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Apostila resumo federalismo direito constitucional

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APOSTILA 
 
 
O FEDERALISMO E A 
FEDERAÇÃO BRASILEIRA 
 
 
PROF. DR. JOÃO LUIZ MARTINS ESTEVES1 
 
 
 
 
 
 
1
 Doutor pelo programa de Doutorado da Pós Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa 
Catarina - UFSC. Mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho - UGF. Especialista em 
Filosofia Política e em Filosofia: História do Pensamento Brasileiro pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. 
Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Maringá - UEM. Procurador do Município de Londrina. Professor 
Titular do Departamento de Direito Público da Universidade Estadual de Londrina - UEL. Membro da comissão 
coordenadora do curso de Especialização lato sensu em Direito do Estado da Universidade Estadual de Londrina - 
UEL. 
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ÍNDICE 
I – O ESTADO FEDERAL 
I.1 - O federalismo e a Federação brasileira...................................................................4 
I.1.1 - Diferenciação corrente entre estado unitário e estado federal: a 
descentralização.............................................................................................................4 
I.1.2 - A Teoria da Federação: uma construção empírica...............................................5 
I.1.3 - A trajetória do estado federal................................................................................6 
I.1.4 - Teorias sobre a natureza Jurídica do Estado Federal.........................................8 
I.1.5 - Características da natureza jurídica do estado federal........................................9 
I.1.6 - Federalismo no Brasil..........................................................................................11 
 
I.1.6.1 – A formação do Estado unitário: O Império do Brasil.......................................11 
 
I.1.6.2 – A pré-existência de movimentos por autonomia.............................................16 
 
I.1.6.3 – A transposição do modelo federativo dos E.U.A para o Brasil........................17 
 
I.2 - O Município frente aos demais entes da federação brasileira...............................19 
1.2.1 – A estrutura federativa do Estado brasileiro na Constituição de 1988...............19 
1.2.1.1- O Estado-membro............................................................................................20 
1.2.1.2- A União.............................................................................................................20 
 
1.2.1.3- O Distrito Federal.............................................................................................21 
 
1.2.1.4- O Município......................................................................................................22 
 
Considerações finais.....................................................................................................25 
Referências bibliográficas.............................................................................................25 
 
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II – O SISTEMA DE REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS 
Introdução......................................................................................................................27 
II.1 - Técnicas de repartição de competências federativas...........................................30 
II.2 – Técnica brasileira de repartição de competências...............................................32 
II.3 - As competências dos entes da República Federativa do Brasil...........................35 
II.3.1 – Competências da União....................................................................................35 
II.3.2 - Competências dos Estados................................................................................40 
II.3.3 - Competências dos Municípios...........................................................................45 
II.3.3.1 – A competência suplementar dos Municípios..................................................49 
II.3.4 - Competências do Distrito Federal......................................................................53 
Considerações finais.....................................................................................................54 
Referências bibliográficas.............................................................................................54 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
 
 
PARTE I - O ESTADO FEDERAL. 
 
I.1 - O federalismo e a Federação brasileira 
 
Iniciamos a primeira parte desta abordagem sob o 
entendimento de que a interpretação normativa é sim realizada, contudo, 
primando pela compreensão necessária que se deve ter sobre o papel que os 
entes federativos desempenham na Federação brasileira, por meio do 
delineamento, realizado a partir da trajetória do federalismo, do alcance e dos 
limites da autonomia e competências federativas. 
A República Federativa do Brasil apresenta um histórico 
peculiar no próprio processo de criação e trajetória do seu modelo federativo 
que se deu a partir da existência de um Estado unitário até, 
surpreendentemente, chegar a um peculiar grau de descentralização que, por 
meio da incorporação do Município a partir de 1988, apresenta genuinamente 
três níveis federativos. Assim, o método de abordagem quanto às atividades 
desempenhadas no âmbito municipal é feito por meio do entendimento de que, 
no Brasil, em virtude das peculiaridades do nosso modelo federativo, não se 
deve estudar especificamente o Município sem contextualiza-lo dentro da 
estrutura complexa que é o Estado brasileiro. 
 
I.1.1 - Diferenciação corrente entre estado unitário e Estado federal: a 
descentralização. 
 
Os Estados modernos, sem exceção se constituíram como 
Estados unitários. Somente mais tarde, no final do século XVIII, na América do 
Norte é que surge o que hoje conceituamos como Estado Federal. É muito 
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comum que se faça a distinção entre ambos sob a afirmação de que aquilo que 
que os diferencia se traduz na analise de que o primeiro tem um centro de 
competência administrativa e legislativa, enquanto que o segundo congrega 
também outros setores de competência com determinada autonomia. Assim, 
por exemplo, a República Federativa do Brasil seria uma federação, por contar 
com governos e órgãos legislativos deslocados do poder central, enquanto que 
o Uruguai seria um Estado unitário por apresentar como característica um 
único centro de competência administrativa e legislativa. 
Entretanto, conforme veremos a seguir, outras características 
devem definir um Estado federal a fim de distingui-lo de um Estado unitário. 
Esta necessidade existe pelo motivo de que é possível que um Estado unitário, 
com a intenção de melhor regular a consecução de seus fins, descentralize 
suas competências administrativas e legislativas, criando outros centros de 
competência aos quais pode conferir autonomia. Entendida esta como 
capacidade de autogoverno, autoadministração e autolegislação. Casos típicos 
de Estados unitários descentralizados são o Reino de Espanha e a República 
Italiana, onde regiões autônomas, muitas vezes gozam de mais autonomia do 
que uma unidade da federação brasileira. 
Sendo assim, para um entendimento sobre a diferença entre 
Estado Unitário e Estado Federal é necessário que antes se entenda como se 
formou e se constituem atualmente as federações. Esta compreensão, é de 
vital importância para que seja possível entender qual é a posição do Município 
em um tipo de federação como a brasileira. 
 
I.1.2 -A Teoria da Federação: uma construção empírica. 
 
A independência das treze colônias (1776-1783) que formaram 
o núcleo inicial dos Estados Unidos da América do Norte é fruto do movimento 
burguêsdo século XVIII pela tomada do controle estatal em oposição às 
classes (nobreza e clero) que controlavam o antigo Estado monárquico 
6 
 
 
absolutista. Este movimento, calcado nas ideias iluministas, teorizou um novo 
modelo em que o poder e funções do Estado deveriam ser exercidos por meio 
de órgãos distintos, regulados por um documento político-jurídico ao qual se 
deu o nome de "Constituição". 
E é possível dizer que os norte-americanos que criaram os 
Estados Unidos da América do Norte foram revolucionários em vários sentidos. 
Primeiramente porque adotaram as ideias concebidas por Montesquieu quanto 
à Constituição e quanto à separação dos poderes. Em segundo lugar pelo 
motivo de que, sem que houvesse uma teorização moderna mais elaborada, 
aboliram também a forma monárquica de Estado para implantar uma forma 
republicana de Estado, cujas bases remontam à antiguidade clássica. Mas, por 
último, fundamentalmente foram revolucionários por terem criado uma nova 
forma de organização do Estado que é a Federação. 
Esta nova forma de organização estatal nunca tinha sido 
experimentada e não se encontrava teorizada. A única forma similar até então 
existente tinha sido a da Confederação Helvética - que deu origem à Suíça 
como Estado Federal em 1848 - existente entre comunidades dos vales nos 
Alpes centrais da Europa tendo sido formada no século XIII a partir de uma 
aliança entre pequenos Estados independentes para facilitar as gestões de 
interesse comum ligadas ao comércio e à paz. 
A construção do Estado Federal é resultado da experiência 
construída a partir dos interesses e necessidades das ex-colônias que se 
tornaram Estados independentes para depois se unirem em uma trajetória que 
as identifica inicialmente como uma Confederação para então se 
transformarem em uma Federação. 
 
I.1.3 - A trajetória do estado federal. 
 
