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19 Dislipemias

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CAP˝TULO 19 149
1919
CAP˝TULOCAP˝TULO
Dislipemias
Raphael del Roio Liberatore Jœnior
INTRODU˙ˆO
O metabolismo dos lípides nªo Ø o escopo principal deste capítu-
lo; assim, aspectos da síntese, distribuiçªo e catabolismo dos lípides
nªo serªo aqui abordados. Para tanto, excelentes revisıes podem ser
acessadas.
Define-se dislipemia como o desequilíbrio no metabolismo de lípides,
resultando em níveis sØricos alterados de seus componentes.
A importância do conhecimento das diversas formas de dislipemia, da abor-
dagem diagnóstica, do tratamento e da prevençªo reside no fato de ela estar
intimamente relacionada ao desenvolvimento de patologias secundÆrias e suas
conseqüŒncias.
O estudo dos distœrbios do metabolismo de lípides em crianças deve visar
responder algumas questıes como:
— As crianças apresentam distœrbios de lípides?
— As crianças desenvolvem aterosclerose?
— Quais sªo os valores normais dos lípides na faixa etÆria pediÆtrica?
— Quais crianças devem ter seus níveis de lípides dosados?
— Como estes distœrbios devem ser tratados?
Este capítulo tem por objetivo responder estas questıes e orientar o pe-
diatra geral na conduçªo dos distœrbios de lípides na faixa etÆria pediÆtrica
e dos adolescentes.
150 CAP˝TULO 19
AS CRIAN˙AS T˚M DISLIPEMIA?
Embora geralmente as crianças tenham níveis lipídicos reduzidos, vÆ-
rios estudos tŒm demonstrado que crianças e adolescentes podem apresentar
distœrbios do metabolismo de lípides.
Estudo chileno publicado em 1996 demonstrou que 10% da populaçªo entre
5 e 18 anos de idade, da cidade de Concepción, apresentavam valores de
colesterol total maiores que 200mg/dL e LDL colesterol maior que 130mg/dL.
Com base neste estudo, outro grupo de pesquisadores chilenos estu-
dou uma populaçªo com idades variando entre 18 e 26 anos, tendo en-
contrado que mais de 29% da populaçªo apresentavam valores de colesterol
total maiores que 200 mg/dL. O segundo estudo sugere que talvez a adiçªo
de novos fatores de risco, como obesidade e tabagismo, alØm da perpetuaçªo
de hÆbitos alimentares inadequados, tenha dobrado a incidŒncia de dislipemia
na populaçªo.
Estudo da Venezuela encontrou 22,4% de incidŒncia de hipercolestero-
lemia num grupo de adolescentes entre 12 e 18 anos. TambØm neste caso
a associaçªo de outros fatores de risco como inatividade e obesidade pare-
cem ir aumentando paulatinamente a incidŒncia de dislipidemia.
Estudos nacionais tŒm encontrado incidŒncias variÆveis de dislipemia
em crianças e adolescentes.
Na regiªo de Campinas (SP), estudo envolvendo 1.600 indivíduos entre
7 e 14 anos encontrou níveis elevados de colesterol sØrico em 35% da amostra
estudada. Embora os níveis mØdios de colesterol encontrados estivessem
menores do que outros estudos da AmØrica do Norte, ainda assim se en-
contravam elevados quando comparados às referŒncias internacionalmen-
te aceitas.
Outro estudo nacional avaliou 1.501 indivíduos com idades entre 6 e
16 anos em Bento Gonçalves (RS), encontrando hipercolesterolemia em
27,98% deles.
Ainda em uma amostra de 209 estudantes universitÆrios com idades entre
17 e 26 anos da cidade de Sªo Paulo (SP), 36% dos indivíduos apresenta-
vam dislipemia.
Mesmo sem citar, de forma proposital, estudos realizados em países com
elevada incidŒncia de dislipemia, como EUA e outros países da Europa
Ocidental, parece patente que crianças e adolescentes tambØm podem apre-
sentar distœrbios lipídicos.
