células Treg e, simultaneamente, bloqueando ou estimulando a diferenciação em células Ta17; (14) induz a secreção de IgA, desde que na presença de IL-5 ou IL-6 e células dendríticas. Em relação à deficiência de vitamina A (DVA), alguns dados epidemiológicos são alarmantes. Atualmente, 23% das mortes por diarreia em crianças brasileiras são reconhecidamente associadas à DVA 19 . Ademais, a DVA constitui um problema grave em mais de 60 países, e o Brasil foi classificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) como área de carência sub-clínica grave 19 . A ingestão inadequada de alimentos que são fonte de vitamina A é o principal fator etiológico para a DVA, mas há também fatores coadjuvantes, como a reduzida ingestão de lipídeos (responsável pelo aumento da biodisponibilidade da vitamina A e provitamina A), alta prevalência de infecções, e tabus alimentares que aumentam a demanda ou interferem na ingestão e metabolização da vitamina A pelo organismo 19 . 10 Há uma relação evidente entre um estado nutricional ruim de vitamina A e as doenças infecciosas: um parece aumentar o risco do outro 15 . Estudos mostram que a deficiência de vitamina A, mais do que qualquer outra, se associa desde uma etapa relativamente inicial com a aparição de infecções, especialmente as que afetam os tecidos epiteliais 15 . A DVA altera a integridade da mucosa epitelial, principalmente devido à perda de células caliciformes, produtoras de muco. Tal quadro prejudica o adequado funcionamento da imunidade inata e leva a um aumento da suscetibilidade a vários patógenos no olho e nos tratos respiratório e gastrointestinal 32 . Além disso, a DVA foi associada com a diminuição das atividades fagocitária e oxidativa de macrófagos durante a inflamação, com aredução do número e da atividade de células NK, bem como com a estimulação excessiva da resposta inflamatória relacionada ao aumento da produção de IL-12 e TNF-α 32. Também já foi demonstrado que a imunidade humoral é prejudicada pela VDA, o que é consistente com a dominância da resposta Ta1 e supressão da resposta Ta2 (a qual estimula a produção de IgG1, IgE e IgA) existentes nesse quadro nutricional 32 . Portanto, o estado nutricionalde vitamina A é de extrema importância em diversas infecções. Com relação à SIDA, por exemplo, a mortalidade dos pacientes é maior quando têm níveis de retinol sérico baixos 15 . Em crianças com sarampo, doença considerada parte do histórico de saúde de crianças normais, a DVA pode tornar a doença mortal 19 . Vitamina D A vitamina D3, forma da vitamina D fisiologicamente mais importante, pode ser sintetizada na pele a partir do 7-dehidrocolesterol, processo este dependente da luz 11 solar, especificamente da radiação ultravioleta B, e também pode ser adquirida na dieta ou em suplementos de vitamina 16 . A vitamina D3 é, então, convertida no fígado a 25-hidroxivitamina D3 (25(OH)VD3), que é a principal forma circulante de D3. A 25(OH)VD3 é metabolizada nos rins a 1,25-dihidroxivitamina D3 (1,25(OH)2VD3), o metabólito fisiologicamente mais ativo da VD3 16 . Além de ser processada no fígado e nos rins, a VD3 também pode ser metabolizada nas células imunitárias; nesse caso, o metabólito 1,25(OH)2VD3 fica concentrado nos microambientes linfoides ricos em VD3, aumentando sua ação específica e limitando efeitos sistêmicos indesejáveis, como a elevada reabsorção óssea e a hipercalcemia 16 . Macrófagos e algumas células dendríticas são capazes de converter VD3 em 1,25(OH)2VD3; entretanto, células T ativadas (e provavelmente também as células B), só são capazes de realizar a conversão da 25(OH)VD3 em 1,25(OH)2VD3 16 . Por fim, a enzima 24-hidroxilase, mais abundante nos rins e no intestino, cataboliza a 1,25(OH)2VD3 para a sua forma inativa, ácido calcitroico, que é então secretado na bile 16 . A 1,25(OH)2VD3 produzida nos tecidos linfoides pode agir de forma autócrina ou parácrina. Ela se liga ao receptor nuclear de vitamina D (VDR), e o complexo forma heterodímeros com receptores da família RXR, que se ligam, então, a elementos de resposta a VD3 (VDREs) nas regiões promotoras dos genes responsivos a VD3 16 . Quanto às suas funções imunomodulatórias, é marcante o efeito inibitório exercido pela 1,25(OH)2VD3 sobre as células da imunidade adaptativa. Ela inibe a proliferação de linfócitos T, a expressão da IL-2 e do INF-γ em linfócitos T e a 12 citotoxicidade mediada por linfócitos T CD8+. Tais efeitos inibitórios são mais pronunciados em células T de memória, o que é compatível com uma maior expressão de VDR em linfócitos T efetores e de memória se comparada à de células T virgens 16 . De modo geral, a 1,25(OH)2VD3 age na diferenciação dos linfócitos T efetores inibindo a indução de citocinas de Ta1, particularmente INF-γ, enquanto promove respostas de Ta2; tal efeito é mediado tanto indiretamente, pela diminuição na produção de INF-γ, quanto diretamente pelo estimulo à produção de IL-4. Além disso, ela também atua sobre as células dendríticas, suprimindo a síntese de IL-12, envolvida em respostas por Ta1. A 1,25(OH)2VD3 também inibe respostas mediadas por Ta17 (provavelmente devido, ao menos em parte, à sua capacidade de inibir a produção de IL-6 e IL-23), enquanto induz a diferenciação e/ou expansão de células Treg FOXP3 + 16 . A 1,25(OH)2VD3 também inibe a proliferação de linfócitos B, a diferenciação de plasmócitos e a secreção de IgG. Tais ações, supõe-se, podem ser indiretamente mediadas pelos efeitos que ela tem sobre o funcionamento das células apresentadoras de antígenos (APCs) e/ou sobre as células T auxiliares 16 . A 1,25(OH)2VD3 é capaz de exercer tanto efeitos inibitórios quanto estimulatórios sobre as células da imunidade inata. Ela inibe a diferenciação, maturação e capacidade imunoestimulatória de células dendríticas através da diminuição da expressão de moléculas do CPH de classe II e de CD40, CD80 e CD86. Quanto aos efeitos estimulatórios, ela aumenta a produção de IL-10 (provavelmente aumentando a produção de células Treg do tipo 1), estimula a proliferação de monócitos humanos in vitro e aumenta a produção de IL-1 e do peptídeo bactericida catelicidina por monócitos e macrófagos 16 . 