Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Capítulo 24 239 Marília de Abreu Silva Marcelo Eduardo Moreira Goulart Febre Tifóide DEFINIÇÃO E ETIOPATOGENIA A febre tifóide é uma doença infecciosa aguda e sistê- mica, causada por bactérias Gram-negativas da família Enterobacteriaceae, gênero Salmonella, sorotipos typhi, paratyphi A, B e C. Cabe ressaltar que a infecção pela S. typhi é exclusiva da espécie humana, enquanto as S. pa- ratyphi A, B e C podem infectar outros animais. Na água, a S. typhi pode sobreviver até quatro semanas principalmente em temperaturas mais baixas, nível eleva- do de oxigênio e com presença de material orgânico sufi- ciente para não causar consumo de oxigênio. A água do mar não é um bom meio. Nas ostras, mariscos e outros moluscos, foi demonstrada sobrevida de até quatro sema- nas. Leite, manteiga e outros laticínios representam exce- lente meio, podendo ser infectantes por até dois meses. Pode, ainda, sobreviver por período superior a três sema- nas na superfície do pão e por dois meses na carne crua. São descritos três tipos de antígenos: “O” ou antígeno so- mático, presente no corpo bacteriano, é grupo-específico e responsável pela antigenicidade; “H” ou flagelar, é tipo- específico e encontrado em todas as formas flageladas; e “Vi” (virulência), presente em apenas algumas cepas de S. typhi e paratyphi A, B e C; admite-se que seja responsável por maior grau de patogenicidade, pois protege a bactéria da ação dos anticorpos e da fagocitose. Para que a infecção ocorra, é necessária a ingestão de um inóculo de 10 a 10, a fim de suplantar a ação limitan- te conferida pela acidez gástrica. Portanto, toda situação que leve à sua diminuição acarretará maior suscetibilida- de (acloridria, antiácidos, etc.). Ultrapassada a barreira gástrica, ocorre a penetração das bactérias pela mucosa, principalmente no jejuno e no íleo distal. Elas multipli- cam-se nos tecidos linfóides locais (placas de Peyer), atin- gem os linfonodos mesentéricos e, a seguir, o duto toráci- co. Ganham a circulação, disseminando-se para todo o or- ganismo, comprometendo principalmente órgãos do siste- ma fagocítico mononuclear (fígado, baço e medula óssea). EPIDEMIOLOGIA A freqüência e a distribuição da doença estão dire- tamente relacionadas às condições de saneamento bási- co existentes e aos hábitos individuais, acometendo pre- dominantemente indivíduos de nível socioeconômico mais baixo de áreas rurais e periferia dos centros urba- nos. Nas regiões endêmicas, acomete com maior fre- qüência indivíduos entre 15 e 45 anos, sem predominân- cia de sexo. A transmissão ocorre através da via fecal- oral, principalmente a partir de água e alimentos con- taminados (forma indireta). A contaminação se dá ao serem manipulados por indivíduos oligossintomáticos ou portadores crônicos sem hábitos higiênicos. Sabe-se que, mesmo após tratamento, cerca de 3% dos pacientes continuam eliminando S. typhi por períodos prolonga- dos devido à multiplicação lenta e contínua da bactéria na vesícula biliar. Estes indivíduos possuem grande im- portância epidemiológica porque mantêm a endemia, além de responderem por surtos epidêmicos. No Brasil, persiste de forma endêmica com superposição de epide- mias, especialmente no Norte e Nordeste, refletindo as condições de vida dessas regiões. A redução do número de casos e óbitos por essa doença também é patente. Na primeira metade da década de 1980, a média de casos registrados desta doença superava os quatro mil anuais, e as mortes eram superiores a 100. O número de casos observados em 2001 é cerca de oito vezes menor do que os registrados em 1980, alcançando 584 casos, e os óbi- tos reduziram-se a nove no ano de 2001, representando uma redução de 91%. 