AS CRIAN˙AS T˚M ATEROSCLEROSE?
Diversos relatos apontam a ocorrŒncia de aterosclerose em indivíduos
de baixa idade.
Os relatos iniciais de lesıes ateroscleróticas em jovens sªo encontrados
nos resultados de autópsias de soldados americanos mortos em batalhas.
Inicialmente na Guerra da CorØia e posteriormente na Guerra do Vietnª,
indivíduos com idades ao redor de 17-18 anos jÆ apresentavam alta inci-
dŒncia de lesıes ateroscleróticas, por vezes graves.
A partir destes dados, jÆ em 1961, Holman considera a aterosclerose como
um problema pediÆtrico.
Publicaçıes mais recentes voltaram a abordar a ocorrŒncia de lesıes
ateroscleróticas em jovens e crianças.
O estudo longitudinal denominado Bogalusa Heart Study, iniciado em
1972, vem acompanhando os fatores de risco cardiovascular em crianças e
CAP˝TULO 19 151
adolescentes em uma comunidade rural de brancos e negros, a 70 milhas
de New Orleans, sul dos EUA. Os achados de autópsias de 93 indivíduos,
com idades variando de 2 a 39 anos, mostraram lesıes ateroscleróticas em
crianças jÆ aos 5 anos de idade.
Neste estudo, tem-se tentado estudar os fatores de risco para desenvol-
vimento de aterosclerose, como índice de massa corpórea, pressªo arterial,
níveis sØricos de colesterol total, LDL e triglicØrides. A associaçªo de trŒs
destes fatores de risco aumentou em 12 vezes a incidŒncia de placas
ateroscleróticas.
Isoladamente, a obesidade e a alta ingestªo de colesterol representaram
os mais importantes fatores de risco.
Outro estudo de achados de autópsias, o Pathobiological Determinants
of Arteriosclerosis in Youth Study (PDAY), avaliou lesıes ateroscleróticas
das artØrias coronÆrias em 2.876 indivíduos que, entre 1987 e 1994, mor-
reram por causas externas, portanto sem relaçªo com doença cardíaca, com
idades variando 15 e 34 anos.
As lesıes ateroscleróticas encontradas eram mais graves em negros que
nos brancos, mas foram encontradas em 60% dos indivíduos com menos
de 19 anos de idade. Os níveis sØricos de lípides foram considerados como
o fator de risco mais importante, seguido pelo tabagismo.
Ainda mais impressionantes foram os achados do FatØ of Early Lesions
in Children study (FELIC), que encontraram lesıes ateroscleróticas em ar-
tØrias de fetos e recØm-nascidos. A ocorrŒncia de hipercolesterolemia e, prin-
cipalmente, os elevados níveis de LDL em gestantes induziram ao apareci-
mento de lesıes ateroscleróticas nos fetos e nos recØm-nascidos.
A aterosclerose Ø considerada uma doença de etiologia imune/inflama-
tória, e a ocorrŒncia de dislipemia Ø o mais importante fator de risco asso-
ciado ao início e à manutençªo do processo aterosclerótico.
EvidŒncias suportam o fato de que a aterosclerose Ø o mais importante
fator de risco para doença isquŒmica com suas altas taxas de morbimor-
talidade. A manutençªo de fatores de risco para aterosclerose e, por conse-
guinte, doença isquŒmica, desde a faixa etÆria pediÆtrica atØ a idade adul-
ta Ø denominada tracking para aterosclerose.
Desta forma, a detecçªo e o tratamento precoces dos distœrbios do me-
tabolismo lipídico, bem como dos outros fatores de risco, nas idades mais
jovens, poderiam reduzir o impacto sobre a vida adulta.
COMO SE CLASSIFICAM AS DISLIPEMIAS?