13 A partir disso, é compreensível a associação entre a deficiência de vitamina D e o aumento de infecções. Vários estudos já foram feitos comprovando a associação entre baixos níveis de vitamina D e taxas de influenza, de bacterioses vaginais e de HIV 2 . A deficiência de vitamina D também aumenta o risco de desenvolver e de apresentar casos mais severos de tuberculose. Além disso, sabe-se há mais de 100 anos que a exposição à luz solar ajuda no tratamento da tuberculose 11 . Os efeitos benéficos da vitamina D na imunidade contra tais infecções deve-se, em parte, aos seus efeitos estimulatórios sobre a imunidade inata 2 . Há, também, crescentes evidências epidemiológicas associando a deficiência de vitamina D às doenças autoimunes, incluindo-se a esclerose múltipla, a artrite reumatoide, o diabetes mellitus, doenças inflamatórias intestinais e o lúpus eritematoso sistêmico 2 . A deficiência da vitamina D também já foi associada ao aumento dos riscos de desenvolver câncer, como o linfoma de Hodgkin, câncer de cólon, de pâncreas, de próstata, de ovário, de mama, entre outros, bem como aumenta o risco de morrer em decorrência da doença. Sugere-se que tal ligação seja devido à capacidade da 1,25(OH)2VD3 de induzir apoptose e prevenir angiogênese em células que se tornam malignas, reduzindo o potencial de sobrevivência de células malignas 10 . Perspectivas Gerais Apesar da enorme quantidade de estudos já realizados e atualmente em andamento com foco nas propriedades imunomodulatórias das vitaminas, muito ainda pode ser pesquisado para a adoção de práticas preventivas e de tratamento. É evidente a importância de quantidades adequadas dessas substâncias para um funcionamento 14 equilibrado do sistema imune, especialmente das vitaminas A e D, para as quais já existem mais estudos aprofundados apontando para a complexidade de suas ações sobre as células das imunidades inata e adaptativa. Com relação à via bioquímica de ativação transcricional e às funções exercidas pelo RA, por exemplo, chama a atenção a sua atividade dual sobre as células no que diz respeito à sobrevivência e à proliferação celular. Tal aspecto, decorrente da ativação de dois receptores nucleares de ações distintas (RAR e PPARβ), como descrito anteriormente, se deve à ligação preferencial do RA a uma de duas proteínas mediadoras (CRABP-II e FABP5) 16, 24 . Sabe-se que sua ação na sobrevivência e proliferação de determinada célula é, portanto, determinada pela sua proporção CRABP-II/FABP5: se ela for alta, a transcrição tenderá para fatores de indução da apoptose e da inibição do crescimento; se ela for baixa, para fatores ligados à sobrevivência e proliferação 16, 24 . Logo, uma promissora linha de pesquisa poderia ser na aplicação desse aspecto funcional do RA para a indução do padrão pró-apoptótico em células onde originalmente predominava um padrão anti-apoptótico. Para demonstrar a supracitada ação dual do RA, diversos estudos 24 alteraram a proporção CRABP-II/FABP5 a fim de determinar se ela é mesmo responsável por induzir mecanismos apoptóticos ou anti-apoptóticos. Eles o fizeram por meio da indução ou inibição da transcrição de cada uma das proteínas, seguida da exposição aos seus ligantes, incluindo o RA (importante ressaltar aqui que elas interagem com diversos ligantes, não somente o RA). Portanto, se for possível reproduzir em células tumorais humanas essa alteração de transcrição das proteínas CRABP-II e FABP5, levando ou à mudança na proporção 15 CRABP-II/FABP5se ela for baixa, ou à superexpressão da CRABP-II quando ela já for alta, poderia ser viável induzir a regressão tumoral, mesmo sem aumentar os níveis de RA no organismo pela suplementação de vitamina A, a qual pode levar ao seu excesso, sendo prejudicial às demais funções orgânicas da substância. Ainda, desenvolver mais pesquisas com o intuito de conhecer quais são os genes transcritos por RAR e por PPARβ, a fim de determinar as implicações dessa mudança na proporção CRABP-II/FABP5 para as demais funções celulares em níveis celular, tecidual e sistêmico, e avaliar os riscos envolvidos nessa possível terapia. Pesquisas com foco nas funções desempenhadas pelos demais ligantes das proteínas CRABP-II e FABP5 também poderiam indicar a possibilidade de, através de algum deles, atuar exclusivamente nos mecanismo apoptóticos/anti-apoptóticos, ao invés de, por exemplo, fazer suplementação de vitamina A, a qual acarretaria em alterações em outros papéis da substância. Além disso, a vitamina D também está envolvida em uma série de doenças para as quais as possibilidades terapêuticas ainda são limitadas, como as doenças autoimunes, os processos alérgicos e o câncer, como citado anteriormente. Com relação a essas doenças, sabe-se que muitos dos pacientes apresentam deficiência de vitamina D, mas não todos eles; nesses, a terapia com suplementação de VD3 não traz benefícios significativos. Conhecer o mecanismo envolvido nos pacientes que apresentam níveis normais de vitamina D poderia, possivelmente, revelar se o processo patológico se deve a alterações em alguma etapa das vias bioquímicas de transformação da VD3 em 1,25(OH)2VD3 e da ação desse metabólito sobre as funções celulares. 16 A relação existente entre o colesterol e o câncer Matheus Papa Vieira O câncer é hoje um dos assuntos que mais permeiam a literatura científica mundial. Não se trata de uma doença, mas muitas desordens que compartilham uma profunda desregulação do crescimento 29 . Por esse motivo, trata-se de um evento multifatorial: dividem-se as etiologias do câncer em causas exógenas (ambientais) e endógenas (genéticas). Segundo o Instituto Nacional do Câncer 13 , são variáveis geradoras de processos cancerígenos: hábitos alimentares, tabagismo, contextos ambientais estressantes, fatores comportamentais, fatores genéticos, étnicos e ocupacionais. Quando se foca nos hábitos alimentares, é perceptível a alteração no perfil alimentar da população brasileira: se por um lado observamos o declínio da desnutrição, por outro a obesidade se apresenta como um grande problema de saúde pública em ascensão que afeta indistintamente adultos e crianças 8 . Diretamente proporcional ao aumento da obesidade que se observa no Brasil e no mundo, está o consumo crescente do colesterol 8 . Fisiologicamente, o colesterol é uma molécula fundamental que constitui 30% dos lipídeos constituintes