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38 SARTRE (LIVRO OS 50 PENSADORES)

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38
Jean-Paul Sartre
21 de junho de 1905 – 15 de abril de 1980 
Filósofo, dramaturgo e romancista francês que popularizou o
existencialismo. Ele definiu o papel do intelectual público do
século XX. 
alvez o mais conhecido filósofo dos tempos modernos, Jean-Paul Sartre
definiu o papel do intelectual público engajado politicamente de um modo
singularmente francês. Em uma cultura que atribui grande valor às suas
instituições educacionais e suas qualificações, Sartre nunca se tornou
professor universitário. Embora tenha ficado em primeiro lugar no teste para
a agrégation de filosofia da École Normale Supérieure, em 1927, sua carreira
acadêmica, depois disso, distribuiu-se entre diversos liceus, onde ele deu aulas
por vários anos. Sua posição como pensador teve como base apenas seus
trabalhos publicados – dos quais o mais importante foi O ser e o nada (1943)
–, e a força dos seus argumentos públicos presentes em peças, romances,
ensaios e trabalhos filosóficos era tão grande que toda uma nação lhe tinha
respeito. O tamanho da consideração que se tinha por Sartre na França –
apesar de sua simpatia impopular pelos regimes soviético e maoísta, muito
tempo depois de os horrores desses regimes totalitários terem se tornado
públicos – pode ser medido pelo fato de que o seu cortejo fúnebre atraiu uma
multidão de 50 mil pessoas. Ao perdoar Sartre depois de sua prisão durante os
eventos de Maio de 1968, o então presidente francês Charles de Gaulle
afirmou: “Não se prende Voltaire”. 
Em 1936, Sartre apareceu em cena com dois livros: A imaginação, uma
pesquisa sobre teorias filosóficas da imaginação pré-husserlianas e A
transcendência do ego, que apresenta argumentos contrários à visão de
Husserl do ego transcendental, definindo-o como um construto criado por
outros. Sartre, em seguida, rejeitou a visão de Freud do inconsciente em
Esboço para uma teoria das emoções (1939). Mas foi seu romance A náusea
(1939) que trouxe para Sartre o início da sua fama e, para o mundo, uma
primeira prova do seu existencialismo. O principal personagem do romance,
Roquentin, sente-se literalmente nauseado pelo fato de sua existência no
mundo; pela sua percepção da “coisidade” dos objetos e da falta de
significado a ser encontrado no mundo exterior a si mesmo. O conceito de
Sartre de facticidade se refere à situação em que o sujeito encontra a si
mesmo: seu gênero, filiação, nacionalidade, habilidades etc. É no contexto
dessa situação que o sujeito confronta sua liberdade, que é limitada pela
facticidade. Para Sartre, o homem está condenado a ser livre. Essa situação
deu origem ao conceito do “absurdo”. 
Albert Camus e o absurdo 
Uma das expressões mais coerentes do absurdo pode ser encontrada nos
romances e ensaios do amigo e rival de Sartre, Albert Camus (1913-60).
Camus era um pied noir (colono de língua francesa) da Argélia que foi criado
na pobreza e ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1957. Seu romance O
estrangeiro (1942) conta a história de um assassinato cometido, ao que tudo
indica, sem motivo pelo protagonista, Meursault, que é aparentemente
indiferente em relação às suas ações e seu destino. No universo ateísta de
Camus, todo comportamento humano é permitido. Mas as consequências
dessa liberdade sem limites também precisam ser aceitas; Meursault precisa
aceitar sua punição por um assassinato sem sentido: ele é condenado à morte.
Em seu ensaio O Mito de Sísifo (1942), Camus utiliza uma história da
mitologia grega sobre um rei condenado a rolar uma grande pedra até o topo
de uma montanha somente para vê-la rolar para baixo novamente, assim que
a tarefa é cumprida – ação que ele é condenado a repetir eternamente – para
examinar o dilema do homem moderno em um mundo sem Deus. A tarefa é
inútil; mas, ao assumi-la, o homem define a si mesmo. 
Fortunas de guerra contrastantes 
Camus era comunista. Excluído do serviço no exército francês porque sofria
de tuberculose, ele editou o jornal de resistência Combat durante a ocupação
nazista na França, muitas vezes correndo grande risco pessoal. A guerra de
Sartre foi diferente. Ele serviu no corpo meteorológico do exército francês e
foi capturado durante a queda da França, em maio de 1940, sendo enviado
para um campo alemão de prisioneiros de guerra chamado Stalag XIID,
próximo a Trier, onde ficou por quase um ano. Durante esse tempo,
continuou a estudar o livro Ser e tempo (1927), de Heidegger, que ele havia
começado a ler em Berlim em 1933. Sartre passava o tempo ensinando a
fenomenologia de Husserl aos padres que eram prisioneiros junto com ele e,
no Natal de 1940, escreveu e produziu uma peça de teatro para os
companheiros de cela. Bariona ou O filho do trovão era, segundo ele
assegurou em uma carta à sua amante Simone de Beauvoir (1908-86), uma
peça de Natal que não se apoiava na crença cristã para ser apreciada.