2424 240 Capítulo 24 QUADRO CLÍNICO Devido ao uso indiscriminado de antibióticos em nos- so meio para o tratamento de quadros febris, além da pos- sibilidade de diagnóstico mais precoce, a apresentação clí- nica de início insidioso e evolução arrastada classicamente descrita tornou-se cada vez menos observada. Neste con- texto, a febre pode ser a única manifestação. O período de incubação dura em média duas semanas podendo variar de três a 60 dias, dependendo do tamanho do inóculo e da imunidade do indivíduo. A primeira sema- na da doença é caracterizada pela instalação de sintomas gerais inespecíficos como astenia, anorexia, náuseas, vômi- tos, dor abdominal e cefaléia. A febre aumenta progressi- vamente, podendo atingir até 40°C. Caracteristicamente, ocorre dissociação pulso-temperatura. A partir da segun- da semana, o quadro se agrava, com comprometimento do sensório (obnubilação e torpor), piora da dor abdominal com meteorismo intenso, esplenomegalia, diarréia ou constipação. Apesar de pouco observadas, são descritas as roséolas tíficas caracterizadas por exantema macular tran- sitório localizado na parede abdominal, tórax e região lombar. As complicações mais importantes descritas são as hemorragias digestivas e a perfuração intestinal. Uma for- ma de apresentação clínica com febre de curso prolonga- do (vários meses) e acompanhada de sudorese, calafrios, anorexia, perda de peso, aumento do volume abdominal, edema e petéquias dos membros inferiores, palidez e he- patoesplenomegalia está associada com a forma hepatoes- plênica da esquistossomose mansônica. É denominada sal- monelose septicêmica prolongada, cujo principal diagnós- tico diferencial se faz com o calaza. PROFILAXIA • Destino adequado dos dejetos humanos; • Armanezamento, manipulação, preparo e conservação dos alimentos de forma correta; • Medidas de educação em saúde; • Vacinação: a vacina disponível no país é constituída por bactérias inativadas pelo calor e pelo fenol para apli- cação por via subcutânea. Está indicada apenas para si- tuações de grande risco, como trabalho em esgotos e vi- agem para áreas de alta endemicidade. Não está indi- cada para o controle de surtos nem em situações de ca- lamidade. Deve-se lembrar, ainda, que a vacina não pos- sui alto poder imunogênico e que a imunidade é de curta duração. A vacina Ty21a é formada por bactérias vivas e atenuadas, administrada por via oral, consistin- do na ingestão de uma cápsula de liberação entérica, uma vez ao dia, por quatro dias consecutivos. Deve ser mantida sob refrigeração e ingerida com líquido que não seja quente, 1 h antes das refeições. Não deve ser administrada a crianças menores de seis anos de idade. Uma outra vacina, contendo o antígeno Vi (ViCPS), é indicada por via intramuscular. Ambas conferiram pro- teção entre 50 a 80% dos vacinados. DIAGNÓSTICO Devido à falta de especificidade na apresentação clíni- ca, o que pode simular diversas doenças infecciosas, se tor- na imprescindível o concurso do laboratório a fim de con- firmar a suspeita clínica. Para o diagnóstico, métodos bac- teriológicos e testes sorológicos são utilizados. Entretan- to, o isolamento e a identificação da bactéria devem ser sempre perseguidos, pois, além de estabelecerem o diag- nóstico definitivo, permitem avaliar o perfil de sensibili- dade dos antimicrobianos. Exames complementares ines- pecíficos auxiliam na detecção de complicações e na me- lhor condução do caso. MÉTODOS BACTERIOLÓGICOS Hemocultura Constitui-se, ainda, no principal exame utilizado no diagnóstico da doença, por apresentar sensibilidade alta e ser de execução fácil. Preferencialmente, as amostras de sangue devem ser colhidas durante a primeira semana de doença, período no qual a positividade é maior. A partir da segunda semana do início das manifestações clínicas, o iso- lamento do agente etiológico torna-se progressivamente mais difícil, devido ao surgimento de aglutininas séricas específicas. O uso prévio de antimicrobianos diminui subs- tancialmente a positividade do exame. Em cada frasco, deve-se manter uma relação de 