da membrana plasmática sendo absolutamente necessário para sua síntese, estabilidade, arquitetura, fluidez e permeabilidade. Contribui ainda para propriedades fisiológicas das membranas celulares, regulando a fluidez, promovendo curvatura negativa da membrana e interdigitando cadeias Acil de fosfolipídeos para criar microdomínios na membrana 28 . Esses microdomínios, ou lipidraft, são áreas da membrana celular, formadas por gliocoesfingolipídeos, colesterol e proteínas, funcionando como plataforma onde algumas proteínas se fixam, permitindo atuarem em 17 conjunto e serem transportadas dentro da dupla camada lipídica 27, 30 . Importantes funções celulares são atribuídas aos microdomínios, como moduladores da sinalização celular, mediadores da adesão celular e também por funcionarem como antígenos 28 . Os níveis de colesterol no organismo são como uma faca-de-dois-gumes: tanto taxas elevadas quanto baixas de colesterol estão associadas a aumento da mortalidade. Taxas elevadas estão relacionadas a doenças cardiovasculares. A mortalidade relacionada aos baixos níveis de colesterol ainda é um mistério, mas pode estar relacionada à hepatite ou ao câncer (não é o baixo nível de colesterol que causa câncer, mas o câncer que leva a esses baixos níveis de colesterol) 28 . Sabendo as funções do colesterol já citadas, pode-se pensar, portanto, qual seria a relação dessa molécula com o processo de carcinogênese. A carcinogênese é um processo complexo e geralmente demorado, o qual envolve reprogramação genética, mecanismos de sinalização, componentes estruturais e do metabolismo energético da célula 7 . Há muitas evidências que comprovam essa relação existente entre o colesterol e a carcinogênese; por exemplo, verifica-se que os níveis séricos de colesterol em pacientes oncológicos (principalmente HDL) encontram se baixos, enquanto as membranas das células tumorais são ricas em colesterol 7 . A célula neoplásica utiliza o colesterol para promover entre outras coisas o aumento da sua proliferação, o crescimento tumoral, a redução da apoptose, a neogênese e a metástase 7 . É evidente a relação do colesterol com a proliferação celular, uma vez que ele serve de matéria prima para a formação de membranas celulares e, portanto, é imprescindível para a formação de células novas. As apolipoproteínas são proteínas que se ligam a lipídeos e medeiam o transporte de colesterol para os tecidos periféricos. Ajudam a manter a homeostase por remover o excesso de colesterol dos tecidos 18 periféricos para o fígado, a partir de onde o colesterol pode seguir para as vias de eliminação (excretado na bile) ou absorção (ciclo êntero-hepático) 17 . Quando analisamos o perfil lipídico dos pacientes oncológicos, os dois principais transportadores de colesterol (HDL e LDL) tendem a estar reduzidos, sendo os níveis de HDL geralmente mais afetados pelo desenvolvimento do tumor maligno. Os baixos níveis de HDL em pacientes oncológicos são apontados como um fator de péssimo prognóstico 14 . As células neoplásicas, durante o processo de carcinogênese, através da superexpressão de receptor classe B tipo 1, exploram a remoção de colesterol pelo HDL dos tecidos periféricos para satisfazer o aumento do requerimento de colesterol. Outra forma de promover o crescimento tumoral é pela supra-regulação de receptores de fatores de crescimento. Dois receptores de fator de crescimento (EGFR e HER-2) estão associados à microdomínios e são dependentes, portanto, de colesterol. A interrupção dos microdomínios via depleção dos níveis de colesterol circulantes interfere na ativação dos receptores e acarreta inibição do crescimento celular e desenvolvimento 7 . Eventos carcinogênicos combinam a rápida proliferação celular com a inibição de vias apoptóticas. E essa inibição também é diretamente relacionada ao colesterol, uma vez que tanto as vias intrínseca e extrínseca da apoptose estão associadas com os microdomínios, os quais regulam e sinalizam eventos apoptóticos pela modulação do colesterol. Tanto o receptor FAS quanto os receptores 1 e 2 do ligante indutor de apoptose relacionado a TNF (receptores de morte) são dependentes da translocação em microdomínios para obter sinalização efetiva. A depleção de colesterol da membrana, desregula esses receptores de morte. Além do mais, há a Akt, uma proteína cinase que medeia a sobrevivência celular e crescimento e a sua ativação ocorre por mecanismos dependentes de colesterol. Assim, o acúmulo de colesterol causa aumento de colesterol 19 nos microdomínios e consequentemente leva a redução da apoptose e aumenta o crescimento do tumor via sinalização Akt 7 . Como já citado, o colesterol participa diretamentede eventos da carcinogênese. Mas há também outro fator que faz uma ponte entre o colesterol e o câncer: a inflamação. Não é novidade no meio científico que o excesso de colesterol circulante leva ao acúmulo de cristais de colesterol e macrófagos ditos espumosos (que fagocitaram gordura) nas paredes arteriais, essa é a lesão primária que leva à aterosclerose. Substâncias endógenas em excesso, como o colesterol na aterosclerose, podem desencadear resposta imune inflamatória. Além disso, o colesterol se organiza em cristais que podem lisar as células e liberar conteúdos intracitoplasmáticos, o que pode intensificar ainda mais a resposta inflamatória 9 . O colesterol oxidado participa ainda da promoção da resposta imune inflamatória, sendo este um possível fator de iniciação da carcinogênese. A oxidação do colesterol produz oxiesteróis que participam na regulação de ácidos biliares e síntese de hormônios esteroides. Concentrações elevadas de oxiesteróis estão associadas com câncer de cólon, pulmão, mama, pele e ductos biliares, enquanto a hipocolesterolemia diminui a probabilidade de oxidação e inflamação 7 . A presença do tumor em um indivíduo produz uma resposta inflamatória sistêmica grave que acarreta alterações metabólicas e neuroendócrinas, as quais culminam com um quadro clínico conhecido como a caquexia do câncer. A caquexia é um quadro marcado pelo balanço negativo de proteína e energia causado pela redução na ingestão de alimentos e por desordens metabólicas. Assim, os fatores que contribuem para o aparecimento da caquexia são aumento do estado inflamatório