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18 Antraz (Carbúnculo)

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Capítulo 18 173
Doenças Causadas
por Bactérias
P
A
R
T
E33
174 Capítulo 18
Capítulo 18 175
Henrique Lecour
Antraz (Carbúnculo)
INTRODUÇÃO
Antraz, do grego anthrax, ou carbúnculo, do latim
carbunculus, são denominações da mesma doença, justifi-
cadas pelo aspecto negro, carbonoso das lesões cutâneas
características da afecção. A doença afeta a maioria dos
mamíferos, particularmente herbívoros, sendo, pois, uma
zoonose que pode atingir o homem.
Conhecido desde a Antigüidade, o antraz foi já citado
por Hipócrates e por Plínio em suas obras. Virgílio descre-
veu num dos seus livros uma epizootia que afetou o gado
ovino. Mencione-se ainda que a V e a VI pragas do Egito,
referidas no capítulo IX do Êxodo, foram com grande pro-
babilidade epizootias da doença.
O antraz foi a primeira doença bacteriana da qual foi
isolado o agente causal, fato conseguido em 1848 pelos
veterinários Rayer e Davaine, a partir do sangue de carnei-
ros afetados pela doença; entre 1850 e 1865, os trabalhos
posteriores de Davaine e colaboradores permitiram mos-
trar que o bacilo era também responsável pela doença nou-
tros herbívoros e pela chamada pústula maligna do ho-
mem, tendo ainda provado a transmissão da doença no
animal. Em 1876, Roberto Koch descreveu as formas
esporuladas do agente, conseguindo também a reprodução
do antraz no animal pela inoculação de culturas de Bacillus
anthracis em carneiros, sendo assim a primeira doença a
preencher os postulados de Koch, ou seja, aquela em que
a etiologia bacteriana foi definitivamente estabelecida. Na
continuidade dos seus trabalhos com outros agentes infec-
ciosos, Pasteur obteve a atenuação da virulência do B.
anthracis, cultivando-o a 42ºC, conseguindo assim a pri-
meira vacina contra o antraz animal, cuja eficácia foi de-
monstrada com a célebre experiência de Pouilly-le-Fort,
em maio de 1881, em que um lote de carneiros previamen-
te imunizados com a vacina e posteriormente inoculados
com o agente não contraiu a doença, em total contraste
com o sucedido no lote de animais não vacinados e igual-
mente inoculados que desenvolveram a doença.
ETIOPATOGENIA
O Bacillus anthracis, incluído no gênero Bacillus, é um
agente aeróbio, Gram-positivo, não flagelado, por isso
imóvel, que se pode apresentar sob duas formas: forma ve-
getativa e forma esporulada. As formas vegetativas, de gran-
des dimensões – cerca de 1 a 8 µm de comprimento por 1
a 1,5 µm de largura – estão usualmente associadas em ca-
deias; o bacilo é ainda revestido por uma cápsula, presente
apenas no animal hospedeiro e em cultura sob certas cir-
cunstâncias, sendo as estirpes não capsuladas avirulentas.
As formas vegetativas sobrevivem mal fora do hospe-
deiro, evoluindo logo para a forma esporulada, altamente
estável, de morfologia ovalar, com cerca de 1 µm de maior
diâmetro e de localização central ou subterminal. Enquan-
to as formas vegetativas são prontamente destruídas pelo
aquecimento, a forma esporulada é extremamente resis-
tente ao calor, persistindo no estado seco à temperatura de
150ºC durante uma hora, à luz ultra-violeta e às radiações
gama, bem como a muitos anti-sépticos. Os esporos do B.
anthracis podem, assim, sobreviver no solo por décadas,
fato que depende das características do terreno, parti-
cularmente da sua riqueza em matéria orgânica e de um
pH < 6,0.
Os esporos não se formam nos tecidos dos animais do-
entes, mas desenvolvem-se rapidamente no exterior ou nos
meios de cultura usuais a 37ºC, onde as colônias assumem
na periferia um aspecto de cabeça de medusa, visto que os
bacilos se dispõem em longas cadeias, com a típica aparên-
cia de cana de bambu ou de tira de salsichas (Fig. 18.1). A
germinação dos esporos ocorre rapidamente, logo que o
meio ambiente lhe é favorável, particularmente se rico em
1818
176 Capítulo 18
ácidos aminados, em nucleosídeos e em glicose, como su-
cede com o sangue e com os tecidos animais.
Estão caracterizadas em nível mundial mais de 1.200
estirpes de B. anthracis, de diversos graus de virulência.
Os fatores de virulência presentes nas formas vegetati-
vas são constituídos pela cápsula e por exotoxinas, e codi-
ficados por dois plasmídeos, pXO1 e pXO2.
O plasmídeo pXO1 codifica os genes que produzem as
exotoxinas. Este complexo gene-toxina é constituído por
três componentes: antígeno protetor, fator letal e fator de
edema. Os três componentes combinam-se para formar
duas toxinas binárias, a toxina de edema e a toxina letal.
A toxina de edema compreende o fator de edema, que é
uma adenilato-ciclase calmodulina-dependente, e o antíge-
no protetor, que permite a entrada da toxina na célula do
hospedeiro; esta toxina é responsável por uma marcada al-
teração da homeostase hídrica, que tem como resultado o
acentuado edema observado nas lesões cutâneas e inibe in
vitro a atividade dos neutrófilos, função também diminuí-
da nos doentes com antraz cutâneo. A toxina letal compre-
ende o fator letal, que é uma protease metálica com zin-
co, inativadora in vitro da cinase da proteína ativada por
mitógenos, e o antígeno protetor; a toxina letal estimula a
produção pelos macrófagos do fator de necrose tumoral a
e da interleucina-1β, responsáveis pela morte súbita nas
formas sistêmicas da doença.
