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CAP˝TULO 5 27 55 CAP˝TULOCAP˝TULO Ginecomastia Alcinda Aranha Nigri INTRODU˙ˆO Ginecomastia (GM) Ø a proliferaçªo dos componentes glandulares da mama masculina. Esta denominaçªo Ø originÆria de dois vocÆbulos gregos, gynØ ou gynaikos mulher e mastos mama. A ginecomastia Ø uma condiçªo be- nigna na qual o componente da mama prolifera, como resultado do aumento concŒntrico de uma ou ambas as mamas. A GM pode ser uni ou bilateral, simØtrica ou nªo, e em geral Ø dolorosa ao toque. As alteraçıes histológicas associadas à GM relacionam-se mais com a duraçªo do processo do que com sua causa. Assim, observa-se que a GM com dura- çªo inferior a dois anos apresenta como base ductos proeminentes entranhados por tecido conjuntivo frouxo. Nesta fase, haverÆ regressªo espontânea se a causa for corrigida. Após dois anos de duraçªo costuma ocorrer fibrose e hialinizaçªo progressivas que tendem a permanecer, quando entªo somente o tratamento cirœrgico poderÆ ser efetivo. O aumento da mama pode ser fisiológico ou patológico. A GM fisiológica encontra-se com freqüŒncia no período neonatal, puberal e senil. A GM no período neonatal costuma ocorrer em cerca de 60% a 90% dos recØm-nascidos; acredita-se seja resultado dos elevados níveis de estrógenos provenientes da mªe. A atividade secretora da glândula mamÆria responde tambØm aos elevados níveis de prolactina, formando uma secreçªo lÆctea que se verifica à expressªo do broto mamÆrio. Costuma regredir espontaneamen- te nos primeiros meses de vida. 28 CAP˝TULO 5 A GM no período da infância Ø rara e estÆ em geral associada a cau- sas patológicas como tumores adrenais e testiculares. Neste período po- demos tambØm encontrar a GM como conseqüŒncia de tratamentos crô- nicos com medicamentos. Algumas tŒm sido implicadas como causa de ginecomastia na infância, como metoclopramida, usada para tratamento de refluxo gastroesofÆgico, hormônio de crescimento, antineoplÆsicos e ingestªo acidental de estrógenos (contraceptivos orais e tópicos cre- mes). Doenças localizadas na mama podem ser confundidas com gine- comastia, como neurofibromas, linfangiomas, lipomas, cisto intraductal, papilomas, mastite cística crônica, necrose pós-trauma (estas quatro œl- timas se acompanham, em geral, de saída de secreçªo serossangüinolenta atravØs do mamilo). Aproximadamente 40% a 65% dos adolescentes apresentam GM puberal, que Ø transitória e pode regredir no período de um a trŒs anos na sua gran- de maioria. A preocupaçªo maior nessa etapa gira em torno dos distœrbios psicológi- cos que ocorrem com relativa freqüŒncia e devem merecer especial atençªo. É nesta fase que a GM costuma ser a manifestaçªo inicial de hipogonadis- mo, tanto congŒnito como adquirido. ETIOPATOGENIA A GM parece resultar de um desequilíbrio entre a concentraçªo de andrógenos e estrógenos, tendo como conseqüŒncia um excesso absoluto ou relativo de estrógenos. Sabe-se que os estrógenos estimulam o tecido mamÆrio; jÆ os andrógenos antagonizam esta açªo. O aumento da relaçªo estrógeno/andrógeno pode estar presente em: Tumores de cØlulas de Leydig e adrenocorticais feminizantes. Aumento na aromatizaçªo de precursores estrogŒnicos como nos tu- mores de cØlulas de Sertoli, ou dos cordıes sexuais, das cØlulas germinativas com tecido trofoblÆstico, e tambØm em pacientes com obesidade, doença hepÆtica e hipertireoidismo. Uso de medicamentos que interferem na capacidade ligadora da SHBG (globulina carreadora de esteróides sexuais): sabe-se que a capacidade ligadora de SHBG pelos andrógenos Ø muito maior que pelos estrógenos, portanto medicamentos como espironolactona e cetoconazol deslocam estes