e da proteólise muscular, deficiência de carboidratos e alterações no metabolismo de lipídeos e 20 proteínas. É clinicamente relevante uma vez que aumenta consideravelmente a mortalidade dos pacientes 25 . Na caquexia do câncer, a perda de gordura é responsável pela maior parte da perda de peso observada. Essa perda de gordura corporal está relacionada ao aumento da lipólise, associada à diminuição da lipogênese, em consequência à queda da lipase lipoprotéica e liberação de fatores tumorais lipolíticos. Ainda, as perdas de tecido adiposo na caquexia podem ser mediadas por citocinas pró-inflamatórias, as principais são a IL-1 e o TNF-α. O TNF-α, conhecido como caquexina, é produzido por células do sistema retículo-endotelial de macrófagos e monócitos (fagócitos mononucleares ativados). Ele induz a caquexia pela diminuição da ingestão alimentar e balanço nitrogenado negativo. É também uma citocina associada à lipólise, por ser capaz de inibir a lipase protéica e a proteólise 26 . Isso acarreta hiperlipidemia e depleção dos estoques de gordura 25 . A IL-1 é uma citocina inflamatória sintetizada por macrófagos e monócitos, principalmente, mas também por células endoteliais, fibroblastos, eosinófilos, neutrófilos, mastócitos. A IL-1 tem a função de induzir a saciedade e ainda causar febre a alterar a síntese protéica. Tem as mesmas funções do TNF-α, mas menos potente 26 . Para ilustrar melhor todos os fatores apresentados na prática e mostrar os desafios que a ciência enfrenta ao estudar e buscar uma cura para o câncer, é utilizado como modelo o câncer de próstata, um câncer complexo muito dependente de fatores hormonais e do colesterol. Os tumores prostáticos, quando se desenvolvem, são ditos andrógenos- dependentes, pois possuem um receptor nuclear, chamado receptor de andrógenos, o qual promove a proliferação e a sobrevivências das células cancerosas mesmo em níveis 21 baixíssimos de andrógenos. Utiliza-se então a Terapia de Privação de Andrógenos, a qual busca uma involução do tumor, entretanto, quase que invariavelmente, as células do câncer evoluem para a resistência à castração e tornam-se andrógeno-independentes. A partir desse ponto, o tumor tende a se tornar maligno 28 . É a partir desse instante que o colesterol tem um papel importante no câncer: os tumores andrógenos-independentes adquirem a habilidade de produzir andrógenos (testosterona e di-hidrotestosterona) a partir do colesterol, por isso aumentam muito a demanda por essa molécula. O HDL, que não induz a progressão celular em células cancerosas andrógenos-dependentes, passa a ter esse efeito indutor da proliferação e migração em células andrógeno- independentes por mecanismos que envolvem as proteína cinases ERK1/2 e Akt. Além disso, as células do câncer de próstata andrógeno-independentes expressam em abundância o transportador de HDL ABCA1 (ATP-binding cassette subfamily G member1), o qual captura o HDL circulante e disponibiliza-o para as células cancerosas, aumentando, assim, a sua proliferação e migração. Por esse motivo, a hipercolesterolemia acelera o crescimento do câncer de próstata 14 . O câncer de próstata, com todo o cenário que o tumor promove no indivíduo, ilustra bem os desafios que a ciência tem de enfrentar na busca da melhor terapia contra o câncer. Por um lado, temos um paciente que possivelmente sofre com a caquexia, logo possui uma depleção de nutrientes e principalmente de tecido adiposo, o que aponta na direção do aumento da taxa de mortalidade; por outro lado, temos um tumor formado por células que sequestram o HDL e utilizam o colesterol carreado para aumentar a proliferação celular, promover a neogênese, promover o crescimento, inibir a apoptose e promover a metástase. São situações opostas: um indivíduo que tem uma baixa nos níveis de colesterol e isso se apresenta como um fator de risco, e uma neoplasia com 22 elevados níveis de colesterol que se torna cada vez mais maligna por essa taxa elevada. Uma terapia que reduza os níveis de colesterol de maneira generalizada, visando afetar o tumor, acaba levando o paciente mais rapidamente ao óbito. Outra terapia que aumente os níveis de colesterol, visando proteger o paciente do quadro de caquexia, acaba suprindo ainda mais as necessidades nutricionais do tumor, acelerando o processo de crescimento e metástase, tornando-o mais rapidamente maligno. Por isso, as pesquisas devem buscar terapias seletivas capazes de ou agir sobre os tumores ou sobre o paciente, isolando-o do tumor. Essa segunda hipótese parece bem improvável, uma vez que o tumor é formado por células que, apesar das modificações (como mutações em proteínas de superfície e mutações nucleares), continuam sendo células próprias do indivíduo, o que dificulta muito o seu isolamento do resto do indivíduo. Isso expressa um conflito de difícil resolução. Mas a cada dia que passa, pode-se dizer que estamos mais próximos dessa solução. Perspectivas Gerais Compreende-se que o HDL, lipoproteína conhecida como o “bom colesterol”, não possui efeitos tão benéficos assim, quando se trata da sua relação com a progressão do câncer. O HDL é sequestrado pelas células cancerosas para suprir suas próprias necessidades (crescimento, proliferação e metástase), de forma que o resto do organismo do indivíduo fica com um elevado déficit de colesterol. Nesse ponto surge uma perspectiva de possível terapia: utilizar o HDL para dirigir quimioterápicos especificamente para células neoplásicas a fim de reduzir efeitos colaterais da quimioterapia. Para aumentar ainda a especificidade dessa molécula de HDL, podemos marcá-lo para que ele seja reconhecido por receptores de membrana específicos das 23 células tumorais. Além da análise da própria ação do quimioterápico na célula neoplásica, deve-se pesquisar e aprofundar os conhecimentos na interferência que essa alteração nas lipoproteínas causaria nos microdomínios de colesteróis. E mais que isso, buscar métodos que alterem a composição dos microdomínios, a fimde inativar os efeitos dos fatores dependentes dos microdomínios promotores tanto do crescimento tumoral quanto da metástase. Outro aspecto que deve ser levado em consideração são os níveis de colesterol no paciente oncológico, que devem estar bem controlados. Devem ser aplicadas na