O que difere basicamente a Confederação da Federação é que 
na primeira as unidades que a compõem preservam sua soberania, podendo 
7 
 
 
se retirar da organização a qualquer tempo, enquanto que na Federação o 
direito de segregação não existe. Também se pode dizer que na Confederação, 
ao contrário da Federação, se estabelece que a legislação feita pelo poder 
central deve ser validada pela unidade confederada para que se faça valer em 
seu território. Entretanto, desde o início, esta distinção não ficou bem clara nos 
Estados Unidos da América do Norte. 
Uma prova desta indeterminação é que o próprio nome, com a 
designação de "Estados" leva a entender que os componentes preservam 
todas características de um Estado, entre elas a "soberania", como ocorre na 
Confederação. Entretanto os revolucionários sempre denominaram sua nova 
organização de Federação, como fica claro nos artigos da obra "O Federalista" 
que é resultado de reuniões que ocorreram em 1787 para a elaboração da 
Constituição estadunidense (MADISON, HAMILTON, JAY, 1993). 
As divergências sobre a natureza jurídica ou política do Estado 
federal acompanharam a história de construção dos E.U.A. até meados do 
século XIX quando o resultado da guerra civil travada entre os anos de 1861 e 
1865 acabou por definir os contornos do Estado Federal. Conhecida como 
"Guerra da Secessão", este conflito opôs os interesses da elite econômica 
industrial dos Estados do norte à elite econômica agrária escravocrata dos 
Estados do sul. Após aprovada pelo Congresso dos E.U.A a lei que abolia a 
escravidão, os sulistas, autodenominados de "confederados", declararam que 
não a cumpririam pelo motivo de que não estavam obrigados a cumprir uma lei 
federal, a qual somente poderia ser aplicada em seu território caso fosse 
ratificada localmente. Também entendiam que o que unia os Estados era um 
acordo que permitia o direito de segregação dos Estados que não quisessem 
mais fazer parte dos E.U.A. Este tipo de divergência interna acompanhou as 
questões políticas e jurídicas nos Estados Unidos até a abolição do modo de 
produção escravista. Contudo, como se percebe, foi o interesse econômico que 
acabou por ditar finalmente qual seria a formatação da federação em terras 
estadunidenses. Os poderios econômico e consequentemente militar dos 
Estados industrializados acabaram por impor a proibição ao direito de 
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nulificação de leis e de segregação em virtude da imposição de um novo 
modelo de produção. 
 
I.1.4 - Teorias sobre a natureza Jurídica do Estado Federal. 
 
É necessária a definição de uma “natureza jurídica” do estado 
federal que estabeleça uma distinção do estado unitário. Conforme estudo 
realizado por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (1948), desde o início de sua 
formação, são as seguintes as teorias sobre a natureza jurídica do Estado 
federal: 
- Da divisão da soberania: A soberania é repartida entre a União e os 
Estados Federados, que cedem uma parte de sua soberania (HAMILTON, JAY, 
MADSON). 
- Do direito dos Estados membros: O Estado Federal é uma união de 
coletividades soberanas (JEFFERSON). Serviu aos Confederados, e possui 
dois atributos: direito de nulificação e de segregação. 
- Da participação dos Estados-membros na formação do Estado Federal: 
A qual ocorre através da existência de uma Câmara alta no legislativo (Senado) 
- (LOUIS LE FUR, EUGÉNE BOREL). Esta teoria é derrubada pelo fato de que 
existem vários Estados unitários onde as províncias participam nas 
deliberações do poder central (Bolívia, Chile, Colômbia, Uruguai, África do Sul, 
etc.). 
- Dos Estados não soberanos: O que caracteriza o Estado é possuir 
direito próprio e alguns Estados possuem, além do direito próprio, outra 
característica que é a soberania. Portanto, Estados-membros são Estados que 
não têm soberania (GEORG MEYER, GEORG JELLINEK). Segundo a 
evolução desta doutrina, direito próprio seria a capacidade de auto-organização 
e de autogoverno. Se for aceita, devemos entender que os Municípios 
brasileiros também são Estados. 
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- Do Estado de fato: Sendo o Estado uma diferenciação entre governantes 
e governados, entende que a federação é um Estado que apresenta duas 
categorias de governantes, com competências exclusivas que não podem ser 
alteradas sem o consentimento de todos os governantes (DUGUIT). A principal 
falha desta teoria é que em muitas federações as competências são 
modificadas sem a concordância de todas as Unidades Federadas. 
- Da escola austríaca: O positivismo jurídico apresenta dois problemas 
fundamentais: 1º - caracterização do Estado Federal; 2º - relação existente 
entre governo central e governo local (KELSEN). No primeiro, exclui a 
“soberania” como possibilidade de caracterização, e faz a distinção entre 
Estado Federal e Estados-membros, por estar aquele subordinado ao direito 
internacional e estes ao direito nacional. Portanto, tal concepção não diferencia 
Estado federal e unitário, trazendo-lhes somente a característica da 
descentralização. – Na relação entre governo central e local, apega-se à teoria 
que não lhe é própria (HAENEL, MEYER, GIERKE), da existência de três 
ordens jurídicas: a) coletividade central; b) coletividades membros; c) 
comunidade total. 
- Das competências exclusivas: Deriva da observação feita em relação 
aos E.U.A: Descentralização prescrita em uma constituição rígida quanto à 
atribuição de competências exclusivas e existência de um órgão julgador 
encarregado de resolver conflitos de competências (BRYCE, DURAND, 
HAINES). Outras constituições já tiveram estas características como a Chinesa 
de 1923, a qual afirmava ser a China um Estado unitário. 
 
I.1.5 - Características da natureza jurídica do estado federal. 
 
Como vimos, não existiu previamente ao modelo federal de 
Estado uma teoria que pudesse orientar a sua formação. Mesmo depois de 
formado o primeiro Estado ao qual foi dado a designação de Federal, as teoriasque foram se formando oscilavam entre aquilo que hoje entendemos como 
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Confederação e Estado Unitário. Somente com uma guerra civil, onde estas 
divergências serviram de base para justificar oposições de conteúdo 
econômico, é que finalmente se pode consolidar uma teoria prática sobre a 
Federação. 
Entretanto, ainda podemos encontrar nas federações 
existentes modelos federais distintos. Nos Estados federais, como por 
exemplo, Estados Unidos da América do Norte, República Federal Alemã, 
República Federativa do Brasil, Estados Unidos Mexicanos, Federação Russa, 
etc., as competências federativas não estão estabelecidas da mesma forma. 
Como também já observamos anteriormente, encontramos Estados unitários, 
como é o caso da Espanha, onde suas regiões autônomas têm mais autonomia 
do que entes federados de Estados federais como o brasileiro. Então é 
necessário que seja possível identificar Estados que sejam igualmente 
federais, mesmo com divisão de competências distintas. Como também é 
necessário delimitar a distinção entre Estados federais e Estados unitários, 
mesmo quando nestes últimos exista mais autonomia em suas regiões quando 
feita uma comparação com um Estado Federal. Este exercício deve ser feito 
por meio da definição teórica de qual é o acordo interno ao Estado, inscrito no 
âmbito constitucional, que determina a existência de uma federação. A este 
acordo é dado o nome de pacto federativo. 
Nos servimos das lições de Osvaldo Aranha Bandeira de Mello 
(1948, p. 63-125) que nos dá uma definição sobre as características gerais do 
estado federal, definidoras do pacto federativo. São elas; 
-Criação de um ente que congregue a vontade das unidades federadas 
(União). 
-Participação das unidades federadas na formação da vontade da União. 
-Entes Federados dotados de autonomia. 
-Exercício do poder através de distribuições de competências. 
-Poder Judiciário com atribuições de julgar conflitos de competências. 
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- Existência de uma só soberania, em contraposição à confederação, onde 
várias autonomias convivem mediante tratados internacionais, como é o caso 
da União Europeia. 
-Indissolubilidade da federação, em contraposição à confederação, onde é 
possível que as unidades confederadas retirem ou dissolvam integralmente a 
confederação. 
-Constituição com rigidez na garantia da caracterização federal, em 
contraposição ao Estado unitário. Assim, um Estado pode atribuir um elevado 
grau de autonomia às suas regiões, mesmo que por meio da sua Constituição, 
que somente isto não lhe garantirá a condição de Estado Federal. Para isto, é 
preciso que a Constituição vede expressamente a possibilidade de retirada de 
autonomia das regiões, mesmo que por meio de emenda à Constituição. Ou 
seja, a forma federativa de Estado deve estar inscrita na Constituição como 
cláusula pétrea. 
 
I.1.6 – Federalismo no Brasil. 
 
I.1.6.1 - A formação do Estado unitário: O Império do Brasil. 
 
