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Questões de gênero na ed. física escolar

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994 Estudos Feministas, Florianópolis, 22(3): 987-1014, setembro-dezembro/2014
O autor e a autora convidam o/a leitor/a a
refletir sobre professores e professoras diante das
relações de gênero, com base em observações
realizadas em escolas públicas de São Paulo,
durante as aulas de Educação Física, dentro da
proposta teórica dos estudos de Joan Scott,
Claude Zaidman, Heleieth Safiotti, Linda Nicholson,
Valerie Walkerdine, Cristine Delphy e Carol Giligan.
No primeiro capítulo, cujo título é “Relações
de Gênero, Educação e Educação Física”, ressal-
tam que ocorre um processo de hierarquização
em relação ao feminino e masculino a partir das
relações de poder que se estabelecem no ambi-
ente da Educação Física. Assim tal ocorre em
diferentes momentos das aulas, como na forma
de organização e tratamento dos conteúdos e,
em especial, nas relações entre alunos e alunas
e professoras/professores e alunos/alunas.
Esclarecem que a diferença hierarquizada
compreende um ato social que consiste em re(co-
nhecer), hierarquizar e transformar a diferença em
desigualdade. Propõem três perguntas: como os
docentes misturam ou separam os/as estudantes?;
como as atividades realizadas em aula podem
reforçar diferenças hierarquizadas entre feminino
e masculino mantendo desigualdades de gênero
entre os sexos?; como a forma que se lida com a
corporeidade de meninos e meninas se relaciona
com construções de gênero elaborada na
realidade escolar tanto por estudantes quanto por
docentes?
Com essas perguntas, desenvolveram uma
pesquisa em uma escola pública de São Paulo,
cujo codinome Escola do Princípio lhe foi atribuído.
A instituição oferece ensino médio e ensino fun-
damental nos turnos matutino, vespertino e notur-
no e conta com quatro professores de Educação
Física, dos quais há apenas uma mulher.
No segundo capítulo, “Pesquisas sobre um
tema nem atual assim”, elucidam que os estudos
de gênero na Educação Física não são recentes,
pois se intensificaram a partir do final da década
de 80, apoiados por diferentes abordagens das
Ciências Humanas, Sociais e Biológicas. Carac-
terizavam-se, principalmente, por denunciar uma
Educação Física Escolar baseada em preceitos
médicos, militares e esportivos que não condiziam
com uma educação que proporcionasse uma
aprendizagem significativa, contemplando todos
os sujeitos.
Nesse ponto, é realizada uma pequena
revisão teórica a fim de demonstrar que a área
começou a se transformar sob a influência dos
estudos feministas e culturais. Alguns autores
passaram a considerar que a Educação Física
possuía potencial pedagógico para desconstruir
concepções de feminilidade veiculadas na
mídia e se debruçaram em analisar as diferenças
que se constituem dentro do espaço da escola,
aspectos e convenções estabelecidas a respeito
do corpo, divisões entre atividades que seriam
naturalizadas como de menina ou de menino.
Ao final do capítulo, propõem um projeto
igualitário, que torne as vivências corporais não
enclausuradas em ideais e modelos para ambos
os sexos, que proporcione a desconstrução da
noção de habilidade inata e questione para-
digmas e práticas consolidadas na área da
Educação Física Escolar.
Em “A igualdade de gênero e a Educação
Física Escolar”, apoiam a escola mista, conside-
rando, no entanto, que misturar meninos e meni-
nas não basta, pois ainda é necessária a orienta-
ção baseada em políticas públicas que propor-
cionem igualdade. Ponderam que a área é histori-
camente marcada por separações entre meninos
e meninas e apresentam a “Coeducação” como
alternativa.
Tal conceito consiste em favorecer ativida-
des conjuntas entre meninos e meninas; propor-
cionar outros significados às modalidades que
apresentam certas características, como o rendi-
mento; dar importância à participação do/a
professor/a, que deve dispensar tratamento igual
para meninas e meninos, fazendo as mesmas
exigências para ambos; aproveitar eventuais
situações ocorridas durante as aulas para proble-
matizar as questões de gênero.
Indicam que um dos possíveis caminhos
para a adoção da Educação Física Coeducativa
seria a consideração das teorias pós-estruturalistas,
Questões de gênero na Educação FísicaQuestões de gênero na Educação FísicaQuestões de gênero na Educação FísicaQuestões de gênero na Educação FísicaQuestões de gênero na Educação Física
escolarescolarescolarescolarescolar
O professor diante das relações
de gênero na Educação Física
Escolar.
São Paulo: Cortez, 2012. 111 p.
CORSINO, Luciano Nascimento; AUAD,
Daniela.