O plasmídeo pXO2 codifica três genes envolvidos na
síntese da cápsula, que tem a capacidade de inibir a fago-
citose das formas vegetativas.
Julga-se ainda que as exotoxinas inibem a resposta
imunitária à infecção.
A expressão dos fatores de virulência é regulada por
fatores do hospedeiro, como temperatura ≥ a 37ºC, con-
centração de dióxido de carbono ≥ a 5% e presença de cer-
tos componentes do soro.
Para uma virulência plena, é necessária a presença dos
dois plasmídeos, e a falta de qualquer deles condiciona a
atenuação da estirpe.
Diga-se, a propósito, que as vacinas usadas na imuniza-
ção do antraz utilizam estirpes atenuadas por ausência de
um ou de ambos os plasmídeos.
A doença humana pode ser contraída por três vias: cu-
tânea, respiratória e digestiva.
A forma cutânea resulta da penetração dos esporos atra-
vés de uma prévia solução de continuidade, já que a pele
íntegra impede a infecção. Após a germinação local dos
esporos, a produção da toxina vai provocar o aparecimento
de intenso edema local.
A forma pulmonar resulta da inalação de partículas
com dimensão de 1 a 5 µm contendo esporos, que se de-
positam nos alvéolos pulmonares, onde são fagocitados
pelos macrófagos alveolares, sendo parte desses esporos
lisados e destruídos. Os esporos sobreviventes atingem os
gânglios linfáticos do mediastino, onde, por um mecanis-
mo não totalmente compreendido, vai ocorrer germinação
e a proliferação das formas vegetativas, com conseqüente
linfadenite regional hemorrágica e libertação bacteriana
para as circulações linfática e sangüínea, surgindo então
bacteriemia maciça; a germinação pode acontecer até cerca
de 60 dias após a inalação, situação em que o período de
incubação da doença é naturalmente longo. Experiências
em primatas não humanos mostraram que a morte pode
ocorrer até 58 e 98 dias após a contaminação por via ina-
latória e que 0,5% a 1% dos esporos podem ser ainda ob-
servados aos 75 dias; esporos viáveis foram também encon-
trados nos gânglios mediastínicos de macacos 100 dias
após a exposição. No surto registrado na cidade siberiana
de Sverdlovsk, os casos de antraz pulmonar ocorreram 2
a 43 dias depois do acidente. Naturalmente que estas ob-
servações têm como conseqüência a necessidade de uma
quimioprofilaxia e de uma terapêutica antibiótica longas.
Desde que a germinação sucede, logo se observam as
primeiras manifestações clínicas. A libertação das toxinas
pelas formas vegetativas vai provocar hemorragias, edema
e necrose tecidular. A despeito de não ser conhecida a dose
mínima capaz de causar doença, estudos no animal indi-
cam quea dose letal inalada capaz de matar 50% da popu-
lação exposta varia entre 2.500 e 55.000 esporos; um tra-
balho recente em primatas sugere, por extrapolação, que
um a três esporos podem ser já suficientes para provocar
doença. Ressalte-se que alguns dos casos fatais de antraz
pulmonar observados no recente surto de bioterrorismo
que afetou os Estados Unidos podem ter sido causados por
uma pequena quantidade de esporos.
Quanto à forma gastrointestinal ou abdominal, de ocor-
rência rara, resulta da ingestão de carne de animais infec-
tados cujo processamento culinário foi insuficiente, con-
tendo por isso formas viáveis. De mencionar ainda, uma
forma orofaríngea, também rara, que resulta da deposição
e germinação dos esporos nesse nível.
EPIDEMIOLOGIA E MECANISMOS DE
TRANSMISSÃO
A infecção nos animais dá-se fundamentalmente pela
ingestão de vegetais contaminados pelos esporos, o que
explica o predomínio da doença nos animais herbívoros,
particularmente nos gados ovino, caprino, bovino e eqüi-
no. Os animais contaminados podem parecer sãos até per-
to da sua morte, quando então surgem hemorragias gene-
ralizadas, com expulsão de quantidades maciças de
bacilos. A circunstância de os esporos poderem sobreviver
por décadas no solo torna impeditivo o aproveitamento
das pastagens contaminadas por este agente telúrico, levan-
do por isso a uma marcada repercussão econômica, já que
a doença pode dizimar os rebanhos e as manadas de gado.
A situação verificada no Irã, em 1945, quando uma gran-
de epizootia causou a perda de cerca de um milhão de ovi-
nos, é exemplo bem revelador da gravidade que a doença
animal pode assumir. Essas epizootias são atualmente ra-
ras e fundamentalmente observadas em países do Terceiro
Mundo, onde a atividade pecuária não atingiu o desenvol-
vimento registrado nos países industrializados, em que há
vigilância epidemiológica pelos serviços veterinários e
conseqüente prevenção e contenção de eventuais surtos.
Sublinhe-se que não são conhecidos casos resultantes
de contágio inter-humano.
Em relação direta com a prevalência da infecção ani-
mal, a quase totalidade dos casos de antraz cutâneo é fun-
damentalmente observada em áreas rurais de baixo desen-
volvimento socioeconômico, como Ásia, América Latina e
Capítulo 18 177
África subsaariana, sendo rara nos países desenvolvidos. O
antraz humano é em muitos países doença de notificação
obrigatória. Em Portugal, o número anual de casos de
antraz declarados às autoridades sanitárias na década de
1990 variou entre nenhum e seis casos, total inferior aos
registrados nos anos 1950; todos os casos referidos corres-
ponderam a formas cutâneas da doença e foram observa-
dos em áreas rurais do país.
