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Arq Bras Cardiol 2002; 79: 395-9. Amorim e cols Soro fisiológico para manutenção da volemia na oclusão da aorta abdominal 3 9 5 Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina Correspondência: Fábio Ferreira Amorim - Shis, QI. 15 - Conj. 03 - Casa - 10 71635-230 - Brasília, DF - E-mail: ffamorim@ig.com.br Recebido para publicação em 29/1/01 Aceito em 11/12/01 Objetivo - Avaliar os efeitos hemodinâmicos e meta- bólicos da infusão de soro fisiológico para manutenção da volemia na síndrome de isquemia-reperfusão por oclu- são temporária da aorta abdominal em cães Métodos - Estudamos 20 cães divididos em dois gru- pos: grupo isquemia-reperfusão (GIR, N=10) e grupo is- quemia-reperfusão com infusão de soro fisiológico visan- do a manutenção da pressão média de oclusão da artéria pulmonar entre 10 e 20mmHg (GIR-SF, N=10). Todos os animais foram anestesiados com tiopental sódico e manti- dos em ventilação espontânea. A oclusão supra-celíaca da aorta foi obtida com a insuflação de um cateter de Fo- garty, inserido através da artéria femoral. Após 60min de isquemia, procedeu-se a desinsuflação do balão, sendo o animal acompanhado por mais 60min de reperfusão. Resultados - Os cães do GIR-SF não apresentaram ins- tabilidade hemodinâmica após a desoclusão da aorta, ocor- rendo manutenção da pressão arterial sistêmica média e do índice cardíaco. Porém, houve uma piora da acidose, obser- vada pela maior redução do pH arterial, ocorrida sobretudo pela falta de resposta respiratória frente a acidose metabólica que já havia sido maior com a adoção dessa medida. Conclusão - A infusão de soro fisiológico para manu- tenção da volemia foi capaz de evitar a instabilidade he- modinâmica após o desclampeamento da aorta, porém essa medida de correção determinou uma piora da acido- se neste modelo experimental. Palavras-chave: lesão de reperfusão, hemodinâmica, vo- lemia Arq Bras Cardiol, volume 79 (nº 4), 395-9, 2002 Fábio Ferreira Amorim, Bruno do Vale Pinheiro, Hélio Romaldini São Paulo, SP Repercussões Hemodinâmicas e Metabólicas da Infusão de Soro Fisiológico para Manutenção da Volemia na Oclusão Temporária da Aorta Abdominal Artigo Original A oclusão temporária da aorta, necessária em procedi- mentos cirúrgicos, é uma condição capaz de induzir lesão de isquemia-reperfusão com alterações sistêmicas 1,2. Hipoten- são severa, associada a redução do débito cardíaco, é um evento bem documentado após a desoclusão da aorta, ten- do como uma de suas causas a hipovolemia central 3-8. Ma- nutenção da função renal, prevenção da insuficiência circu- latória esplâncnica e hepática e preservação da integridade do trato gastrointestinal são conseqüências importantes da preservação da estabilidade hemodinâmica 8-11. A administração de fluidos acompanhada de uma mo- nitorização adequada, baseada na fisiologia da função car- díaca, conforme a lei de Frank-Starling, é capaz de garantir um bom desempenho do miocárdio durante o estresse cirúr- gico e o pós-operatório com melhora do débito cardíaco e manutenção da pressão arterial sistêmica, sendo que este último efeito é importante para a manutenção de um fluxo co- ronariano adequado, protegendo o coração, especialmente no caso de pacientes com doença oclusiva coronariana as- sociada 11. Diversos autores demonstraram que a manuten- ção da pressão de oclusão da artéria pulmonar entre 10 e 18mmHg durante este procedimento foi capaz de prevenir a queda do débito cardíaco e a hipotensão após o desclam- peamento da aorta 4-6,12,13. Porém, o manejo da infusão de fluidos é delicado nes- ses pacientes pela complexidade dos fatores envolvidos, como