Estudos Feministas, Florianópolis, 22(3): 987-1014, setembro-dezembro/2014 995
que contribuem para a desconstrução de deter-
minadas representações tidas como “a verdade”
e, assim, redefinir relações de gênero desiguais
no ambiente escolar.
No início do capítulo “Misturas e separa-
ções”, resgatam que os estudos de gênero de
orientação pós-estruturalista e estudos culturais
auxiliaram a perceber a escola como instituição
marcada por práticas discursivas, configurando-
se como campo de lutas simbólicas e relações
de poder. Afirmam que são relações explícitas
que podem ser verificadas também no silêncio,
ditam o que é ser homem ou mulher e podem
ser questionadas no cotidiano.
Nas observações realizadas na Escola
Princípio, mencionada anteriormente, os pesqui-
sadores perceberam que relações de gênero
nas aulas de Educação Física são marcadas por
uma aprendizagem do silenciamento, em que
não se discute sobre essa questão. Essa condição
possibilita um ambiente pacífico, com aulas tran-
quilas, mas contribui para a construção de identi-
dades conformistas em relação às assimetrias de
gênero no espaço escolar.
Os/as professores/as da referida escola dividi-
am as aulas em práticas (na quadra) e teóricas
(em sala de aula). Nesta, os/as estudantes senta-
vam de acordo com seus grupos de costume, os
professores não exigiam nem faziam maiores con-
siderações sobre isso, e meninos e meninas mistura-
vam-se naturalmente. Notaram, porém, práticas
discursivas que não foram dialogadas com as tur-
mas, como brincadeiras e ironias de cunho machis-
ta, em que um menino, ao ironizar que não gostava
de futebol porque preferia brincar de bonecas,
coloca a atividade atribuída ao sexo oposto co-
mo algo pejorativo e que “naturalmente gostava
de futebol por ser homem”.
Advertem que as práticas detectadas não
eram voltadas para as meninas, e sim para os
meninos. São construções de gênero elaboradas
em grupos formados por meninos no sentido de
reforçar desigualdade, marcando entendimen-
tos sobre o que é idealmente masculino ou femi-
nino.
Nas atividades realizadas no pátio, obser-
vam e relatam que havia um duplo discurso da
instituição, pois, ao falar sobre alunos e alunas,
não faziam diferenciação, pois utilizavam os
termos “alunos” ou “classe”, optando pela neu-
tralidade e masculino genérico, desconside-
rando os sexos masculino e feminino dos sujeitos.
Concluíram, portanto, que há a necessidade de
uma participação docente mais ativa para des-
construir as práticas detectadas.
No capítulo “Conteúdo das Aulas”, verifi-
cam que, na Proposta Curricular do Estado de
São Paulo, a disciplina de Educação Física cons-
ta categorizada na perspectiva “culturalista”, ba-
seada nas Ciências Humanas e Sociais, inserindo
uma cultura do movimento representada por
danças, artes marciais/lutas, ginásticas e exer-
cícios físicos. Envolve também a importância de
considerar as culturas juvenis e dar espaço para
o hip-hop, a capoeira, as artes marciais, o skate,
a musculação e outras.
Durante as observações na Escola Princípio,
notaram que há distanciamento dessa proposta,
mas há a presença de alguns temas relacionados
a determinadas modalidades esportivas, como no
atletismo, modalidade em que não havia muitas
assimetrias, o que proporcionou um equilíbrio nas
relações de gênero, pois meninas e meninos
recebiamnúmeros de 1 a 4, aleatoriamente, e os
grupos eram formados pelos conjuntos de todos
os números 1, 2 e assim sucessivamente.
No entanto, durante o aquecimento, nota-
ram discursos do tipo: “hoje os meninos estão
pior do que as meninas, hein?”, discurso esse oriun-
do de uma aluna, algo que não é discutido pela
turma nem pelos docentes. Em contraponto ao
atletismo, em que se reduziam de alguma forma
as desigualdades, nas aulas de futebol, maioria
durante a observação, o esporte não era discuti-
do em sala de aula, partindo do pressuposto de
que todos sabem do que se trata.
Meninos e meninas jogavam separadamen-
te. Meninos começavam e havia um tempo
determinado para o jogo, ao final, deveriam sair
da quadra para que as meninas jogassem. Disso
derivavam vários conflitos, entre meninos e meni-
nas, com um discurso desqualificador e machista
por parte deles. A mistura de estudantes no
sentido de integrar não era orientada. As meninas
queixavam-se de que os meninos eram violentos,
e os meninos reclamavam que as meninas não
sabiam jogar.
Foram trabalhados ainda o handebol e o
vôlei, mas de maneira eminentemente teórica.