Enquanto era prisioneiro, Sartre iniciou também sua mais importante obra
filosófica: O ser e o nada. Com o auxílio de um padre, ele obteve documentos
médicos falsos e foi libertado da prisão alemã em 1941. Sartre voltou a Paris
para viver com Beauvoir e seu círculo de amigos e amantes, e passou a dar
aulas nos liceus Pasteur e Condorcet enquanto terminava O ser e o nada. 
Durante a ocupação, Sartre ainda escreveu e produziu duas peças bem-
sucedidas que foram autorizadas pelos censores nazistas. As moscas (1943)
trata-se de uma leitura existencialista da histórica de Electra, da mitologia
grega, enquanto Entre quatro paredes (1944) apresentava quatro personagens
em um quarto sem portas ou janelas e era concluída pela famosa fala “O
inferno são os outros”. 
A natureza do existencialismo sartreano 
O existencialismo é uma refutação do essencialismo, a doutrina que sustenta
que coisas ou pessoas possuem essências intrínsecas. O famoso ditado de
Sartre é que “a existência precede a essência”. Para ele, a existência tem
dois modos: ser e nada. O ser tem duas categorias: “em-si” e “para-si”. O
em-si é o ser como um objeto desprovido de consciência. O para-si é o ser
consciente, mas não é um objeto: é uma não-coisa. O em-si e o para-si são
distintos e não podem se combinar. Combiná-los constituiria uma “totalidade
não realizável”. Este ideal, afirma Sartre, constituiria Deus. 
Outras pessoas são problemáticas, na visão de Sartre, porque elas dão
origem a uma confrontação na qual uma subjetividade reduz outras
subjetividades ao que Beauvoir chamou de “o Outro”. Tomando emprestado
de Hegel, Sartre vê as relações com os outros em termos de uma dialética
mestre/escravo. Em resumo, nós alienamos uns aos outros. O componente
ético da ontologia de Sartre consiste no que ele chama de “má fé”. Má fé
significa, em essência, mentir para si mesmo. Ele dá três exemplos famosos:
o garçom que exagera os gestos do serviço, enquanto diz a si mesmo que está
somente “encenando” o papel de um garçom; a mulher que estende a mão
para um homem, negando a provocação sexual que está implícita no gesto e
o de um pederasta que nega ser “em essência” ou “por natureza” um
pederasta, dizendo a si mesmo que é simplesmente alguém que faz sexo com
garotos. 
Sartre e Merleau-Ponty 
Em 1945, Sartre e Beauvoir convidaram seu amigo Maurice Merleau-Ponty
(1908-61) para lançar a revista filosófica e literária Les temps modernes. A
obra de Merleau-Ponty também era influenciada por Husserl e Heidegger,
mas, enquanto Sartre se concentrava em problemas de ontologia, Merleau-
Ponty estava preocupado com a percepção: como o sujeito apreende o
mundo? Seu livro Fenomenologia da percepção (1945) é uma das obras
centrais no que poderia ser frouxamente denominado “existencialismo
francês”. Merleau-Ponty trata do papel da personificação humana e do seu
papel em compreender como os homens percebem. Para Merleau-Ponty, é o
sujeito personificado que encontra o mundo, engajando-se nele ativamente e
nele criando significado. Como Gabriel Marcel, Merleau-Ponty rejeitao
dualismo cartesiano. Ele vai além da redução fenomenológica de Husserl
para estabelecer a categoria-chave da sua filosofia: estar-no-mundo. Estar-
no-mundo precede a “objetividade” e a “subjetividade”, e é o que dá
significado a ambas. Um entendimento do tempo como algo constituído
subjetivamente completa a fenomenologia da percepção de Merleau-Ponty. 
Em 1945, Sartre e Merleau-Ponty concordavam amplamente no que
dizia respeito às suas visões políticas de esquerda. Em Humanismo e terror
(1947), Merleau-Ponty examinou o experimento marxista da Revolução de
Outubro até o fim da Segunda Guerra Mundial e fez a seguinte pergunta: o
terror de Stálin era justificado? Ele respondeu com um “não”. Mas ele
também defendeu que era preciso dar tempo à União Soviética, que o
marxismo precisava trabalhar, porque seu fracasso seria o fracasso da raça
humana. No que diz respeito ao seu pensamento sobre a União Soviética,
Merleau-Ponty já foi comparado a Kant e sua avaliação da Revolução
Francesa. Embora Kant não pudesse perdoar o regicídio, a ideia de um
governo baseado nos princípios da razão lhe parecia atraente. No entanto,
Merleau-Ponty discordou de Sartre a respeito da Guerra da Coreia (1950-53),
que ele considerou um exercício do poder imperialista soviético. Os dois
amigos romperam por conta dessa questão, e, em 1948, Merleau-Ponty
renunciou ao cargo de editor da Les Temps Modernes. 