clínica condutas que visem tentar evitar a progressão do câncer tanto quando do quadro da caquexia. Sabendo que os níveis de colesterol dependem da ingestão e da sua produção endógena, deve-se primeiramente pensar na ingestão do colesterol com auxílio de nutricionista, estabelecendo uma dieta que controle estritamente a ingestão de todos os nutrientes de maneira balanceada, principalmente o colesterol e outros lipídeos. Posteriormente, deve-se pensar na produção endógena de colesterol, é aceito que as células neoplásicas intermedeiam a via de biossíntese de colesterol para manter a taxa de proliferação elevada, mas ainda faltam pesquisas que expliquem como os tecidos sofrem essa reprogramação da síntese, absorção e efluxo do colesterol 7 . Para minimizar ainda mais a quantidade de colesterol disponível para as células neoplásicas, estudam-se cada vez mais medicamentos que bloqueiam essa biossíntese do colesterol, o mais famoso é a estatina, um inibidor competitivo da 3-hidróxi-3-metilglutaril-coenzima-A (HMG-CoA) redutase, enzima que participa da reação limitante da via do mevalonato (via da biossíntese do colesterol) 28 . Além disso, a estatina tem efeitos secundários no bloqueio da síntese de moléculas de isoprenóide, que participam da ativação de Ras, Rac e RhoGTPases, proteínas que contribuem para a proliferação tumoral 7 . 24 Pode-se ainda pensar em estratégias que combatam a inflamação relacionada ao tumor. Existem dois tipos de inflamação, a que antecede o tumor e a que o precede. Quanto à inflamação que o antecede, reconhecemos que ela está relacionada ao processo de carcinogênese, uma vez que, cronicamente, as citocinas inflamatórias podem tanto induzir mutações nucleares quanto através de receptores, como o NK- kappaB, desregular o crescimento ou o processo de apoptose 3 . Pensando nisso, pode-se sugerir que em pacientes avaliados com perfil de risco para câncer: fatores como metaplasias; exposição a fatores cancerígenos; inflamação crônica; hiperlipidemia; lesões cancerosas e idade avançada, por exemplo, deveriam fazer uso de anti- inflamatórios como medida profilática para evitar as consequências da inflamação, principalmente no que se refere à carcinogênese. Quanto à inflamação que precede o surgimento do tumor, deve-se adotar uma postura bem criteriosa para lidar com ela, pois ela faz parte da imunidade anti-tumoral do indivíduo, auxiliando na defesa do organismo contra as células neoplásicas. Aqui há outro entrave, essa mesma inflamação que participa da defesa do organismo pode ser a responsável pela caquexia quando a resposta se dá em graus elevados. Por isso, sugere-se que sejam testadas práticas que não causem a imunossupressão completa do indivíduo, mas sim que se utilizem terapias que modulem a resposta imune para controlar a intensidade da inflamação. Além do mais, se possível dosar as citocinas dos pacientes, principalmente o TNF-α e a IL-1, uma vez que estas estão diretamente relacionadas à progressão da caquexia. Isso permitira acompanhar de perto a evolução das alterações metabólicas causadas pelo câncer. Por fim, cabe lembrar que o câncer é uma doença complexa. Sob várias perspectivas, é influenciado por fatores alimentares, hormonais, imunológicos, 25 bioquímicos e até psicológicos. Por isso, é necessária uma abordagem global da doença que conte com a presença de diferentes profissionais da saúde: médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos e terapeutas ocupacionais. E essa visão global não deve apenas ser exposta na prática clínica, mas também nas pesquisas laboratoriais. Um pesquisador não pode lidar com as neoplasias a partir de apenas uma perspectiva; por exemplo, não se pode dizer que o colesterol é inimigo ou aliado no combate ao câncer, sem antes compreender o papel dele tanto para a célula neoplásica quanto pra nutrição do indivíduo. Por isso, sugere-se uma reestruturação geral na produção científica que trabalhe com o tema, para que não se abstenham de tratar de todos os aspectos pertinentes da doença. Há reconhecimento da importância de estudos específicos como a pesquisa de receptores ou fatores pré-determinados, mas compreende-se também que há uma carência no meio científico de pesquisas que abordem essa visão mais global e até humanista do tema. Se até hoje o câncer é uma doença dita sem cura, é, talvez, porque muitas vezes negligenciamos todos os aspectos dessa doença. 26 Desnutrição protéico-calórica e o Sistema Imune Carolina Benévolo Bezerra A desnutrição aguda grave afeta cerca de 20 milhões de crianças pré-escolares em todo o mundo 31 . Diversos estudos têm demonstrado que a desnutrição aumenta o risco de infecções e morte 5, 12, 22 . Segundo a Organização Mundial de Saúde (2013), a desnutrição é um fator importante em aproximadamente um terço das quase 8milhões de mortes de crianças menores de cinco anos de idade. A deficiência de macronutrientes como proteínas, carboidratos e gorduras provoca a desnutrição protéico-calórica (DPC) 5, 12, 22 . Esse tipo de desnutrição está associado a um prejuízo da resposta imune do hospedeiro, alterando a imunidade mediada por células e a produção de imunoglobulinas 5, 12, 22 . Calder (2013) aponta que múltiplas deficiências nutricionais, envolvendo macro e micronutrientes, podem ter um impacto mais significativo sobre a função imunológica do paciente do que a deficiência de um único nutriente. Os efeitos da desnutrição energético-protéica na função imunológica podem ser resultantes de alterações associadas ao metabolismo de metais ou de vitaminas, que por sua vez afetam diretamente o sistema imunológico 23 . A incidência anormal de várias infecções e a existência de linfopenia e atrofia de órgãos linfóides em crianças desnutridas têm sido repetidamente demonstrada 23 . Ademais, o estabelecimento e a severidade da desnutrição dependerão da causa, da intensidade e da duração da deficiência nutricional. A DPC pode ser provocada por uma dieta inadequada, por deficiência na absorção e/ou aumento da demanda gastrointestinal, ou, ainda, por uma excreção excessiva de nutrientes 12, 22 . 