Os esportes não eram discutidos no sentido de
proporcionar reflexões, e a única modalidade
que foi estruturada de maneira que se pudesse
promover alguma igualdade de gênero foi, de
fato, o atletismo.
No sexto capítulo, denominado “Resistên-
cias e Conflitos”, o autor e a autora afirmam que
a Educação Física Escolar é palco de resistências
e aceitações. Assim, apontam para a impor-
tância de perceber as relações desiguais de
gênero que se estabelecem e que se tornam
explícitas, por sua construção histórica, baseadas
em preceitos biológicos e higienistas.
Corsino aduz que, na Escola Princípio, perce-
beu, em diversos momentos, os movimentos de
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resistência, tanto na linguagem verbal quanto na
não verbal. Citaram alguns exemplos como
momentos em que as meninas reivindicavam o
direito de participar dos jogos de futebol com os
meninos; quando meninas negavam-se a jogar
vôlei; quando queriam jogar futebol; e quando
um menino, considerado “afeminado” pelos de-
mais, impõe-se pressionando o professor a inseri-
lo no jogo de futebol ou, caso contrário, iria recla-
mar na direção da escola.
Consideram que é fundamental misturar
meninos e meninas para as atividades em Educa-
ção Física, defendem uma política educacional
coeducativa, apontam para a necessidade de
dar atenção aos conteúdos, evitando privilegiar
um ou outro esporte, como realizar sempre aulas
de futebol em detrimento de outras modalidades
esportivas. Propõem ainda uma reflexão sobre
como meninas e meninos interiorizam ou não o
que é constantemente disseminado pelas práti-
cas discursivas sobre papéis de gênero. Afirmam
que as identidades são constituídas nos jogos de
relações de poder, produzindo diferentes efeitos,
como os conflitos de gênero verificados nas aulas.
Classificaram as situações relacionadas no
estudo como “jogo das resistências e aceitações”
e que os conflitos durante as aulas misturadas
são mais explícitos e intensos, mas que são mo-
mentos privilegiados para que os professores pos-
sam problematizar as relações de gênero em
suas aulas. Professores buscam evitar os conflitos,
mas, na realidade, tratam-se de atos de resistên-
cia de meninas e meninos às fronteiras de gênero
tradicionalmente impostas na sociedade.
No capítulo Perguntas e respostas coedu-
cativas, há três questões que são propostas a
partir do estudo da Escola Princípio, bem como
suas respostas. A primeira pergunta consiste em
dizer como os docentes separam ou misturam
alunos e alunas durante as aulas de Educação
Física naquela escola. Constataram que as repre-
sentações de alunos/as e docentes sobre gênero
definem que as turmas separadas são melhores
para o rendimento das aulas, e essa prática gera
uma forma de silenciamento de conflitos. Mas,
apesar dessa conduta, os professores não con-
seguiram fugir dos conflitos. As formas de separar
ou misturar estudantes nas aulas de Educação
Física dependiam da característica de cada pro-
fessor. A forma de organização estava pautada
por binarismos. Haveria a necessidade de realizar
as misturas e discutir os conflitos resultantes delas.
A segunda questão estava voltada para
responder como as atividades desenvolvidas
podem reforçar diferenças hierarquizadas entre
o feminino e masculino. Nesse sentido, autor e
autora apontam que, durante a maioria das aulas
observadas, não foi possível perceber o trata-
mento da Proposta Curricular do Estado de São
Paulo – Educação Física, que é o documento
norteador da ação docente. A maioria dos do-
centes utilizou os temas abordados no documento
como tema de pesquisas solicitadas para que
os/as estudantes tivessem conteúdo em seus
cadernos a fim de que os pais não reclamassem
das aulas de Educação Física. Os temas não
eram abordados considerando os conflitos viven-
ciados em quadra, e os docentes justificavam
essa sistemática com base na dicotomia teoria/
prática. Essa ausência de relação entre os
conteúdos e as questões de gênero e corpo
reforça e reproduz desigualdades.
A terceira questão era: como o lidar com a
corporeidade de meninas e meninos, nas aulas
de Educação Física, relaciona-se com as constru-
ções de gênero elaboradas na realidade escolar,
tanto por alunos e alunas quanto pelos/as docen-
tes? A resposta apresentada foi a de que os corpos
são constituídos e apresentam marcas produzidas
pelas relações de gênero na nossa sociedade.
Os discursos produzidos por essas relações configu-
ram características das pessoas. Entendem, por-
tanto, que há a necessidade de existir, por parte
de professores e professoras, diante da Educação
Física Escolar, um aprofundamento dos conheci-
mentos sobre as relações de gênero. Sugerem
que esse conjunto de saberes fosse desenvolvido
inicialmente na graduação.
Clarice Gonçalves Pires Marques 
Universidade Federal do Rio Grande

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