a função cardíaca pré-operatória e vários fatores pre- sentes no intra-operatório, como administração de agentes anestésicos e ventilação com pressão positiva. Isso é im- portante, sobretudo nesses pacientes que comumente apre- sentam doença cardíaca concomitante, nos quais a admi- nistração inadequada de volume é perigosa 5. Compreendendo-se a importância do estudo da lesão de isquemia-reperfusão e sabendo-se da capacidade da mesma em determinar alterações sistêmicas, inclusive em órgãos localizados à distância, estudamos os efeitos da in- fusão de solução de soro fisiológico para manter a pressão média de oclusão da artéria pulmonar entre 10 e 20mmHg durante a isquemia-reperfusão da aorta em um modelo expe- 3 9 6 Amorim e cols Soro fisiológico para manutenção da volemia na oclusão da aorta abdominal Arq Bras Cardiol 2002; 79: 395-9. rimental em cães, especialmente na fase de choque após a desoclusão da aorta, sobre as alterações hemodinâmicas e metabólicas. Métodos Foram utilizados 20 cães mestiços, machos, adultos, pesando entre 12 e 23kg. O anestésico utilizado foi o tionem- butal sódico (tiopental sódico® CEME, Ministério da Saúde, Brasil) na dose de 20mg/kg de peso por via endovenosa, recebendo doses suplementares de 5mg/kg ao longo do ex- perimento, conforme a necessidade para manutenção do plano de anestesia. Após a anestesia, os cães foram subme- tidos à intubação orotraqueal com cânula de Rusch número 8 e mantidos em ventilação espontânea em ar ambiente ao longo de todo o experimento. Através da artéria femoral direita, foi introduzido cate- ter de polietileno 8F, sendo sua extremidade distal locada na aorta abdominal distal para a monitorização através de colu- na de mercúrio da pressão arterial média vigente na aorta ab- dominal distal à oclusão. Posteriormente, foi dissecada a ar- téria femoral esquerda e cateterizada com um cateter de Fo- garty oclusor 8F, sendo posicionado o balão na aorta torá- cica descendente junto ao diafragma a um nível próximo da 10ª vértebra torácica (T10) para posterior oclusão. A oclu- são aórtica foi realizada, portanto, acima do tronco celíaco. A posição correta do balão foi confirmada em todos os cães pela palpação do mesmo ao final de cada experimento por laparotomia e toracotomia. Por cervicotomia direita, foi dissecada a veia jugular interna direita por onde introduziu-se um cateter de artéria pulmonar 7F de três vias com controle de sua progressão feito através da interpretação das curvas de pressão no monitor do aparelho SDM2000 (Dixtal Tecnologia, Brasil) sendo sua extremidade posicionada na artéria pulmonar. As vias proximal e distal do cateter de artéria pulmonar foram conectadas a um transdutor de pressão (Statham P23 Db), permitindo a determinação dos traçados das curvas de pres- sões do átrio direito, artéria pulmonar e capilar pulmonar, sendo esta última estimada através da pressão de oclusão da artéria pulmonar, obtida por insuflação do balão da extre- midade distal do cateter. A medida do débito cardíaco foi feita pela técnica de termodiluição 13 através do debitômetro do aparelho SDM2000 (Dixtal Tecnologia, Brasil). Pela mes- ma incisão, foi dissecada a artéria carótida comum direita, sendo introduzido um cateter de polietileno 8F para medida da pressão arterial sistêmica média acima do nível de oclusão da aorta. Os cães foram distribuídos de forma aleatória em dois grupos: grupo isquemia-reperfusão (n=10) e grupo isque- mia-reperfusão com administração de soro fisiológico (n=10). Nos dois grupos, foram estabelecidos como critérios para o início do experimento: pH no sangue arterial (pHa) ≥ 7,25, pressão parcial de oxigênio no sangue arterial ≥ 