1:10 de sangue para meio de cultura. Devem ser colhidas três amostras, nãosendo necessário intervalo maior que 30 minutos entre elas. Não é recomendada a refrigeração após a introdução do sangue no meio de cultura. Meio de cultura utilizando caldo biliado mostrou-se ser o de maior sensibilidade para amos- tras de sangue, as quais devem ser mantidas incubadas por 21 dias para serem consideradas negativas. Coprocultura Por apresentar maior positividade numa fase mais tar- dia da doença (3a a 4a semana), possui valor diagnóstico mais limitado. Também se encontra indicada no controle de cura e na pesquisa de portadores crônicos de Salmonel- la. Diante de um caso suspeito originário de área de alta endemicidade, um resultado positivo não confirma, neces- sariamente, o diagnóstico, devendo ser interpretado como diagnóstico presuntivo. Crianças apresentam maior inci- dência de exames positivos do que os adultos (60 e 27%, respectivamente). A fim de diminuir o risco de um resul- tado falso-negativo, as amostras colhidas in natura devem ser remetidas ao laboratório em até duas horas, em tem- peratura ambiente, ou em seis horas, sob refrigeração. Quando se torna necessário um prazo maior para o envio do material, utilizar soluções preservadoras (p. ex., fórmu- la de Teague-Clurman). Para o diagnóstico de portadores assintomáticos, recomenda-se a coleta de sete amostras seqüenciadas. Mielocultura É considerado o exame diagnóstico de maior sensibi- lidade (até 90%). Possui vantagem sobre a hemocultura, pois mantém sua positividade mesmo nos indivíduos que fizeram uso prévio de antibióticos por até cinco dias, fato comum na nossa população. Logo após o procedimento, o sangue aspirado deve ser semeado em meio de cultura con- tendo ágar-sulfato de bismuto (Wilson e Blair ou Hektoen), Capítulo 24 241 diretamente na placa de Petri. A necessidade de profissio- nal treinado para a realização do procedimento e o fato de ser exame invasivo e desconfortável para o paciente po- dem ser fatores limitantes de seu emprego de modo mais amplo no nosso meio. Urinocultura Seu valor diagnóstico é limitado, pois, de forma seme- lhante à coprocultura, apresenta positividade máxima na terceira semana de doença, mesmo assim em percentual inaceitavelmente baixo. Culturas de Outros Sítios Quando indicadas em situações especiais, podem ser realizadas cultura de secreções purulentas, líquor, líquido articular, secreção brônquica, bile, roséola tífica e outros materiais. Em crianças, demonstrou-se que a associação de hemoculturas com cultura de bile, além de ser menos in- vasiva, foi tão sensível quanto a mielocultura. a cultura de fragmento de roséola tífica apresenta positividade em mais de 60% dos pacientes e, à semelhança da mielocultura, permanece positiva mesmo em vigência de tratamento com antibiótico. MÉTODOS SOROLÓGICOS Reação de Widal Introduzida há mais de um século e ainda amplamen- te utilizada para o diagnóstico da doença, a reação de Widal é um teste de soroaglutinação que detecta anticor- pos (aglutininas) contra os antígenos O e H. As primeiras aglutininas a serem detectadas são as anti-O, a partir do 10o dia de doença, alcançando títulos inferiores aos da anti-H. Ocorre queda rápida, desaparecendo por volta do 30o dia. Já as aglutininas anti-H surgem no fim da segunda semana de doença, apresentando títulos crescentes até o 30o dia. A seguir, declinam mais lentamente, podendo permanecer detectáveis por meses. Embora não haja consenso na lite- ratura, admite-se que um teste possa ser considerado po- sitivo quando for observado título de anti-O maior que 1:50 ou 1:100 em uma única amostra colhida entre a segunda e a terceira semanas de doença ou aumento dos níveis dos títulos de anti-O em quatro vezes após duas semanas da primeira coleta. Apesar de ser teste de fácil e rápida execução, além de baixo custo, a reação de Widal apresenta algumas limita- ções que