Não existe dúvida que o movimento revolucionário, ocorrido 
tanto nas treze colônias inglesas da América do Norte quanto em França, 
inspirado pelo Iluminismo, tinha como alvo a ser destruído o monopólio 
mercantilista e o absolutismo monárquico que lhe dava sustentação. Mas foram 
os ideais iluministas irradiados da Revolução Francesa que influenciaram o 
quadro político mundial descortinado a partir do final do século XVIII e durante 
quase todo século XIX. Apesar da Revolução Americana ter sido 
cronologicamente anterior, a Francesa foi o coroamento de ideias 
antiabsolutistas que fervilharam durante todo o século XVIII e teve um sentido 
12 
 
 
mais universalizante do que aquela. Os ventos revolucionários espraiaram-se 
para toda a Europa, atravessando o Atlântico, inclusive. 
A Independência do Brasil em relação a Portugal, com o 
consequente surgimento do Estado Brasileiro e sua primeira constituição 
ocorre neste cenário, e é fruto destes acontecimentos. 
No Brasil colônia, em que pese o caráter espoliativo adotado 
pela prática da colonização mercantilista, o qual não visava em princípio a 
fixação populacional e consequentemente um desenvolvimento comunitário, 
apresentou-se um quadro nos últimos dois séculos em que, o próprio declínio 
do sistema colonial iria gerar as contradições que marcariam o tipo de 
emancipação que se firmaria no século XIX. Uma destas contradições, de 
caráter interno assume duas feições - a primeira que coloca índios subjugados 
e escravos em oposição aos colonos e donos de escravos, e uma segunda, 
que é prolongamento direto daquela contradição externa: o antagonismo entre 
proprietários de terras e de escravos e comerciantes (SODRÉ, 1990, p.162-
163), sendo estes últimos, na maioria portugueses. 
Os séculos XVII e XVIII serão marcados por lutas que refletem 
estas contradições, como por exemplo as resistências, fugas e motins de 
escravos e as revoltas patrocinadas pelos consumidores contra os detentores 
do monopólio comercial, como temos exemplo na revolta de Beckman e na 
Guerra dos Mascates (SODRÉ, 1990, p.163). Estas lutas representaram as 
contradições internas que irão se arrastar na medida em que não são 
resolvidas, mas simplesmente reprimidas. E conforme observa HOLANDA, 
 
A própria revolução pernambucana de l817, pode-se 
dizer que, embora tingida de "ideias francesas", foi, em grande parte, uma 
reedição da luta secular do natural da terra contra o adventício, do senhor 
de engenho contra o mascate. /.../ E o que era verdadeiro em l817 não 
deixaria de sê-lo depois de nossa emancipação política. (HOLANDA, 1998, 
p. 86 e 87) 
 
Mas o fato é que as contradições que pesavam sobre os 
despossuídos, incluindo-se aí escravizados e homens livres que não 
pertenciam à elite rural dominante, mas eram pequenos comerciantes ou 
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artesãos ou militares, não apresentaram proporções que denunciassem a 
possibilidade de uma revolta capaz de criar um estado soberano, nos moldes 
dos ideais iluministas burgueses, pois as condições históricas não permitiam 
isto. No Brasil, não existia uma burguesia revolucionária. O rompimento com a 
metrópole somente viria a acontecer caso a classe senhorial agrária investisse 
nesta empreitada porquanto, como argumenta SODRÉ (1990, p.171), “seu 
poder era ainda tão grande /.../ que nenhum movimento antimetropolitano tinha 
condições de triunfar sem o seu concurso”. 
Tal empreitada da elite agrária veio a ocorrer pelo 
aprofundamento das contradições externas, que foi a própria crise do modelo 
mercantilista. Mas a prática demonstrara que o fato de o Brasil ser dividido em 
áreas isoladas umas das outras, dificultava os movimentos de rebeldia que 
podiam ser batidos facilmente um a um pelas tropas metropolitanas. E somente 
um fator novo viria a contribuir com o desligamento em relação à metrópole, 
que seria o debilitamento da mesma no quadro internacional e a aliança da 
elite colonial com outros setores econômicos estrangeiros e antagônicos à elite 
metropolitana. Era esta a situação político-econômica e social da colônia às 
portas da independência. 
Num primeiro momento podemos pensar que o pensamento e 
as ideias enciclopedistas eram aqui reinantes, visto que verificamos a influência 
de tais ideias em movimentos revolucionários, de que é exemplo a 
Inconfidência Mineira (1789). 
Realmente tais concepções chegaram ao Brasil colônia seja 
através de livros contrabandeados, ou através daqueles que tendo estudado na 
Europa, de alguma forma tiveram contato com os ideais revolucionários 
franceses, ou mais tarde através das lojas maçônicas (PRADO JÚNIOR, 1996, 
p. 371). E isto não ocorre ao acaso, visto que o Brasil, em que pese o 
isolamento patrocinado pela metrópole, não estava deslocado do contexto 
mundial; pelo contrário, era parte integrante das relações internacionais de 
produção esobre ele pairava vigilante o olho voraz do expansionismo 
capitalista. Mas em que pese a fertilidade do terreno para a propagação de 
ideais emancipadores, a condição da colônia, com sua produção totalmente 
voltada para a agricultura, não dava condições para que, na transposição 
14 
 
 
mecânica daqueles ideais, criados na ebulição das lutas entre a burguesia 
industrial e comercial europeia contra a nobreza feudal, viessem a apresentar a 
solução para os problemas da população vinculada à colônia. 
Mas isto não quer dizer que tais ideais não tenham servido 
para expressar a não conformação de setores da colônia com a situação 
estabelecida, e por isto mesmo, por querer refletir as condições concretas em 
que foram colocadas, a compreensão de tais ideias apresentavam uma 
superficialidade tal que a interpretação das mesmas vagava conforme a 
conveniência. 
Neste sentido, conforme verifica PRADO JÚNIOR (1996, p. 
377): 
 
A "liberdade, igualdade e fraternidade", que como norma política a sumaria, 
ia prestar-se bastante bem às várias situações que aqui se apresentam. 
Castigada embora, e deformada não raro (que castigo aliás, e que 
deformação não cabem no vago da fórmula francesa?), ela servirá de lema 
a todos que pretendiam alguma coisa: senhores de engenho e fazendeiros 
contra negociantes; brasileiros contra portugueses. . . (PRADO 
JÚNIOR,1996, p. 377). 
 
Com relação à Inconfidência Mineira, por exemplo, pode-se 
dizer que a simpatia dos inconfidentes estava voltada para os ideais da 
Revolução Francesa e para a Revolução Americana, mas o debate político 
desenvolvido na Europa estava ausente do centro das preocupações dos 
inconfidentes, cujo ânimo foi o descontentamento diante de uma situação 
econômica abalada pela crise do ouro, decorrendo daí um período de 
decadência social e econômica, fato que tenderia levá-los a tentar adaptar os 
postulados teóricos iluministas às suas perspectivas, transpondo tais 
concepções da realidade econômica cultural e social europeia, para o ambiente 
social mineiro. (RODRIGUES, 1986, p. 65) 
 
 SODRÉ (1990, p. 180) resume a problemática apresentada ao 
afirmar que, a ideologia é efetiva onde se gerou condições concretas e é mera 
expressão subjetiva onde chega sem aquelas condições. 
15 
 
 
 É conclusivo que não interessava à elite brasileira, ligada à 
produção rural e encarregada de empreitar o rompimento com a elite 
metropolitana, os ideais revolucionários da burguesia europeia, traduzidos nas 
palavras liberdade e igualdade. Isto porque tais concepções eram estranhas à 
classe senhorial que queria somente a desvinculação econômica e política em 
relação à metrópole, mas não uma mudança na estrutura política ou nas 
relações sociais. Neste sentido, se verifica que não havia também condições 
de rupturas isoladas que levassem a um surgimento de movimentos por 
independência com a formação de vários Estados que teriam em comum a 
origem colonial portuguesa. Ou seja, a independência se daria em um só bloco, 
com a criação de um único Estado. 
A base ideológica em que se assentou a empreitada da elite 
agrária escravista para montar um Estado independente ou formar um Império 
luso-brasileiro abriu as portas ao liberalismo econômico, mas manteve a 
estrutura político-social em vigor e não alteraou o modo de produção escravista 
que lhe dava sustentação. 
Com a chegada da família real ao Rio de Janeiro em 1808, 
escapando das tropas napoleônicas, a rudimentar estrutura sócia administrativa 
brasileira é induzida a adequar-se para ser o centro de decisões do Reino 
português. Começa a ser transportada para o Brasil toda a estrutura 
administrativa do Estado português. O País passa por um surto 
desenvolvimentista há muito desejado, sobretudo com a abertura alfandegária 
da qual se beneficiou particularmente a Inglaterra, e também com a criação de 
instituições financeiras. 
O Brasil tornara-se a metrópole, uma vez que os centros do 
poder e da economia nele estavam. E o retorno do Rei a Portugal, com os 
influxos de "liberais" portugueses para que o Brasil voltasse à condição de 
colônia, não impediu o amadurecimento do processo de independência. O que 
se desenvolve é o movimento da independência brasileira, sendo que um dos 
seus aspectos mais marcantes foi o distanciamento progressivo entre as 
Cortes de Lisboa, centralizadoras e tendentes à união dos dois Reinos, e o 
governo regencial de D. Pedro, que diante da situação, e para conter um 
processo de separação em que não tomasse parte, seguindo o conselho do 
16 
 
 
Rei, toma para si a tarefa de proclamar a independência, estabelecendo desta 
forma uma aliança entre ele, D. Pedro, a elite agrária e o capitalismo comercial 
inglês (FAORO, 1997, p. 267-268). Rompia-se definitivamente a aliança outrora 
estabelecida, entre a elite metropolitana e a elite colonial brasileira, que iria 
subjugar-se a outra, agora internacional e não através de pactos de 
dominação, mas sim através da subordinação econômica, como se verificaria 
no decorrer da história. A contradição externa, apontada anteriormente, fora 
então a principal mola propulsora do movimento de independência. Formou-se 
um Estado unitário, com uma vasta extensão territorial, herdeiro de parte do 
Império colonial português e alicerçado política e juridicamente na Constituição 
de 1824: o Império do Brasil. 
 
