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INFECÇÕES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Meningites bacterianas, linfomonocitárias e meningoencefalites Ventriculites, abscessos cerebrais e parasitoses do SNC Infecções em próteses ou órteses neurológicas Encefalopatia séptica MENINGITES E MENINGOENCEFALITES BACTERIANAS A meningite bacteriana aguda é uma doença grave com mortalidade em torno de 25% quando adquirida na comunidade e 35% quando nosocomial. O prognóstico é pior quanto mais demorado for o tratamento, conseqüentemente a evolução vai depender de um diagnóstico precoce e início imediato de tratamento efetivo. Caracteriza-se por inflamação piogênica das leptomeninges. Os principais agentes etiológicos em pacientes adultos imunocompetentes são: Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis, Listeria monocytogenes, Haemophilus influenzae e Escherichia coli. Mesmo com os avanços laboratoriais na detecção dos patógenos, 22% de todos os casos de meningite aguda de etiologia presumidamente bacteriana apresentam cultura negativa. O quadro clínico inclui início febril, cefaléia intensa com fotofobia, vômitos, rigidez de nuca e dor nas costas. Coma ocorre em 5 a 10%. Crises convulsivas ocorrem em 20% dos pacientes, e o comprometimento dos nervos cranianos em 5%. A sintomatologia clássica poderá estar ausente em idosos, que apresentam rigidez de nuca em apenas pequena porcentagem dos casos, em bebês e em pacientes imunocomprometidos, nos quais sinais meníngeos são pouco comuns, sendo o quadro clínico mais freqüente o de febre baixa, cefaléia e alteração do sensório. Os pacientes com meningite normalmente apresentam um bom estado do sensório, sem sinais ou sintomas de encefalopatia. Encefalite, em contraste, apresenta confusão mental, letargia ou coma sem a rigidez nucal característica do envolvimento meníngeo. Meningoencefalite é o termo utilizado para se descrever pacientes com infecção do sistema nervoso central que apresentem tanto encefalite quanto meningite. Deve-se pesquisar a presença dos sinais de Kernig e Brudzinsky. Lesões petequiais cutâneas e conjuntivais podem sugerir etiologia meningocócica, não sendo, porém, exclusivas. A confirmação diagnóstica é dada pela análise laboratorial do líqüor, com aumento da celularidade total (predomínio de neutrófilos) e da dosagem de proteínas, além de hipoglicorraquia, sendo também comum o aumento da dosagem de ácido lático. Caso ocorra inicialmente predomínio linfocitário ou exame normal, nova análise liquórica deverá ser realizada após o período de 24 a 48 h, principalmente se a evolução não for compatível com quadro viral. A coleta de LCR deverá ser realizada imediatamente, devendo ser precedida pela realização de estudo de imagem (TC ou RM), nos casos em que haja déficit focal ou evidência clínica de aumento da pressão intracraniana. É fundamental a identificação do agente etiológico, que orienta a escolha da terapia antibiótica (ver sugestões na tabela 1). A meningite bacteriana aguda é uma emergência infecciosa e, como tal, não deverá ter seu tratamento postergado ou adiado. A introdução da antibioticoterapia inicial deverá ser de acordo com a faixa etária, com o quadro clínico e com a epidemiologia (ver tabelas 2 e 3). Ajustes posteriores na escolha antibiótica dependerão do resultado da análise do LCR, assim como da resposta à terapêutica inicialmente instituída. O tempo de utilização dos antibióticos pode ser consultado na tabela 3. TABELA 1. ACHADOS TÍPICOS DO LCR NOS PACIENTES COM MENINGITE Parâmetro LCR Meningite bacteriana Meningite viral Meningite fúngica Meningite Tuberculosa Pressão inicial (mm H2O) > 180 Geralmente normal Variável > 180 Leucócitos (cels/mm3) 1.000 -10.000 Média: 1195 < 300 Média: 100 20 - 500 Variável, dependo do fungo 