conduzem a erros de interpretação dos resultados devido à ausência de estandardização entre os antígenos comercializados e aos seguintes fatores. • A alta prevalência das aglutininas entre indivíduos maiores de dez anos de idade nas áreas endêmicas, faz com que a positividade do teste em uma única amostra desse grupo não apresente valor diagnósti- co. Portanto, um teste deverá ser considerado posi- tivo em um indivíduo não vacinado caso este prove- nha de área não endêmica ou, então, se menor de dez anos, caso seja de área endêmica. Por outro lado, um resultado negativo em área endêmica praticamente afasta o diagnóstico. • Nas áreas endêmicas, indivíduos que apresentaram a doença no passado podem responder com aumento das aglutininas (especialmente anti-H) em decorrência de outras infecções, fato este conhecido como resposta anamnéstica. Nessa situação, o diagnóstico fica com- prometido caso leve-se em consideração um resultado positivo em uma única amostra. • A utilização precoce de antibióticos pode comprome- ter a resposta imunológica, impedindo a positivação da segunda amostra naqueles pacientes que apresentam o primeiro teste negativo, e mesmo naqueles em que o primeiro teste foi positivo um aumento significativo pode não ser alcançado. Ou seja, uma titulação nega- tiva ou baixa após uso de antibióticos não afasta o diag- nóstico de febre tifóide. Entretanto, do ponto de vista prático, a conduta terapêutica é tomada com base em uma única amostra, uma vez que, diante de um quadro sugestivo da doença, não é possível esperar dez a 14 dias para o pareamento. • A vacinação é responsável por aumento transitório do título de antígeno O e por uma elevação persisten- te do título do antígeno H. • Pode haver reação cruzada contra outras espécies de Salmonella devido à presença em comum do antígeno O. Assim, um título elevado desse antígeno pode signi- ficar apenas infecção por outra bactéria do gênero. • Pacientes não tratados podem evoluir sem aumento dos títulos de aglutininas, mesmo após a terceira sema- na de doença. Apesar da sua baixa especificidade, a reação de Widal representa, ainda, um recurso de fácil acesso e útil para o diagnóstico da febre tifóide, desde que seja interpretado levando-se em consideração as limitações expostas ante- riormente. Outros Testes A necessidade de se ter disponível um exame laborato- rial para o diagnóstico rápido e correto da doença levou ao desenvolvimento de vários testes sorológicos, incluindo contra-imunoeletroforese (CIE), ensaios imunoenzimáti- cos (ELISA), dot-ELISA, hemaglutinação (HA) e coagluti- nação. Entretanto, esses testes exigem, além do maior cus- to, alguma complexidade técnica, requerem equipamento especial e dependem de eletricidade ou refrigeração para a guarda do material. Além disso, apresentam variações na sensibilidade e especificidade devido a diferenças entre as cepas utilizadas, não sendo utilizados na prática clínica. Mais recentemente, um teste utilizando o método ELISA para a detecção de anticorpos IgM específicos contra a S. typhi mostrou sensibilidade de até 100% nas amostras co- lhidas após nove dias de doença. No teste, é utilizada uma fita de nitrocelulose contendo o antígeno e um anticorpo monoclonal antiimunoglobulina humana conjugado a uma suspensão coloidal de vermelho Palanyl. À fita é adi- cionado o soro do paciente além de um reagente. Ao final de três horas, em temperatura ambiente, é observada a in- tensidade da coloração apresentada, comparando-a com uma fita de referência. Esse teste tem a vantagem de ser de fácil manipulação, não necessita de técnico especializado, de equipamento especial e de refrigeração, além de estar 242 Capítulo 24 pronto em três horas. Pode ser de utilidade nos pacientes com suspeita da doença que apresentam hemocultura ne- gativa ou em regiões onde os métodos microbiológicos não estejam disponíveis. EXAMES INESPECÍFICOS No hemograma, geralmente