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Capítulo 52 503 Hélio Vasconcellos Lopes José Jorge Namura Infecções em Pacientes Neutropênicos 5252 INTRODUÇÃO O controle de pacientes com quadro infeccioso tem, como princípio fundamental, a instituição de antibiotico- terapia adequada com base na identificação do seu agente etiológico ou, também, em uma previsão epidemiológica, a partir do sítio infeccioso, da faixa etária e dos fatores de risco associados. Tanto a apresentação como o controle das infecções em pacientes neutropênicos diferem daqueles presentes em pa- cientes com outros tipos de infecção. Apenas cerca de 30% dos pacientes neutropênicos febris apresentam alguma evi- dência da origem do foco infeccioso; sua típica apresenta- ção é de apenas febre, sem a presença de outros sintomas ou sinais. Os testes microbiológicos são freqüentemente de pouca utilidade, visto que o encontro de culturas positivas mostra valores inferiores a 50% dos casos. Assim, uma vez estabelecida a suspeita de infecção em paciente granulo- citopênico, a antibioticoterapia empírica deve ser imedia- tamente introduzida, devido ao risco de o processo infecci- oso ter uma evolução extremamente rápida e fulminante. DEFINIÇÃO De acordo com a EORTC – European Organization for Research and Treatment of Cancer, a neutropenia febril é caracterizada pela presença da elevação da temperatura corporal acima de 38°C em pacientes com contagem infe- rior a 1.000 neutrófilos/mm³ no sangue periférico. Boa par- cela de autores, entretanto, considera que os pacientes com número de neutrófilos inferior a 500 cel/mm³ merecem maior atenção pelo maior risco de desenvolverem infec- ções. De fato, a incidência de infecções nestes pacientes está diretamente relacionada com a queda do número de neutrófilos e com a persistência da neutropenia (Tabela 52.1). Além destes fatores, anormalidades da função fagocitária ou outros defeitos na resposta imunológica po- dem contribuir para o aumento de incidência de infecções no hospedeiro granulocitopênico. CAUSAS DE NEUTROPENIA Os defeitos da medula óssea são responsáveis pela gran- de maioria dos quadros de neutropenia observados na prá- tica clínica (Tabela 52.2). As complicações infecciosas são a causa mais freqüente de mortalidade entre os pacientes com doença neoplásica. Associado a isto, mais de 80% dos pacientes com doença maligna que realizaram quimioterapia desenvolveram al- gum episódio de infecção durante o tratamento. ABORDAGEM DO PACIENTE NEUTROPÊNICO FEBRIL Os sintomas e sinais de uma infecção podem ser míni- mos ou estarem ausentes nos neutropênicos, especialmen- te nos pacientes com anemia. A avaliação inicial deve in- cluir história e exame físico meticulosos à procura de qualquer dado que possa indicar a presença de processo inflamatório. A dor, em alguma região do corpo – além da Tabela 52.1 Relação entre Número de Neutrófilos e Incidência de Infecção Número de Neutrófilos Incidência de Infecção (%) (em uma semana) < 1.000 células/mm³ 10 a 20% < 500 células/mm³ 50% < 100 células/mm³ 90% 504 Capítulo 52 febre, pode ser o único sintoma de um processo infeccio- so em evolução, devendo sempre ser valorizada na inves- tigação clínica. Os sítios mais freqüentemente acometidos são: cavida- de oral, faringe, esôfago, pulmão, região perianal, olhos, pele e cateter venoso, quando instalado. Os microrganis- mos mais comumente isolados nos granulocitopênicos es- tão relacionados na Tabela 52.3. Observa-se que a incidência dos agentes envolvidos vem sofrendo alterações importantes nas últimas décadas. Até os anos 1980 predominavam os bacilos Gram-negati- vos; a partir dos anos 1990 e até hoje, os Gram-positivos são isolados com maior freqüência, correspondendo a 60% dos