As dislipemias podem ser classificadas por duas formas distintas, segundo
a alteraçªo laboratorial encontrada ou pela utilizaçªo da classificaçªo de
Fredrickson.
Segundo a alteraçªo laboratorial, as dislipemias podem ser classificadas em:
— Hipercolesterolemia isolada, quando ocorre somente o aumento dos
níveis sØricos de colesterol.
— Hipertrigliceridemia isolada, Ø o nível sØrico de triglicØrides que se
encontra elevado.
— Hiperlipemia mista, quando ambos os níveis sØricos se encontram ele-
vados.
— HDL baixo, podendo ocorrer de forma isolada ou em associaçªo com
elevaçªo de LDL ou triglicØrides.
A classificaçªo de Fredrickson utiliza o resultado da separaçªo das fra-
çıes lipoprotØicas para separar as dislipemias em seis grupos:
152 CAP˝TULO 19
— Tipo I — basicamente aumento de triglicØrides à custa de quilomícrons
acompanhados por discreto aumento de colesterol.
— Tipo IIa — aumento de LDL colesterol à custa de betalipoproteínas.
— Tipo IIb — aumento de colesterol e triglicØrides (LDL e VLDL) à custa
de prØ-beta e betalipoproteínas.
— Tipo III — aumento de colesterol e triglicØrides à custa de beta larga (IDL).
— Tipo IV — aumento de triglicØrides (VLDL) à custa
de prØ-betalipo-
proteínas.
— Tipo V — discreto aumento de colesterol e aumento importante de
triglicØrides à custa de quilomícrons e prØ-betalipoproteínas.
Provavelmente a utilizaçªo da primeira classificaçªo seja mais prÆtica e
próxima da clínica diÆria, principalmente para o pediatra-geral.
QUAIS SˆO OS VALORES NORMAIS DOS L˝PIDES NA FAIXA ET`RIA PEDI`TRICA?
Os níveis serviços dos lípides variam segundo a faixa etÆria e geralmente
sªo maiores nas idades de maior síntese de substâncias dependentes de
colesterol. Desta forma, os níveis sØricos sªo maiores no período da lactância
atØ, posteriormente, à adolescŒncia, principalmente no sexo feminino.
A Fig. 19.1 mostra as variaçıes nos níveis sØricos de colesterol e suas
fraçıes nas diversas idades.
Fig. 19.1 — Variaçıes de níveis sØricos de lípides por faixa etÆria e sexo.
Garotos
Garotas
Garotos
Garotas
Colesterol Total
Colesterol LDL
Colesterol HDL
Garotas
Garotos
Idade em Anos
C
o
le
st
er
o
l 
(m
g
/d
l)
CAP˝TULO 19 153
Os valores aceitos como normais estªo apresentados na Tabela 19.1.
Tabela 19.1
Valores de Lípides para Faixa EtÆria (mg/dl)
Lípides Idade (anos) DesejÆvel Limítrofe Aumentado
Colesterol total <170 170-199 >200
LDL-C <110 110-129 >130
HDL-C <10 >40
10-19 >35
TG <10 atØ 100 >100
10-19 atØ 130 >130
QUAIS CRIAN˙AS DEVEM TER SEUS N˝VEIS DE L˝PIDES DOSADOS?
Talvez esta seja a pergunta de um milhªo de dólares.
A ocorrŒncia de hipercolesterolemia familiar homozigótica Ø rara, aco-
metendo cerca de um a cada um milhªo de nascidos vivos; no entanto a
forma heterozigota acomete um a cada 500 nascidos vivos, portanto bas-
tante comum. Só como comparaçªo, o hipotireoidismo congŒnito acomete
um para cada quatro mil nascidos vivos e Ø uma das doenças de triagem
neonatal.
No entanto, a triagem universal dos níveis lipídicos Ø um dos tópicos
mais discutidos deste assunto.