são encontradas leuco- penia, neutropenia e linfomonocitose relativa. Anemiae trombocitopenia também são achados freqüentes. O exa- me deve ser solicitado semanalmente, uma vez que o sur- gimento de neutrofilia e leucocitose, principalmente se associado à piora do quadro abdominal, é sugestivo de per- furação intestinal. Também é de ajuda naqueles pacientes em uso de cloranfenicol, quando a presença de leucopenia importante pode significar acometimento da medula óssea pelo antibiótico. A velocidade de hemossedimentação (VHS) encontra-se normal ou baixa. TRATAMENTO DA FEBRE TIFÓIDE NÃO COMPLICADA INESPECÍFICO Além de uma cuidadosa reposição hidroeletrolítica, deve-se atentar para profilaxia das complicações, com es- pecial atenção para alimentação, que deve ser pobre em resíduos, e a não realização de procedimentos que tragam risco de hemorragia ou perfuração intestinal, em especial clisteres e lavagens intestinais e colonoscopias. Nas formas graves, hipertóxicas, adultos e crianças be- neficiam-se com administração de dexametasona na dose inicial de 3 mg/kg, intravenosa, num período de 30 minu- tos, seguida por 1 mg/kg fracionada a cada seis horas. A mortalidade foi reduzida de 50% para 10%. ESPECÍFICO Fluorquinolonas Podem ser usadas em qualquer idade e com boa respos- ta num período curto de tratamento, três a sete dias. Com elas obtêm-se os melhores índices de cura, superiores a 96%. São utilizadas na dose de 15 mg/kg/dia por cinco a sete dias. Os pacientes tornam-se apiréticos até o quarto dia de tratamento. As fluorquinolonas não alteram as taxas de recidiva e de desenvolvimento do estado de portador assin- tomático (menor 2% dos casos). A ofloxacina, a ciprofloxacina e a pefloxacina são al- tamente ativas e eficazes. A norfloxacina, por ter biodispo- nibilidade oral inadequada, não deve ser usada no trata- mento. Nos pacientes com febre tifóide quinolona-resistente podem ser usadas as fluorquinolonas na dose de 20 mg/ kg/dia por dez a 14 dias com índice de cura de 90 a 95%. O paciente torna-se apirético até o sétimo dia e o estado de portador assintomático não é alterado (20% dos casos). Nas cepas multidroga-resistente estão indicadas a azi- tromicina na dose de 8 a 10 mg/kg/dia por sete dias ou ce- falosporinas de terceira geração na dose de 20 mg/kg/dia por dez a 14 dias. Cefalosporinas de Terceira Geração (Ceftriaxona, Cefixima, Cefotaxima, Cefoperazona) e Azitromicina Estudos mostram que, principalmente com a ceftria- xona e a cefotaxima, a febre desaparece em até sete dias e a falha terapêutica ocorre em 5 a 10%. A recaída foi de 3 a 6% e o estado de portador assintomático foi menor que 3%. As doses de ceftriaxona e cefotaxima são de 20 mg/kg/dia por dez a 14 dias. Nos casos graves, a dose re- comendada de ceftriaxona é de 60 mg/kg/dia, e a de cefotaxima é de 80 mg/kg/dia. Com azitromicina a cura foi de 95%. A apirexia ocorreu em média de quatro a sete dias após a recaída e o estado de portador assin- tomático foi menor que 3%. A dose recomendada é de 8 a 10 mg/kg/dia. Aztreonam e imipenem são drogas de ter- ceira linha. Cloranfenicol Constitui-se na droga apropriada para tratamento da febre tifóide nas áreas em que a bactéria é suceptível e as fluorquinolonas não estão disponíveis. É acessível, dispo- nível e raramente associada com efeitos colaterais. A dose recomendada é de 100 mg/kg/dia fracionada de seis em seis horas, IV. A defervescência dos sintomas ocorre num período de cinco a sete dias, a partir do qual aguarda-se 48 horas para reduzir a dose da droga à metade, mantendo-se, então, por mais dez a 14 dias. A cura é de 95%, a recaída é de 1 a 7% e o estado de portador assintomático é de 2 a 10%. Ampicilina As indicações para seu uso são a intolerância ao clo- ranfenicol e o tratamento dos portadores crônicos devi- do à sua alta concentração nas vias biliares. Deve ser uti- lizada na dose de 100 mg/kg/dia, fracionada