Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
MINISTÉRIO DA DEFESA CONSULTORIA JURÍDICA REVISTA JURÍDICA DO MINISTÉRIO DA DEFESA Legislação, jurisprudência e doutrina Brasília Ano 1 – Nº 1 – Novembro – 2004 Copyright© Ministério da Defesa Consultoria Jurídica Esplanada dos Ministérios, Bloco “Q”, 7º andar, sala 720 70049-900 – Brasília – DF – Telefones (61) 312-4015 e 224-4144 (fax) conjur@defesa.gov.br COMITÊ EDITORIAL Artur Vidigal de Oliveira Consultor Jurídico Josefina Valle de Oliveira Pinha Procuradora-Geral da INFRAERO Hélio de Almeida Domingues Consultor Jurídico-Adjunto do Comando da Marinha Altair Pedro Pires da Mota Consultor Jurídico-Adjunto do Comando do Exército Jurema Santos Rozsanyi Nunes Consultora Jurídica-Adjunta do Comando da Aeronáutica Neleide Abila Coordenadora-Geral de Contencioso Judicial Marcelo Akiyoshi Loureiro Coordenador-Geral de Atos Normativos Reginaldo Roberto Albuquerque de Sá Coordenador-Geral de Exame de Procedimentos Administrativos Adriano Portella de Amorim Coordenador-Geral de Atividades Jurídicas Descentralizadas SECRETARIA EDITORIAL Ana Maria de Andrade Rufato Coordenadora Administrativa Wandercleiton de Castro Oliveira Assessor Técnico Diocleciano Gomes Cardoso Chefe de Seção Ana Paula Araújo Carvalho Assistente Técnico Gualter Henrique Dias Martins Estagiário de Direito ATIVIDADES JORNALÍSTICAS Flávia Birnfield de Oliveira Assessora de Comunicação Social Normalização Bibliográfica BIB/GAP/GM Revista Jurídica do Ministério da Defesa. Brasília : Ministério da Defesa, Consultoria Jurídica. ano 1, nº 1, nov. 2004. Periodicidade: quadrimestral. 1. Direito – Periódicos – Brasil 2. Defesa – Legislação, jurisprudência e doutrina I Brasil. Ministério da Defesa Jurídica. CDU 340 (81) (05) Revista Jurídica do Ministério da Defesa - nº 1 - nov. 2004 93 Artigos O ESTRANGEIRO E A AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS RURAIS NO DIREITO NACIONAL E COMPARADO Eber Zoehler Santa Helena Advogado Consultor da Câmara dos Deputados INTRODUÇÃO A questão do acesso à propriedade fundiária pelo não-nacional, residente ou não, é tema recidivo na pauta política e legislativa em praticamente todas as nações. O envolvente processo de interpenetração das economias e sociedades, outrora ditas nacionais, alcunhado de globalização ou transnacionalização, traz à lume a oportunidade e a conveniência de restringir-se ou não a aquisição de bens e direitos reais autóctones por estrangeiros. A resposta varia conforme as condicionantes históricas e sócio-econômicas vivenciadas pelas nações, com fluxos e influxos de permissão e restrição em um movimento ciclotímico próprio da sociedade humana. Estas rápidas considerações visam dar um panorama da evolução das disposições presentes no ordenamento pátrio e no direito comparado, com enfoque nos imóveis rurais. 2. ESCORÇO HISTÓRICO Advendiço, advenidiço, adventício, adventiço, alheio, alienígena, estranho, exótico, forâneo, forasteiro, franduleiro, gringo, hóspede, meteco, palmeirim, paroara, peregrino, romeiro, vindico, ou estrangeiro. Termos não faltam para denominar aquele estranho a nossa intimidade. O espírito gregário, protetivo dos interesses dos mais próximos diz algo da essência humana. O Ato Complementar nº 45, de 1969, art. 3º, ao condicionar a aquisição de terras por estrangeiros justificou-a em razão da necessidade de defesa da integridade do território nacional, a segurança do Estado e a justa distribuição da propriedade. Como nos assegura Lisita (2002:113) até os cultos gregos diferenciavam os autóctones dos metecos1 . Mesmo no período helênico clássico do século IV, os estrangeiros, embora pudessem exercer cargo público, não podiam se tornar proprietários. Já o direito romano distinguia os nossos dos outros, como assinala Sebastião Cruz (1984:44), o ius romanus do período arcaico era um direito fechado, privativo dos cives ou quirites (romanos natos ou naturalizados), que só regulamentava as relações entre eles. Os non- cives, os estrangeiros residentes em território romano, primitivamente chamados hostes, depois peregrina, submetiam-se ao ius gentium. Devido aos prejuízos causados aos próprios cives, esta situação teve de modificar-se. As novas necessidades comerciais e o desenvolvimento da vida social e civil, quando