esterói- des tornando os estrógenos livres mais facilmente. A ativaçªo de receptores estrogŒnicos no tecido mamÆrio pode ser devida à ingestªo de drogas que possuem estrutura homóloga ao estrógeno como a digitoxina. A ingestªo acidental ou terapŒutica de estrógenos atravØs da exposiçªo ocupacional, dietØtica ou por absorçªo percutânea de cremes anti-rugas, pode levar ao aumento de estrógenos livres e desenvolvimento de GM. Defeito na estrutura ou na funçªo do receptor androgŒnico, presente em pacientes com insensibilidade parcial ou completa aos andrógenos. Tumores hipofisÆrios produtores de prolactina (PRL): mecanismo pouco claro. A PRL pode estimular diretamente o desenvolvimento do tecido glan- dular atravØs de sua açªo mamotrófica. Níveis elevados de PRL podem tam- bØm diminuir a açªo perifØrica da testosterona desequilibrando assim a rela- çªo E/T. CAP˝TULO 5 29 Outra possibilidade seria a ocorrŒncia de maior sensibilidade do re- ceptor estrogŒnico na glândula mamÆria masculina mesmo na presença de níveis normais de estrógenos. Aromatizaçªo de andrógenos no tecido mamÆrio pode ser responsÆvel pela assim chamada GM idiopÆtica (ver Fig. 5.1). Considera-se patológica a GM que se instala como resultado de efeito medicamentoso colateral ou de uma doença subjacente (endocrinopatia, tu- mores, doenças crônicas e outras condiçıes). Fig. 5.1 Passos de produçªo, açªo e metabolismo dos esteróides sexuais. E1 = estrona; E2 = estradiol;T = testosterona; A = androstenediona; SHBG = globulina carreadora dos esteróides sexuais; DHT = diidrotestosterona; AR = receptor de andrógeno; ER = receptor de estrógeno. Adaptado da ref. 13. MEDICAMENTOS Os medicamentos podem exercer um efeito direto na atividade estro- gŒnica, ou aumentando a produçªo testicular de estrógenos ou inibindo a síntese ou a atividade androgŒnica e tambØm por mecanismo ainda nªo conhecido (ver Tabela 5.1). Algumas drogas podem atuar por meio de mœltiplos mecanismos como, por exemplo, o Ælcool e a espironolactona. O etanol tem efeito tóxico direto sobre os testículos e tambØm aumenta o clearance metabólico da T pelo fígado e promove a conversªo de T em E2. Alem de tudo isso o Ælcool estÆ associado com elevados níveis de SHBG, promovendo a reduçªo da T livre circulante. A espironolactona bloqueia a biossíntese da T pela reduçªo da atividade da 17 a -hidroxilase, atua tambØm deslocando o E2 de sua proteína carreadora, SHBG e, fi- nalmente age na inibiçªo da conversªo de T em DHT ao ligar-se a seu receptor intracelular. A GM nesses casos Ø em geral reversível se o uso de ou a exposiçªo ao agente causal for descontinuada. 30 CAP˝TULO 5 ENDOCRINOPATIAS O desequilíbrio na proporçªo andrógeno/estrógeno pode estar relaciona- do tanto a uma produçªo deficiente de andrógeno ou inadequado efeito do mesmo, como a um aumento na produçªo de estrógenos. Nestes casos a GM costuma manifestar-se ao redor do período puberal. Podemos citar como deficiŒncia na síntese ou açªo da testosterona as seguintes entidades: Anorquia congŒnita. Síndrome de Klinefelter. Insensibilidade aos andrógenos. Defeito na síntese da testosterona. Hermafroditismo. Homem XX. Hipertireoidismo (tireotoxicose) a tiroxina estimula a produçªo de SHBG que se liga ao estradiol, mas, como esta ligaçªo Ø mais fraca, haverÆ maior oferta para o tecido mamÆrio. Hipogonadismo hipogonadotrófico. TUMORES Apenas 3% dos pacientes com GM tŒm como etiologia uma neoplasia. Neste caso a suspeita deverÆ recair em trŒs glândulas: hipófise, supra-renal ou testículo. Dependendo do tipo de tumor, a GM pode ser resultado da pro- Tabela 5.1 Medicamentos e Drogas que Causam Ginecomastia Mecanismo de Açªo Medicamentos/Drogas Mecanismo