de seis em seis horas, intravenosa, por 14 dias. A apirexia costuma ocorrer, em média, ao redor do oitavo ao décimo quarto dia. Quando se pretende completar o tratamento (14 dias após apirexia) com via oral, opta-se pelo uso da amo- xicilina, na dose de 50 a 75 mg/kg/dia fracionada em três tomadas. Sulfametoxazol e Trimetoprim Essa associação apresenta índices de cura semelhan- tes aos obtidos com a ampicilina. A dose recomendada é de 160/800 mg/kg/dia, fracionada a cada seis horas por via oral e de 8 a 10 mg/kg/dia a cada seis horas, intra- venosa. Há poucos estudos na literatura sobre o tratamento da febre tifóide na gestante. Os betalactâmicos são considera- dos seguros, e nos casos graves tem sido usada fluorquino- lona com sucesso. TRATAMENTO DA FEBRE TIFÓIDE GRAVE HEMORRAGIA D IGESTIVA A hemorragia digestiva ocorre em menos de 10% dos casos, habitualmente a partir do final da segunda semana. Capítulo 24 243 Muitas vezes não é grave, podendo ser tratada com repo- sição hidroeletrolítica e dieta zero. Em casos de exterio- rização de sangramento vultoso, pode ser necessária lapa- rotomia para ressecção ileocecal. A mortalidade antes da perfuração varia entre 10 e 32%. PERFURAÇÃO INTESTINAL A perfuração intestinal ocorre em menos de 5% dos pacientes, podendo apresentar ou não sinais de peritoni- te. A localização preferencial é o íleo terminal. O acom- panhamento deve ser semanal (após terceira semana) com solicitação de hemograma, onde a evidência de leu- cocitose e desvio à esquerda pode ser decisivo para diag- nóstico precoce de peritonite, sendo, portanto, necessá- ria a intervenção terapêutica com antimicrobianos efi- cazes para bastonetes Gram-negativos, como amino- glicosídeos ou cefalosporinas de terceira geração. Estas medidas não sendo suficientes, deve-se indicar res- secção de segmento intestinal e lavagem da cavidade ab- dominal. Raramente ocorrem outras complicações, como mio- cardites, pancreatite, colecistite, insuficiência renal, pneumonias, derrames pleurais e abscessos de localiza- ção variada. Recaídas ocorrem em menos de 10% dos pacientes, ge- ralmente associadas a curto tempo de tratamento. A maio- ria dos portadores de perfuração intestinal podem ser tra- tados com ampicilina ou amoxicilina na dose de 100 mg/ kg/dia associada a 30 mg/kg/dia de probenecida por três meses; com sulfametoxazol-trimetoprim dois comprimi- dos duas vezes ao dia por três meses; ou com ciprofloxa- cina na dose de 750 mg duas vezes ao dia por 28 dias. A média de cura está em torno de 80%. Na presença de co- lelitíase, deve ser indicada a colecistectomia além da antibioticoterapia. BIBLIOGRAFIA 1. Barroso PF. Febre Tifóide. In: Schechter, M, Marangoni, DV. Doenças Infecciosas: Conduta Diagnóstica e Terapêutica. Guanabara-Koogan 1998; p. 201-204. 2. Bhutta ZA, Mansurali N. Rapid Serologic Diagnosis of Pediatric Typhoid Fever in an Endemic Area: A Pros- pective Evaluation of Two Dot-Enzyme Immunoassays and the Widal Test. Am J Trop Med Hyg 1999; 61(4): 654-657. 3. Bitar RE, Tarpley J. Intestinal perforation in typhoid fever: a historical and state-of-the-art review. Rev Infect Dis 1985; 7: 257-71. [Medline] 4. Butler T. Sridhar CB, Daga MK et al. Treatment of typhoid fever with azithromycin versus chlorampheficol in a randomized mul- ticentre trial in India. J Antimicrob. Chemother 1999; 44: 243-50. 5. Carneiro ICS, Ramos FL, Lins-Lainso ZC. Febre Tifóide e Paratifóide. In: Leão RNQ. Doenças Infecciosas e Parasitá- rias – Enfoque Amazônico. Editora CEJUP 1997; p. 475- 485. 6. Centers for Disease Control and Prevention. National Center for Infectious Diseases. Travelers’ Health. Disponível na In- ternet via: www.cdc.gov/travel/diseases/typhoid.htm. Arqui- vo consultado em 2002. 