O antraz cutâneo é fundamentalmente conseqüência da
manipulação de animais doentes ou das suas carcaças,
vísceras ou outros produtos, como pele, couros, lãs, crinas
e pêlos, fato que justifica que determinadas atividades pro-
fissionais tenham maior risco de contrair a infecção e que
nessas circunstâncias a doença possa ser considerada doen-
ça profissional, como se verifica com os trabalhadores da
pecuária, agricultores, trabalhadores de matadouros, açou-
gueiros, trabalhadores de curtumes, tosquiadores, manu-
seadores de lãs, crinas e pêlos de animais e veterinários. A
designação de doença dos selecionadores de lã para o
carbúnculo pulmonar (woolsorters’ disease) é exemplo da
relação entre essa atividade laboral e a doença.
Se nalgumas das atividades descritas o contato direto
com animais doentes é evidente, tornando mais imediata
a compreensão do contágio, noutras atividades, como é o
caso dos trabalhadores das indústrias de curtumes e de pe-
les, e dos selecionadores de lã, a contaminação cutânea ou
por inalação pode ocorrer afastada dos locais onde se en-
contram os animais doentes e portanto ser mais difícil a
presunção do diagnóstico, por falta de uma história epide-
miológica evidente. O antraz de causa profissional é, no
entanto, hoje pouco freqüente, não só por diminuição da
prevalência da infecção animal, como também pela insti-
tuição de medidas de proteção dos trabalhadores e melho-
ria das condições higiênicas dos locais de trabalho.
O antraz pode ser usado como arma em guerra bioló-
gica ou com fins terroristas. Uma classificação dos agen-
tes animados passíveis de serem utilizados como armas
biológicas, elaborada pelos CDC e de acordo com sua im-
portância e grau de risco, inclui o antraz na categoria A, a
par da varíola, da peste, do botulismo, da tularemia e das
febres hemorrágicas virais, o que evidencia bem sua eleva-
da periculosidade.
Exemplo de bioterrorismo foi a ocorrência de um surto
de antraz nos Estados Unidos, no outono de 2001, que re-
sultou da dispersão intencional de esporos de B. anthracis
através de cartas e de embalagens postais. O surto afetou
22 indivíduos, cinco deles com evolução fatal, e contami-
nou vários edifícios públicos, gerando pânico na popula-
ção, marcadamente atingida no seu quotidiano.
Também a seita japonesa Aum Shinkyo, responsável
pelo ataque com gás sarin no metrô de Tóquio, em março
de 1995, tinha já dois anos antes dispersado esporos de
antraz e toxina botulínica em ruas da cidade, ataques que,
contudo, não tiveram conseqüências.
Frisando a gravidade da utilização do antraz como
arma biológica, relata-se ainda, o surto ocorrido em abril
de 1979, em Sverdlovsk. Uma avaria transitória num dos
filtros de uma instalação militar destinada à produção de
armas biológicas lançou na atmosfera esporos de B.
anthracis sob a forma de aerossol, numa quantidade que se
julga não ter ultrapassado um grama, mas suficiente para
contaminar uma faixa com a extensão de 50 quilômetros
e causar a morte de pelo menos 67 pessoas, além de uma
epizootia local. Cite-se ainda que, de acordo com os ins-
petores da ONU, na década de 1990 o Iraque incluía no seu
arsenal de armas de destruição maciça cerca de 8.000 li-
tros de esporos de B. anthracis.
Essa gravidade pode ser também avaliada por uma es-
timativa da OMS, que em 1970 considerava que o núme-
ro de baixas causado por ataque aéreo a uma cidade de 5
milhões de habitantes, com libertação de 50 kg de esporos
e em condições meteorológicas favoráveis, poderia afetar
250.000 habitantes, dos quais 100.000 poderiam morrer
se não fossem medicados. Outra estimativa de uma Comis-
são do Congresso dos Estados Unidos concluía em 1993
que a liberação de 100 kg na forma de aerossol sobre a
área de Washington poderia causar entre 130.000 a 3 mi-
lhões de mortes, mais do que um ataque nuclear.
CLÍNICA
FORMA CUTÂNEA
De longe a forma mais vulgar da doença, pois corres-
ponde a cerca de 90% dos casos, o antraz cutâneo, desig-
nado também por pústula maligna, localiza-se preferen-
cialmente nas zonas descobertas do corpo, logo mais
expostas ao contágio, particularmente na face, pescoço e
membros superiores. O tempo de incubação é em média
de cinco dias, podendo, contudo, variar entre um e 10 dias.
A lesão inicial, que se situa no local em que sucedeu a in-
fecção, tem o aspecto de uma pápula indolor e prurigino-
sa, que após um a dois dias evolui para vesículas de 1 a 3
mm de diâmetro, acabando por ulcerar dois a três dias
mais tarde, dando saída a uma secreção sanguinolenta, rica
em bacilos. Forma-se então uma escara negra, rodeada por
um marcado edema e usualmente acompanhada de linfa-
denite regional. Na maioria das vezes a lesão é autolimi-
tada, caindo a escara uma a duas semanas mais tarde, dan-
do lugar a uma cicatriz que geralmente não é definitiva.
Nalguns doentes o processo pode generalizar-se e evoluir
para uma forma septicêmica, de prognóstico grave e poten-
cialmente fatal. É de salientar ainda que, em contraste com
o que se verifica nos casos sem tratamento, em que a mor-
talidade pode atingir os 20%, o antraz cutâneo sob terapêu-
tica antibiótica raramente tem evolução fatal. A reforçaresta evolução favorável condicionada pelos antibióticos,
nenhum dos casos de antraz cutâneo registardos no aciden-
te de Sverdlovsk foi fatal.