I.1.6.2- A pré-existência de movimentos por autonomia. 
 
A opção dos articuladores da independência foi pela formação 
de um Estado unitário estabelecido por meio de uma monarquia constitucional, 
com as províncias subordinadas ao poder central, com a nomeação de seus 
principais funcionários (presidente, chefe de polícia) nomeados pelo Imperador, 
assim como eram nomeados pelo poder central, o juiz municipal e o promotor 
público. Desta forma se manteria a integridade territorial e a construção de uma 
identidade nacional. 
Entretanto, já nas primeiras décadas de um período de 
sessenta e sete anos, iniciaram-se os influxos que se opunham ao mecanismo 
centralizados e sufocador das autonomias regionais. Conforme observa José 
Afonso da Silva 
 A ideia descentralizadora, como a republicana, despontara desde cedo na 
história político-constitucional do Império. Os federalistas surgem no âmago 
da Constituinte de 1823, e permanecem durante todo o Império, provocando 
rebeliões como as "Balaiadas", as "Cabanadas", as "Sabinadas", a 
"República de Piratini". Tenta-se implantar, por várias vezes, a monarquia 
federalista do Brasil, mediante processo constitucional (1823,1831), e 
chega-se a razoável descentralização com o Ato adicional de 1834, 
esvaziado pela lei de interpretação de l840. (SILVA 2006, p. 76-79) 
 
17 
 
 
Mas é possível dizer que estas rebeliões anotadas por SILVA, e 
outras que poderíamos também destacar ocorridas ainda no período colonial, 
como a "conjuração baiana" e a "inconfidência mineira", na grande maioria das 
vezes estiveram mais alicerçadas em uma oposição ao pagamento de tributos 
ao poder central do que propriamente ao pensamento por independência 
política. No entanto revelam que, independente da força ou abrangência, estes 
movimentos demonstram claramente a existência de movimentos por 
autonomia financeira e administrativa que fatalmente levariam à opção pela 
mudança de um Estado unitário para um Estado federal. 
 
I.1.6.3 - Transposição do modelo federativo dos E.U.A para o Brasil. 
Se nos E.U.A a questão relativa à abolição da escravidão levou 
a uma definição final sobre as características e natureza jurídica do Estado 
federal, no Brasil a abolição da escravidão levou à queda do Estado 
monárquico e à formação do Estado republicano. Com a abolição do sistema 
escravista os latifundiários escravocratas, fiadores do modelo monárquico 
centralizador, abandonaram a família real, e consequentementetoda a 
estrutura estatal do Estado, à própria sorte. A Abolição da escravidão, em 
1888, significa não apenas o fim do regime de trabalho escravista como 
também a destruição do direito escravista, que era o fundamento de toda a 
organização do Estado. Desde a abolição, o direito já igualiza formalmente 
todos os homens (sejam eles proprietários, operários, camponeses, etc.), ao 
declará-los, todos, sujeitos individuais de direitos. Desse modo, a relação de 
exploração do trabalho adquire doravante um caráter contratual. A 
Proclamação da República, em 1889, e a Assembleia Constituinte, em 1891, 
completam o trabalho iniciado pela abolição, na medida em que são uma 
adaptação às novas relações de produção, as quais exigem um novo modelo 
de Estado. A Revolução política de 1888-1891 leva, portanto, à formação, no 
plano nacional, de uma estrutura jurídico-política liberal e republicana, 
possibilitando também a descentralização política e administrativa. 
O Brasil deixa de ser um Estado unitário para se tornar um 
Estado federal. No entanto, esta transformação e sua caracterização não se fez 
18 
 
 
espontaneamente. Sob a influência de Rui Barbosa – revisor do texto da 
Constituição de 1891 - optou-se pela transposição do modelo federal dos E.U.A 
que servira de paradigma para a formação dos E.U.B, os Estados Unidos do 
Brasil2. Entretanto o federalismo brasileiro, deu-se às avessas ao ocorrido na 
no norte do continente americano. Lá, Estados que já haviam declarado sua 
independência e, portanto, estavam cientes de sua soberania, se uniram para 
formar uma Confederação que se transformou em uma Federação. O 
federalismo aconteceu a partir de uma agregação de Estados. Por sua vez, no 
Brasil, o federalismo se deu por segregação, a partir de um único Estado 
unitário e soberano, o Império do Brasil, que passou a conferir autonomia à 
suas antigas províncias3, formando os Estados Unidos do Brasil. 
Esta diferença, é um dos motivos que explica o fato de que as 
unidades federadas dos E.U.A têm mais autonomia quando se trata de 
determinar suas competências federativas do que a República Federativa do 
Brasil (RFB). Lá, foram as unidades federadas - antes Estados independentes 
que abriram mão de sua soberania – que passaram para a União federal as 
competências que consideraram mínimas e necessárias para a existência da 
Federação. Aqui, foi o poder central, que passou para as antigas províncias – 
transformadas em unidades federadas – as competências consideradas 
suficientes para a caracterização de uma Federação. 
Pode-se ainda explicar o fato de que, no Brasil, as unidades 
federadas têm baixa autonomia e gozam de menos competências do que suas 
congêneres estadunidenses, também pela trajetória antidemocrática da 
República brasileira, que passou por longos períodos de autoritarismo, 
 
2
 O próprio Rui Barbosa deixa isto claro na seguinte exposição sobre a inspiração americana 
para seu trabalho na Constituição de 1891: "Todo o nosso regime, este regime que 
transplantamos dos Estados Unidos, tem como primordial o princípio da santidade suprema da 
Constituição, considerada como a lei a que todas as outras leis obedecem. (BARBOSA, 1920, 
p. 73). 
3
 E desta situação invertida na criação da federação Rui Barbosa encontra-se ciente, conforme 
se vê nesta exposição em que ainda fala de uma federação nos marcos do Império: "É mister 
[...] realizar a federação à americana, tendo por modelo os Estados Unidos, salvo quanto à 
hereditariedade do chefe de Estado e aos atributos da sua posição compatíveis com o nosso 
regímen. Não temos simplesmente que reintegrar as províncias no que o Império absorveu, e 
conceder-lhes o que o Império lhes possa distribuir. As exigências da Federação, pelo 
contrário, é que hão de fixar o que ao Império caberá.". (BARBOSA, 1889, p. 224) 
19 
 
 
mormente de 1930 a 1945 e de 1964 a 1985, que acabaram por sufocar, mais 
ainda, a já debilitada autonomia das unidades federadas brasileiras. 
 
I.2 - O Município frente aos demais entes da federação brasileira. 
 
1.2.1 – A estrutura federativa do Estado brasileiro na Constituição de 
1988. 
 
Nos seus princípios fundamentais a Constituição Federal de 
1988, no seu art. 1º, enuncia que 
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel 
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal (...). 
E ao tratar da Organização do Estado e da Organização Político 
Administrativa, a Constituição Federal, no seu art. 18 estabelece que 
A organização político-administrativa da República Federativa do 
Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os 
Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. 
 
A partir destes enunciados e do entendimento sobre a teoria da 
federação, podemos estabelecer qual é a personalidade jurídica e posição dos 
entes federativos, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, na Federação 
brasileira, bem como podemos indicar como se comportam relativamente às 
questões como soberania, competências federativas e autonomia, entendida 
esta como a capacidade de autogoverno, auto-organização e 
autoadministração. 
 
 
20 
 
 
1.2.1.1- O Estado-membro. 
 