50 - 500 Média: 200 Neutrófilos (%) > 80 < 20 Geralmente < 50 20 Proteína (mg/dL) 100 - 500 Freqüentemente normal Elevadas 150 - 200 Glicose (mg/dL) < 40 > 40 Geralmente < 40 < 40 Coloração pelo gram (% positividade) 60 - 90 Negativo Negativo 37-87 (AFB smear) Cultura (% positividade) 70 - 85 50 25 - 50 52 - 83 Adaptado de Zunt & Marra, 1999. TABELA 2. Recomendação de antibióticos empíricos nas meningites bacterianas, baseado na idade Idade Principal patógeno Antibiótico de escolha Antibiótico alternativo Comentários < 3 meses Streptococcus do grupo B, Listeria monocytogenes, E. coli, S. pneumoniae Ampicilina e Ceftriaxone (ou Cefotaxime) Chloranfenicol e Gentamicina Os níveis no LCR não são confiáveis em crianças com baixo peso ao nascer 3 meses a 18 anos Neisseria meningitidis, S. pneumoniae, Haemophilus influenzae Ceftriaxone (ou Cefotaxime) Meropenem ou Cloranfenicol Associar Vancomicina nas regiões com incidência superior a 2% de resistência ao S. pneumoniae 18 a 50 anos S. pneumoniae, Neisseria meningitidis, Haemophilus influenzae Ceftriaxone (ou Cefotaxime) Meropenem ou Cloranfenicol Associar Vanco nas regiões com incidência > 2% de resistência ao S. pneumoniae > 50 anos Streptococcus pneumoniae, Listeria monocytogenes, bacilo gram-negativo Ampicilina plus Ceftriaxone (ou Cefotaxime) Ampicilina e Fluoroquinolonas (Cipro, Levo, ou Trovafloxacin Associar Vanco nas regiões com incidência > 2% de resistência ao S. pneumoniae Adaptado de Spach & Jackson, 1999. TABELA 3 – TERAPIA ESPECÍFICA PARA PACIENTES COM MENINGITE BACTERIANA Organismo Drogas de escolha Drogas alternativas Duração (dias) Streptococcus do grupo B Penicilina G (ou Ampicilina) Vancomicina 14-21 dias Haemophilus influenzae Ceftriaxone (ou Cefotaxime) Cloranfenicol 7-10 dias Listeria monocytogenes Ampicilina e Gentamicina Trimetoprim-sulfametoxazol 14-21 dias Neisseria meningitidis Penicilina G (ou Ampicilina) Ceftriaxone (ou Cefotaxime) Cloranfenicol 7-10 dias S. pneumoniae (MIC < 0.1) Ceftriaxone (ou Cefotaxime) Penicilina; meropenem 10-14 dias S. pneumoniae (MIC > 0.1) Vancomicina e Ceftriaxone (ou Cefotaxime) Substituir rifampicina por vancomicina; utilizar monoterapia de vancomicina se houver alergia a cefalosporina 10-14 dias Adaptado de Spach & Jackson, 1999. TABELA 4 – RECOMENDAÇÃO DE DOSES INTRAVENOSAS DOS ANTIBIÓTICOS UTILIZADOS NO TRATAMENTO DAS MENINGITES BACTERIANAS Antibiótico Dose na infância Dose no adulto Ampicilina 75 mg/kg q6h 2.0 g q4h Cefotaxime 50-75 mg/kg q6h 2.0 g q6h Ceftriaxone 50-75 mg/kg q12h 2.0 g q12h Ceftazidime 75 mg/kg q8h 2.0 g q8h Cloranfenicol 25 mg/kg q6h 1.0 g q6h Gentamicina 2.5 mg/kg q8h 2.0 mg/kg “bolus”, seguido de 1.7 mg/kg q8h Levofloxacina Não indicado 0.5 g q24h Meropenem 40 mg/kg q8h 1.0 g q8h Penicilina G 50,000 U/kg q4h 4.0 milhões U q4h Rifampina 10 mg/kg q24h (max 600 mg) 600 mg q24h Trimetoprim/sulfametoxazole *10.0 mg/kg q12h *10.0 mg/kg q12h Vancomicina 15 mg/kg q6h 1.0 g q12h Dose máxima de 2 g por dia de Vancomicina em crianças. *Basear-se no componente trimetoprim. Adaptado de Spach & Jackson, 1999. O uso dos corticosteróides permanece controverso. Sua indicação baseia-se na possibilidade de agir reduzindo a inflamação meníngea, diminuindo assim a incidência e a severidade da lesão encefálica. Ao se revisar os estudos que utilizaram dexametasona em meningites por H. influenzae em crianças, a dexametasona reduziu significativamente a perda auditiva severa, mesmo quando administrada antes ou após o início do antibiótico. Nos estudos que envolveram pacientes com meningite pneumocócica, a dexametasona reduziu significativamente a perda auditiva apenas quando administrada antes ou ao mesmo tempo da primeira dose do antibiótico. A maior parte dos especialistas utilizam a dexametasona IV na dose de 0,15 mg/kg de 6/6 