germes, enquanto os Gram-negativos são identi- ficados em cerca de 30%. As infecções fúngicas vêm apre- sentando aumento progressivo nos últimos anos, acompa- nhadas das virais (citomegalovírus, herpes-zoster e herpes simples) e das causadas por protozoários (Pneumocystis carinii). Novas técnicas de diagnóstico – como a reação da cadeia de polimerase para fungos e vírus – têm possibili- tado melhor identificação destes microrganismos. A população microbiana pode ser isolada e identificada a partir da realização de culturas: deve-se obter no míni- mo duas amostras de hemocultura, e caso o paciente tenha um cateter venoso central, é recomendada a coleta de uma das culturas através do lúmen deste dispositivo. Nos cate- teres com mais de um lúmen, recomenda-se a coleta de hemoculturas de cada um dos lumens, já que a infecção pode estar restrita a apenas um deles. Caso o sítio de inserção do cateter venoso esteja infla- mado ou com secreção, deve ser colhido da ponta de ca- teter material para exame bacteriológico e cultura. Nestes casos, seja a infecção relacionada ao ponto de inserção ou ao lúmen, recomenda-se a retirada imediata do dispositivo. Embora as infecções bacterianas por Gram-positivos, principalmente os estafilococos, sejam as mais freqüentes causadoras de infecção relacionada a cateter venoso, outros microrganismos têm sido encontrados, como Corynebac- terium sp. e fungos, como Candida albicans. Caso o paciente apresente quadro diarréico, deve-se investigar infecção por Clostridium difficile, através de pro- vas para detectar toxinas fecais, e também a presença de enterobactérias, como Salmonella, Shigella, Campylobacter e Yersinia. A pronta identificação destes agentes por co- procultura pode impedir o desenvolvimento de uma infec- ção sistêmica. A urocultura é exame de rotina e está sempre indicada, mesmo que não haja sintomas ou sinais de infecção do tra- to urinário, sendo bastante comum a ausência de piúria nos neutropênicos. A coleta de líquor não é recomendada como exame de rotina, mas pode ser considerada se houver suspeita clíni- ca de infecção do sistema nervoso central e se não houver trombocitopenia ou esta for facilmente controlada. A radiografia de tórax deve ser realizada de rotina, mesmo na ausência de anormalidades do trato respirató- rio. Vários autores recomendam, mesmo sem evidência clínica e radiológica de infecção pulmonar, a realização de tomografia computadorizada de alta resolução, uma vez que este exame tem revelado focos pneumônicos em mais da metade dos pacientes neutropênicos febris com RX de tórax normal. Contudo, levando-se em conta o custo des- te procedimento, sua realização deve ser reservada aos ca- sos mais graves ou refratários ao tratamento. Tabela 52.2 Causas de Neutropenia 1. Defeitos da medula óssea 1.1. Defeitos da maturação • Deficiência de ácido fólico • Deficiência de vitamina B12 • Síndrome mielodisplásica • Hemoglobinúria paroxística noturna 1.2. Lesões da medula óssea • Ação de fármacos: sulfamídicos, cloranfenicol, vancomicina, alopurinol, fenitoína, hidroxiuréia e imunossupressores • Irradiação • Agentes químicos: benzeno, DDT, óxido nitroso • Doenças infiltrativas: neoplasias malignas (pulmão, trato gastrintestinal, próstata, mama, linfomas), leucemia mielóide crônica • Infecções: hepatites, AIDS, tuberculose, micobacteriose • Doenças auto-imunes • Transplantados submetidos a imunossupressão 2. Defeitos no sangue periférico • Pseudoneutropenia: desnutrição protéico-calórica e hereditária • Seqüestro intravascular: hiperesplenismo Tabela 52.3 Microrganismos Mais Freqüentemente Isolados nos Pacientes Neutropênicos Febris Bactérias Gram-positivas Estafilococos coagulase-positivos Staphylococcus aureus Estafilococos