70m m Hg, pressão média de oclusão da artéria pulmonar ≥ 5mmHg e pressão arterial sistêmica média ≥ 90mmHg. No grupo isquemia-reperfusão (GIR), após a obtenção dos parâmetros hemodinâmicos e amostras sangüíneas basais (T0), procedeu-se a insuflação do balão do cateter de Fogarty até que a pressão arterial sistêmica média abaixo da oclusão atingisse valores entre 10 e 20mmHg e não houves- se oscilação da coluna de mercúrio. O cateter foi mantido in- suflado por 60min. Após esse período, iniciou-se a reperfu- são através da desinsuflaçãodo balão. O animal foi acom- panhado por mais 60min de reperfusão, após os quais reali- zou-se o sacrifício pela administração endovenosa de 50m E q de cloreto de potássio. As medidas hemodinâmicas foram repetidas nos seguintes tempos: 10min de isquemia (T10-I), 45min de isquemia (T45-I), 5min de reperfusão (T5-R), 30min de reperfusão (T30-R) e 60min de reperfusão (T60-R). No grupo de isquemia-reperfusão com reposição volêmica com soro fisiológico (GIR-SF), os cães foram submetidos aos mesmos procedimentos e às mesmas monitorizações, dife- rindo do grupo GIR pela administração de soro fisiológico objetivando a manutenção da pressão média de oclusão da artéria pulmonar entre 10 e 20mmHg durante todo o experi- mento. Para isso foi necessária a infusão média de 209ml/kg de soro fisiológico por cão do grupo GIR-SF durante o expe- rimento. Os parâmetros hemodinâmicos estudados foram: pres- são arterial sistêmica média, pressão média de oclusão da ar- téria pulmonar, freqüência cardíaca, pressão média da artéria pulmonar, pressão média do átrio direito, índice cardíaco, índi- ce sistólico, índice de resistência vascular sistêmica e índice de resistência vascular pulmonar. Os parâmetros metabólicos estudados foram: pHa, bicarbonato arterial (HCO3 ) e lactato. Além desses parâmetros, também foi medida a pressão parcial de gás carbônico no sangue arterial (PaCO2). Diferenças entre os grupos, em relação às variáveis he- modinâmicas e metabólicas foram estudadas através da análise multivariada de perfis com medidas repetidas, anali- sando-se a variação em relação ao valor basal e o paralelis- mo e coincidência do comportamento dos parâmetros entre os dois grupos 15. O grau de significância aceito foi de 5% (p<0,05). Os experimentos foram realizados com a aprovação do Comitê de Ética Médica da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo. Resultados Os parâmetros hemodinâmicos pertinentes estão ex- postos nas tabelas I e II. A oclusão da aorta determinou comportamentos iguais nos dois grupos com aumento da pressão arterial sistêmica média e queda do índice cardíaco. Porém, após o desclampeamento da aorta, houve hipoten- são no GIR, fato que não ocorreu no GIR-SF (p=0,004 para paralelismo entre os grupos). O mesmo comportamento foi observado ao estudar-se o índice cardíaco após a desoclu- são da aorta, que apresentou uma deterioração no GIR e re- tornou a valores semelhantes aos basais no GIR-SF (p=0,01 para paralelismo entre os grupos). Ao analisar-se a fre- qüência cardíaca, não houve diferença no comportamento dos dois grupos em relação a freqüência cardíaca (p= 0,59 Arq Bras Cardiol 2002; 79: 395-9. Amorim e cols Soro fisiológico para manutenção da volemia na oclusão da aorta abdominal 3 9 7 para paralelismo e p=0,73 para coincidência entre os gru- pos). No GIR-SF, a pressão média de oclusão da artéria pul- monar durante todo o experimento apresentou valores em acordo com os que foram previamente estipulados para este modelo experimental, isto é, a manutenção da mesma entre 10 e 20mmHg. Além disso, houve uma queda da pressão média de oclusão da artéria pulmonar no GIR nos tempos