horas por 4 dias ou 0,4 mg/kg cada 12 horas por 2dias em crianças com mais de 2 meses de idade e com meningite bacteriana. Se o corticosteróide for indicado, ele deverá ser administrado antes ou juntamente com a primeira dose do antibiótico. Novo exame liqüórico deverá ser realizado após 48 a 72 h se a resposta terapêutica não for satisfatória. Os melhores indicadores de boa resposta antibiótica são a elevação da glicose e a diminuição do ácido lático no líqüor. O isolamento respiratório é necessário durante as primeiras 24 h de terapia eficaz nos casos de meningite meningocócica ou de etiologia não identificada. No caso de meningite meningocócica, o tratamento profilático será instituído nos contactantes próximos e nos profissionais de saúde que porventura tenham entrado em contato com a via respiratória do paciente (p. ex., intubação de vias aéreas superiores). Os esquemas profiláticos preconizados são: Rifampicina 600 mg VO 12/12 h por 48 h; Ciprofloxacina 500 a 750 mg VO em dose única; Ceftriaxone 500 mg IM em dose única. No caso da meningite por H influenzae tipo b, a indicação de profilaxia é controversa. A maioria dos autores recomenda a Rifampicina 600 mg VO 12/12 h por 48 h. MENINGITE LINFOCITÁRIA Também conhecida como meningite asséptica, não sendo sinônimo de meningite viral. São várias as possíveis etiologias, sendo as principais os Enterovírus (80 a 85 % dos casos), predominando os dos gêneros Coxsackie e Echo, os Herpesvirus e o HIV. Outras etiologias incluem o uso de medicamentos (AINEs, metronidazol, imunoglobulina intravenosa) e a leptospirose. Em pacientes imunocomprometidos, merecem citação principalmente o Criptococcus sp. e o Mycobacterium sp. O início do quadro clínico consiste, normalmente, de pródromo gripal com febre, dores musculares e cefaléia. A rigidez de nuca anuncia a fase meníngea. A encefalite viral, assim como a meningite, geralmente tem curso benigno e autolimitado, mas pode apresentar depressão da consciência, crises convulsivas, paresias ou plegias focais. O padrão do líqüor pode ser visto na tabela 1.Não há tratamento específico e em geral a evolução é satisfatória no período de 7 a 10 dias. A meningite (ou meningoencefalite) por herpes simples (HSV) I e II representa 0,5 a 3% dos casos de meningite linfocitária. O HSV tipo 1 causa encefalite necrotizante localizada. Já o HSV tipo 2, transmitido pelo contato sexual, desencadeia uma encefalite difusa. O quadro clínico costuma ser grave, com freqüente comprometimento do nível de consciência e presença de crises convulsivas. O prognóstico é reservado, caso não haja rápida instituição da terapia específica. Agressão ao lobo temporal uni ou bilateral (assimétrica), com efeito de massa, poderá ser evidenciada à TC sob a forma de hipodensidade ou à RM como hipointensidade em T1 e hiperintensidade em T2. Transformação hemorrágica ocorre em alguns casos. O exame do LCR mostra pleocitose monocitária ou linfocitária e hemácias, achado incomum em outros tipos de encefalite. Observa-se também moderada hiperproteinorraquia e a glicorraquia é normal. A reação da polimerase em cadeia (PCR) possibilita a identificação do agente etiológico na maioria das situações (tabela 5). Um EEG com descargas paroxísticas em um ou ambos os lobos temporais é altamente sugestivo desta etiologia. O tratamento consiste em terapia anticonvulsivante e administração intravenosa de aciclovir na dose de 30 mg/Kg/dia, fracionada em três tomadas diárias, em infusão de 45 minutos, durante 14 a 21 dias. TABELA 5 – SENSIBILIDADE E ESPECIFICIDADE DO PCR PARA AGENTES VIRAIS NAS INFECÇÕES DO SNC Patógeno Sensibilidade (% ) Especificidade (% ) Vírus Herpes simples tipo 1 >95 100 Citomegalovirus 80-100 75-100 Vírus Varicela zoster N/A 100 Vírus Epstein-Barr 97 100 Vírus JC 74-92 92-96 