coagulase-negativos Staphylococcus epidermidis Espécies de estreptococos Grupos B e D Corynebacterium sp. Enterococcus faecalis e E. faecium Bactérias Gram-negativas Pseudomonas aeruginosa Escherichia coli Klebsiella pneumoniae Serratia marcescens Acinetobacter baumanii Fungos Candida albicansCandida não-albicans Aspergillus sp. Mucormycosis Vírus Herpes simples Herpes zoster Citomegalovirus Protozoários Pneumocystis carinii Capítulo 52 505 A região perianal e a cavidade oral devem sempre re- ceber uma atenção especial pelo risco de freqüentemente ocultarem infecções. Outras abordagens laboratoriais e radiológicas mais complexas poderão estar indicadas de acordo com as exi- gências específicas de cada caso (sorologias, ultra-sono- grafias, tomografias, análise de líquido pleural, biópsia de pele, etc.). Até há alguns anos, todos os pacientes com granulo- citopenia febril eram internados para receber antibio- ticoterapia empírica e de largo espectro por via intravenosa; contudo, essa orientação vem sendo gradualmente modifi- cada; atualmente é possível identificar subgrupos de neutropênicos febris com diferentes graus de gravidade, de acordo com a presença e/ou com a intensidade de fatores de comorbidade e com as condições clínicas da doença de base. As características que determinam se o paciente tem baixo risco de adquirir infecções mais graves estão relacionadas na Tabela 52.4. Portanto, é fundamental pesquisar e avaliar cada caso, pois aqueles que apresentam baixo risco de compli- cações infecciosas podem receber antibioticoterapia empírica ambulatorialmente ou em hospital-dia ou, ain- da, em regime de internação domiciliar, com as vanta- gens de reduzir custos, de melhorar a qualidade de vida do paciente e dos familiares e de reduzir os riscos de superinfecção. A principal desvantagem desta conduta envolve o risco da ocorrência de complicações graves no domicílio do paciente, sendo importante uma rigorosa prévia avaliação socioeconômica e cultural destes paci- entes antes de serem integrados neste programa. Em re- cente estudo multicêntrico, mais de 1.000 pacientes com neutropenia e com doença maligna de base foram acom- panhados, tendo-se estabelecido um sistema de escore para identificar e classificar, na presença de febre, quais pacientes, por terem baixo risco de complicações infec- ciosas, teriam condições de serem tratados em regime ambulatorial (Tabela 52.5). CONDUTA TERAPÊUTICA NO PACIENTE NEUTROPÊNICO FEBRIL USO DE ANTIBIÓTICOS A administração empírica de antibióticos de amplo es- pectro é necessária em pacientes neutropênicos febris, de- vido tanto à dificuldade de se obter o diagnóstico clínico quanto à baixa sensibilidade dos exames microbiológicos para identificação do agente etiológico. Caso estes pacien- tes não sejam tratados precocemente de maneira empírica, a presença e a evolução natural de uma infecção poderão revelar-se fatais ao paciente envolvido. O doente neutropênico, mesmo estando afebril, mas apresentando sintomas ou sinais compatíveis com algum processo infeccioso em evolução, deverá ser tratado da mesma forma que os pacientes febris. Na terapia inicial deve-se primeiramente avaliar, de for- ma criteriosa e meticulosa, se o paciente a ser tratado é de baixo ou de alto risco para desenvolver infecções potencial- mente graves, com base no escore apresentado na Tabela 52.5. Sendo o paciente de baixo risco, pode-se iniciar terapêu- tica intravenosa ou por via oral, após a coleta de materiais para a realização de culturas. Atualmente, o esquema mais recomendado para tratamento oral é o da associação de uma fluorquinolona (ofloxacina ou ciprofloxacina) com amoxicilina-clavulanato. As quinolonas são geralmente menos eficazes do que as cefalosporinas