Roma iniciou sua expansão mediterrânea, exigiram do ius romanum a regulamentação das relações entre cives e peregrini e entre os próprios peregrini. Para atender a essas exigências, em 242 a.C., criou-se o cargo de praetor peregrinos. Com ele, inicia-se a formação do ius gentium, a par do ius civile. Assim, o direito romano, no princípio, tanto público como privado, valia só para os cidadãos romanos, os estrangeiros não tinham a capacidade jurídica de gozo no concernente aos direitos e obrigações do ius civile. Como avalia Rocha (2000:46), Portugal, nação formada por um cadinho de povos, em geral, foi receptiva ao estrangeiro, mais voltada à questão religiosa, cristão ou pagão, do que propriamente nacional ou forâneo. Quanto a sua política colonial no Brasil, oscilou entre o estímulo à colonização estrangeira e a proteção aos interesses monopolísticos do estado português, muitas vezes restritivo à circulação patrimonial. Ao longo de nosso período imperial, a necessidade premente de ocupação do território e da preservação das fronteiras originaram políticas de estímulo ao ingresso de estrangeiros pela imigração e colonização com europeus, em regra. A Lei nº 601, de 1850, regulamentada pelo Decreto nº 1.318, de 1854, primeva norma legal a tratar da aquisição de imóveis em nosso ______________________________ 1 gr. métoikos,ou ‘estrangeiro domiciliado em um país, imigrante’, de metá ‘idéia de mudança’ + oîkos,ou ‘casa, residência’; ver met(a)- e 1-óico 94 Revista Jurídica do Ministério da Defesa - nº 1 - nov. 2004 Artigos ordenamento, ao contrário de restringir, estimulou tal aquisição, como dispunha seu art. 17: Os estrangeiros que comprarem terras, e nelas se estabelecerem, ou virem à sua custa exercer qualquer indústria no País, serão naturalizados, querendo, depois de dois anos de residência pela forma por que o foram os da Colônia de São Leopoldo, e ficarão isentos do serviço militar, menos do da Guarda nacional dentro do Município. Já o art. 85 do Decreto regulamentador previa a possibilidade da concessão de subsídios aos empresários que pretendessem povoar terras devolutas compreendidas na zona de dez léguas dos limites do Império com países estrangeiros. A primeira restrição legal à aquisição por estrangeiro de terras brasileiras se deu pelo Decreto do Governo Provisório n. 19.924, de 1931, que dispôs: “Nenhuma concessão de terras devolutas se fará a sindicatos, empresa ou sociedade estrangeira ou a estrangeiro não domiciliado na localidade, sem a autorização do Governo Federal.” Deve-se atentar que pelo art. 64 da Constituição Federal de 1891 as terras devolutas eram dos estados, ficando a União somente com aquelas indispensáveis à defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais. Assim, identifica-se invasão de competência federal nas concessões estaduais a estrangeiros. Mesmo que o art. 122 da Constituição de 1937 assegurasse aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, o seu art. 148, dava exclusividade aos brasileiros na obtenção do usucapião pro labore. O Estado Novo foi pródigo em normas restritivas aos estrangeiros. O primeiro Governo Vargas editou vários decretos-lei dando tratamento diferenciado ao nacional em detrimento do não-nacional, como bem delineia Rocha (2000:36). O Decreto-lei n. 406, de 1938, em seu art. 39, não só vedou a constituição de colônias com estrangeiros de uma só nacionalidade, no máximo 25% de mesma nacionalidade,como exigiu um mínimo de 30% nacionais. O Decreto nº 1.164, de 1939, fixou o conceito de faixa de fronteira em 150 Km a partir da fronteira com países estrangeiros, art. 1º, nas quais qualquer concessão de terra ou via de comunicação somente se faria após prévia audiência do Conselho de Segurança Nacional e vedando nos primeiros 30 Km a distribuição de lotes a estrangeiros, somente a brasileiros natos, casados com brasileiras natas, art. 4º. Ademais, determinava o Decreto várias outras condicionantes aos núcleos populacionais fixados na faixa de fronteira, como a proibição do ensino de língua estrangeira a menores de 14 anos. O Decreto-lei nº 1.202, de 1939, vedou expressamente a venda, cessão, arrendamento ou aforamento de terras ou qualquer imóvel público estadual ou municipal a estrangeiro sem a licença do Presidente da República, art. 