de Açªo Bloqueadores H2 Competiçªo com a DHT em seu receptor Espironolactona Inibiçªo da síntese e clearance de T e a conversªo de T a DHT Fenitoína Incrementa a conversªo de T a E2 Cetoconazol Bloqueio enzimÆtico na biossíntese da T Digitoxina/Isoniazida Propriedade estrógeno-símile Canabis (maconha) Mimetiza o efeito estrogŒnico (phytoestrogenio) Dietilestilbestrol Estimulaçªo direta no tecido mamÆrio Flutamida/ciproterona Bloqueio do andrógenono tecido-alvo Leuprolide Inibiçªo da T pela supressªo pituitÆria Finasteride Inibiçªo da conversªo de T em DHT Benzodiazepínicos, Aumento dos níveis de prolactina antidepressivos e fenotiazinas `lcool Inibe síntese de T, aumenta o clearance metabólico pelo fígado e facilita a conversªo de T a E2 CAP˝TULO 5 31 duçªo de esteróides sexuais ou mais raramente da secreçªo ectópica de gonadotrofina coriônica humana (hCG). O câncer de mama responde por apenas 0,2% de todas as neoplasias em pacientes masculinos, hÆ porØm maior predisposiçªo quando se trata de pacientes portadores da síndrome de Klinefelter. A malignidade pode ser suspeitada pela presença de secreçªo sanguinolenta do mamilo, por estar fixada a pla- nos profundos, ulceraçªo, assimetria, localizaçªo excŒntrica, presença de linfadenopatia axilar. Outros tumores da mama incluem; cisto dermóide, lipoma, linfangioma, metÆstases de neuroblastoma, leucemia linfocítica aguda, linfoma, rabdomiossarcoma. DOEN˙AS CRÔNICAS Cirrose hepÆtica: o hepatócito Ø incapaz de metabolizar a androstenediona, tornando a sua conversªo perifØrica a estrógeno possível (Fig. 5.1). A doen- ça hepÆtica tambØm aumenta os níveis de SHBG, que tem ligaçªo mais forte com a testosterona deixando o estrógeno livre mais disponível. Doença renal crônica: a GM ocorre em cerca de 50% dos doentes em hemodiÆlise. A falha renal pode se associar a um incremento dos níveis de LH, que estimula a secreçªo de estradiol pelas cØlulas de Leydig. Desnutriçªo: tanto a desnutriçªo primÆria como a secundÆria podem cau- sar GM, por provÆvel alteraçªo da funçªo hepÆtica. FAMILIAL Existem alguns casos de GM pouco compreendidos que parecem ser trans- mitidos por uma herança recessiva ligada ao X ou tambØm autossômica do- minante. Um outro tipo de GM ocorre em famílias por aumento da aromatizaçªo extraglandular de andrógenos a estrógenos. AVALIA˙ˆO DIAGNÓSTICA HISTÓRIA CL˝NICA Uma boa anamnese inclui: idade do paciente, início da GM, anteceden- tes, na família, de casos semelhantes, doença crônica (hepÆtica, renal), ca- xumba, uso de medicamentos ou drogas, mÆ nutriçªo, sintomas de hipertireoi- dismo, trauma local da parede torÆcica. EXAME F˝SICO Avaliar o estado geral do paciente, reforçando a atençªo em doenças he- pÆtica, supra-renal e tireoideana, definir o estadiamento puberal (Tanner). Importante buscar sinais de feminizaçªo (ausŒncia da distribuiçªo masculi- na de pŒlos, volume testicular inferior a trŒs centímetros em comprimento e oito mililitros em volume, proporçıes eunucóides). Devemos ter certeza de que o tecido Ø mamÆrio e nªo-gorduroso (lipomastia). Se houver dœvida, pela mamografia se farÆ a diferença. O tecido mamÆrio de origem maligna apresenta-se em geral endurecido, com superfície irregular, excŒntrico, imóvel. A retraçªo e a secreçªo mamilar tambØm podem estar presentes. As lesıes malignas tendem a ser unilaterais, dolorosas e de crescimento rÆpido. A biópsia por aspiraçªo com agulha fina pode fazer o diagnóstico, alØm da mamografia. 