de terceira e de quarta geração ou dos carbapenens nos tratamentos para infecções causadas por germes Gram-positivos, podendo inclusive predisporem à ocorrência de sepse por Strep- tococcus viridans. Contudo, este esquema de tratamento por via oral tem significativa evidência a favor de sua utilização, com base em experimentos clínicos. Os pacientes classificados como de alto risco devem ser avaliados quanto à necessidade do uso de monoterapia ou da combinação de duas drogas ou, ainda, da adição de vancomicina. Tabela 52.4 Fatores que Favorecem o Baixo Risco de Infecções Graves • Número absoluto de neutrófilos maior que 100 células/mm³ • Número absoluto de monócitos maior que 100 células/mm³ • Radiografia de tórax normal • Funções hepática e renal normais • Duração da neutropenia inferior a sete dias • Resolução da neutropenia em menos de dez dias • Ausência de cateter venoso • Evidência de recuperação rápida da medula óssea • Remissão da malignidade • Pico de temperatura inferior a 39°C • Ausência de alterações neurológicas ou do nível de consciência • Ausência de co-morbidades (choque, hipóxia, vômitos, diarréia) • Ausência de indisposição ou adinamia Tabela 52.5 Escore para Classificação Quanto ao Risco de Infecções Graves em Pacientes Neutropênicos (Realizada na Presença de Febre) Características Escore Extensão da doença • sem sintomas 5 • com sintomas leves 5 • com sintomas moderados 3 Ausência de hipotensão 5 Ausência de doença pulmonar crônica 4 Tumor sólido ou ausência de infecção prévia por fungos 4 Ausência de desidratação 3 Febre com menos de 72 h anteriores à internação 3 Idade inferior a 60 anos 2 A contagem total deste escore é 26 pontos; pontuação igual ou maior a 21 indica um menor risco para ocorrência de infecções graves. Este índice tem valor preditivo positivo superior a 90%. Esta tabela não é aplicada a pacientes menores de 16 anos. 506 Capítulo 52 A monoterapia pode ser utilizada nos casos considera- dos não complicados, com estabilidade hemodinâmica e sem disfunção de órgãos. Os antibióticos de escolha são as cefalosporinas de terceira e de quarta geração, como ceftazidima ou cefepima, ou um carbapeném, seja imipeném ou meropeném. Um dos fatores limitantes à uti- lização da ceftazidima está relacionado com a possibilida- de de induzir a produção de betalactamases. Além disso, a ceftazidima possui baixa atividade contra Streptococcus viridans e Streptococcus pneumoniae. Os pacientes inicialmente tratados com monoterapia devem ser severamente monitorados quanto ao risco de falha terapêutica, de desenvolvimento de resistência e da ocorrência de efeitos colaterais, além da necessidade de se avaliar, no curso da doença, o momento exato de se adici- onar outros antibióticos. Este esquema inicial não possui atividade contra estafilococo coagulase-negativo ou meticilino-resistente e para algumas espécies de estrepto- cocos penicilino-resistentes. A combinação de duas drogas, sem a utilização da vancomicina, tem sua indicação nos casos considerados mais graves e consiste na associação de um aminogli- cosídeo, amicacina ou gentamicina, a um dos esquemas anteriores. Suas principais vantagens são o potencial efei- to sinérgico contra bacilos Gram-negativos e a redução na indução de cepas resistentes durante o tratamento. As prin- cipais desvantagens, contudo, são ainda a baixa atividade contra bactérias Gram-positivas e os efeitos adversos asso- ciados ao uso dos aminoglicosídeos, como nefrotoxicida- de, ototoxicidade e hipercalemia. Em geral, as infecções por Gram-negativos tendem a ser mais virulentas, e os esquemas iniciais de tratamento devem fornecer proteção principalmente contra esses mi- crorganismos e, ao mesmo tempo, manter um largo espec- tro de atividade