35, par. único, “c”. O Decreto-lei nº 1.968, de 1940, reitera várias das disposições já em vigor quanto às restrições a estrangeiros na faixa de fronteira, determinando expressamente que os notários exijam na lavratura das escrituras o certificado de permissão expedido pela Comissão Especial para a Faixa de Fronteira, art. 4º, além de repetir a preferência aos brasileiros natos na distribuição de lotes da União. Por último, destaca-se o Decreto-lei nº 6.430, de 1944, art. 1º, que permitia o acesso por estrangeiro de até dois mil hectares, desde que não excedido 1/3 da área do município. As normas editadas sob o regime constitucional de 1946 em regra mantiveram a regulamentação anterior em termos do controle da disponibilidade de terras por estrangeiros na faixa de fronteira pelo Conselho de Segurança Nacional, a exemplo da Lei nº 2.597, de 1955. Este arcabouço legal foi aperfeiçoado pela edição da Lei nº 5.709, de 1971, hoje em vigor, alterada. Tendo sido a faixa de fronteira posteriormente delimitada pela Lei nº 6.634, de 1979, regulamentada pelo Decreto nº 85.064, de 1980, que em regra manteve os critérios normativos anteriores. 3. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL A exemplo de suas anteriores, art. 141 em 1946 ou art. 150 em 1967, a Lex Legum cidadã de 1988 em seu art. 5º proclama a igualdade perante a lei de nativos e forasteiros residentes, garantindo-se o direito à propriedade2 . Dispõe o art. 190 da Constituição Federal que: “A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa ______________________________ 2 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:... Revista Jurídica do Ministério da Defesa - nº 1 - nov. 2004 95 Artigos física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional”. É competência privativa da União, art. 22, I, legislar direito civil e agrário. Assim, foi editada a Lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1.993, que regulamentou o dispositivo constitucional, prevendo em seu art. 23 a continuidade do disciplinamento da matéria pela Lei n. 5.709, de 19713 . Assim, deu-se, por disposição legal expressa, a recepção no ordenamento constitucional de 1988 da Lei nº 5.709, de 1971, que, como visto, já regulava a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros sob o regime constitucional de 1967, regulamentada pelo Decreto n. 74.965, de 1974. De novo, e por força constitucional, só a extensão das condicionantes já existente para a aquisição também ao arrendamento da propriedade rural por estrangeiros e a previsão de situações sujeitas à autorização do Congresso Nacional para a aquisição de imóveis rurais. Ressalte-se não terem sido incluídas restrições à parceira agrícola, prevista no Estatuto da Terra, Lei n. 4.504, de 1964. 4. IMÓVEL RURAL E URBANO Neste ensejo cabe ressaltar inexistir em nosso ordenamento restrições à aquisição por estrangeiro de imóveis urbanos, tanto por pessoa física como jurídica. Assim fica a questão, como definir-se imóvel rural? São encontrados no ordenamento dois critérios para se diferenciar um imóvel rural de um imóvel urbano, sua localização ou sua destinação ou forma de utilização. O critério da localização é fixado no Código Tributário Nacional, Lei 5.712, de 1966, que em seu art. 29 trata do imposto sobre a propriedade territorial rural4 . O CTN, ainda utilizando o critério de localização, descreve imóvel urbano no art. 325 . Portanto, para fins tributários, imóvel urbano é o localizado em zona urbana, urbanizável ou de expansão urbana, assim definidas em lei, no caso lei municipal, e os demais imóveis localizados na área restante do município seriam rurais. Já o segundo critério, quanto à destinação ou forma de utilização, nos é informado pelo Estatuto da Terra em seu art. 4º, I6 . De acordo com o texto legal, imóveis rurais seriam os destinados à exploração da terra nas atividades rurais, independentemente da sua localização. Nossa Paramount Law, nos arts. 184 a 191, utiliza como critério para definir imóvel rural também a sua destinação e exige que o mesmo cumpra a sua função social, sob pena de desapropriação. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende a requisitos de aproveitamento, utilização e exploração adequadas, preservação do meio ambiente e observância das leis trabalhistas. A rigidez da legislação federal no tocante ao cadastramento obrigatório do imóvel rural junto ao INCRA, o CCIR – Certificado de Cadastro de Imóvel Rural, reafirmado pela recente Lei nº 10.267, de 2001, paralelo a melhoras nos cadastros municipais, vem reduzindo as dubiedades existentes quanto à classificação em rural ou urbano. 5. ESTRANGEIRO Outro elemento relevante para nossa abordagem diz respeito ao conceito de estrangeiro para fins de aquisição da propriedade rural no Brasil. Primeiramente há de se ressaltar ______________________________ 3 Art. 23, § 2º Compete ao Congresso Nacional autorizar tanto a aquisição ou o arrendamento além dos limites de área e percentual fixados na Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, como a aquisição ou arrendamento, por pessoa jurídica estrangeira, de área superior a 100 (cem) módulos de exploração indefinida. 4 Art. 29. O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domicílio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, e localização fora da zona urbana do Município. 5 Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município. § 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público: I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; ______________________________ II - abastecimento de água; III - sistema de esgotos sanitários; IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado. § 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior. 6 Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se: I - “Imóvel Rural”, o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização quese destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada; 7 Art. 1º - O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei. 96 Revista Jurídica do Ministério da Defesa - nº 1 - nov. 2004 Artigos o fato de tratar a legislação de estrangeiro residente no País e de pessoa jurídica autorizada a nele funcionar, nos termos do art. 1º da Lei 5.709, de 19717 . O Ato Complementar n. 45, de 1969, art. 2º, considerava residente aquele que possuísse permanência definitiva, já a Lei 5.709 não definiu residência. O regime das empresas estrangeiras foi regulado nos arts. 1.134 a 1.141 do Código Civil de 2003. Ao estrangeiro não residente só é dado adquirir imóvel rural no Brasil oriundo de transmissão causa mortis, note-se por sucessão legítima e não pela testamentária8 . Não existem restrições para a aquisição de terras rurais, no caso de sucessão legítima, exceto se as terras se localizarem na hipótese anterior, em área de segurança nacional, hipótese em que deverá ser ouvido o Conselho mencionado. Nesse sentido posiciona-se Paulo Cavalcante Cysneiros (1985:80) aplicando-se as restrições ao herdeiro não incluído na vocação sucessória legal, mas contemplado com sucessão testamentária ou legado, caso em que se aplica a legislação de controle”. Inexiste possibilidade de estrangeiro não residente, fora da hipótese sucessória já mencionada, vir a adquirir imóvel rural no Brasil, tendo sido revogado pela Lei nº 6.815, de 1980, o art. 2º, da Lei 5.709, que concedia a faculdade ao estrangeiro que pretendesse imigrar para o Brasil de firmar compromisso de compra e venda com finalidade de adquirir imóvel rural. Observe-se inexistir diferenciação no tratamento dado ao brasileiro nato quanto ao naturalizado, já que ambos possuem os mesmos direitos no tocante à aquisição de imóveis rurais. O português é estrangeiro perante a legislação que rege a aquisição de imóveis rurais por estrangeiro, ainda quando casado com brasileira e que tenha filhos brasileiros, e se subordina às restrições da lei quanto a aquisição de terras rurais. O português, para ter os mesmos direitos que os brasileiros e livremente, adquirir imóveis rurais, qualquer que seja a sua área, deve requerer e obter a declaração da cidadania brasileira, concedida pelo Ministério da Justiça. Só assim o português tem direitos iguais aos dos brasileiros, sendo considerado como naturalizado, sem perda da nacionalidade portuguesa, conforme “Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses”, promulgada pelo Decreto nº. 70.391, de 1972, e regulamentada pelo Decreto nº. 70.436, de 1972. A aquisição de imóvel rural por cônjuge brasileiro, casado sob o regime de comunhão de bens, com estrangeiro, qualquer que seja a sua nacionalidade, dependerá de autorização do INCRA. Observe-se que ao estrangeiro, casado com brasileiro e sob regime de comunhão de bens ou que tenha filho brasileiro não se aplica a regra do limite legal da soma das áreas de estrangeiros por municípios, art. 12, § 2º, III, da Lei n. 5.709, mas deve se observar que a aquisição pode ultrapassar, no todo, de 1/4 da superfície do município em que se acham. 