Enterovírus 97 100 Adaptado de Zunt & Marra, 1999. VENTRICULITE A ventriculite bacteriana caracteriza-se por pleocitose, baixa dosagem de glicose e presença de bactérias no líqüor ventricular e costuma estar associada à meningite bacteriana por Gram-negativos ou à presença de corpo estranho intraventricular (merecendo destaque os sistemas de derivação liquórica). O quadro clínico é inespecífico e freqüentemente marcado por febre, toxemia, alteração de sensório e vômitos. Podem ainda estar presentes alterações dos sinais vitais, por comprometimento do IV ventrículo, e distúrbios hidroeletrolíticos por comprometimento do III ventrículo e hipotálamo. A presença de ventriculite deverá ser aventada em neonatos com meningite refratária a antibioticoterapia adequada. A gravidade da doença e a facilidade de realização de ultrassonografia (US) justificam o emprego rotineiro deste exame nos casos de meningite neonatal. A presença de ventriculite será suspeita frente à observância de hiperecogenicidade correspondente à inflamação e espessamento do epêndima. A TC, apesar de propiciar imagens com maior nitidez, é geralmente reservada, devido a seu maior custo operacional, a casos em que não haja janela acústica (fontanela aberta ou falha óssea de intervenção cirúrgica) disponível ou para os casos em que persistam dúvidas após a realização da US. A confirmação diagnóstica depende de análise laboratorial de amostra do líqüor ventricular. A antibioticoterapia será similar à empregada para as meningites bacterianas devendo, sempre que possível, basear-se no resultado da cultura do LCR ventricular. Adicionalmente, dever-se-á associar à antibioticoterapia sistêmica, a infusão intraventricular de antibiótico. Além disso, nos pacientes em uso de sistemas de derivação liqüórica, a retirada do sistema é parte integrante da conduta terapêutica. ABSCESSOS Não é comum decorrer de uma meningite, originando-se na maior parte dos casos a partir de processos infecciosos em outra localização. Cerca de 40% são conseqüentes à disseminação, geralmente por contigüidade, de sinusite frontoetimoidal (lobo frontal), ouvido médio e células mastóides (lobo temporal). Nestes casos, geralmente são únicos. Aproximadamente um terço dos casos de abscesso cerebral decorre da disseminação hematogênica de algum foco infeccioso distante. A presença de abscessos múltiplos sugere esta via de disseminação. Nestes casos, deveremos investigar endocardite bacteriana aguda, abscesso pulmonar, diverticulite, imunodepressão e, de forma mais rara, infecções de pele, amígdalas, abscessos dentários e osteomielite de ossos não cranianos. Cardiopatias congênitas e MAV pulmonar também deverão ser aventadas. Em 20 % dos casos a fonte não é detectada. Os agentes etiológicos mais freqüentes são estreptococos (os anaeróbios comumente são metastáticos dos pulmões e seios paranasais). Os estafilococos em geral respondem pelos casos originados a partir de traumatismo ou intervenção cirúrgica. Os pneumococos, meningococos e H. influenzae são responsáveis por pequeno percentual do total de casos. O quadro clínico tem geralmente evolução subaguda. Além de febre (fase supurativa), sinais de hipertensão intracraniana e sinais focais (proeminentes ou não). A investigação é feita através de exame de imagem. À TC observa-se imagem hipodensa com captação anelar do meio de contraste. A RM apresenta maior sensibilidade para a detecção do processo em suas fases iniciais (cerebrite). O tratamento preconizado consiste na associação de metronidazol, droga antiestafilocócica (oxacilina/vancomicina) e cefalosporina de terceira geração por períodos de 6 a 8 semanas. O emprego de corticosteróides somente estará justificado frente a lesões que causem efeito de massa proeminente com risco de herniação. Em alguns casos, a