FORMA PULMONAR
A forma pulmonar resulta da inalação de partículas
contendo esporos, que se irão depositar nos alvéolos pul-
monares. O tempo de incubação na maioria dos casos é
menor do que uma semana, embora tenham sido relatados
casos com períodos de incubação de até seis semanas, o
que traduz a eventualidade de os esporos se manterem vi-
áveis nos alvéolos pulmonares por longo tempo, ou pode-
rem ter sido causados por um menor inóculo.
As manifestações clínicas iniciais não permitem a
suspeição da etiologia, já que podem ser idênticas às de
um quadro respiratório agudo vulgar, a não ser que haja
178 Capítulo 18
prévio conhecimento de outros casos em que a etiologia
tenha já sido definida.
Febre, arrepios, tosse pouco ou nada produtiva, disp-
néia, grande cansaço, vômitos, mal-estar ou dores toráci-
cas e abdominais são as queixas iniciais mais habituais,
acompanhadas de escassos sinais físicos e de alterações la-
boratoriais inespecíficas. Esta fase inicial persiste por ho-
ras ou por poucos dias, para depois se agravar rapidamen-
te; por vezes, contudo, pode-se verificar um curto período
de aparente melhoria. Na fase final, a febre é elevada e
acompanhada de sudorese profusa, dispnéia progressiva,
cianose, estridor, depressão e paralisia do centro respira-
tório, anoxia, hipotensão e choque, surgindo a morte em
poucas horas. Há marcadas alterações metabólicas a que é
preciso estar atento, tais como hipoglicemia marcada, hi-
percalemia, alcalose respiratória e acidose terminal.
Nesta fase da doença, quer a radiologia clássica, quer
a tomografia axial computorizada revelam alargamento do
mediastino, com linfadenite hemorrágica, sinal muito re-
levante para o diagnóstico; pode-se ainda observar ingur-
gitamento hilar e paratraqueal, espessamento peribrônqui-
co, derrame pleural hemorrágico e infiltrados pulmonares,
também de natureza hemorrágica, não se verificando con-
tudo a presença de lesões de broncopneumonia. Ressalte-
se que no início da doença estes sinais radiológicos podem
ser discretos ou mesmo estar ausentes, o que naturalmen-
te atrasa a presunção do diagnóstico.
Em cerca de metade dos doentes com disseminação da
doença há também atingimento meníngeo, revelado por
delírio e obnubilação, associados à presença de sinais
meníngeos e de líquor hemorrágico.
FORMA GASTROINTESTINAL
Esta localização é rara, sendo causada pela ingestão de
carne proveniente de animais doentes e em que o proces-
samento culinário não foi suficiente para a sua esteriliza-
ção. Admite-se que a contaminação possa não ser devida
apenas à ingestão de esporos que permanecem viáveis e
que irão germinar no trato digestivo, como também ser
causada pela ingestão de grande quantidade de formas
vegetativas. Como é habitualmente resultado de uma ou
mais refeições tomadas em comum por vários indivíduos,
é freqüente que sua ocorrência afete mais de um caso e se
apresente como um pequeno surto.
Dores abdominais difusas e intensas são a queixa mais
freqüente, surgindo dois a cinco dias após a ingestão da
carne contaminada e acompanhando-se de febre, náuseas
e vômitos. A situação clínica agrava-se em poucos dias,
surgindo diarréia sanguinolenta, sinais de abdome agudo
e por vezes marcada ascite; a existência de ulcerações ao
nível gástrico pode ser causa de hematêmeses. A mortali-
dade desta forma clínica é elevada, já que é superior a 50%,
ocorrendo a morte por perfuração intestinal ou por disse-
minação da doença, com conseqüente toxemia.
A inoculação sucede ao nível da mucosa intestinal, pre-
dominantemente no íleo terminal ou no ceco, onde se ob-
serva a presença de infiltrado inflamatório, intenso edema,
necrose, hemorragias difusas e ulcerações, ignorando-se
contudo se estas se verificam apenas nos locais de penetra-
ção do bacilo ou se resultam da ação difusa da toxina. Há
marcadas lesões de linfadenite mesentérica, onde se pode
encontrar o agente, também observado no exame direto
do exsudato ascítico ou na sua cultura, que é habitualmen-
te positiva.
FORMA OROFARÍNGEA
A forma orofaríngea, também resultante da ingestão de
produtos animais contaminados, é igualmente uma forma
rara da doença. Febre, faringite, intenso edema cervical e lin-
fadenite regional, muitas vezes acompanhadas de disfagia e
de dificuldade respiratória, são as manifestações clínicas
mais habituais; o exame da orofaringe revela a presença de
lesões necróticas ulceradas com aspecto pseudomembrano-
so. Esta forma clínica tem usualmente um prognóstico de
menor gravidade do que a forma gastrointestinal.
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
O diagnóstico microbiológico reveste-se de particular
delicadeza. A raridade do carbúnculo, a urgência do seu
diagnóstico e o fato de a maioria dos microbiologistas clí-
nicos não ter presentemente experiência neste domínio
são óbices que se põem a uma resposta cabal em tempo
oportuno.
No caso do antraz cutâneo, o exame direto do exsudato
vesicular ou da escara pode permitir a observação de inú-
meros bacilos Gram-positivos, capsulados e associados em
cadeias mais ou menos longas, conquanto a taxa de posi-
tividade não ultrapasse 65%; a administração precoce de
antibióticos pode mais diminuir essa taxa ou mesmo tor-
nar negativo o exame, circunstância em que as amostras
devem ser obtidas por punção-biópsia e estudadas por téc-
nicas imuno-histoquímicas ou de PCR. De salientar não
ser recomendada a expressão do fluido da escara, pelo
eventual risco de disseminação.