6. LIMITES A aquisição de imóveis rurais por estrangeiros é autorizada pelo INCRA, observados os seguintes limites fixados pela Lei 5.709: 1. até 3 módulos rurais a aquisição é livre, e independe de autorização do INCRA. 2. de 3 módulos a 50 módulos deverá ser a aquisição autorizada pelo INCRA. 3. acima de 50 módulos é proibida a aquisição por estrangeiros. A definição de “módulo” foi criada e disciplinada pelo Estatuto da Terra em seu art. 4º, II e III e 5º9 . O limite para aquisição de módulos foi alterado pela Lei nº 8.629, de 1993, que em seu art. 23, § 2º, aumenta de 50, limite anteriormente estabelecido pela Lei nº 5.709, art. 12, § 3º, para 100 módulos10 . ______________________________ 8 Art. 1º ... § 2º - As restrições estabelecidas nesta Lei não se aplicam aos casos de sucessão legítima, ressalvado o disposto no art. 7º. ______________________________ 9 Art. 4º Para os efeitos Advogado e Consultor da Câmara dos Deputados. desta Lei, definem-se: ... II - “Propriedade Familiar”, o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros; III - “Módulo Rural”, a área fixada nos termos do inciso anterior; Art. 5° A dimensão da área dos módulos de propriedade rural será fixada para cada zona de características econômicas e ecológicas homogêneas, distintamente, por tipos de exploração rural que nela possam ocorrer. Parágrafo único. No caso de exploração mista, o módulo será fixado pela média ponderada das partes do imóvel destinadas a cada um dos tipos de exploração considerados 10 Art. 23, § 2º Compete ao Congresso Nacional autorizar tanto a aquisição ou o arrendamento além dos limites de área e percentual fixados na Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, como a aquisição ou arrendamento, por pessoa jurídica estrangeira, de área superior a 100 (cem) módulos de exploração indefinida. Revista Jurídica do Ministério da Defesa - nº 1 - nov. 2004 97 Artigos O estrangeiro só pode adquirir um único imóvel rural, para a aquisição do segundo, qualquer que seja seu tamanho, é exigida autorização do INCRA. Além do limite por propriedade a Lei 5.709, art. 12, fixou limites por município para a soma das áreas rurais pertencentes a pessoas estrangeiras, físicas ou jurídicas, não podendo ultrapassar a um quarto da superfície do município, dos quais no máximo 40% de mesma nacionalidade, resultando que estrangeiros de mesma cidadania não podem possuir mais do que 10 % da área rural de um município. Excluem-se dessas restrições, as aquisições inferiores a 3 módulos, as que foram objeto de promessa de compra e venda registradas e cadastradas no INCRA antes de 10 de março de 1.969, ou quando o adquirente tiver filho brasileiro ou for casado com pessoa brasileira sob o regime de comunhão de bens. Uma dúvida surge nos Registros Imobiliários quando da aquisição por estrangeiro de parte de propriedade coletiva, em forma de co-propriedade ou de frações ideais ou cotas partes de imóvel rural em condomínio. Entende-se que os limites acima mencionados também são aplicáveis quando o estrangeiro adquire o imóvel em condomínio ou co-propriedade, sendo a fração ou quota-parte ideal a base para cálculo dos limites. A posse de imóvel rural por estrangeiro não é proibida pela Lei n.