abordagem cirúrgica poderá ser necessária. PARASITOSES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Diversos parasitas podem acometer o sistema nervoso central, com destaque para a cisticercose (principal) e a toxoplasmose. CISTICERCOSE A neurocistecercose é uma infecção do SNC causada pela larva do Taenia solium,com duas apresentações clássicas: a de cistos isolados (Cysticercus celullosae) responsáveis por 70% dos casos, localizando-se em qualquer parte do encéfalo; e a de cistos racemosos (Cysticercus racemosus) ocorrendo no espaço subaracnóide, com prognóstico pior, predominando nas cisternas de base, ventrículos laterais e o sulco lateral. Na grande maioria dos casos é fruto da ingestão de alimentos e água contaminada por ovos de Taenia Solium que, ao eclodirem, liberam os embriões que caem na corrente sanguínea e se disseminam pelo organismo. O tropismo pelo SNC se deve a presença de grande quantidade de glicose neste tecido. Os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento são os mais afetados, devido às péssimas condições sócio/econômicas/culturais, tendo no Brasil uma área endêmica (principalmente as cidades de São Paulo, Paraná e Santa Catarina). Não há uma manifestação clínica que seja patognomônica desta enfermidade, podendo se apresentar de diversas formas na dependência do número de cistos, da localização (meníngea, parenquimatosa, ventricular e subaracnóidea), da resposta imune do hospedeiro, se os cistos estão ou não viáveis e possivelmente do sexo do paciente (acredita-se que mulheres jovens tenham formas mais graves). As crises convulsivas focais ou generalizadas são as manifestações clínicas mais comuns, seguidas da hipertensão intracraniana. Também pode ser verificada hidrocefalia aguda, síndrome piramidal, alteração das funções cognitivas, meningite subaguda, déficits neurológicos. A forma parenquimatosa miliar, também chamada de encefalítica aguda acomete principalmente mulheres jovens, tem um prognóstico ruim e se caracteriza por crises epilépticas, demências e déficits focais. Quando a medula espinhal é acometida poderemos encontrar mielopatia, radiculopatia e bexiga neurogênica. Em geral a forma subaracnóidea está associada a um quadro de vasculite. Alguns pacientes não apresentam qualquer manifestação clínica. Nestes casos, o diagnóstico é feito a partir dos achados dos exames de imagem realizados por algum outro motivo. O estudo do líqüor é de grande importância (embora possa ser normal em 20% dos casos). Em geral é evidenciada uma pleocitose com predomínio de LMN, eosinofilia, e reações imunes específicas para identificar o antígeno do cisticerco (técnica Elisa tem uma elevada especificidade e sensibilidade) devem ser realizadas. Pode também ser verificada hiperproteinorraquia, hipoglicorraquia e hipergamaglobulemia com bandas oligoclonais de IgG. Com o advento da TC de crânio e da RNM, a segurança na confirmação diagnóstica aumentou muito, lembrando que pode haver resultados falso–negativos, como no caso de cisticercos jovens ou em casos de localização ventricular. A RNM fornece as mesmas informações que a TC, exceto por não mostrar pequenas calcificações. O tratamento deve ser individualizado. As chamadas formas benignas (assintomáticas ou apenas com crises epilépticas) devem ser tratadas apenas com anticonvulsivantes. Em casos de intensa reação inflamatória e edema ao redor dos cistos, usar corticóides e, eventualmente, manitol. Outras opções são os anti–histamínicos como a dextroclorofeniramina e os AINEs, como o cetoprofeno ou os coxibes. Caso haja captação de contraste usar: albendazol 15mg/Kg/24 horas VO durante 7 a 14 dias ou praziquantel 50 mg/Kg/24 horas durante 15 dias. Vale ser ressaltado que estas drogas devem ser iniciadas após 2/3 dias do uso de dexametasona 0,75 mg/Kg/24 