T45-R e T60-R (p=0,000 para paralelismo entre os grupos). Analisando-se a pressão média do átrio direito, observou- se um aumento desse parâmetro nos dois grupos após a oclusão da aorta. Porém, durante o período de reperfusão, houve uma redução da mesma no GIR em relação aos valo- res basais, fato que não ocorreu no GIR-SF (p=0,03 para pa- ralelismo entre os grupos). Além disso, no GIR-SF, o índice de resistência vascular sistêmica (p=0,04 para paralelismo entre os grupos) e o índice de resistência vascular pulmonar (p=0,002 para paralelismo entre os grupos) apresentaram valores inferiores após a desoclusão da aorta quando com- parados aos do GIR. Os parâmetros metabólicos pertinentes estão expos- tos na tabela III. Nota-se que ocorreu uma maior acidose no GIR-SF (p=0,046 para coincidência entre os grupos) com o bicarbonato arterial sempre apresentando valores inferiores no GIR-SF em relação ao GIR (p=0,003 para paralelismo en- tre os grupos). Além disso, houve acidose respiratória as- sociada a acidose metabólica no GIR-SF, conforme pode ser observado pela evolução da PaCO2 (p=0,007 para coinci- dência entre os grupos). Ocorrendo, portanto, uma acidose mista. Analisando-se o lactato não houve diferença estatís- tica significante para o comportamento da variação do lacta- to entre os dois grupos (p=0,80 para paralelismo e p=0,88 para coincidência), tendo ocorrido aumento do lactato em relação aos valores basais durante todo o experimento. Discussão Nosso estudo demonstrou que a infusão de soro fisio- lógico com o objetivo de manter uma pressão média de oclu- são da artéria pulmonar adequada é capaz de minimizar as alterações hemodinâmicas após a desoclusão da aorta, evi- tando sobretudo a hipotensão e a queda do índice cardíaco. De fato, vários estudos realizados anteriormente demons- traram que a correção da hipovolemia central com conse- qüente manutenção da pré-carga antes e durante a desoclu- são da aorta pode evitar a hipotensão pós-desclampea- mento 3-6,8. Em um estudo experimental em cães, Perry 3 pre- veniu a hipotensão através da infusão de solução de ringer lactato (na quantidade de 5% do peso corpóreo) antes da desoclusão. Já Falk e cols. 4, estudando o efeito do clampea- mento infra-renal da aorta na função cardíaca, demonstra- ram que não houve ocorrência de hipotensão grave após o desclampeamento da aorta quando se manteve a pressão média de oclusão da artéria pulmonar entre 10 e 15mmHg. Tabela I - Pressão arterial sistêmica média (em mmHg), índice cardíaco (em L/min.m2), índice sistólico (em mL/m2) e freqüência cardíaca (em bpm.) nos grupos isquemia-reperfusão (GIR) e isquemia-reperfusão com reposição volêmica (GIR-SF) PAS IC IS FC GIR GIR-SF GIR GIR-SF GIR GIR-SF GIR GIR-SF T0 133 ± 12 128 ± 17 5,70 ± 1,17 5,79 ± 2,72 38,5 ± 4,1 37,1 ± 16,0 149 ± 30 158 ± 23 T10-I 174 ± 24b 176 ± 24b 4,96 ± 1,83 5,73 ± 1,69 35,8 ± 8,3 34,7 ± 11,0 139 ± 40 158 ± 31 T45-I 175 ± 20b 161 ± 28b 4,26 ± 1,31a 4,07 ± 1,12a 29,2 ± 8,7a 28,8 ± 9,4a 151 ± 32 145 ± 22 T5-R 97 ± 27b 120 ± 23 2,72 ± 0,69 b 5,25 ± 0,92 21,0 ± 3,9b 36,6 ± 7,0 133 ± 38 146 ± 26 T45-R 101 ± 14b 124 ± 20 2,65 ± 0,81b 5,47 ± 1,54 18,0 ± 4,8b 40,3 ± 13,2 147 ± 24 141 ± 28 T-60-R 94 ± 14b 117 ± 18 2,47 ± 0,63b 5,28 ± 1,42 16,7 ± 4,2b 38,8 ± 13,1 149 ± 30 142 ± 29 Valores em média ± desvio padrão; PAS- pressão arterial sistêmica média; IC- índice cardíaco; IS- índice sistólico; FC- freqüência cardíaca; α – P<0,05 em relação aos valor basal; β – p<0,01 em relação ao valor basal, Tx-I / Tx-R (T=Tempo, x=minutos, I=isquemia, R=reperfusão). Tabela II - Pressão média de oclusão da artéria pulmonar (em mmHg), pressão média do átrio direito (em mmHg), índice