Como a hipercolesterolemia familiar acomete alguns grupos raciais com
mais freqüŒncia, talvez a melhor forma fosse analisar epidemiologicamen-
te a populaçªo a ser avaliada para se ter a noçªo da aplicabilidade ou nªo
da triagem universal. Alguns grupos como libaneses, franco-canadenses,
judeus ou negro-americanos deveriam ser triados.
A recomendaçªo atual da academia americana de pediatria Ø de que devam
ter seus níveis lipídios dosados, as crianças cujos pais ou avós tenham tido
diagnóstico de doença aterosclerótica com menos de 55 anos (doença clí-
nica ou achado de exame), as crianças que possuam um parente com nível
de colesterol maior ou igual a 240 mg/dL ou naquelas crianças nas quais a
história familiar nªo pode ser avaliada, como, por exemplo, nas crianças
adotadas.
Nestas crianças, a triagem deve ser feita pela dosagem inicial do nível
sØrico de colesterol total e, se este for maior que 200mg/dL, deve-se proce-
der à dosagem sØrica dos níveis de HDL e LDL.
Nªo hÆ mençªo alguma em relaçªo à dosagem dos níveis sØricos de tri-
glicØrides, nem à dosagem de lípides na presença de fatores de risco ou
doenças que sabidamente possam evoluir com dislipemia.
As diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia, elaboradas com a
presença de representante da Sociedade Brasileira de Pediatria, orientam
que as crianças com parentes de primeiro grau com aterosclerose precoce
ou com dislipemias graves, pancreatite aguda, xantomatoses ou obesidade,
devam ter dosados seus níveis sØricos de lípides.
A coleta dos níveis sØricos de lípides deve ser realizada após jejum de
12 a 14 horas, na vigŒncia de atividade física e alimentaçªo habituais. Nªo
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deve ter havido ingestªo de bebidas alcoólicas nas œltimas setenta e duas
horas nem atividade física muito rigorosa. TambØm após cirurgias ou pro-
cedimentos invasivos, os níveis sØricos tendem a se alterar.
Para evitar variaçªo interdosagens, as avaliaçıes posteriores devem ser
realizadas preferencialmente no mesmo laboratório. TambØm devem ser leva-
dos em conta, a utilizaçªo de medicamentos e o tabagismo, antes de inter-
pretar os resultados da avaliaçªo laboratorial.
QUAIS AS CAUSAS DE DISLIPEMIA EM CRIAN˙AS?
Em crianças as etiologias de dislipemia sªo basicamente as mesmas dos
adultos, no entanto, algumas patologias sªo mais freqüentes na faixa etÆria
pediÆtrica, embora alcoolismo, tabagismo e obesidade tenham infelizmen-
te se tornado igualmente freqüentes tambØm em adolescentes.
A etiologia da dislipemia pode ser dividida em dois grupos principais:
causas primÆrias e causas secundÆrias. Como causas primÆrias, definem-
se as situaçıes nas quais a dislipidemia Ø causada basicamente por um
componente genØtico que altera a síntese e a degradaçªo de lipoproteínas,
bem como a relaçªo entre as lipoproteínas e seus receptores. Com o avan-
ço nas tØcnicas de biologia molecular mais detalhes sªo conhecidos da fi-
siopatologia destas alteraçıes.
No caso das causas secundÆrias, o desequilíbrio do metabolismo lipídico
Ø conseqüŒncia de uma outra patologia, que acaba por, secundariamente,
alterar a síntese e/ou a degradaçªo de lipoproteínas.