Nas formas disseminadas, a hemocultura é quase sem-
pre positiva, particularmente na fase avançada da doen-
ça, dada a elevada bacteriemia presente, podendo o esfre-
gaço sangüíneo ser também positivo, bem como o exame
do líquido pleural, do líquido ascético e do LCR, no caso
da existência de meningite. A ausência de um verdadei-
ro processo de pneumonia na forma pulmonar do carbún-
culo releva de pouco valor o exame direto e a cultura da
expectoração.
O exame direto e a cultura podem gerar um falso diag-
nóstico negativo por confusão com outros agentes do gê-
nero Bacillus, particularmente com B. cereus ou com B.
subtilis, bactérias ubíquas e saprófitas, que o microbiolo-
gista considera habitualmente como contaminantes dos
produtos em estudo. Esses agentes são móveis e provocam
hemólise total quando cultivados em ágar-sangue, em con-
traste com o que se observa com o B. anthracis, em que esta
se não verifica ou é apenas ligeira e em redor das colôni-
as. O característico aspecto das colônias, de coloração
branco-acinzentada, invulgarmente tenazes, já que podem
manter a sua forma mesmo quando manipuladas, pode ser
sugestivo da etiologia para um microbiologista experimen-
tado, em particular se houve prévia informação clínica. O
esfregaço obtido a partir da cultura permite visualizar ba-
cilos Gram-positivos, não-capsulados, imóveis e dispostos
Capítulo 18 179
em cadeias longas. Com exceção do B. anthracis, todos os
outros agentes do gênero Bacillus são resistentes à penici-
lina, já que produzem β-lactamases de codificação cro-
mossômica; o achado de isolados de B. anthracis com re-
sistência à penicilina, natural ou induzida, a despeito de
ser uma situação ainda pontual, deve, contudo, ser toma-
do em consideração, obrigando a ser sempre efetuado um
teste de sensibilidade antibiótica desde que esta etiologia
seja presumida.
Quando inoculado em meio ágar nutritivo contendo
0,7% de bicarbonato de sódio, em ambiente a 37ºC e na
presença de 5 a 20% de CO
2
, durante uma noite, o B.
anthracis forma a sua característica cápsula, que é possível
visualizar num esfregaço após coloração com tinta da Chi-
na, Giemsa ou azul de metileno.
A inoculação nos meios de cultura usuais permite o
crescimento bacteriano em seis a 24 horas; sehá informa-
ção sobre a possibilidade dessa etiologia, a revisão da mor-
fologia das colônias e a realização de provas bioquímicas
pode permitir nas 12 a 24 horas seguintes um diagnóstico
preliminar. Esse diagnóstico inicial deverá antes do mais
excluir outras espécies de Bacillus, que, como se referiu,
são achado freqüente no quotidiano laboratorial. De acor-
do com o padrão de resposta, a utilização de uma bateria
de testes químicos, a API 50 CH, em conjugação com ou-
tra bateria idêntica, a API 20 E, permite a identificação
de 38 espécies e subespécies de Bacillus. A confirmação do
diagnóstico deverá ser ulteriormente efetuada em labora-
tórios de referência, com recurso a técnicas imuno-
histoquímicas, de PCR e de imunofluorescência direta.
Cite-se ser possível a identificação das estirpes de B.
anthracis por técnicas de biologia molecular.
Conquanto nos casos de contaminação por via inalató-
ria possa ser positivo o esfregaço nasal ou sua cultura, não
é certo o valor preditivo deste exame, já que não se conhe-
ce ainda se pode prever com segurança a ocorrência de
doença.
O diagnóstico sorológico fornece uma informação tar-
dia, já que requer uma segunda amostra de soro colhida
quatro a seis semanas após a amostra inicial, para se po-
der verificar uma elevação significativa do título sérico de
anticorpos específicos. Naturalmente que esta demora não
se compadece com a urgência do tratamento antibiótico,
pelo que o estudo sorológico apenas permite o diagnósti-
co retrospectivo da doença, podendo contudo ter ainda
um eventual interesse epidemiológico.
As proteínas do B. anthracis com maior capacidade
imunogênica são os antígenos capsulares e os componen-
tes da exotoxina, geradores de anticorpos com eventual
interesse no diagnóstico serológico. A positividade da res-
posta sérica aos antígenos da cápsula é de 95 a 100%, ao
antígeno protetor de 72%, ao fator letal de 42% e ao fator
de edema de 26%, sendo por isso mais usada a pesquisa de
anticorpos aos dois primeiros marcadores. Saliente-se que
o diagnóstico sorológico está disponível apenas em labo-
ratórios de referência.
As limitações apontadas tornam, pois, naturalmente
desejada a disponibilidade nos laboratórios hospitalares de
meios de diagnóstico rápidos e confiáveis.
Mencione-se ainda o teste da antracina, teste cutâneo
que permite avaliar a imunidade de mediação celular (hi-
persensibilidade retardada). O teste utiliza um complexo
de ácido nucléico, de polissacarídeo e de proteína, extraí-
do por métodos químicos de uma estirpe atenuada de B.
anthracis, que é injetado por via intradérmica; a positivi-
dade da reação é traduzida pelo aparecimento, 24 horas
após, de uma área de eritema com endurecimento, que per-
siste dois a mais dias. Num estudo sobre sua utilidade, o
teste foi positivo em 82% dos doentes um a três dias após
o aparecimento das primeiras manifestações clínicas e em
97 a 99% dos casos após a terceira semana de doença, per-
sistindo com valores elevados anos após a cura das lesões
cutâneas. O teste da antracina reveste-se, pois, de utilida-
de, quer no diagnóstico da infecção aguda, em que sua
positividade é superior à dos exames microbiológicos de
rotina, quer no diagnóstico de infecção anterior. O baixo
custo do teste reforça mais o seu eventual interesse, parti-
cularmente quando comparado com outros testes micro-
biológicos sofisticados, apenas disponíveis em alguns labo-
ratórios.