horas (em adultos). Caso não haja captação de contraste (o que pode significar cicatrização ou então a ausência da degeneração de cistos) acompanhar ou tratar com anti-histamínico de ação central 6 a 18 mg/24 horas (para adultos). Observação: O grupo de Carpio e colaboradores recentemente demonstrou que as drogas anti-helmínticas podem estar associadas a uma maior incidência de seqüelas a longo prazo, porém a grande maioria de artigos preconiza seu uso. O tratamento cirúrgico (extirpação cirúrgica) está indicado nos casos de cisticercos intraventriculares e de grandes cistos solitários. A derivação ventriculoperitoneal é indicada nos casos de hidrocefalia. O prognóstico está intimamente relacionado à forma clínica. Tem-se na forma parenquimatosa um melhor prognóstico, já as formas intraventriculares, encefalite aguda e subaracnóide apresentam um prognóstico sombrio. O tratamento cirúrgico ainda apresenta uma elevada morbimortalidade (mortalidade geral de 16%, aumentando para 50% nos casos de aracnoidite). A prevenção desta enfermidade está diretamente relacionada à melhoria das condições sócio-econômico-culturais. Algumas medidas simples, como a higiene corporal, são capazes de prevenir a neurocisticercose. NEUROTOXOPLASMOSE É causada pelo Toxoplasma gondii a partir da ingestão de alimentos contaminados. Na grande maioria dos casos teremos uma infecção latente até que haja recrudescimento da infecção frente à queda da imunidade celular. Este protozoário tem predileção pelo tecido do globo ocular e pelo SNC (principalmente núcleos da base, córtex, substância branca e área periventricular). Cerca de 28 a 40% dos pacientes com SIDA apresentam esta doença como evento tardio, ocorrendo principalmente naqueles com CD4 menor que 100. Esta é a principal lesão intracraniana, com efeito de massa, em pacientes com SIDA. A apresentação clínica combina sinais de HIC em 30 a 70% dos casos (sendo o papiledema achado incomum) e alteração do sensório em 50 a 90%. Ataxia, convulsões e neuropatias cranianas são observadas em menos de 25% dos casos. Hemiparesia e outras manifestações focais podem estar ausentes em até 60% ou mais dos casos. Manifestações neuropsiquiátricas são freqüentes. O diagnóstico é fortemente sugerido frente à presença de lesões múltiplas (80 a 90%) e profundas captantes de contraste (80 a 85%) e sorologia IGg reagente (85%). O exame do líqüor é inespecífico (discreta pleocitose, acentuada hiperproteinorraquia e positividade para pesquisa de anticorpos). Tratamento empírico em teste terapêutico deverá ser instituído durante 10 a 14 dias, com posterior reavaliação clínica e por imagem. Caso não haja resposta terapêutica estará indicada a biópsia estereotáxica. Proceder-se-á à biópsia precoce em casos de lesão única com sorologia não-reagente. O tratamento baseia-se no uso de sulfadiazina (100mg/Kg/dia de 6/6 h) e pirimetamina (25 – 75 mg/dia) por 4 a 6 semanas. Este tratamento tem como principais efeitos colaterais a mielotoxicidade e o rash cutâneo, sendo preconizado o uso concomitante de ácido folínico (10-15 mg/dia). O principal diagnóstico diferencial é o linfoma. O uso concomitante do corticóide pode mascarar um linfoma, tornando o teste terapêutico ineficaz (deve ser reservado para os pacientes com sinais de edema cerebral importante ou de herniação). A profilaxia é indicada para pacientes com sorologia positiva para T. gondii e contagem de CD4 menor que 100. Utiliza-se o cotrimoxazol ou a associação sulfametoxazol, trimetoprim, dapsona e pirimetamina. INFECÇÕES EM PRÓTESES E ÓRTESES NEUROLÓGICAS A incidência de infecção relacionada a sistemas de derivação liqüórica varia de 2 a 33% para os sistemas de drenagem interna (dos quais os mais utilizados são a DVP e a DVA) e de 0 a 8% para os de drenagem externa (ventriculostomia). As