Crítica da razão dialética 
Sartre começou a revisar sua filosofia existencialista para dar conta do
marxismo em Questão de método (1957), que mais tarde foi incorporado em
uma longa e não terminada obra, Crítica da razão dialética (vol. 1, 1960; vol.
2, 1985). Sartre pertence à lista daqueles filósofos cujos textos são
excepcionalmente desafiadores para o leitor. O Ser e o nada é um livro mais
comprado do que lido e mais lido do que entendido, pode-se suspeitar. Isso,
em parte, acontece por conta da dificuldade inerente do pensamento de
Sartre (ele gostava de provocar Camus, a quem não considerava inteligente o
suficiente para entender suas ideias) e em parte porque sua terminologia tem
origem na ainda mais complexa linguagem técnica alemã empregada por
Husserl e Heidegger. A Crítica de Sartre é ainda mais difícil de ser lida do que
O Ser e o nada, e não seria impiedoso atribuir isso em parte ao seu vício de
toda uma vida em anfetaminas e álcool. Ele escrevia durante longos períodos,
milhares de palavras por dia, com mais ênfase na quantidade do que na
qualidade. Ainda assim, o esforço de Sartre para reconciliar a liberdade do
existencialismo com o determinismo do marxismo constitui um feito notável
de análise filosófica. Enquanto trabalhava na Crítica (do período pós-guerra
até o fim da vida), Sartre trabalhou também em outro projeto enorme e
inacabado: a biografia em cinco volumes do romancista Gustave Flaubert
(1821-1880), intitulada O idiota da família (1971-2). 
O existencialismo dá lugar ao estruturalismo 
Sartre continua sendo uma figura imponente na filosofia do pós-guerra, mas a
influência do existencialismo começou a diminuir com a ascensão do
estruturalismo, praticado por Claude Lévi-Strauss e depois por Roland
Barthes. O movimento pós-estruturalista terminou o trabalho que o
estruturalismo havia iniciado, com seu foco nos textos, e não nos autores (o
“Eu des-centrado”). O fato de que um trabalho de volume tão poderoso como
o de Sartre foi suplantado tão rapidamente é uma medida da enorme
velocidade do desenvolvimento e das mudanças incessantes no cenário da
filosofia continental. Nos Estados Unidos, o interesse por Sartre diminuiu com
o declínio da filosofia marxista, na esteira de uma guinada geral para a direita
por parte da opinião pública após o colapso da União Soviética em 1991.
Filósofos, como roupas e carros, não estão imunes aos caprichos das
mudanças de gosto e de moda. Não há dúvida, no entanto, de que a obra de
Sartre será lida e reavaliada por futuras gerações de estudiosos interessados
nos usos que ele deu ao método fenomenológico de Husserl e às análises
existenciais de Heidegger. 
O homem está todo o tempo fora de si mesmo: é ao se projetar e
se perder além de si mesmo que ele dá existência ao homem; e,
por outro lado, é ao perseguir objetivos transcendentais que ele
próprio se torna capaz de existir. Uma vez, então, que o homem é
autossuperante, e pode alcançar objetos somente em relação com
sua autossuperação, é ele próprio o coração e o centro da sua
transcendência. 
Jean-Paul Sartre, O existencialismo é um humanismo (1946) 
Estou no parque. Eu me jogo em um banco entre grandes troncos
pretos de árvore, entre as mãos pretas e cheias de nós estendidas na
direção do céu. Uma árvore raspa a terra sob meus pés com uma
unha negra. Eu gostaria tanto de me deixar ir, me esquecer, dormir.
Mas não posso, estou sufocando: a existência penetra-me em todos
os lugares, pelos olhos, pelo nariz, pela boca... 
Jean-Paul Sartre, A náusea (1938) 
Central em todas as atividades de Sartre foi sua tentativa de
descrever as principais características da existência humana:
liberdade, responsabilidade, as emoções, relações com os outros,
trabalho, personificação, percepção, imaginação, morte e assim
por diante. Deste modo, ele tentou trazer clareza e rigor ao reino
sombrio do subjetivo, sem limitar seu foco nem ao lado puramente
intelectual da vida (o mundo do raciocínio, ou, mais amplamente,
do pensamento) nem àquelas características objetivas da vida
humana que permitem o estudo a partir de “fora”. Assim, sua obra
se dirigiu, de maneira fundamental, e primordialmente, a partir de
“dentro” (onde as habilidades de Sartre como romancista e
dramaturgo lhe serviram bem) à questão de como um indivíduo se
relaciona a tudo que compreende sua situação: o mundo físico,
outros indivíduos, coletivos sociais complexos e o mundo cultural de
artefatos e instituições. 
David Detmer, Sartre Explained: From Bad Faith to Authenticity
[Sartre explicado: da má fé à autenticidade] (2008)

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