TRATAMENTO
O B. anthracis é sensível in vitro à maioria dos antibió-
ticos – penicilina, tetraciclinas, cloranfenicol, macrolídeos,
aminoglicosídeos, imipenemo, meropenemo, clindamici-
na, vancomicina, rifampicina, fluoroquinolonas e cefazo-
lina e outras cefalosporinas de primeira geração; é resisten-
te à cefuroxima e a cefalosporinas de largo espectro, como
a cefotaxima, a ceftriaxona e a ceftazidima, bem como ao
trimetoprim, ao sulfametoxazol e ao aztreonam. A despei-
to deste padrão generalizado de sensibilidade, os antibió-
ticos habitualmente utilizados na terapêutica do carbúncu-
lo restringem-se à doxicilina, à ciprofloxacina e à
penicilina, com base nos padrões de sensibilidade, em en-
saios em primatas não humanos e, com exceção da peni-
cilina, numa reduzida experiência clínica. A preferência da
doxiciclina em relação a outras tetraciclinas é justifica-
da pela comodidade de administração. Por seu lado, a op-
ção dada à ciprofloxacina, apesar de outras fluoroquino-
lonas poderem ser igualmente eficazes, tem como
fundamento ser a única a ter sido usada no tratamento
da doença humana. Durante muitas décadas, a penicilina
teve larga utilização na terapêutica do antraz cutâneo, mas
o fato de ter sido registrada em estirpes recentemente iso-
ladas nos Estados Unidos, a presença de duas β-lactamases
naturais e induzidas, uma penicilinase (classe A) e uma
cefalosporinase (classe B) faz com que não seja aconse-
lhada a utilização de penicilina, ampicilina ou amoxici-
lina sem o prévio conhecimento do padrão de sensibili-
dade da estirpe em causa, já que essa penicilinase poderia
ser ativada em presença de uma elevada concentração
bacteriana, como sucede nas formas graves de antraz. Foi
também relatada a ocorrência, conquanto rara, de estirpes
resistentes à doxiciclina.
A gravidade do antraz contraído por via inalatória faz
com que o tratamento deva ser logo iniciado, desde que a
avaliação da situação clínica justifique uma suspeição fun-
damentada, se possível reforçada pela informação epide-
miológica. O esquema terapêutico aconselhado utiliza ci-
profloxacina na dose de 400 mg de 12 em 12 horas, por
via endovenosa, ou como alternativa doxiciclina na dose
de 100 mg de 12 em 12 horas, também por via endoveno-
180 Capítulo 18
sa; este esquema deve ainda associar a ciprofloxacina ou a
doxiciclina a um ou dois outros antibióticos com atividade
in vitro, assim reforçando a ação terapêutica. No caso da pre-
sença de meningite, deverá associar-se penicilina por via en-
dovenosa e em doses elevadas, pela necessidade de uma ade-
quada penetração meníngea, insuficiente com a doxiciclina.
O tratamento antibiótico deve ser mantido durante 60
dias, podendo contudo ser modificado o protocolo inicial
após conhecimento do padrão de sensibilidade antibióti-
ca da estirpe responsável. Logo que a situação clínica es-
tabilize, poderá ser utilizada a via oral. Naturalmente que
o aparecimento de complicações infecciosas de outra etio-
logia no decurso da evolução da doença pode obrigar à as-
sociação com outros antibióticos.
A associação da terapêutica antibiótica com a vacina
poderá vir a reduzir o tempo de tratamento para 30 a 45
dias, período durante o qual são administradas três doses
da vacina com intervalos de duas semanas.
A possibilidade de ocorrência de alterações do cresci-
mento esquelético com a utilização das quinolonas e de
coloração dos dentes e necrose hepática com as tetracicli-
nas contra-indica em princípio sua utilização em crianças
e adolescentes, bem como durante a gestação e a lactação.
Realce-se, no entanto, que a gravidade assumida pelo
antraz pulmonar em contraste com a baixa freqüência des-
ses efeitos é fator relevante que deve ser ponderado na de-
cisão terapêutica.
O tratamento das formas comuns de antraz cutâneo
pode ser feita por via oral, utilizando-se de início ciproflo-
xacina, na dose de 500 mg de 12 horas em 12 horas, ou
doxiciclina na dose de 100 mg, também de 12 em 12 ho-
ras; se a estirpe é sensível, pode-se utilizar amoxicilina,
500 m. de oito em oito horas, ou penicilina por via endo-
venosa, quatro milhões de unidades de quatro em quatro
horas. Embora a esterilização das lesões possa ser obtida
em 24 horas, o tratamento do antraz cutâneo de origem
zoonótica deve ser mantido por sete a dez dias; se, contu-
do, se admite doença ocorreu num contexto de bioter-
rorismo, o tratamento deve ser então mantido 60 dias, por
recear-se a possibilidadede um contágio inalatório simul-
tâneo. A prescrição de tratamento antibiótico, embora não
pareça afetar a formação e a evolução da escara, reduz, no
entanto, a probabilidade de disseminação sistêmica. Con-
vém citar que não deve ser feita a excisão cirúrgica da
escara pelo risco de disseminação do agente, e que o tra-
tamento tópico não se reveste de interesse. Nas formas
cutâneas graves, o tratamento é idêntico ao do antraz pul-
monar, com recurso à via endovenosa.