O Estado, como unidade federada recebe este nome de forma 
imperfeita. Teoricamente, "Estado" deve ser entendido como o ente de direito 
público externo que possui como um de seus elementos a soberania. 
Entretanto, é compreensível e aceitável que, nos E.U.A as unidades federadas 
recebam a designação de "Estados", uma vez que se declararam 
independentes e soberanos antes de se unirem e celebrarem o pacto para 
formarem os Estados Unidos da América. Mas, no Brasil, isto não aconteceu. 
As províncias do império nunca foram Estados soberanos. A adoção do nome 
"Estado" somente encontra explicação na transposição do modelo federativo 
dos E.U.A para formar os E.U.B. Outras Federações, utilizam nomenclaturas 
mais condizentes como sua história. Assim, na Rússia são denominadas de 
"repúblicas", na Argentina são denominadas de "províncias" e na Suíça são 
denominadas de "cantões". Para amenizar esta imperfeição é comum que se 
utilize o termo "estado-membro" (membro da federação) para designar as 
unidades da República Federativa do Brasil. 
 O estado-membro é uma pessoa jurídica de direito público 
interno. Portanto, sujeito de direitos e obrigações no âmbito do direito 
brasileiro. Quanto à sua posição na federação, mediante a utilização da teoria 
da federação, o estado-membro é entendido como integrante do pacto federal. 
Portanto, participa do pacto federal. Aparece no art. 1º da Constituição 
Federal como uma das entidades formadoras da República Federativa do 
Brasil, e integra a organização do Estado Federal Brasileiro, conforme 
estabelece o art. 18 da Constituição Federal. É a entidade mais genuína que 
integra uma Federação e, por este motivo, é dotado de autonomia e de 
competências, no que é acompanhado, nesta dotação, pelos demais entes 
que integram a organização político-administrativa do Estado Federal brasileiro. 
 
1.2.1.2- A União. 
 
A União é uma pessoa jurídica de direito público interno. 
Portanto, sujeito de direitos e obrigações no âmbito do direito brasileiro. E 
quanto a isto se destaca que não pode ser confundida com o Estado brasileiro, 
21 
 
 
a República Federativa do Brasil (RFB), esta sim uma pessoa jurídica de direito 
público externo que responde juridicamente no plano do direito internacional. 
Em que pese competir à União "manter relações com Estados estrangeiros e 
participar de organizações internacionais", ela o faz por meio de atribuição de 
competência dada pela República Federativa do Brasil no inciso I do art. 21 da 
sua Constituição. Explicitando este aspecto, dizemos que um Estado 
estrangeiro,ao celebrar um acordo comercial com o Brasil, o faz com a 
República Federativa do Brasil e não com a União. 
Quanto à sua posição na federação, a União é entendida como 
uma criação constitucional necessária à congregação da vontade das 
unidades federadas (estados-membros) sendo esta criação uma das 
características do pacto federativo. Portanto, não participa do pacto federal. 
Com relação a isto, deve ser percebido que a União não aparece no art. 1º da 
Constituição Federal como uma das entidades formadoras da República 
Federativa do Brasil. Sua criação acontece somente quando se passa a 
organizar o Estado Federal Brasileiro, no art. 18 da Constituição Federal. 
Entretanto, como todos os entes que integram a organização político-
administrativa do Estado federal brasileiro a União é dotada de autonomia e 
de competências federativas. 
 
1.2.1.3- O Distrito Federal. 
 
Originariamente foi instalado no sudeste brasileiro, como um 
enclave no Estado do Rio de janeiro, cuja capital era Niterói, fazendo fronteira 
também com o Oceano Atlântico. Posteriormente foi transposto para o centro-
oeste, tornando-se um enclave no Estado de Goiás4. 
 
 
4
 Com a transferência, seu antigo território tornou-se em 1960 o Estado do Guanabara, cuja 
capital era seu único Município, o Rio de Janeiro. A partir de 1975, em total afronta ao pacto 
federativo, por meio da lei complementar nº 20/74, os Estados do Rio de Janeiro e da 
Guanabara foram fundidos, estabelecendo-se a capital no Município do Rio de Janeiro em 
detrimento do Município de Niterói. 
 
22 
 
 
Assim como os demais entes da Federação brasileira, o Distrito 
Federal é uma pessoa jurídica de direito público interno. E, portanto, sujeito 
de direitos e obrigações no âmbito do direito brasileiro. Mas existe 
controvérsias quanto à sua posição na federação. Teoricamente deve ser 
entendido como uma criação constitucional necessária ao estabelecimento 
de um território para implantação da capital do Estado Federal e fixação da 
sede do governo da União. Portanto, teoricamente, não participa do pacto 
federal, mas é resultado dele, assim como a União. Para ser tido como uma 
unidade federada, também deveria gozar de mesma autonomia conferida aos 
estados-membros. Mas isto não acontece, pois, apesar de ter as mesmas 
competências que estados-membros e municípios, sua autonomia é 
limitada em face da impossibilidade de se subdividir em municípios (art. 32, 
caput da CF) e de que a utilização de polícias civil e militar e do corpo de 
bombeiros militar é regulada por legislação da União federal (art. 32, § 4º da 
CF). 
Apesar deste entendimento teórico, a Constituição, no seu art. 
1º, coloca o Distrito federal entre as entidades que formam a República 
Federativa do Brasil, ao mesmo tempo em que dotou o distrito federal de 
representação junto ao Senado Federal (art. 46 da CF), que é órgão de 
participação das unidades federadas na formação da vontade da União. Esta 
situação prática coloca o Distrito Federal na condição de participante do 
pacto federal, entretanto como entidade particular e singular na Federação 
brasileira. 
 
1.2.1.4- O Município. 
 
 
Assim como os demais entes da República Federativa do 
Brasil, o Município é uma pessoa jurídica de direito público interno, sujeito 
de direitos e obrigações no âmbito do direito brasileiro. É dotado de 
autonomia e de competências federativas que foram ampliadas 
significativamente a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. 
 
23 
 
 
Quanto à sua posição na federação, ou seja, quanto a ser 
considerado uma unidade da Federação, participante do pacto federal, existem 
fortes divergências na literatura jurídica brasileira. 
 
Com efeito, a Constituição, assim como fez com o Distrito 
Federal, além de estabelecer o Município na organização do Estado Federal 
Brasileiro (art. 18 da CF), no seu art. 1º, coloca o Município entre as entidades 
que formam a República Federativa do Brasil. Mas, para autores como José 
Afonso da Silva isto é um equívoco que deve ser interpretado à luz da teoria da 
federação. Segundo o autor 
 
A Constituição consagrou a tese daqueles que sustentavam que o Município 
brasileiro é "entidade de terceiro grau, integrante e necessária ao nosso 
sistema federativo". Data vênia, essa é uma tese equivocada, que parte de 
premissas que não podem levar à conclusão pretendida. Não é porque uma 
entidade territorial tenha autonomia político-constitucional que necessariamente 
integre o conceito de entidade federativa. Nem o Município é essencial ao 
conceito de federação brasileira. Não existe federação de Municípios. Existe 
federação de Estados. Estes é que são essenciais ao conceito de qualquer 
federação. Não se vá, depois, querer criar uma câmara de representantes dos 
Municípios. Em que muda a federação brasileira com o incluir os Municípios 
como um de seus componentes? Não muda nada. Passaram os Municípios a 
ser entidades federativas? Certamente que não, pois não temos uma federação 
de Municípios. Não é uma união de Municípios que forma a federação. Se 
houvesse uma federação de Municípios, estes assumiriam a natureza de 
Estados-membros, mas poderiam ser Estados-membros (de segunda classe?) 
dentro dos Estados federados? Onde estria a autonomia federativa de uns ou 
de outros, pois esta pressupõe território próprio, não compartilhado? Dizer que 
a República Federativa do Brasil é formada de união indissolúvel dos 
Municípios é algo sem sentido, porque, se assim fora, ter-se-ia que admitir que 
a Constituição está provendo contra uma hipotética secessão municipal. 
Acontece que a sanção correspondente a tal hipótese é a intervenção federal 
que não existe em relação aos Municípios. A intervenção neles é da 
competência dos Estados, o que mostra serem ainda vinculados a estes. Prova 
que continuam a ser divisões político-administrativas dos Estados, não da 
União. Se fossem divisões políticas do território da União, como ficariam os 
Estados, cujo território é integralmente repartido entre seus Municípios? 
Ficaram sem território próprio? Então, que entidades seriam os Estados? Não 
resta dúvida que ficamos com uma federação muito complexa, com entidades 
superpostas. (SILVA, 2006, p. 474-475). 
 