32 CAP˝TULO 5 EXAMES LABORATORIAIS Destacam-se: cariótipo, dosagem de b hCG, LH, FSH, testosterona e estradiol, complementando a investigaçªo etiológica com T4, TSH e prolactina. A in- vestigaçªo por imagem (mamografia, ultra-sonografia, tomografia computado- rizada e/ou ressonância nuclear magnØtica) deve ser realizada conforme sus- peita clínica (Fig. 5.2). Fig. 5.2 Fluxograma diagnóstico da ginecomastia. TRATAMENTO Antes de considerar o tratamento a ser instituído, deve-se levar em con- sideraçªo dois fatores fundamentais: 1. A GM fisiológica (neonatal e puberal) tem grande chance de regressªo espontânea e exibe sempre a mesma característica evolutiva, do ponto de vista histológico. A princípio com intensa proliferaçªo ductal, hiperplasia epitelial com incremento do tecido conjuntivo periductal e da vascularizaçªo; Ø a chamada fase ativa ou florida. Após um período aproximado de seis a 12 meses, ocorre fibrose e hialinizaçªo do estroma com regressªo na prolifera- çªo epitelial e nœmero de ductos; Ø a fase fibrótica ou inativa. Nesta etapa evolutiva a terapŒutica medicamentosa torna-se nªo-responsiva. 2. Muitos pacientes com GM puberal nªo necessitam de tratamento, pois habitualmente a regressªo Ø espontânea. O tratamento específico estÆ indi- cado em casos de dor local importante, distœrbios emocionais que interfe- rem na sociabilidade e rotina diÆria do adolescente. É importante salientar a nªo-relaçªo direta entre o grau da GM e a intensidade do comprometi- mento psicológico. CAP˝TULO 5 33 VÆrios medicamentos tŒm sido utilizados no tratamento da GM, es- pecialmente a puberal, como danazol (antigonadotrófico), clomifeno e tamoxifeno (antiestrogŒnico), testolactona (inibidor da aromatase) e o heptanoato de dihidrotestosterona. O danazol atua inibindo a síntese de T por sua açªo antigonadotrófica. Tem uso limitado por seus efeitos colaterais indesejÆveis como: edema, acne, ganho de peso, cefalØia, nÆusea e outros. O citrato de clomifene pode ser œtil, na dose de 100mg/dia, por um período de seis meses, com efeitos colaterais insignificantes. O tamoxifeno reduz o aumento do volume mamÆrio, competindo nos sí- tios de ligaçªo do estrógeno no tecido mamÆrio. Quando administrado na dose de 10mg, duas vezes ao dia, por um período de trŒs meses Ø geralmen- te seguro e eficaz. Alguns efeitos colaterais como nÆuseas e desconforto ab- dominal de moderada intensidade nªo exigem a suspensªo da droga. A testolactona inibe a atividade da aromatase, quando administrada na dose de 150mg, trŒs vezes ao dia; nªo inibe a secreçªo de gonadotrofina nem retarda o desenvolvimento puberal. Parece ser menos eficaz que o tamoxife- no em reduzir o tamanho da mama na GM puberal. Embora os resultados sejam satisfatórios no alívio da GM dolorosa, com relaçªo à reduçªo do parŒnquima as taxas de insucesso variam entre os di- versos autores. Uma preocupaçªo com estes medicamentos tem sido a necessidade de uso prolongado e seus efeitos colaterais indesejÆveis, como ganho de peso, edema, acne (danazol); nÆuseas, alteraçıes visuais (clomifeno); aceleraçªo da idade óssea (heptanoato de diidrotestosterona). Para que haja algum sucesso na terapŒutica com esses medicamentos Ø aconselhÆvel que ocorra com a GM em fase inicial, pois caso o período de GM se prolongue por mais de trŒs anos e o tamanho exceda os seis centíme- tros, a cirurgia deve ser a terapŒutica de escolha. A mamoplastia redutora transareolar ou periareolar resulta em melhor resultado do ponto de vista estØtico. É sempre aconselhÆvel um tratamento psicoterÆpico de suporte. BIBLIOGRAFIA 1. Braunstein GD. Gynecomastia. N Engl J Med 328: 490-495, 1993. 2. Carlson HE. Gynecomastia. N Engl J Med 303; 795-99, 1980. 3. Felner EI & White PC. Prepuberal gynecomastia: indirect exposure to estrogen cream. Pediatrics, 105:55-58, 2000. 4. Frantz AG & Wilson JD. 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