Entre as causas primÆrias estªo:
— Hipercolesterolemia familiar
— Hipercolesterolemia poligŒnica
— Hipertrigliceridemia familiar
— Hiperlipemia familiar combinada
— Disbetalipoproteinemia
— Síndrome plurimetabólica (síndrome X ou resistŒncia insulínica)
Entre as causas secundÆrias:
— Diabetes melito
— Hipotireoidismo
— Síndrome nefrótica
— InsuficiŒncia renal crônica
— Hepatopatias colestÆticas
— Obesidade
— Síndrome de Cushing
— Lœpus eritematoso sistŒmico
— Anorexia nervosa
— Bulimia
— Tabagismo
— Etilismo
— Medicamentos
Os medicamentos que podem causar secundariamente dislipemia sªo:
— DiurØticos (tiazídicos, espironolactona)
— Betabloqueadores
— Corticóides
— ProgestÆgenos
— Estrógenos (anticoncepcionais)
— Ciclosporina
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— Inibidores de protease
— Anticonvulsivantes
— `cido salicílico
— `cido ascórbico
— Amiodarona
— Alopurinol
A Tabela 19.2 mostra as alteraçıes no perfil lipídico que podem ocorrer
em decorrŒncia das patologias que causam secundariamente dislipemia. A
Tabela 19.3 mostra as alteraçıes secundÆrias à utilizaçªo de medicamentos.
Tabela 19.2
Perfil Lipídico SecundÆrio a Patologias Hiperlipimiantes
CT TG HDL
Diabetes › fl
Hipotireoidismo › › › › ou fl
Anorexia nervosa ›
Bulemia › ›
Obesidade › › › fl
Hepatopatias › › › › › fl
IRC › ›
Sind nefrótica › ›
Tabela 19.3
Perfil Lipídico SecundÆrio a Drogas Hiperlipimiantes
CT TG HDL
DiurØticos › fl
Betabloqueador › fl
Anticoncepcional › ›
Corticóide › ›
Anabolizantes › fl
Estrógenos › fl
ProgestÆgeno › fl
Ciclosporina › › ›
Inibidor protease › › › ›
COMO ESTES DISTÚRBIOS DEVEM SER TRATADOS?
O tratamento dos distœrbios do metabolismo lipídico serÆ dividido di-
daticamente em tratamento dietØtico, tratamento medicamentoso e corre-
çªo dos fatores de risco associados.
Que fique absolutamente claro que nos casos de dislipemia secundÆria,
deve ser o tratamento da doença que origina a dislipemia o principal esco-
po do tratamento, de forma que nªo faz sentido a medicaçªo para a hiper-
colesterolemia de um portador de síndrome nefrótica, por exemplo, sem o
correto seguimento da patologia inicial.
O tratamento de crianças e adolescentes portadores de dislipemia visa
basicamente à reduçªo dos efeitos destes distœrbios sobre a vida adulta
(traking), tais como reduçªo do risco de patologias cardiovasculares e for-
maçªo de placas ateromatosas.
156 CAP˝TULO 19
TRATAMENTO DIETÉTICO
O tratamento dietØtico Ø a primeira fase do tratamento das dislipemias.
Classicamente, as mudanças alimentares só devem ser introduzidas no tra-
tamento dos distœrbios lipídicos nas crianças com mais de dois anos de idade.
O tratamento dietØtico segue as orientaçıes do National Cholesterol
Education Program (NCEP) de 1991, e as alteraçıes
dietØticas sªo dividi-
das em dois estÆgios, a partir da reduçªo do aporte de gordura na alimen-
taçªo.
Na dieta do estÆgio 1 do NCEP, o aporte calórico deve ser adequado para
idade, sexo e atividade física, sem portanto reduçªo calórica, exceto nos
casos em que a dislipemia se associa à obesidade. Deste aporte calórico,
entre 20% e 30% devem ser fornecidos na forma de gordura, com relaçªo
1:1 de gordura saturada/poliinsaturada. O aporte diÆrio de colesterol nªo
deve exceder 300mg por dia.
Se após trŒs meses de correta utilizaçªo da dieta 1 nªo ocorrer reduçªo
dos níveis de LDL colesterol, institui-se a dieta 2.