7. Chinh NT, Parry CM, Ly NT et al. A randomized con- trolled comparison of azithromycin and ofloxacin for treatment of multidrug-resistant and nalidixic acid- resistant enteric fever. Antimicrob Agents Chemother 1999; 44: 1855-59.8. Edelman R, Levine MM. Summary of an International Work-shop on Typhoid Fever. Rev Infect Dis 1986; 8 (3): 329-349. 9. Gasem MH, Dolmans WM, Isbandrio BB et al. Culture of Salmonella typhi and Salmonella paratyphi from blood and bone marrow in suspected typhoid fever. Trop Geogr Med 1995; 47 (4): 164-167. 10. Gilman RH, Terminel M, Levine MM, Hernandez-Mendoza, P, Hornick RB. Relative Efficacy of Blood, Urine, Rectal Swab, Bone-Marrow and Rose-Spot Cultures for Recovery of Salmonella typhi in Typhoid Fever. Lancet 1975; May 31, p.1211-1213. 11. Girgis NI, Butler T, French RW at al. Azithromycin versus ciprofloxacin for treatment of uncomplicated typhoid fever in a randomized trial in Egypt that includes patients with multidrug resistance. Antimicrob Agents Chemother 1999; 43: 1441-44. 12. Gotuzzo E, Carrillo C. Quinlones in typhoid fever. Infet Dis Clin Pract 1994; 3: 345- 51. 13. Hatta M, Goris MGA, Heerkens J et al. Simple Dipstick Assay for the Detection of Salmonella typhi-Specific IgM Antibodies and the Evolution of the Immune Response in Patients with Typhoid Fever. Am J Trop Med Hyg 2002; 66(4): 416-421. 14. Hoffman SL, Punjabi NH, Kumala, S. et al. Reduction of mortality in chloramphenicol-treated severe typhoid fever by high-dose dexamethasone. N Engl J MED 1984; 310:82- 88. [Abstract] 15. Hoffman SL, Punjabi NH, Rockhill RC et al. Duodenal String-Capsule Culture Compared with Bone-Marrow, Blood, and Rectal-Swab Cultures for Diagnosing Typhoid and Parathyphoid Fever. J Infect Dis 1984; 149 (2): 157-1614. 16. House D, Wain J, Ho VA et al. Serology of Typhoid Fever in an Area of Endemicity and Its Relevance to Diagnosis. J Clin Microbiol 1999; 39: 1002-1007. 17. Leung D, Venkatatesan P, Boswell T at al. Treatment of typhoid fever. Lancet 1995; 346: 648 [Medline] 18. Levine MM, Black RE, Lanata C. Precise estimation of the numbers of chronic carriers of Salmonella thyphi in Santia- go, Chile, an endemic area. J Infect Dis 1982; 6:724-6. [Medline] 19. Levine MM, Grados O, GIlman RH. et al. Diagnostic Value of the Widal Test in Areas Endemic for Typhoid Fever. Am J Trop Med Hyg 1978; 27(4): 795-800. 20. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Centro Nacional de Epidemiologia. Guia de Vigilância Epidemiológi- ca. Capítulo 5.12. Febre Tifóide, 1998. 21. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Guia de Doenças. Disponível na Internet via: www.funasa.gov.br. Ar- quivo consultado em 2002. 244 Capítulo 24 22. Pang T, Puthucheary SD. False Positive Widal Test in Non- typhoid Salmonella Infections. Southeast Asian J Trop Med Pub Hlth 1989; 20 (1): 163-164. 23. Pang T, Puthucheary SD. Significance and Value of the Widal Test in the Diagnosis of Typhoid Fever in an Endemic Area. J Clin Pathol 1983; 36: 471-475. 24. Parry CM, Hoa NTT, Diep TS. et al. Value of a Single-Tube Widal test in Diagnosis of Typhoid Fever in Vietnam. J Clin Microbiol 1999; 37(9): 2882-2886. 25. Parry, CM, Hien, TT, Dougan, G. et al. Typhoid fever. N Engl J Med 2002; 347 (22): 1770-82. 26. Saravía-Gomez J, Focaccia R, Lima VP. Febres Tifóide e Parati- fóide. In: Veronesi, R, Focaccia, R. Tratado de Infectologia. Edi- tora Atheneu 1996; p. 697-709. 27. Schroeder SA. Interpretation of Serologic Tests for Typhoid Fever. JAMA 1968; 206 (4): 839-840. 28. Seoud M, Saade G, Uwaydah M. et al. Typhoid fever in pregnancy. Obstet Gynecol 1988; 71:711-14. [Medline] 29. Van Basten JP, Stockenbrugger, R. Typhoid perforation: a review of the literature since 1960. Trop Geogr Med 1999; 46: 336-39. [Medline] 30. Wain J, Hoa NT, Chinh NT. et al. Quinolone-resistant Sal- monella typhi in Vietnam: molecular basis of resistance and clinical response to treatment. Clin Infect Dis 1997; 25: 1404-10. 31. White NJ, Parry CM. The treatment of typhoid fever. Curr Opin Infect Dis 1996; 9:298-302.
Compartilhar