crianças abaixo de um ano de idade apresentam esta complicação com maior freqüência que as acima desta faixa etária (respectivamente 13 e 8%). A infecção do SNC associada à instalação dos sistemas valvulados de drenagem liqüórica surge a partir de uma de três possíveis vias. Em primeiro lugar, respondendo por 70 % ou mais dos casos, temos a infecção precoce, por definição iniciada dentro dos primeiros dois meses subseqüentes à instalação do sistema de drenagem e decorrente da contaminação per-operatória do sistema, geralmente a partir da microbiota cutânea do próprio paciente e tendo, pois, como agentes etiológicos principais o S. epidermidis e o S. aureus. As duas outras possíveis vias patogênicas sãoa contaminação do sistema de drenagem liqüórica, a partir da disseminação hematogênica de um foco infeccioso distante (respondendo por pequena porcentagem dos casos) e a da extremidade distal do sistema por bacilos Gram-negativos entéricos, enterococos ou anaeróbios, decorrente, normalmente, da perfuração de vísceras ocas abdominais. Por decorrerem de contaminação do sistema de drenagem ocorrida em momento posterior ao da instalação do mesmo, estas duas possíveis vais patogênicas resultam em infecções ditas tardias, isto é, iniciadas após os dois meses iniciais que se sigam ao procedimento cirúrgico. Os achado clínicos mais importante são: (1) sinais sistêmicos de infecção, (2) sinais locais de infecção e (3) evidência de funcionamento inadequado da derivação. A febre parece ser o sinal mais importante, estando presente em até 100% dos pacientes. Dor local ocorre em 40%. No diagnóstico, as hemoculturas são especialmente importantes nas infecções das derivações ventrículo-atriais, com sensibilidade de aproximadamente 90%. Nas infecções das derivações ventriculo-perioniais a sensibilidade das hemoculturas cai para 20%. O padrão ouro no diagnóstico das infecções das derivações é a cultura do LCR realizada a partir do LCR colhido diretamente do cateter de derivação. A conduta terapêutica deve ser individualizada, levando-se em conta o estado do paciente, da família e a experiência do cirurgião. Sempre que possível, a melhor conduta será o uso de antibiótico venoso juntamente com a retirada imediata da derivação. A reposição da derivação deve ser a mais tardia possível. A reposição precoce associa-se a uma inaceitável taxa de re-infeção. A seleção do antibiótico deverá ser feita com base no gram e cultura, sempre com preferência do antibiótico que atinja níveis adequados no LCR. Como o estafilococo coagulase negativo é o organismo mais prevalente nas infecções das derivações, a vancomicina deve ser a droga de escolha inicial. Sua administração é por via parenteral, embora existam evidências anedóticas que sugiram sua utilização intraventricular. Bibliografia: Adams e Victor: Principles of Neurology. McGrawHill. 2000 (7th edition); Rowland, Lewis P.: Textbook of Neurology. Willians and Wilkins. 1997 (9th edition); Youmans: Neurological Surgery. Saunders. 1996 (4th edition). Osborn, Anne G.: Diagnóstico Neurorradiológico. Revinter.1999 Melo-Souza, S. E.: Tratamento das Doenças Neurológicas. Guanabara-Koogan. 2000. Pfister HW, Feiden W, Einhäupl KM. Spectrum of complications during bacterial meningitis in adults. Results of a prospective clinical study. Arch Neurol 1993; 50: 575-581 Zunt JR, Marra CM. Cerebrospinal Fluid Testing for the Diagnosis of Central Nervous System Infection. Neurologic Clinics 01-nov-1999;17(4): 675-89. Spach DA, Jackson LA, Bacterial Meningitis. Neurologic Clinics 01-nov-1999;17(4):711-736. Cruz J. Neurointensivismo.: editora Atheneu 2002;7(12)115-154. Marangone DV.: Doenças Infecciosas: conduta diagnóstica e terapêutica. 2a ed. Guanabara-Koogan,1998;256-294.
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