Antes do advento da penicilina, e mesmo ainda nos pri-
meiros anos de disponibilidade dos antibióticos, era vul-
gar nos meios rurais cauterizar a lesão do antraz cutâneo
com um objeto em brasa, procedimento que na maioria
das vezes provocava uma cicatriz indelével, mais resulta-
do do ato terapêutico do que da doença.
Dada a gravidade que assumem, o tratamento da for-
ma gastrointestinal da doença, bem como da forma fa-
ríngea, obedece às mesmas normas de tratamento do
antraz pulmonar.
Corticosteróides podem ter indicação no tratamento
adjuvante do edema cutâneo quando extenso, bem como
do edema mediastínico.
Seis dos onze casos de antraz pulmonar relatados nos
Estados Unidos no recente surto de bioterrorismo, curaram,
o que corresponde a uma taxa de mortalidade de 45,5%,
bem distante das taxas superiores a 90% anteriormente re-
gistradas; também curaram todos os 11 casos de antraz cu-
tâneo que simultaneamente ocorreram. Estes resultados só
foram possíveis pela conjugação de uma terapêutica antibi-
ótica precoce e intensa com um cuidadoso tratamento de
suporte, que fundamentalmente procurou assegurar o fun-
cionamento das vias respiratórias, com eventual suporte
ventilatório, prevenir a ocorrência de choque séptico e man-
ter o equilíbrio hidroeletrolítico e metabólico; a drenagem
dos derrames pleurais recorrentes foi uma das medidas que
muitas vezes resultou em dramática melhora.
A despeito da melhora que estes resultados evidenciam,
torna-se necessária a definição de qual deve ser a duração
do tratamento, assim como a procura de novos alvos tera-
pêuticos, particularmente no domínio da toxina. O conhe-
cimento de que animais infectados com toxina letal puri-
ficada morrem com um quadro idêntico ao dos animais
mortos por infecção natural e de que, atingido um deter-
minado nível de toxemia, a morte ocorre no animal, mes-
mo que o tratamento antibiótico consiga a esterilização
sangüínea, sugere que o uso de uma antitoxina possa ser
benéfico. De igual modo, pode revestir-se de interesse a
utilização de inibidores do TNF, bloqueando o desencadear
da sua ação nefasta.
VACINA
A vacina disponível nos Estados Unidos desde 1970 é
uma vacina inativada, produzida a partir de um filtrado
acelular de uma estirpe avirulenta de B. anthracis, não
capsulada, a estirpe Sterne; a vacina tem como adjuvante
hidróxido de alumínio. Designada por vacina adsorvida
do antraz, é administrada por via subcutânea, num esque-
ma de seis doses de 0,5 mL, as três primeiras separadas por
intervalos de duas semanas e as três restantes administra-
das respectivamente aos seis, 12 e 18 meses. Embora ape-
nas autorizada para uso em adultos, nada há que possa
contra-indicar o seu uso em crianças, caso seja necessária
essa utilização, como de resto sucede com outras vacinas
inativadas. O principal fator responsável pela indução da
imunidade é o antígeno protetor. A eficácia da vacina foi
testada em macacos previamente imunizados e posterior-
mente infectados por via inalatória, tendo sido observada
total proteção às oito semanas, reduzida para 88% às 100
semanas. Na profilaxia pós-exposição, o uso combinado
do antibiótico com as três primeiras doses da vacina pode
reduzir a duração da profilaxia antibiótica. A manutenção
da imunidade requer, contudo, o reforço anual da vacina-
ção. Não se registraram reações graves à vacina, adminis-
trada a mais de quatrocentos mil militares americanos en-
tre 1998 e 2000, já que apenas cerca de 1% dos vacinados
referiu queixas sistêmicas menores e transitórias, particu-
larmente cefaléias, mal-estar, mialgias, artralgias, febre e
perturbações digestivas; foram ainda observadas reações
locais em 3,6% dos casos.
Uma vacina atenuada para uso humano tem sido usa-
da desde há anos nos países da ex-União Soviética, mas sua
utilização nos países ocidentais tem sido recusada por ra-
zões de segurança.
Capítulo 18 181
A circunstância de a vacinação disponível implicar seis
doses repartidas ao longo de 18 meses e reforços com pe-
riodicidade anual, bem como a necessidade de uma maior
produção, incentiva a pesquisa de novas vacinas, de mais
fácil administração e de maior eficácia. A utilização de
antígeno protetor de fonte recombinante, de subunidades
desse antígeno com diferentes adjuvantes e de vacinas vi-
vas com recurso a estirpes com mutações que permitam
diminuir a virulência, mantendo contudo sua imunogeni-
cidade, constituem algumas das perspectivas que se levan-
tam neste âmbito.
QUIMIOPROFILAXIA
Após avaliação ponderada do risco de exposição ao
agente, deve ser logo instituída a quimioprofilaxia, utili-
zando os mesmos antibióticos usados no tratamento da
doença. Seu emprego não justificado tem, além de eleva-
do custo, o ônus de poder contribuir para a criação de es-
tirpes resistentes entre a população bacteriana comensal.
Embora a duração da profilaxia antibiótica não esteja
ainda devidamente estabelecida, a possibilidade de o antraz
inalatório poder ter um período de incubação longo obri-
ga sua prescrição durante pelo menos 60 dias, eventual-
mente mais prolongada na eventualidade de contaminação
maciça. Caso não seja confirmada a suspeita de diagnós-
tico, a profilaxia será de imediato interrompida.