 
José Afonso da Silva ainda afirma que a Constituição não diz 
realmente se transformou os municípios em unidades federadas. Para justificar 
esta afirmação, alega que, "ao contrário, existem onze ocorrências das 
expressões unidade federada e unidade da federação (no singular ou no plural) 
24 
 
 
referindo-se apenas aos Estados e Distrito Federal, nunca envolvendo os 
Municípios. (conf. arts, 34, II, IV e V, 45, § 1º, 60, III, 85, II 132, 159, § 2º, 225, 
§ 1º, III; ADCT, arts. 13, § 4º, e 32, § 9º)". (SILVA, 2006, p. 640). 
São contundentes as alegações do autor, alicerçadas em uma 
compreensão da definição clássica de Federação, bem como por meio de uma 
interpretação sistemática da Constituição. Mas, de outro lado, podemos 
encontrar autores, como por exemplo, Celso Ribeiro Bastos que discordam 
deste posicionamento clássico que excluí os municípios de uma posição mais 
destacada na federação brasileira. Ao observar o fato de que o art. 18 da 
Constituição, ao dar a estrutura da federação brasileira, nela incluiu os 
municípios comenta que 
Embora isso desatenda àqueles estudiosos que preferiram a adoção de um 
modelo mais clássico de federação, onde se desconhece a ordem municipal 
no próprio nível da Constituição, não se pode negar que nesse particular 
andou bem o constituinte ao incluir o município como parte integrante da 
federação. O argumento principal é que, sendo a autonomia municipal um 
dos centros de polarização de competência constitucional a ser exercida de 
forma autônoma, não sevê por que não hão de os municípios, figurar 
naquele próprio artigo que fornece o perfil jurídico-político da República 
Federativa do Brasil. O fato de os municípios não se fazerem representar na 
União e, portanto, não comporem de certa forma o suposto pacto federativo, 
nos parece ser um argumento de ordem excessivamente formal. (BASTOS, 
1998, p. 294) 
 
Parece-nos que os argumentos favoráveis a que os municípios 
estejam colocados na posição de entes da estrutura república e na sua 
organização político-administrativa no art. 18 da Constituição têm grande 
relevância. O fato de tanto a União quanto o Estado-membro quanto o 
Município e também o DF serem dotados de autonomia (mesmo que deste 
último seja limitada) e exercerem competências federativas os coloca na 
posição de entes federativos. E, por isto, não existiria sentido que o Município 
não fizesse parte da redação dada ao art. 18 da Constituição. Entretanto, isto 
não significa dizer o mesmo quanto ao que dispõe o art. 1º da Constituição, o 
qual não inclui ali a União, pelo motivo de esta não participar do pacto federal, 
pois é somente resultado ou criação dele. Ou seja, a União não é um ente 
federado que participa da formação do Estado federal. É bom que se faça esta 
distinção relativa a ente federativo, o qual possui autonomia e competências 
federativas e ente federado que, além disso, participa da formação do Estado 
Federal durante a formação do pacto federal. Disto decorre que, se o Município 
25 
 
 
se encontra no art. 1º da Constituição que define a República Federativa do 
Brasil como sendo formada pela união indissolúvel de estados, municípios e 
também o DF, pela simples leitura se deduziria que o Município também 
participa do pacto federal e seria não somente um ente federativo, mas 
também um ente federado. Entretanto não há unanimidade na doutrina quanto 
a isto e nem mesmo existe um efetivo enfrentamento sobre a questão, que 
seria de extrema importância no caso, por exemplo, em que uma eventual 
proposta de emenda à Constituição tivesse a pretensão de extinguir municípios 
existentes por falta de capacidade para exercer suas competências federativas. 
 
Considerações finais 
 
A partir de um estudo que realiza a interpretação normativa e 
aliada à observação sobre qual o papel que o Município desempenha na 
Federação brasileira, foi possível verificar que as Federações, como as 
conhecemos atualmente, derivam de uma trajetória histórica que estabeleceu 
suas características. Também foi possível identificar que no Brasil a Federação 
apresenta complexidades que não são encontradas em outras federações, 
principalmente quanto ao estabelecimento dos limites da autonomia municipal. 
Assim, inclusive por não exitir unanimidade doutrinária quanto à posição do 
Município na federação brasileira, existe um campo teórico a ser aberto 
levando ao aprofundamento do estudo e reflexão sobre o Estado brasileiro. 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 19 ed. São Paulo: 
Saraiva, 1998. 
FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político 
brasileiro.11. ed. São Paulo: Globo, 1997. 
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: 
Companhia das Letras, 1998. 
MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. Os artigos federalistas. 
Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. 
26 
 
 
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Natureza Jurídica do Estado Federal. 
São Paulo: Obra publicada pelo Município de São Paulo, 1948. 
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 26. reimpressão. 
São Paulo: Brasiliense, 1996. 
RODRIGUES, José Carlos. Idéias Filosóficas e Políticas em Minas Gerais no 
Século XIX. Belo Horizonte: Itatiaia, 1986. 
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: 
Malheiros, 2006). 
SODRÉ, Nelson Werneck. Formação Histórica do Brasil. 13. ed. Rio de 
Janeiro: Bertrand, 1990. 
 
BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa. Volume 16, tomo 2, 1889. 
(página http://www.casaruibarbosa.gov.br/scripts/scripts/rui/mostrafrasesrui.idc
?CodFrase=1282 – acesso em 15/11/2015) 
BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa. Volume 47, tomo 3, 1920. 
(página http://www.casaruibarbosa.gov.br/scripts/scripts/rui/mostrafrasesrui.idc
?CodFrase=1230 – acesso em 15/11/2015) 
 
Proposta de Estudo 
1) É possível dizer que há alguma diferença, possível de ser notada, 
entre os Estados federais que se formam por agregação do que se 
forma por segregação? Justifique a resposta. 
2) Quais são as caracacterísticas que distinguem os Estados federais 
dos Estados unitários e que distinguem os Estados federais das 
Confederações? 
3) O Município deve ser considerado como participante e formador do 
pacto federal? 
 
 
 
 
 
27 
 
 
 
 
PARTE II - O DE REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS. 
 
Introdução 
 
Na parte I foi possível identificar que no Brasil a Federação 
apresenta complexidades que não são encontradas em outras federações, 
principalmente quanto ao estabelecimento dos limites da autonomia municipal. 
E como se verá nesta segunda parte, a complexidade se extente ao nível das 
competências. 
Como solução para desenvolvimento dos objetivos do Estado 
brasileiro, optou-se por um modelo de federalismo cooperativo que, no caso 
brasileiro, é tripartite por envolver a União, Estados/DF e Municípios na gestão 
e controle dos atos administrativos e recursos públicos. 
A complexidade derivada de um modelo federativo que 
congrega competências que são comuns, concorrentes, exclusivas e privativas 
entre três níveis federativos, onde a Constituição não delimita claramente a 
competência de cada ente federativo, particularmente do Município, vem 
acompanhada da necessidade de que se faça tal definição por meio de uma 
interpretação sistemática da Constituição. 
Uma das características fundamentais do pacto federal é 
exercício do poder através de distribuições de competências disciplinadas 
constitucionalmente. Fica então evidenciado que é na Constituição que se 
define a qual ente federativo pertence uma determinada competência. Esta 
compreensão é de extrema importância para que seja possível entender qual é 
o alcance do poder de cada ente federativo, seja ele a União, o Estado-
membro ou o Município. 
Tem sido comum as pessoas entenderem, quando existe 
conflito entre leis editadas pela União e por um Estado-membro, que a lei da 
28 
 
 
União deve prevalecer. Da mesma forma, quando o conflito é entre uma lei de 
um Estado-membro e um Município, que a do Estado-membro deva prevalecer. 
Ou ainda que, no conflito entre leis editadas pela União e por um Município, 
que a lei da União deve prevalecer. Uma compreensão deste tipo, que coloca a 
norma da União em posição hierarquicamente superior mostra-se totalmente 
equivocada. Não existe hierarquia entre os entes federativos, mas sim esferas 
de poder em que um ente não pode interferir na esfera de competência de 
outro. Uma confusão deste tipo pode ocorrer pelo motivo de que no Brasil – se 
comparado a outras Federações - a União sempre foi mais poderosa do que os 
demais entes federativos, quando se trata da divisão territorial do poder político 
estabelecida por meio da distribuição de competências federativas, sejam elas 
materiais ou legislativas, como também – acrescentamos agora - as relativas à 
capacidade de instituir e arrecadar tributos. Entretanto, deve ficar claro que se 
a Constituição atribui a um ente federativo, como por exemplo, o Município, a 
competência para legislar sobre determinada matéria, caso a União venha 
também legislar sobre o mesmo assunto de forma contraditória, deve 
prevalecer a lei do Município. Neste caso a lei da União deve ser considerada 
inconstitucional no seu aspectoformal, por ter invadido competência municipal. 
Deve ainda ficar esclarecido que, nas federações, é possível 
que a União não seja a entidade mais poderosa politicamente. Isto acontece 
em federações como, por exemplo, a do Canadá. Na federação estão 
estabelecidas forças centrípetas e centrifugas, em que a União representa a 
força que arrasta o poder para um centro de decisões, enquanto que o Estado-
membro, e mais especialmente o Município, agem em oposição inversa, 
buscando levar para extremidade o poder de decisão. 
 