Na dieta do estÆgio 2 do NCEP, novamente o aporte calórico deve ser
adequado e a quantidade de gordura deve estar entre 20% e 30% do total
calórico, entretanto, a quantidade de gordura saturada deve ser reduzida
em 1/3 e o aporte diÆrio de colesterol para 200mg.
De forma prÆtica, para a dieta do estÆgio 1 deve ser orientada uma grande
reduçªo da oferta de “salgadinhos”, embutidos (salchicha, lingüiça, salame,
mortadela etc.), frituras, derivados de leite (manteiga, requeijªo, queijos),
ovos, carne vermelha, miœdos (coraçªo, rins, miolo, fígado), reduçªo na
quantidade de óleo no preparo dos alimentos, bem como temperos como
mostarda, catchup, maionese. AlØm disso, orienta-se um aumento da ofer-
ta de fibras como verduras e frutas.
Estudos tŒm mostrado que, na verdade, a maioria das crianças e dos
adolescentes com dislipemia leve tem importantes erros alimentares com
alto consumo de gordura, principalmente saturada, alØm de um reduzido
consumo de fibras.
A situaçªo ideal Ø de que estas mudanças dietØticas sejam orientadas
por um nutricionista com treinamento adequado após recordatório alimentar.
As mudanças dietØticas devem ser instituídas na alimentaçªo habitual da
família e de preferŒncia para toda a família.
Estas mudanças dietØticas poderiam levar a alteraçıes importantes da
homeostase e desenvolvimento físico e mental das crianças, visto que, en-
tre outras coisas, as gorduras sªo fundamentais para síntese de hormônios
e da bainha de mielina, entre outros.
Estas alteraçıes nutricionais foram testadas e a segurança de sua utili-
zaçªo aprovada por vÆrios estudos, entretanto, permanecia a duvida: pode
a reduçªo do aporte de gordura antes de dois anos de idade provocar con-
seqüŒncias? AlØm disso, pode a reduçªo do aporte de gordura desde o iní-
cio da vida “acostumar” a criança a ingerir menores quantidades de gordu-
ra, reduzindo, portanto, a ingestªo na fase adulta?
Para tanto, vÆrios estudos foram desenhados, entre eles o Special Turku
Coronary Risk Factor Intervention Projet (STRIP), que vem acompanhando
1.062 crianças desde 1995, randomizadas em dois grupos distintos segun-
do a alimentaçªo. No grupo de intervençªo, após os 7 meses de idade, as
crianças passaram a receber a dieta de estÆgio 1 do NCEP, com reduçªo do
aporte de colesterol para 200mg por dia. No grupo-controle, manteve-se livre
a alimentaçªo segundo os hÆbitos alimentares da família.
CAP˝TULO 19 157
As crianças do grupo de intervençªo tiveram desenvolvimento físico e
neuromotor absolutamente equivalentes ao do grupo-controle e nªo tŒm
mostrado nenhuma desvantagem atØ os 5 anos de idade.
Outro estudo o The Dietary Intervention Study in Children (DISC) nªo
mostrou nenhuma alteraçªo em parâmetros bioquímicos (hemoglobina, ferro,
folato, zinco, albumina) nem em parâmetros de desenvolvimento físico ou
maturaçªo sexual após reduçªo do aporte de gordura.
Recente publicaçªo demonstrou pequenas alteraçıes da síntese e con-
centraçıes de colesterol após alteraçıes dietØticas em lactentes. Neste es-
tudo em especial, demonstrou-se que sobrecarga de colesterol nªo modifi-
cou os níveis sØricos nem o metabolismo de colesterol. Esta publicaçªo gera
uma interessante dœvida, pois a orientaçªo alimentar talvez resolva os er-
ros alimentares, mas provavelmente nªo resolva a dislipemia, principalmente
a primÆria.
De qualquer forma, a reduçªo do aporte de gordura em crianças parece
ser seguro, parece reduzir a preferŒncia por alimentos ricos em gordura e
parece prevenir o desenvolvimento de aterosclerose. Entretanto nªo pare-
ce ter efeito sobre a hipercolesterolemia familiar.