27 Por afetar negativamente o sistema imunológico, a DPC está associada ao aumento da suscetibilidade a infecções respiratórias e gastrointestinais bacterianas 22 . Esse dado pode ajudar a explicar o fato de que as causas mais frequentes de morte em crianças desnutridas menores de cinco anos de idade são a diarréia aguda e a infecção respiratória 22 . O baixo peso ao nascer (BPN), definido como um peso menor que 2.500 g, resulta em redução da resposta imune e, naqueles que são pequenos para a idade gestacional, o prejuízo na imunocompetência pode persistir por muitos anos 6 . A prevalência de baixo peso varia entre 7%, países industrializados, e 40%, países pobres da África 6 . O BPN é associado a uma elevada morbidade e mortalidade neonatal. A relação entre o estado nutricional e o sistema imunológico tem sido um tema de estudo há décadas. A desnutrição é a principal causa de imunodeficiência secundária no mundo, afetando principalmente crianças, adolescentes e idosos 5, 12, 22, 31 . Macronutrientes e a imunidade As células do sistema imunitário necessitam de glicose, aminoácidos e ácidos graxos como combustíveis para a geração de energia1, 5 . A cascata de produção energética envolve transportadores de elétrons e uma gama de coenzimas, que geralmente derivam de vitaminas 5 . A ativação da resposta imune, inata e adaptativa, induz a produção de proteínas (imunoglobulinas, citocinas, receptores, moléculas de adesão, proteínas de fase aguda) e de mediadores derivados de lipídios (prostaglandinas e leucotrienos) 1 . Além disso, também induz a proliferação celular, necessitando de nucleotídeos, aminoácidos, ácidos graxos, colesterol e fosfatos 5, 22 . Portanto, para responder de forma eficiente a um 28 desafio imune, é necessária maquinaria enzimática adequada e disponibilidade de substrato 1, 5, 22 . Praticamente todas as formas de imunidade são afetadas pela DPC. Entretanto, as mais severamente afetadas são as defesas não específicas e a imunidade mediada por células 5, 12 . Um dos reflexos da desnutrição sobre os componentes celulares individuais é a reduzida capacidade de resposta celular a um desafio antigênico controlado 5 . A DPC compromete significativamente as barreiras epiteliais da mucosa no trato gastrointestinal, respiratório e urogenital 5, 12, 22 . No estômago, por exemplo, ocorre a redução na secreção de ácido gástrico, conduzindo a um aumento da susceptibilidade à infecção intestinal 12 . Quando há deficiência de vitamina A associada à desnutrição, ocorre a perda de células epiteliais produtoras de muco no trato gastrointestinal 22 . O resultado da diminuição do cobertor de muco protetor é a susceptibilidade à infecção por patógenos que normalmente seriam presos e arrastados pelo fluxo de limpeza de muco para fora do corpo. A desnutrição de proteínas pode diminuir o conteúdo de IgA por reduzir a proliferação e / ou a maturação de células B produtoras de IgA, além de suprimir a expressão da proteína transportadora de IgA 22 . Assim, a DPC parece prejudicar a defesa imune mucosa dependente de IgA, afetando a produção e a secreção da imunoglobulina 22 . A desnutrição protéico-calórica causa atrofia de órgãos linfóides primários e secundários, podendo levar a um declínio no número de linfócitos circulantes 5 . O timo, por exemplo, na DPC, sofre uma atrofia grave, causada principalmente pela morte massiva de timócios, afetando particularmente o estágio imaturo de células CD4 + e de 29 células CD8 + . Esse órgão primário, por sofrer tamanha mudança na DPC, pode ser considerado como um medidor do nível de desnutrição do indivíduo 23 . Os números de células B em circulação e os níveis de Ig séricas parecem não ser afetados pela desnutrição e podem até mesmo estar aumentados 5 . Já a capacidade proliferativa dos linfócitos T fica diminuída, assim como a síntese de citocinas necessárias para a resposta imune mediada por células 5, 21, 22 . Rodríguez et al. (2005) avaliou a produção de IL-2, IFN-, IL-4 e IL-10 por células T CD4 + e por células T CD8 + do sangue periférico de crianças desnutridas. Essas células apresentaram produção reduzida de IL-2 e IFN- em comparação com crianças bem nutridas. Além disso, foi encontrado um aumento no percentual de células CD4 + e CD8 + expressando IL10 20 . A IL-10 diminui a função citotóxica de células CD8 + e apresenta propriedades antiinflamatórias e imunossupressoras 1, 22 , podendo ser um importante fator imunossupressor relacionado à resposta imunitária deficiente observada em crianças desnutridas. Ainda, foi demonstrado que crianças desnutridas apresentaram uma menor proporção de células de memória (CD45RO + ) do que crianças bem nutridas. A atividade de células assassinas naturais (NK) é reduzida 5, 12 , assim como a ação dos macrófagos 12, 22 . Os efeitos da DPC sobre a função de macrófagos são: comprometimento da fagocitose; produção reduzida de ânion superóxido; e a diminuição na produção de citocinas 22 . Além disso, a desnutrição pode desencadear uma depleção na população de células dendríticas 12 . A produção das proteínas de fase aguda (PFA) fica afetada, tanto pela redução da disponibilidade de precursores para a síntese de PFA quanto pela redução da síntese de citocinas pró-inflamatórias, tais como IL-1 e IL-6 22 . Além disso, foi relatado 30 prejuízo da exsudação de leucócitos para locais inflamatórios devido à redução da produção de quimiocinas inflamatória 22 . O Sistema do Complemento também é alterado durante a desnutrição. Os níveis séricos de C3 tendem a ser diminuídos em crianças gravemente desnutridas em comparação com crianças saudáveis 22 . Como os eventos iniciais da fagocitose e da morte microbiana são, em grande parte, dependentes do complemento 1 , a deficiência nos níveis séricos de C3 resulta em redução da capacidade microbicida dos linfócitos no início da infecção 22 . A leptina, hormônio produzido pelo tecido adiposo, foi identificada como um proeminente regulador da atividade do sistema imunitário, ligando a função do sistema imune ao estado nutricional 21, 22, 23 . Sua produção é proporcional à massa gorda, e seus níveis normalmente aumentam de forma aguda durante a infecção e inflamação. A leptina aumenta a liberação de IL-2 e IFN- enquanto inibe a secreção de IL-4 e IL-10 21 . Os níveis de leptina são reduzidos em crianças infectadas que estão gravemente desnutridas 22 , portanto, as concentrações de leptina podem estar envolvidas na disfunção do