de resistência vascular pulmonar (em din.s.cm-5.m-2) e índice de resistência vascular sistêmica (em din.s.cm-5.m-2) nos grupos isquemia-reperfusão (GIR) e isquemia- reperfusão com reposição volêmica (GIR-SF) POAP PAD IRVP IRVS GIR GIR-SF GIR GIR-SF GIR GIR-SF GIR GIR-SF T0 7 ± 2 7 ± 3 1 ± 2 3 ± 2 159 ± 38 200 ± 122 1929 ± 448 2164 ± 1121 T10-I 13 ± 8 19 ± 5 b 4 ± 2 b 9 ± 3b 159 ± 55 181 ± 115 3121 ± 1202 2781 ± 1058 T45-I 11 ± 4 18 ± 5 b 4 ± 2 b 7 ± 2 b 180 ± 48 216 ± 99 3518 ± 1221 3305 ± 1065 T5-R 3 ± 2 13 ± 5 b -1 ± 2a 5 ± 3 285 ± 73 b 183 ± 81 2893 ± 544b 1809 ± 492 T45-R 2 ± 1 b 12 ± 2 b -2 ± 2 b 4 ± 2 350 ± 98 b 171 ± 83 3431 ± 1176b 1899 ± 670 T-60-R 2 ± 1 b 10 ± 2 b -1 ± 1 a 3 ± 2 389 ± 123 b 190 ± 122 3300 ± 894b 1942 ± 977 Valores em média ± desvio padrão; POAP- pressão média de oclusão da artéria pulmonar; PAD- pressão média do átrio direito; IRVP- índice de resistência vascularpulmonar; IRVS- índice de resistência vascular sistêmica; α – P<0,05 em relação aos valor basal; β – p<0,01em relação ao valor basal, Tx-I / Tx-R (T=Tempo, x=minutos, I=isquemia, R=reperfusão). 3 9 8 Amorim e cols Soro fisiológico para manutenção da volemia na oclusão da aorta abdominal Arq Bras Cardiol 2002; 79: 395-9. Utilizando-se também da medida da pressão média de oclu- são da artéria pulmonar, vários grupos preveniram a hipo- tensão com a manutenção da mesma 4mmHg acima dos ní- veis basais durante a oclusão da aorta. Além disso, obser- varam que, ao manter-se a pressão média de oclusão da arté- ria pulmonar acima de 10mmHg, houve prevenção da queda da pressão arterial sistêmica 5,6. O comportamento do índice cardíaco após a desoclu- são da aorta não é uniforme nos diferentes estudos, poden- do aumentar 16, diminuir 3 ou manter-se inalterado 1,17. Esses resultados podem ser decorrentes da atuação de diversos mecanismos que ocorrem após o desclampeamento da aorta, pois enquanto a desoclusão da aorta diminui a resis- tência vascular sistêmica, facilitando a ejeção de sangue pelo ventrículo esquerdo, a reperfusão pode liberar vários mediadores com atividade depressora sobre a função mio- cárdica 18-21. Além disso, o estado da pré-carga interfere no comportamento final do índice cardíaco e do índice sistó- lico, os quais permanecem estáveis ou aumentados quando ela é adequada 17. A importância da reposição da volêmica nos quadros de isquemia-reperfusão da aorta foi muito bem documentada em nosso estudo no qual as quedas do índice cardíaco e do índice sistólico foram evitadas com a reposi- ção volêmica. Um estudo demonstrando a importância do estado volêmico nos procedimentos com oclusão e deso- clusão da aorta foi realizado por Huval e cols. 12, que de- monstraram a prevenção da depressão da função miocár- dica em pacientes submetidos a ressecção de aneurisma aórtico pela administração de líquidos, mantendo-se a pres- são média de oclusão da artéria pulmonar acima de 10mmHg, além de observarem que o efeito do ibuprofeno (inibidor da ciclooxigenase, que visa a inibição do tromboxano A2) na manutenção do índice cardíaco só ocorreu em pacientes que mantiveram esses níveis de pressão média de oclusão da artéria pulmonar. Apesar da melhora hemodinâmica, houve uma piora da acidose com a reposição volêmica. A queda mais intensa do pHa nos dois grupos, logo após a desoclusão da aorta, pro- Tabela III - pH no sangue arterial, bicarbonato no sangue arterial (em mEq/L), pressão parcial de gás carbônico no sangue arterial (em mmHg) e lactato (em mg/100mL) nos grupos isquemia-reperfusão (GIR) e isquemia-reperfusão com reposição volêmica (GIR-SF) pHa HCO3 PaCO2 Lactato GIR GIR-SF GIR GIR-SF GIR GIR-SF GIR GIR-SF T0 7,28 ± 0,08 7,31 ± 0,07 18,5 ± 2,9 19,1 ± 3,4 41 ± 8 40 ± 6 13 ± 4 12 ± 6 T10-I 7,22 ± 0,11 7,13 ± 0,07 b 16,9 ± 2,7 a 14,5 ± 2,0 b 44 ± 5 46 ± 4 a - - T45-I 7,20 ± 0,10 a 7,08 ± 0,08 b 12,8 ± 2,5 b 12,1 ± 1,7 b 34 ± 6 a 42 ± 4 35 ± 10 b 36 ± 18b T5-R 7,11 ± 0,11 b 7,01 ± 0,10 b 10,6 ± 2,8 b 10,3 ± 1,6 b 34 ± 6 a 43 ± 7 46 ± 16 b 48 ± 21b T45-R 7,15 ± 0,13 a 7,03 ± 0,14 b 11,4 ± 2,7b 10,5 ± 1,7 b 33 ± 6 44 ±13 - - T-60-R 7,17 ± 0,14 7,03 ± 0,16 b 11,8 ± 3,0 b 10,7 ± 2,0 b 33 ± 7 44 ±13 28 ± 15 b 22 ± 13a Valores em média ± desvio padrão; pHa- pH no sangue arterial; HCO3- bicarbonato no sangue arterial; PaCO2- pressão parcial de gás carbônico no sangue arterial; α – P<0,05 em relação aos valor basal; β – p<0,01em relação ao valor basal, Tx-I / Tx-R (T=Tempo, x=minutos, I=isquemia, R=reperfusão). vavelmente foi decorrente do fenômeno de lavagem do lac- tato e sua conseqüente elevação no sangue arterial 22. A maior acidose presente no grupo em que se realizou reposi- ção volêmica foi provavelmente decorrente da acidose me- tabólica dilucional instalada nesse grupo em associação à acidose lática e renal, além da presença de acidose respira- tória, sendo que esta última alteração pode ser constatada pela evolução da PaCO2. Estudos realizados anteriormente em modelos experimentais com cães e humanos demonstra- ram um aumento da atividade da renina, determinando uma elevação da concentração da angiotensina II durante proce- dimentos que envolvam oclusão e desoclusão da aorta, o que pode ser facilmente explicado pela queda da perfusão nas arteríolas aferentes durante a isquemia 23-25. Os maiores efeitos da angiotensina II são os aumentos da resistência vascular renal e da reabsorção tubular de sódio, agindo dire- tamente sobre o túbulo e indiretamente através do aumento da produção de aldosterona 26. Essa reabsorção tubular de sódio aumentada é acompanhada da absorção do íon cloro ou secreção dos íons hidrogênio ou potássio para manu- tenção da neutralidade do potencial elétrico tubular renal. Com isso, o aporte aumentado de íon cloro, que ocorre as- sociado à administração de grandes volumes de soro fisio- lógico, determina uma redução da secreção do íon hidrogê- nio e potássio resultando em uma acidose metabólica hiper- clorêmica com anion gap normal 11. Portanto, podemos concluir que a infusão de soro fi- siológico para manutenção da volemia, neste modelo expe- rimental, foi capaz de evitar a instabilidade hemodinâmica após o desclampeamento da aorta, porém esta medida de correção determinou uma piora da acidose com a ocorrência de uma acidose mista, que pode ser observada pelo compor- tamento do bicarbonato arterial e da PaCO2 nos dois gru- pos. Estes resultados criam a perspectiva de novos estudos sobre o efeito da infusão de soro fisiológico nesse modelo de lesão de isquemia-reperfusão, sobretudo os relaciona- dos a lesão pulmonar de reperfusão, trocas gasosas pulmo- nares e utilização do oxigênio pelos tecidos. Arq Bras Cardiol 2002; 79: 395-9. Amorim e cols Soro fisiológico para manutenção da volemia na oclusão da aorta abdominal 3 9 9 1. Dunn E, Prager RL, Frey W, Firsh MM. The effect of abdominal aortic cross- clamping on myocardial function. J Surg Res 1977; 22: 463-7. 2. Provan JL, Fraenkel GJ, Austen WG. Metabolic and hemodynamic changes after temporary aortic occlusions in dogs. Surg Gynec Obstet 1966; 123: 544-50. 3. Perry MO. The hemodynamic of temporary abdominal aortic occlusion. Ann Surg 1968; 168: 193-200. 4. Falk JL, Rackow EC, Blumberg R, Gelfand M, Fein IA. Hemodynamic and metabolic effects of abdominal aortic crossclamping. Am J Surg 1981; 142: 174-8. 5. 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