Com base em estudos farmacológicos e em primatas
não humanos, as autoridades sanitárias americanas apro-
varam o uso da ciprofloxacina, da doxiciclina e da peni-
cilina para a profilaxia do antraz. No entanto, a possibili-
dade de resistência à penicilina leva a que a ciprofloxacina
e a doxiciclina sejam os antibióticos habitualmente usados,
pelo menos até ao conhecimento do padrão de resistência
da estirpe em causa.
A ciprofloxacina deve ser prescrita na dose de 500 mg
de 12 em 12 horas, enquanto a alternativa da doxiciclina
é usada na dose de 100 mg de 12 em 12 horas; ambos os
antibióticos são usados por via oral. Como opção a utili-
zar em crianças, em gestantes e em lactantes, consideran-
do os eventuais efeitos adversos desses dois antibióticos, os
CDC aconselham o uso de amoxicilina, administrada de 8
em 8 horas, por via oral. Esta alternativa deve, contudo, ser
considerada, tendo em atenção o benefício da prescrição
da ciprofloxacina e da doxiciclina na prevenção desta grave
situação, apesar dos eventuais riscos da sua utilização.
A circunstância de a quimioprofilaxia dever ser prolon-
gada é naturalmente um obstáculo a uma boa aderência à
sua prescrição. No decurso do surto registrado nos Estados
Unidos e a despeito do clima de medo coletivo vivido, ape-
nas 44% dos cerca de 10.000 indivíduos a quem foi propos-
ta profilaxia durante 60 dias cumpriram a prescrição. Cite-
se não ter sido registrado nenhum caso de antraz entre os
indivíduos a quem foi aconselhada a profilaxia antibiótica,
por terem estado sujeitos a uma eventual exposição.
Com objetivo de aumentar a proteção e de encurtar o
longo período de administração de antibióticos, tem sido
aconselhada a associação da vacina com a profilaxia anti-
biótica, que no mínimo deverá ser mantida por 30 dias,
período em que são administradas as três primeiras doses
da vacina, a intervalos de duas semanas; a imunização de-
verá ser depois concluída de acordo com o esquema de uti-
lização aconselhado. No entanto, e porque a resposta
imunitária atinge o seu pico cerca de duas semanas após a
terceira dose da vacina, administrada às quatro semanas,
alguns autores consideram que é conveniente manter aprofilaxia durante seis semanas.
CONTROLE DA INFECÇÃO E
DESCONTAMINAÇÃO
Visto não haver contágio inter-humano, os doentes não
necessitam de ser hospitalizados em regime de isolamen-
to, nem é requerido o uso de máscaras protetoras. Apenas
devem ser tomadas precauções em relação a compressas
usadas nos casos de antraz cutâneo ou a qualquer material
conspurcado com fluidos biológicos contaminados, como
líquido pleural ou líquido ascítico, que devem ser incine-
rados ou tratados por autoclave. Os exames microbiológi-
cos de rotina devem obedecer às normas de segurança la-
boratorial de nível 2. Material de autópsia deve ser
também esterilizado por autoclave ou incinerado.
Superfícies eventualmente contaminadas devem ser la-
vadas com solução de hipoclorito de sódio a 0,5% (lixívia
de uso doméstico diluída a 1/10), o que pode contudo ser
corrosivo para alguns materiais.
Não há necessidade de quaisquer precauções em rela-
ção aos conviventes íntimos do doente, a não ser que tam-
bém tenham sido expostos a idêntico risco. Animais con-
taminados devem ser cremados para evitar a disseminação
da doença.
As pessoas com risco de exposição a pó alegadamente
contendo esporos devem de imediato mudar todo o vestuá-
rio e tomar copiosa ducha, lavando-se com bastante sabão;
o vestuário deve ser colocado em sacos de plástico selados
e posteriormente incinerados. Deverá ser aconselhada
quimioprofilaxia até esclarecimento da natureza do pro-
duto em causa.
Naturalmente que a presunção ou a confirmação de
qualquer caso deve ser de imediato comunicada às auto-
ridades sanitárias, para que, se necessário, se possa pôr em
execução toda uma estratégia previamente definida.
A descontaminação de áreas contaminadas por uma
larga dispersão de esporos põe algumas dificuldades, tor-
nando-se necessário conhecer a extensão e duração dessa
dispersão, que é condicionada pelas condições meteoroló-
gicas locais e pelas características do aerossol usado.
Exemplo dessa dificuldade foi a situação verificada na ilha
escocesa de Gruinard, cujo solo foi contaminado nos anos
1940, em conseqüência de ensaios militares com bombas
contendo esporos de B. anthracis, que permaneceram viá-
veis por quase quatro décadas. A descontaminação, inicia-
da em 1979, só foi dada por terminada em 1987, tendo a
lavagem de todo o solo da pequena ilha sido feita com uti-
lização de 280 toneladas de formol e de 2.000 toneladas
de água do mar. Naturalmente que a descontaminação de
grandes áreas urbanas é ainda mais difícil de concretizar.
A avaliação de uma superfície suspeita de estar conta-
minada por esporos pode ser feita por uma variedade de
testes rápidos, conquanto a sua validade não esteja ainda
devidamente comprovada. Durante o surto de antraz re-
centemente ocorrido nos Estados Unidos, registraram-se
182 Capítulo 18
muitos resultados falso-positivos com a utilização desses
testes, pelo que sua positividade não traduz necessaria-
mente a presença de esporos de antraz, mas apenas a in-
dicação para um posterior estudo confirmatório; desco-
nhece-se também qual a eventualidade de fornecer falsos
resultados negativos.
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