contra outros patógenos potenciais. O acréscimo de vancomicina aos esquemas iniciais re- feridos tem indicação nas seguintes condições: • suspeita de infecção em cateter venoso; • surto hospitalar de infecção por Gram-positivos; • instabilidade hemodinâmica; • deterioração do quadro clínico, apesar do tratamento empírico inicial; • uso prévio de quinolonas (risco de superinfecção). A Fig. 52.1 apresenta um algoritmo para o terapia ini- cial de paciente neutropênico febril. As infecções causadas por bactérias Gram-positivas são geralmente indolentes,mas, caso não recebam trata- mento em tempo hábil, podem evoluir a óbito. Fre- qüentemente estes microrganismos, predominantemente os nosocomiais, podem ser sensíveis somente à van- comicina, à associação quinupristina + dalfopristina ou à linezolida. A duração do tratamento é questão de extrema impor- tância. Após a introdução da terapia, observa-se a evolução Fig. 52.1 – Algoritmo para terapia inicial de paciente neutropênico febril. Neutrófilos < 500 cel/mm³ + febre Baixo risco Tratamento oral Alto risco Vancomicina necessária Vancomicina + Cefepima ou Ceftazidima ou Carbapeném ou Penicilina antipseudomonas +/- Aminoglicosídeo Vancomicina desnecessária Duas drogas Acrescentar Aminoglicosídeo com Cefepima ou Ceftazidima ou Carbapeném ou Penicilina antipseudomonas Monoterapia Cefepima ou Ceftazidima ou Carbapeném Ciprofloxacina + Amoxicilina + Clavulanato Capítulo 52 507 do paciente por três a cinco dias, para uma nova avaliação do esquema antibiótico prescrito. Caso o paciente apresente deterioração do quadro an- tes desse período, a reavaliação será feita antes do prazo citado (três a cinco dias) para se efetuar a mudança do re- gime terapêutico. Nos casos em que o paciente se torne afebril com três a cinco dias de tratamento e o agente etiológico ou o foco infeccioso tiver sido identificado, recomenda-se a mudan- ça do tratamento, se necessário para otimizar a terapêu- tica, baseando-se no teste de sensibilidade in vitro (antibiograma) e/ou no agente mais freqüente daquele foco. Contudo, rotineiramente, recomenda-se manter o esquema empírico inicial de ampla cobertura com a fi- nalidade de se evitar recidiva de bacteremia. O esquema terapêutico deve ser mantido por sete dias ou até as cul- turas se tornarem negativas, ou até que o foco infeccioso esteja resolvido e o paciente não apresente sinais ou sin- tomas significativos. Neste contexto, é desejável que a contagem de neutrófilos esteja acima de 500 cel/mm³, mas, se os objetivos citados forem alcançados, mesmo com o número de neutrófilos permanecendo abaixo de 500 cel/mm³, poder-se-á considerar a descon-tinuação do tratamento. Este paciente, entretanto, deverá permanecer sob vigilância contínua, recomendando-se a não utilização de cateteres e de outros procedimentos invasivos (en- quanto possível) e evitando-se a (re)introdução de qui- mioterapia até o restabelecimento do número de gra- nulócitos. Para os pacientes de alto risco que se tornam afebris, mas o agente etiológico ou o foco ainda não foram defini- dos, recomenda-se manter a antibioticoterapia até se alcan- çar 500 cel/mm³. Quanto aos pacientes afebris com baixo risco, sem foco ou agente identificado e clinicamente estáveis, recomenda- se suspender o tratamento após cinco a sete dias; entretan- to, se a febre persistir após três a cinco dias de tratamen- to, algumas condutas podem ser seguidas, como mostra a Tabela 52.6. A duração desse novo esquema antimicrobiano depen- derá basicamente da condição clínica e do número de granulócitos (Fig. 52.2) do paciente avaliado. Tabela 52.6 Persistência da Febre Após Três a Cinco Dias do Tratamento Inicial 1. Manter esquema terapêutico caso o paciente, apesar da febre, permaneça estável. 