º 5.709 sendo que o usucapião sujeita-se às mesmas condicionantes da aquisição derivada por estrangeiros11 . Não havendo qualquer proibição ao estrangeiro podem esses, como efetivamente o são, ser beneficiários da reforma agrária. Confirmando esse fato, o I Censo de Reforma Agrária no País, em janeiro de 1997, realizado em todas as unidades da Federação, sob a coordenação do Incra e da Universidade de Brasília (UnB), verificou que 0,2% dos assentados é de nacionalidade estrangeira. Sendo localizado o imóvel em área considerada de segurança nacional, sua aquisição depende do Conselho de Defesa Nacional, previsto no art. 91 da Constituição, em substituição ao Conselho de Segurança Nacional. Hoje, a audiência cabe à Secretaria de Assuntos Estratégicos, órgão da Presidência da República. A aquisição de imóvel rural por pessoa jurídica estrangeira depende sempre de autorização, ora do Ministério do Desenvolvimento Agrário, por intermédio do INCRA, quando o imóvel tenha área até 100 módulos,ou por intermédio do Congresso Nacional, quando o imóvel tenha área superior a 100 módulos, nos termos do art. 23 da lei 8.629,de 1993. As pessoas jurídicas estrangeiras só poderão adquirir imóveis rurais quando conste dos seus estatutos objetivos vinculados à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais, ou de colonização, mesmo assim, com autorização do Incra e do Ministério da Agricultura, ou da Industria e Comércio, se o projeto tiver caráter industrial, conforme art. 5º da Lei 5.709. 7. TRANSMISSÃO E REGISTRO DO IMÓVEL Na aquisição de imóvel rural por pessoa estrangeira, física ou jurídica, é obrigatória a escritura pública, da qual deverá constar, ex vi legis do art. 9º da Lei 5.709: I - O documento de identidade do adquirente; II - Prova de residência no território nacional; e III - A autorização do INCRA. Se pessoa jurídica estrangeira, os documentos referentes à sua constituição e licença para funcionar no Brasil. No tocante ao registro predial, a Lei 5.709, art. 10, exige duplo registro, pois além daquele previsto na Lei 6.015, de 1973, há o registro em cadastro especial feito no Livro Auxiliar - de Registro de Aquisição de Terras Rurais por Estrangeiros. Ademais, as Serventias Prediais devem remeter trimestralmente à Corregedoria da Justiça e ao INCRA, órgão do Min. do Desenvolvimento Agrário, a relação das aquisições de áreas rurais por pessoas estrangeiras. Se imóvel situado em área de segurança nacional, a relação das aquisições deve ser remetida também à Secretaria de Assuntos Estratégicos, órgão da Presidência da República, que representa o Conselho de Defesa Nacional. 8. RESTRIÇÕES À PROPRIEDADE ESTRANGEIRA NO DIREITO COMPARADO Fica a pergunta: nossas restrições aos ______________________________ 11 Art. 4º Nas áreas indispensáveis à segurança nacional suscetíveis de prescrição aquisitiva, o usucapião por estrangeiro residente no país não dispensa a observância do disposto no artigo 7º da Lei nº 5.709, de 7 de outubro de1971, por força da determinação constante do § 34 do artigo 153 da Constituição Federal. Parágrafo único. Na hipótese deste artigo, o assentimento prévio da Secretária-Geral do Conselho de Segurança Nacional se inclui entre os pressupostos necessários à aquisição por usucapião especial. 98 Revista Jurídica do Ministério da Defesa - nº 1 - nov. 2004 Artigos estrangeiros são excepcionalidade ou regra no direito comparado em um mundo cada vez mais semelhante? A liberdade de aquisição de bens de raiz, imóveis urbanos ou rurais, por estrangeiros não é regra no direito comparado, pelo contrário, a legislação alienígena, por vezes apresenta-se mais rigorosa do que a nossa. É o que a doutrina forânea denomina de combater o “Selling off of the home country”, ou seja, liquidando a terra natal. Em interessante e abrangente estudo realizado para a Organização de Agricultura e Alimentos da Organização das Nações Unidas – FAO, por Hodgson, Cullinan e Campbell, publicado em dezembro de 1999, denominado Land ownership and Foreigners: A comparative Analysis of regulatory Approaches to the acquisition And use of land by foreigners, é mencionada a relevância do tema estrangeiro e aquisição da terra, fundado na relação intrínseca: estado – território. Inexistem tratados ou acordos internacionais que regulem o tema da propriedade estrangeira da terra, Hodgson et all (1999:8), sendo freqüente a matéria ser tratada em instrumentos bilaterais ou multilaterais no âmbito de acordos relativos a investimentos. O Tratado de Roma, que originalmente estabeleceu a Comunidade Européia, tratou tangencialmente do assunto vedando discriminação com fundamento em nacionalidade, restando á legislações nacionais restringir o acesso á terra aos não comunitários. Vários Estados, como Alemanha, França, Reino Unido, Portugal, Países Baixos, Bélgica ou Luxemburgo, não possuem qualquer restrição legal quanto à aquisição por estrangeiros