29 
 
 
 
 
A decisão relativa à divisão territorial do poder político, que 
define qual ente federativo terá mais competências, é estabelecida na 
Constituição Federal, e é resultado direto da história política de um povo e de 
seu Estado. E as federações além de não se apresentarem iguais quanto a 
distribuição de competências relativamente ao seu quantitativo e conteúdo, 
também não utilizam, necessariamente, a mesma forma para distribuir as 
competências. 
União
Estados-membros 
Municípios 
Municípios 
Estados 
União 
 
Força 
centrípeta
Força 
centrífuga 
Não deve ser esta 
a forma de 
representar o poder 
normativo dos 
entes federativos 
Deve ser esta a 
forma de 
representar o 
poder normativo 
dos entes 
federativos 
30 
 
 
Ou seja, as federações existentes não apresentam sempre a 
mesma técnica de repartição de competências, podendo ser observado que 
existem sistemas que são mais complexos do que outros. A seguir é feita uma 
explanação relativa às técnicas de repartição de competência, a fim de que 
seja possível identificar e entender qual é a utilizada no Brasil e como o 
Município se encaixa no sistema brasileiro de repartição de competências 
federativas. 
 
II. 1 - Técnicas de repartição de competências federativas. 
 
As técnicas utilizadas globalmente, sozinhas ou combinadas 
são: a) residual para a União; b) residual para as unidades federadas; c) 
enumeração exaustiva; d) combinação de competências exclusivas e comuns. 
 
� Residual para a União. 
A Constituição elenca as competências das unidades federadas e 
estabelece que aquilo que não está elencado, ou seja, não está previsto 
expressamente para as unidades federadas, pertence à União. 
 
� Residual para as unidades federadas. 
A Constituição elenca as competências da União e estabelece que 
aquilo que não está elencado, ou seja, não está previsto expressamente 
para a União, pertence às unidades federadas. 
 
A opção pela técnica de repartição de competências em que se 
estabelece o residual para a União ou para as unidades federadas não significa 
necessariamente que em um ou outro caso esteja também se fazendo a opção 
31 
 
 
por conceder mais competências à União ou às unidades federadas. Por 
exemplo: com a utilização da técnica que elenca competências para as 
unidades federadas, deixando o residual para a União, poderão ser elencadas 
poucas ou muitas competências às unidades federadas. Assim, inversamente, 
na primeira situação as competências da União serão muitas e na segunda, 
serão poucas. 
 
� Enumeração exaustiva. 
Por meio desta técnica se estabelecem de forma exaustiva todas as 
competências possíveis de serem exercidas no exercício das atividades 
estatais, disciplinando de forma objetiva as competências da União e 
das unidades federadas. 
 
Esta técnica de repartição de competências, utilizada de forma 
exclusiva a qualquer outra se apresenta problemática caso não sejam previstas 
e elencadas todas as competências possíveis de serem exercidas pelo Estado 
Federal. Portanto, é indicado que se possa utilizar esta técnica combinada com 
o estabelecimento de competência residual para a União ou para as unidades 
federadas, para o caso de não se ter observado a existência de uma determina 
competência. 
 
� Combinação de competências exclusivas e comuns. 
De forma independente da opção por estabelecimento de competências 
de forma objetiva ou residual, a Constituição estabelece competências 
que devem ser exercidas conjuntamente entre a União e as unidades 
federadas. 
 
32 
 
 
O estabelecimento de competências que são comuns, além de 
competências que são exclusivas, encontra-se em consonância com a 
formação e trajetória de um federalismo que não é dual, onde cada ente 
federativo (União e unidade federada) exercia de forma isolada suas 
competências, mas sim cooperativo onde os entes exercem conjuntamente 
suas competências. O federalismo cooperativo surgiu, e ganhou cada vez mais 
força, em virtude da necessidade imposta pela crise do Estado liberal a partir 
do século XIX. A intervenção estatal em vários segmentos, principalmente na 
área social, levou à necessidade de cooperação entre os entes federados de 
forma a que o Estado cumprisse de forma mais eficiente suas atividades. 
 
 
II.2 - Técnica brasileira de repartição de competências. 
 
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 
estabelece um complexo sistema de repartição de competências federativas. 
Inicia por elencar de forma exaustiva as competências dos entes federativos, 
estabelecendo um rol de competências que são exclusivas a cada um ou lhes 
são comuns (art. 21, 22, 23, 24, 25 e 30 da CF). Ao mesmo tempo defere aos 
estados-membros a competência residual, reservando a estes as competências 
que não lhes sejam vedadas na Constituição (art. 25 § 1º da CF). 
José Afonso da Silva, conceituou competência como "(...) a 
faculdade juridicamente atribuída a uma entidade ou a um órgão ou agente do 
Poder Público para emitir decisões(...)" enquanto que competências " são as 
diversas modalidades de poder de que se servem os órgãos ou entidades 
estatais para realizar suas funções" (SILVA, 2006, p. 479). E sob vários 
critérios classifica as competências em dois grandes grupos definidos como 
competência material e competência legislativa, devendo ser entendida esta 
última como a competência para fazer leis sobre determinada matéria, 
enquanto que a competência material diz respeito a questões políticas e 
33 
 
 
administrativas, ou seja, ao agir administrativo do Estado, como por exemplo, 
"emitir moeda" (art. 21, VII). Entretanto, a competência material também 
pressupõe a existência de uma competência legislativa sobre a matéria. A 
princípio, o ente competente materialmente também será o ente competente 
para legislar sobre a matéria. Somente não o será se houver disposição 
constitucional atribuindo a competência legislativa a outro ente federativo. 
Assim, o ente federativo competente materialmente poderá ser o ente 
competente legislativamente para disciplinar uma determinada matéria. Ou 
ainda, pode ocorrer que um ente federativo seja competente materialmente, 
mas que a competência para legislar sobre a matéria seja de outro ente 
federativo. 
Ou seja, toda competência material atribuída um ente 
federativo sobre uma determinada matéria, pressupõe que haja também uma 
competência (deste ou de outro ente) para legislar sobre este assunto. 
Também significa dizer que a competência legislativa sobre determinada 
matéria pode, ou não, pertencer ao ente federativo competente materialmente. 
SILVA atribui a estes dois grandes grupos subclasses, na 
seguinte forma: "(1) competência material, que pode ser: (a) exclusiva (art. 21); 
e (b) comum, cumulativa ou paralela (art. 23); (2) competência legislativa, que 
pode ser: (a) exclusiva (art. 25, §§ 1º e 2º)5; (b) privativa (art. 22); (c) 
concorrente (art. 24); (d) suplementar (art. 24, § 2º)" (SILVA, 2006, p.480). 
Assim, entendemos que as competências dos entes federativos da República 
Federativa do Brasil devem ser, inicialmente, classificadas da seguinte forma: 
 
 
 
5Entretanto, vemos um equívoco o Autor ao considerar a competência prevista no parágrafo 2º 
do art. 25 como sendo legislativa exclusiva. Não concordamos e destacamos que deva ser 
classificada como material exclusiva. Isto pelo motivo de que aquela competência, antes de 
qualquer competência legislativa, envolve questão administrativa relativa à exploração do 
serviço de gás canalizado, observada a legislação da União, conforme iremos nos referir mais 
adiante. 
 
34 
 
 
� Competência material: 
 
 
� Competência legislativa: 
 
 
A partir desta preliminar classificação que demonstra existir 
certa complexidade no sistema brasileiro de distribuição de competências 
federativas, no próximo subitem, passaremos a expor de forma mais explicita 
como se identificam as competências de cada um dos entes federativos. Ao 
mesmo tempo, explicaremos ainda como se dá o funcionamento desta 
distribuição de competências que se torna ainda mais complexa no Brasil por 
dois aspectos: a) a República Federativa do Brasil, diferentemente dos demais 
Estados Federais tem definidas três esferas de competências (e não duas), 
incluindo nelas o Município; b) a Constituição apresenta lacunas quanto ao 
alcance da atribuição de competências, principalmente quanto às 
competências do Município. Esta situação exige uma intepretação jurídica que, 
em observância ao comando político-jurídico da Constituição brasileira, incluído 
nele o princípio federativo, utilize um método que trate igualmente os entes 
federativos. Neste sentido, a intepretação que fazemos utiliza o método 
sistemático que não realiza a interpretação da Constituição em "tiras", mas sim 
a entendendo como um único documento jurídico, aliado ao método analógico 
Competência 
Exclusiva 
Comum 
Competência 
Privativa 
Concorrente 
Suplementar 
35 
 
 
que retira do próprio texto constitucional as soluções para que sejam supridas 
as lacunas. 
 