2. Modificar antibioticoterapia caso a doença progrida, com piora do quadro clínico. 2.1. Avaliar se o paciente preenche algum dos critérios para introdução de vancomicina. 2.2. Avaliar possibilidade de resistência bacteriana pela produção de betalactamase: introduzir penicilina antipseudomonas (piperacilina + tazobactam). 2.3. Avaliar necessidade de cobertura para bactérias atípicas (micoplasma, clamídia ou legionela) com macrolídeos. 3. Caso a febre persista por mais de cinco dias, apesar da mudança terapêutica, e resolução da neutropenia esteja longe de ser alcançada, recomenda-se a associação de antifúngico (anfotericina B). Fig. 52.2 – Algoritmo estimando duração da terapêutica em diferentes situações com a persistência da febre. Persistência da Febre Neutrófilos > 500 cel/mm³ por mais de 5 dias Neutrófilos < 500 cel/mm³ Condição clínica instável Continuar terapia por duas semanas incluindo antifúngico Condição clínica estável Cessar antibiótico Estável cessar antibióticos Instável Possibilidade de infecção: vírus ou micobactéria 508 Capítulo 52 USO DE ANTIFÚNGICOS Nos últimos anos, tem ocorrido um aumento progres- sivo da incidência de infecções fúngicas nos pacientes neutropênicos. Vários fatores têm contribuído para este incremento nas taxas de infecções por fungos, predominan- temente causadas por Candida sp. e por Aspergillus sp. (Ta- bela 52.7). Os critérios que nos levam a instituir a terapia anti- fúngica são, como observado na Tabela 52.6, a persistên- cia da febre e o prolongamento do estado neutropênico. O tratamento das infecções fúngicas tem apresentado poucas variações nos últimos anos, e a anfotericina B continua sendo a droga de eleição, com dose situada entre 0,5 a 1,25 mg/kg/dia. Tendo em vista as dificuldades para se identi- ficar o agente etiológico, o uso da anfotericina B está ple- namente indicado quando a febre persistir por cinco a sete dias, apesar do tratamento com antibióticos de amplo es- pectro. Os efeitos colaterais desta droga merecem atenção, principalmente com relação à nefrotoxicidade e à cardio- toxicidade. A apresentação lipossomal da anfotericina B reduz parcialmente a incidência destes efeitos, melhora a distribuição tecidual e diminui o tempo de tratamento, embora seu elevado custo seja, freqüentemente, um fator impeditivo à sua indicação. USO DE ANTIVIRAIS O uso de medicamentos com atividade antiviral espe- cífica deve ser considerado apenas frente à presença de evidência clara daquela infecção viral (Tabela 52.2). Herpes simples: lesões das membranas cutânea ou mucosa podem estar presentes em pacientes submetidos a quimioterapia, principalmente as localizadas nas cavida- des oral, genital ou em ambas. Nos casos de transplante de medula óssea, a incidência pode chegar a 80%, e a associ- ação com mucosite severa é bastante freqüente. O trata- mento consiste na administração de aciclovir ou, alterna- tivamente, valaciclovir e fanciclovir. Citomegalovírus: a infecção sintomática por este vírus é pouco comum em neutropênicos, exceto nos casos de transplantes. A infecção por citomegalovírus é tratada ge- ralmente com ganciclovir ou foscarnet; novas drogas, como cidofovir, valganciclovir e fomivirsen, embora tenham se mostrado eficazes no tratamento de infecção ocular em pacientes com AIDS, não revelaram, nos neutropênicos, a mesma eficácia. Herpes-zoster: o tratamento com aciclovir deve ser ini- ciado com dose de 10 mg/kg a cada oito horas, por sete a 14 dias. A mortalidade atribuída a esta infecção em crian- ças com doença neoplásica pode chegar a 10%. USO DE FATOR DE ESTIMULAÇÃO DE COLÔNIAS DE GRANULÓCITOS O uso deste fator de crescimento como terapia coadju- vante nos casos de infecção em neutropênicos tem sido alvo