de propriedade rural. Já outros países, como Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai, Uruguai ou Venezuela, aparentemente não restringem o acesso de estrangeiros à terra . As legislações nacionais variam bastante em termos do que é considerado “estrangeiro”, inclusive chegando o Estado de New Jersey a conceituar “estrangeiro amigo12 ”. A Constituição Mexicana somente permite a aquisição de terras por mexicanos natos ou naturalizados, todavia em seu art. 27 prevê processo de naturalização informal desde que o estrangeiro proprietário considere-se nacional perante o Ministro dos Assuntos Exteriores e se comprometa a não invocar a proteção de seu governo, segundo Hodgson et all (1999:15). Todavia, é vedado aos estrangeiros adquirirem propriedades nas faixas de fronteira, igual a nossa de 100 km, e até 50 km da linha costeira. Em geral as legislações permitem o estrangeiro de ser proprietário sem restrições quando for transmissão mortis causa, limitando as aquisições por alienação onerosa ou não. Em muitas legislações tem-se o denominado teste de residência, permitindo que somente os estrangeiros residentes possam ter acesso à propriedade fundiária. Nós adotamos essa política, a exemplo do Japão, Irlanda ou das Províncias de Manitoba ou Saskatschewan no Canadá. Na libertária legislação da Suíça, como destaca Meroni (1992:39), desde 1961 decreto federal exige autorização cantonal para aquisição de imóveis rurais ou urbanos por não residentes. A Lex Friedrich (Laren), vigente desde 1985, que hoje regula a aquisição ou oneração de bens e direitos reais na Suíça, inclusive arrendamento ou participação em empresas de investimento imobiliário. A justificação para legislação assaz restritiva fundamenta-se no controle da especulação imobiliária vivenciada nos anos sessenta e setenta. Restrições de ordem social e econômica são fixados na Laren, a exemplo do art. 10 que limita a aquisição para residência urbana a 1000 m2 por família e a 100 m2 por pessoa ou que o imóvel adquirido para uso comercial será explorado diretamente pelo comprador estrangeiro, art. 10, § 1º. É permitido aos cantões legislarem supletivamente às normas federais, como restingir a aquisição de residências de lazer a unidades condominiais. As quotas cantonais de autorização são fixadas pelo Conselho Federal, Poder Executivo, a cada dois anos, a exemplo do biênio 1989/90, quando foram de 1600 distribuídos pelos cantões. No Canadá, conforme Hodgson et all (1999:35), as províncias possuem competência legislativa plena para regularem o acesso de estrangeiros a propriedade fundiária, já nos Estado Unidos dá-se competência concorrente entre os estados e a União, fazendo surgir um ______________________________ 12 “Alien friends shall have the same rights, powers, duties, liabilities and restrictions in respect of real estate situate within this State as native born citizens. Any alien who shall be domiciled and resident in the United States and licensed or permitted by the government of the United States to remain in and engage in business transactions in the United States, and who shall not be arrested or interned or his property taken by the United States shall be considered an alien friend within the meaning of the act” - NJ Stat. Ann. § 46:3-18 (West Supp. 1986), Mason, supra note 37, at 468. FAO (1999:53) Revista Jurídica do Ministério da Defesa - nº 1 - nov. 2004 99 Artigos plexo de normas que vão desde a ausência de limites, como no Estado de New York, até a vedação à compra de terras agrícolas em Iowa. Na vizinha Itália, como nos afirma Mauro Rubino (1992:55), o mesmo não ocorre, inexistindo normas nacionais que restrinjam o acesso de estrangeiros a bens e direitos reais. O Código Civil italiano na seção 16 das Disposições Preliminares assegura direitos civis iguais a nacionais e estrangeiros, desde que haja reciprocidade legal, a exemplo de Taiwan, que reconheceo direito à propriedade por estrangeiro desde que fundada em direito recíproco. Na Grécia, nos assegura Philotheidis (1992:83), as restrições à aquisição por estrangeiros de propriedades se limitam às áreas de fronteira, sendo permitida a locação ou arrendamento por no máximo três anos, não se aplicando a cidadãos da Comunidade Européia. Hodgson et all (1999:23) enumeram