sistema imunológico e no aumento da susceptibilidade a infecções 21, 23 . Foi demonstrado que a reposição de leptina previne a atrofia linfóide, reconstitui a celularidade linfóide e restabelece populações de linfócitos na circulação na desnutrição protéico-calórica 22 . Infecção, DPC e o Sistema Imune Há indícios de que para algumas infecções - como, por exemplo, pneumonia, diarréia bacteriana e viral, sarampo, tuberculose - o curso clínico e o resultado final da doença são afetados negativamente pela deficiência nutricional 6 . Para outras, o efeito é 31 moderado (gripe, vírus da imunodeficiência humana) ou mínimo (encefalite viral, tétano) 6 . O complexo da desnutrição-infecção pode ser visto sob dois aspectos, a desnutrição comprometendo a defesa do hospedeiro, ou a infecção desencadeando a desnutrição através da patogênese da doença 5, 12, 22 . A desnutrição pode levar a uma imunodeficiência, facilitando a invasão e a propagação do patógeno; além de aumentar a probabilidade de ocorrência de uma infecção secundária, modificando, assim, o prognóstico da doença 12, 22 . Já a infecção pode causar uma perda de reservas corporais críticas de proteína, energia, minerais e vitaminas, levando a uma DPC 12 . Os mecanismos pelos quais isso pode ocorrer incluem 5, 22 : (1) infecção gastrointestinal que leva à diarreia, vômitos e anorexia, (2) infecções crônicas que causam caquexia e anemia; e (3) parasitas intestinais que causam anemia e privação de nutrientes. Algumas doenças infecciosas, podem até causar a atrofia do timo, afetando os estágios imaturos das células CD4 + CD8 + 23 . Ademais, a resposta imunitária a uma infecção por si só, pode prejudicar o estado nutricional do indivíduo 5 . Durante uma resposta imune, há o aumento do gasto energético. A resposta metabólica à infecção inclui hipermetabolismo, balanço negativo de nitrogênio, e aumento da gliconeogênese e da oxidação de gordura 22 . Portanto, há uma interação íntima entre nutrição, infecção e imunidade. Justamente quando há um aumento da exigência de nutrientes também há uma redução na ingestão e na absorção, além deuma perda de nutrientes 5 . 32 Síndrome da anorexia-caquexia VS. Desnutrição protéico-calórica Em pacientes oncológicos ou em pacientes com SIDA (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), pode ocorrer um processo de emagrecimento conhecido como síndrome da anorexia-caquexia (SAC) 18, 26 . A caquexia é uma síndrome complexa que combina perda de peso, lipólise, perda de massa muscular e de proteína visceral, anorexia, náusea crônica e fraqueza 4 . Na SAC há igual mobilização de gordura e de tecido muscular, enquanto que na DPC ocorre uma preferência por mobilização de gordura, poupando o músculo esquelético 26 . Algumas citocinas são encontradas em níveis elevados na caquexia do câncer (TNF-α, IL1, IL6, IFN-)18, 26. O aumento de TNF-α, IL1 e IL6 foram associados a uma diminuição da ingestão alimentar, balanço nitrogenado negativo e perda de peso 26 . Verificou-se também que a administração crônica dessas citocinas, isoladamente ou em combinação, pode reduzir a ingestão de alimentos e reproduzir as características da síndrome da anorexia-caquexia 18 . Acredita-se que a caquexia do câncer seja principalmente devida a anormalidades metabólicas causadas predominantemente por citocinas liberadas pelo sistema imunológico, como uma resposta à presença de tumor, e também por produtos produzidos pelo tumor (hormônios lipolíticos) 4, 18, 26 . Na maioria dos pacientes, a anorexia é, mais provavelmente, o resultado do processo catabólico, em vez de a causa da caquexia. A associação dessas citocinas a outros fatores, como alguns hormônios (cortisol, glucagon, adrenalina), propicia e intensifica a SAC 18, 26 . 33 Perspectivas Gerais Atualmente, os mecanismos por trás das alterações imunológicas relacionadas à desnutrição protéico-calórica ainda não foram completamente entendidos. A explicação de que ocorre a falta de blocos construtores dos processos enzimáticos durante a desnutrição não esclarece todos os dados encontrados. Alguns elementos da resposta imune ficam reduzidos, enquanto outros apresentam seus níveis aumentados. Ademais, a maioria dos estudos sobre os efeitos da desnutrição no sistema imunitário foi publicada entre 1970 e 1990. A definição, os critérios diagnósticos e os parâmetros para caracterizar a DPC variaram nesses estudos e muitos deles foram realizados em pacientes hospitalizados, com doenças infecciosas, tornando difícil a separação entre os efeitos causados pela desnutrição e pela infecção. Algumas pesquisas, com o objetivo de evitar esse viés, compararam crianças desnutridas infectadas com crianças bem nutridas saudáveis e bem nutridas infectadas, mas ainda assim fica a dúvida sobre os efeitos exclusivos da desnutrição. Portanto, a maioria dessas pesquisas não descreve um efeito de casualidade entre desnutrição e imunidade, e sim uma associação entre os fatores analisados. Entretanto, há uma forte ligação entre desnutrição e infecção que não pode ser ignorada. A DPC está relacionada ao aumento da suscetibilidade a infecções respiratórias e gastrointestinais, além de agir em sinergia com algumas doenças, agravando o quadro do paciente. Em crianças, muitos dos óbitos atribuídos à septicemia apresentam como causa básica a desnutrição. Alguns dos sintomas mais letais associados às infecções são advindos da DPC, e não do patógeno em si. A anorexia, o aumento do gasto energético e a redistribuição de nutrientes são eventos resultantes da resposta do hospedeiro à infecção e ao câncer. Portanto, melhorar 34 a nutrição do paciente pode restaurar algum aspecto da defesa do hospedeiro, e isso, de alguma forma, pode melhorar a função do sistema imune contra potenciais agentes patogênicos. Essa pode ser uma das estratégias empregadas na prevenção de doenças infecciosas em desnutridos e na prevenção da caquexia em pacientes oncológicos ou em portadores do HIV (vírus da imunodeficiência humana). Na abordagem moderna para pacientes oncológicos, a intervenção nutricional é realizada o mais rapidamente possível, a fim de prevenir ou retardar o aparecimento da síndrome da anorexia-caquexia 26 . O cálculo das necessidades nutricionais é estritamente dependente da identificação do