TRATAMENTO MEDICAMENTOSO
Parece haver um certo consenso na literatura a respeito da existŒncia de
dislipemia em crianças e adolescentes, bem como do desenvolvimento de
aterosclerose e sua ligaçªo com o desenvolvimento de doença vascular,
principalmente coronariana. TambØm se acredita que a presença de pato-
logia de lípides em crianças possa aumentar a ocorrŒncia deste tipo de
patologia na idade adulta.
No entanto, o tratamento com drogas de uma patologia crônica em crianças
deve levar em conta nªo só o efeito tracking, mas a relaçªo custo-efetividade
de se utilizar uma droga por longos períodos de tempo, sem contar a chance
de ocorrŒncia de efeitos secundÆrios.
Este fato passa a ser especialmente importante quando se sabe que a
prevençªo secundÆria com drogas em adultos reduz rapidamente tanto os
níveis lipídicos como tambØm o risco cardiovascular.
Desta forma, o tratamento medicamentoso deve ser utilizado, sem maiores
discussıes, para as situaçıes de dislipemia primÆria com alto risco de
desenvolvimento de doença aterosclerótica precoce, principalmente a co-
ronariana. Neste caso, o tratamento agressivo com vastatinas, aferese etc.
deve ser precocemente instituído.
Nas demais situaçıes, após falŒncia do tratamento dietØtico, o tratamento
medicamentoso pode ser aventado.
O NCEP recomenda a utilizaçªo de drogas para tratamento de dislipemia
em crianças com mais de 10 anos de idade se, a despeito do tratamento
dietØtico, o nível de LDL permanecer maior que 160mg/dL nas crianças com
antecedentes de doença aterosclerótica e maior que 190mg/dL, naquelas sem
história familiar de doença aterosclerótica.
A colestiramina Ø indicada como droga de escolha, na dose de 2 a 8mg
por dia. Os efeitos gastrintestinais desta droga reduzem a aderŒncia ao tra-
tamento
A utilizaçªo de vastatinas mostrou-se efetiva e segura em estudo recen-
te envolvendo adolescentes entre 10 e 17 anos. Entretanto, a utilizaçªo desta
classe de drogas, na dose de 10 a 40mg por dia, deve ser reservada para
158 CAP˝TULO 19
situaçıes especiais, como jÆ comentado. Deve-se monitorizar a funçªo hepÆ-
tica e a ocorrŒncia de rabdomiólise periodicamente, e o paciente deve ser
corretamente alertado sobre os riscos.
CORRE˙ˆO DOS FATORES DE RISCO ASSOCIADOS
Este provavelmente deveria ser o primeiro subtítulo do tratamento das
dislipemias.
Assim, a eliminaçªo do tabagismo e/ou etilismo, bem como reduçªo do
índice de massa corpórea para valores normais para idade e sexo, alØm de
atividade física regular, faz parte nªo só do tratamento como tambØm da
prevençªo de dislipemias.
Estas medidas devem ser encorajadas e regularmente estabelecidas jÆ na
Øpoca da prØ-escola, com a elaboraçªo de programas de prevençªo primÆria.
OUTRAS TERAPIAS
A utilizaçªo de outras terapias para o tratamento de dislipemia em crianças
deve ser reservada para situaçıes especiais. Desta forma, a indicaçªo de
afØrese, transplante hepÆtico e anastomose íleo parcial deve ser reservada
para os casos de patologia primÆria grave, em que por vezes atØ mesmo
cirurgias coronarianas precoces sªo necessÆrias.
Especificamente nas hipertrigliceridemias, alØm da reduçªo do aporte
de gordura na dieta, preparados de óleo de peixe ricos em Æcido eicosapen-
taenóico e docoexapentanóico (ômega 3) podem ser utilizados. As doses
recomendadas para adultos variam de 4 a 10 gramas por dia.
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