de vários estudos. Estes estudos têm mostrado eficiên- cia na redução do período de neutropenia, mas não mostra- ram eficácia na redução da morbidade febril, aqui se inclu- indo a duração da febre e o uso de antibióticos, além de se levar em conta o elevado custo do tratamento. Nenhum desses estudos demonstrou queda nas taxas de mortalida- de relacionada à infecção com sua utilização. Nos casos em que a recuperação da medula pode ser prolongada ou naqueles em que há neutropenia severa, com quadros in- fecciosos de difícil controle com a antibioticoterapia, seu uso tem sido recomendado. USO DE TRANSFUSÃO DE GRANULÓCITOS Sua utilização tem-se mostrado útil apenas nos pacien- tes com grave neutropenia associada a infecção severa, si- tuação em que a antibioticoterapiae a administração de fator de estimulação de colônias de granulócitos não con- seguem controlar o quadro. A transfusão deve ser rigorosamente controlada pelos riscos de reações adversas, como febre, quadro anafilático e disfunção plaquetária. USO DE TERAPIAS ADICIONAIS Infecção por Strongyloides stercoralis tem sido descrita em pacientes com leucemias, linfomas e nos infectados pelo HIV recebendo quimioterapia; o uso de anti-helmínticos como tiabendazol ou albendazol tem sido recomendado. ANTIBIOTICOPROFILAXIA EM NEUTROPÊNICO Não existe consenso para a utilização rotineira de co- trimoxazol para todos os pacientes neutropênicos afebris no sentido de prevenir infecção por Pneumocystis carinii. Isso se baseia principalmente no aumento da incidência de resistência antimicrobiana e no potencial efeito mielotó- xico dos sulfamídicos (sulfametoxazol). Nos casos de pro- funda e prolongada neutropenia (transplantados, por exem- plo), sulfametoxazol e trimetoprim podem ser considera- dos para períodos críticos. A infecção por Pneumocystis carinii tornou-se menos freqüente após a introdução de co-trimoxazol (sulfameto- xazol + trimetoprim) como profilaxia; entretanto, devido à sua mielotoxicidade, muitos centros não adotam esta conduta profilática. Nos pacientes neutropênicos que apresentarem infil- trado intersticial pulmonar, esta possibilidade etiológica deve ser lembrada e tratada com a referida associação. A utilização de fluconazol ou itraconazol de rotina para todos os casos de neutropenia não é recomendada. Tabela 52.7 Fatores de Risco para a Ocorrência de Infecções por Fungos Esquemas de quimioterapia mais intensos com prolongamento da neutropenia Lesões extensas de mucosas Radioterapia Uso de antibioticoterapia de amplo espectro por períodos prolongados Cateteres centrais Nutrição parenteral Corticoterapia Capítulo 52 509 Nos casos em que há maior incidência de infecção por fungos (ver Tabela 52.7), pode ser administrado antifún- gico profilático. O uso profilático de antibióticos, como as quinolonas, tem demonstrado redução no número de episódios infecci- osos durante o período de neutropenia; contudo, o proble- ma do aumento da resistência de bactérias devido ao uso excessivo de antibióticos e o fato de que tal profilaxia não tem demonstrado redução na taxa de mortalidade leva a manter a recomendação de que a profilaxia de rotina com estas drogas deve ser evitada em pacientes neutropênicos. BIBLIOGRAFIA 1. Bagby GC, Segal GM. Growth factors and the control of hematopoiesis. Hematology 1994; 36: 561-89. 2. Bodey GP, Buckley M, Sathe YS, Freireich EJ. Quantitative relationships between circulating leukocytes and infection in patients with acute leukemia. Ann Intern Med 1996; 64:328- 40. 3. Bodey GP, Fainstein V. Systemic candidiasis. In: Bodey GP, Fains- tein V, eds. Candidiasis. New York: Raven Press 1985; 135-68. 4. Centers for Disease Control and Prevention. 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