estado nutricional, do estado metabólico, da doença de base e do tratamento farmacológico 18 . Em crianças com desnutrição aguda grave a quantidade mínima diária de vitamina A deve ser restituída, ao longo do período de tratamento 31 . Aconselha-se também a suplementação com zinco e a utilização de alimentação terapêutica pronta para usar (ready-to-use therapeutic food), que consiste em alimento de alta energia, fortificado, pronto para comer 31 . Esse tipo de alimento terapêutico não é à base de água, o que significa que é menos propenso ao crescimento de bactérias no mesmo. Alimentos terapêuticos podem, portanto, ser utilizados com segurança em casa, ou no hospital, sem refrigeração e, até mesmo, em áreas onde as condições de higiene não são ideais 31 . Estudos futuros sobre a DPC e o sistema imune deveriam investigar parâmetros imunológicos mais novos, como, por exemplo, a expressão de receptores de superfície (como o receptor Toll-like) e a via da lecitina de ativação do complemento. Além disso, a imunidade inata e a adquirida deveriam ser avaliadas simultaneamente, levando em conta sua dinâmica e interdependência. A separação desses dois eventos interfere na 35 visão geral da resposta imune, que é integrada, prejudicando o entendimento do real impacto da DPC na imunidade. Ademais, pesquisas em pacientes com anorexia nervosa, e não infectados, podem dar muitas informações úteis sobre o impacto da depleção de macronutrientes no sistema imune. Esses pacientes seriam o modelo ideal para a investigação dos efeitos da desnutrição protéico-calórica sobre o sistema imunológico, pois não apresentariam a interferência de infecções associadas. 36 CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS GERAIS Os nutrientes são fundamentais para o funcionamento do organismo humano. No sistema imune, eles agem de maneiras inespecífica e específica, alterando a resposta imunológica do indivíduo de acordo com a sua disponibilidade. Essa disponibilidade pode ser influenciada por fatores socioeconômicos, culturais e fisiopatológicos. Quando ocorre baixa disponibilidade de nutrientes, as vias metabólicas são alteradas, resultando em um desequilíbrio das respostas imunológicas, o que leva à imunossupressão ou à autoimunidade. Ademais, a deficiência de nutrientes acarreta numa maior suscetibilidade a infecções oportunistas. Elas, por sua vez, também depletam os níveis nutricionais do indivíduo, agravando o quadro inicial. Os mecanismos de depleção envolvem diarreia, vômito, anorexia, caquexia, anemia, privação e má absorção de nutrientes. A quantidade de nutrientes disponível no organismo humano também está relacionada com o desenvolvimento do câncer, uma das doenças mais estudadas na atualidade. A deficiência de vitamina D, por exemplo, tem sido associada ao desenvolvimento do câncer e à taxa de mortalidade dos pacientes oncológicos. O colesterol, por sua vez, é mobilizado pelas células tumorais para permitir a sua proliferação, o que aumenta sua malignidade. Com relação às pesquisas e análises feitas na revisão, houve uma dificuldade de encontrar informações consistentes, de forma que muitos artigos divergiam bastante em algumas delas. Analisando e comparando melhor as informações, vê-se que muitas vezes as pesquisas não levam em consideração o aspecto global dos assuntos trabalhados. Principalmente quando se trata de observações clínicas, o pesquisadorfrequentemente faz inferências que não estão sempre corretas, pois cada paciente possui 37 um organismo que pode responder de maneira diversa frente a diferentes estímulos e tratamentos. Compreende-se também que há carência de pesquisas mais recentes, principalmente na abordagem das desnutrições, talvez por um desincentivo financeiro e até social das pesquisas dos países desenvolvidos, os quais não possuem em seu contexto a desnutrição como um problema de saúde pública, ou não dão a adequada importância ao tema. Entretanto, sabe-se que há ainda que a desnutrição e a subnutrição são uma realidade ainda de milhões de pessoas. Por isso, é fundamental o aprofundamento e o entendimento dessa realidade com uma abordagem mais moderna e humanizada, buscando estratégias que minimizem os seus efeitos não apenas no sistema imunológico, como também nos demais aspectos físicos, psicológicos e até sociais. Ainda, na busca de intervenções terapêuticas que visem à melhora do prognóstico ou até a cura, observa-se que há um distanciamento grande entre a pesquisa e a prática clínica, o qual se reflete na dificuldade de fazer a transposição do que foi feito em laboratório e aplicar na clínica. Além das dificuldades biológicas impostas pela natureza dos pacientes, podemos apontar com um fator agravante o fato de muitas vezes não serem feitas análises globais que integrem conteúdos. Por exemplo, as vitaminas ou o colesterol são apenas dois aspectos da doença multifatorial que compõe o câncer, não podendo ser tratados como fatores únicos ou independentes dos demais que compõem o quadro geral do paciente oncológico. Por fim, a análise geral desse trabalho permite afirmar que os níveis de nutrientes no organismo podem ser utilizados como indicadores tanto da causa quanto do prognóstico de doenças infecciosas, agudas e crônicas. E, portanto, estudar como 38 eles afetam o sistema imune é de extrema importância para conhecer como sua alteração está envolvida nos processos patológicos das doenças. Apenas a partir do conhecimento integrado seria possível, então, formular estratégias de prevenção e tratamentos que alterarem o prognóstico dos pacientes. 39 LISTA DE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ABBAS, A. K.; LICHTMAN, A. H.; PILLAI, S. Imunologia Celular e Molecular. Elsevier, Rio de Janeiro, Ed. 7, 2012. 2. ARANOW, C. Vitamin D and the Immune System. J InvestigMed, 59(6): 881– 886, 2011. 3. BALKILL, F.; COUSSENS, L. M. An inflammatory link. Nature, 431: 405- 406, 2004. 4. BRUERA, E. ABC of palliative care: Anorexia, cachexia, and nutrition. BMJ, November, vol. 315, 1997. 5. CALDER, P. C. Conference on ‘Transforming the nutrition landscape in Africa’ Plenary Session 1: Feeding the immune system. Proceedings of the Nutrition Society, v. 72, p. 299–309, 2013. 6. CHANDRA, R. K. 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