diferentes razões e técnicas quanto à adoção de políticas de restrição ao acesso pelo estrangeiro a bens de raiz: 1. Proteção à segurança nacional com a imposição de limites em termos de situação do imóvel, faixa de fronteira, áreas de segurança com bases militares, a exemplo do Peru e Estados Unidos; 2. Prevenir a dominação da infra-estrutura econômica por potência estrangeira, comum em países dependentes sob a ótica econômica ; 3. Prevenir ou restringir a especulação estrangeira dos fatores de produção primários, minerais e terra, caso da Suíça e Hungria; 4. Preservar o tecido social da nação, protegendo formas tradicionais de produção e convívio social, facilitando o acesso à moradia para o locais, ou evitando o proprietário absenteísta distante da comunidade a exemplo de países na Polinésia ou Turquia; 5. Controlar a imigração, como fizeram vários estados da costa oeste do Estado Unidos para reduzir o fluxo de imigrantes; 6. Controlar o fluxo de investimentos diretos estrangeiros, a exemplo da Austrália ou da província canadense de Alberta que restringiram a compra de terras urbanas por estrangeiros; 7. Direcionar os investimentos estrangeiros para projetos específicos, como na Tailândia e em Malta; 8. Assegurar o controle da produção alimentar, a exemplo do Marrocos e de vários estados norte-americanos, a exemplo do Missouri e Iowa, e províncias canadenses que só permitem a compra de terras agricultáveis por nacionais, com o agravante de no Missouri ser o estrangeiro obrigado a aliená-la após dois anos de ausência, já no Michigan reverte a propriedade para o estado em cinco anos ou em oito anos no Kentucky; ou 9. Outros fatores não expressamente declarados como nacionalismo, racismo ou xenofobia. Restrições a investimentos estrangeiros em imóveis e empresas tem sido veiculado como um fator de estagnação nas atividades econômicas, já o acesso do capital estrangeiro á aquisição da infra-estrutura econômica de um país tem sido diagnosticado como pressuposto dinamizador e acelerador das transformações sócio-econômicas das nações, a exemplo dos países do leste europeu. Não obstante essas assertivas terem indubitavelmente seu fundamento fático, não pode ser olvidado que realidades particulares de cada estado justifiquem a criação de barreiras permanentes ou conjunturais ao ingresso desordenado do capital externo, por vezes meramente especulativo, como no exemplo suíço, ou como o absenteísmo dos landlords ingleses paralisou a economia irlandesa no século XIX. O grau de acessibilidade e sua flexibilidade variam muito nos sistemas legais modernos, variando desde a vedação completa, pouco comum a exemplo da China, Vietnam ou Ethiopia, até a inexistência de regras ao acesso do estrangeiro às propriedades nacionais, também rara. Questões sobre qual nível normativo deve tratar das restrições, se constitucional, legal ou administrativo; se devem tais normas serem perenes ou temporárias; ou qual ente deve ser competente para editar tais limites, se nacional ou subnacional; são respostas de difícil generalização, dependentes de fatores estruturais e conjunturais próprios de cada estado. 100 Revista Jurídica do Ministério da Defesa - nº 1 - nov. 2004 Artigos O estudo realizado pela FAO identificou a tendência das legislações nacionais reduzirem as exigências e restrições às aquisições por estrangeiros de imóveis e a uma crescente padronização no tratamento dado a esses investimentos. 9. CONCLUSÕES Do estudo de nosso ordenamento e do direito comparado, focado no grau de liberdade de aquisição de imóveis por estrangeiros, verifica- se que a sociedade globalizada do século XXI vem suprimindo barreiras culturais, comerciais e políticas, todavia, ainda persistem razões plenamente justificáveis para as nações protegerem os interesses de seus cidadãos, preservando a higidez de seu tecido sócio- econômico. Permanecem os bens de raiz como símbolos do patrimônio nacional e da estabilidade social, enquanto vinculados à soberania estatal. Como visto, essa percepção da realidade transcende os diferentes níveis de desenvolvimento sócio-econômico ou cultural vivenciados pelas nações respondendo as necessidades próprias de cada sociedade, não sendo nossa legislação essencialmente distinta do contexto internacional.
Compartilhar