II.3 - As competências dos entes da República Federativa do Brasil. 
 
II.3.1 – Competências da União. 
 
Na partilha de competências realizada na República Federativa 
do Brasil, percebe-se claramente que a União ficou com a maior parte de 
competências materiais e legislativas. A Constituição Federal inicia por dispor 
que a União tem competência material exclusiva conforme ampla enumeração 
de assuntos no art. 21, e de competência legislativa privativa consoante 
discriminação constante do art. 22, de competência comum com os Estados, 
Distrito Federal e Municípios arrolados no art. 23 e, por último, de competência 
legislativa concorrente com os Estados sobre temas especificados no art. 24. 
(SILVA, 2006, p. 496). 
Com relação a como se classificam as competências definidas 
nos artigos 216 e 227, pode parecer que se utilizou uma repetição com 
 
6
 Art. 21. Compete à União: I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de 
organizaçõeinternacionais;II - declarar a guerra e celebrar a paz;III - assegurar a defesa 
nacional;IV - permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras 
transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente;V - decretar o estado 
de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal;VI - autorizar e fiscalizar a produção e o 
comércio de material bélico;VII - emitir moeda;VIII - administrar as reservas cambiais do País e 
fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e 
capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada;IX - elaborar e executar 
planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e 
social;X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;XI - explorar, diretamente ou 
mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos 
da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros 
aspectos institucionais; XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou 
permissão:a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; b) os serviços e 
instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em 
articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;c) a navegação 
aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária;d) os serviços de transporte ferroviário e 
aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de 
Estado ou Território;e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de 
36 
 
 
nomenclatura diversa ao se dizer que a competência pode ser "exclusiva" ou 
"privativa". Realmente, na linguagem coloquial, ambas as palavras têm o 
mesmo significado. Mas na técnica aqui utilizada há que se fazer uma 
 
passageiros;f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;XIII - organizar e manter o Poder 
Judiciário, o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e a Defensoria Pública dos 
Territórios; XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros 
militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a 
execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio; XV - organizar e manter os serviços 
oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional;XVI - exercer a 
classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e 
televisão;XVII - conceder anistia;XVIII - planejar e promover a defesa permanente contra as 
calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações;XIX - instituir sistema nacional 
de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso; XX 
- instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e 
transportes urbanos;XXI - estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de 
viação;XXII - executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; XXIII - 
explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal 
sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o 
comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e 
condições:a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins 
pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional;b) sob regime de permissão, são 
autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, 
agrícolas e industriais; c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, 
comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas; d) a 
responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa; XXIV - organizar, 
manter e executar a inspeção do trabalho;XXV - estabelecer as áreas e as condições para o 
exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa. 
7
 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, 
processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;II - 
desapropriação;III - requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de 
guerra;IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;V - serviço postal;VI - 
sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais;VII - política de crédito, câmbio, 
seguros e transferência de valores;VIII - comércio exterior e interestadual;IX - diretrizes da 
política nacional de transportes;X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial,marítima, 
aérea e aeroespacial;XI - trânsito e transporte;XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e 
metalurgia;XIII - nacionalidade, cidadania e naturalização;XIV - populações indígenas;XV - 
emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiros;XVI - organização do 
sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões;XVII - organização 
judiciária, do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e da Defensoria Pública dos 
Territórios, bem como organização administrativa destes; XVIII - sistema estatístico, sistema 
cartográfico e de geologia nacionais;XIX - sistemas de poupança, captação e garantia da 
poupança popular;XX - sistemas de consórcios e sorteios;XXI - normas gerais de organização, 
efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de 
bombeiros militares;XXII - competência da polícia federal e das polícias rodoviária e ferroviária 
federais;XXIII - seguridade social;XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;XXV - 
registros públicos;XXVI - atividades nucleares de qualquer natureza;XXVII – normas gerais de 
licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, 
autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o 
disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos 
termos do art. 173, § 1°, III; XXVIII - defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, 
defesa civil e mobilização nacional;XXIX - propaganda comercial.Parágrafo único. Lei 
complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias 
relacionadas neste artigo. 
37 
 
 
importante distinção. A palavra exclusiva é utilizada no sentido de que exclui 
qualquer outro da competência atribuída, e a palavra privativa é utilizada no 
sentido de que é algo que lhe é próprio, mas não totalmente excludente de 
atribuição a outrem. Assim, conforme explica o autor que instituiu a 
classificação: 
"A diferença que se faz entre competência exclusiva e competência privativa 
é que aquela é indelegável e esta é delegável. Então, quando se quer 
atribuir competência própria a uma entidade ou a um órgão com 
possibilidade de delegação de tudo ou em parte, declara-se que compete 
privativamente a ele a matéria indicada. Assim, no art. 22 se deu 
competência privativa (não exclusiva) à União para legislar sobre: [...], 
porque o parágrafo único faculta à lei complementar autorizar os Estados a 
legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas nesse artigo. 
No art. 49, é indicada a competência exclusiva do Congresso Nacional. O 
art. 84 arrola a matéria de competência privativa do presidente da 
República, porque o seu parágrafo único permite delegar algumas 
atribuições ali arroladas. Mas a Constituição não é rigorosamente técnica 
neste assunto. Veja-se, por exemplo, que nos arts. 51 e 52 traz matérias de 
competência exclusiva, respectivamente, da Câmara dos Deputados e do 
Senado Federal, mas diz que se trata de competência privativa. Não é deste 
último tipo, porque são atribuições indelegáveis." (SILVA, 2006, p. 480) 
 
Portanto, a competência material exclusiva do art. 21 não é 
delegável, enquanto que a competência legislativa privativa, prevista no art. 22, 
pode ser delegável pela União aos Estados membros, por meio de lei 
complementar, conforme definido no parágrafo único deste artigo. 
Quanto às competências estabelecidas no art. 238, percebe-se 
que estão em consonância com a concepção de federalismo cooperativo, ao 
 
8
 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I 
- zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o 
patrimônio público;II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das 
pessoas portadoras de deficiência;III - proteger os documentos, as obras e outros bens de 
valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios 
arqueológicos;IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de 
outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;V - proporcionar os meios de acesso à 
cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação; VI - proteger o meio 
ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;VII - preservar as florestas, a 
fauna e a flora;VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento 
alimentar;IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições 
habitacionais e de saneamento básico;X - combater as causas da pobreza e os fatores de 
marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;XI - registrar, 
acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos 
hídricos e minerais em seus territórios;XII - estabelecer e implantar política de educação para a 
38 
 
 
estabelecer competências que são comuns à União, aos Estados, ao Distrito 
Federal e aos Municípios. 
 O art. 249, por sua vez, estabelece uma competência 
legislativa que é concorrente entre a União e os Estados-membros e entre a 
União e o Distrito Federal. Nesta competência legislativa, que é concorrente, 
não se trata de que a União estabeleça normas de cooperação, como na 
competência material comum, mas sim, como estabelece o § 1º, a competência 
da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais, enquanto que os Estados-
membros ou o Distrito Federal deverá fazer normas específicas para atender o 
seu interesse regional, desde que observada a norma geral legislada pela 
União. Assim, conforme é previsto no inciso IX do art. 24, a União deve fazer 
normas gerais sobre educação, de que temos, por exemplo, a Lei de Diretrizes 
e Bases da Educação Nacional10, enquanto que os Estados-membros devem 
fazer normas específicas que completam a estrutura do ensino no âmbito 
estadual. 
Entretanto, a definição do que, no âmbito das matérias 
enumeradas no art. 24, é reservado à norma geral e o que é reservado à 
 
segurança do trânsito.Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a 
cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o 
equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. 
9
 Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:I 
- direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;II - orçamento;III - juntas 
comerciais;IV - custas dos serviços forenses;V - produção e consumo;VI - florestas, caça, 
pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do 
meio ambiente e controle da poluição;VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, 
turístico e paisagístico;VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a 
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;IX - educação, 
cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação; X - 
criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;XI - procedimentos em 
matéria processual;XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;XIII - assistência 
jurídica e Defensoria pública;XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de 
deficiência;XV - proteção à infância e à juventude;XVI - organização, garantias, direitos e 
deveres das polícias civis.§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União 
limitar-se-á a estabelecer normas gerais.§ 2º A competência

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