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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE CIÊNCIAS MÉDICAS – FACULDADE DE MEDICINA INTERNATO DE GINECOLOGIA RICARDO A. P. LARANJEIRA. ABUSO SEXUAL NA INFÂNCIA NITERÓI 2000 1 ABUSO SEXUAL NA INFÂNCIA Monografia apresentada ao internato obrigatório de Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense sobre Abuso Sexual na Infância: Revisão bibliográfica dos principais tópicos sobre o tema. RICARDO ALEXANDRE PINTO LARANJEIRA Niterói 2000 2 DEDICATÓRIA: Aos meus pais e minha namorada pelo apoio. 3 AGRADECIMENTOS: Aos professores: Dra. Maria Cecília Olivaes e Dr. Mario José V. Marques. 4 SUMÁRIO: I – Resumo p.6 II – Abstract p.7 III – Introdução p.8 IV – Epidemiologia p.9 V – Conceitos p.12 VI – Etiologia p.14 VII – Avaliação Médica p.16 VII. 1 - Sinais e Sintomas p.17 VII. 2 – Coleta da História p.17 VII. 3 – Exame Físico: Considerações Gerais p.19 VII. 4 – Avaliação das Lesões p.20 VII. 5 – Diagnóstico: Evidências Laboratoriais e Forenses p.23 VIII – Tratamento p.27 VIII. 1 – Formas de Tratamento Psicoterápico p.28 VIII. 2 – Tratamento dos Traumatismos Genitais Graves p.29 5 VIII. 3 – Prevenção de Gravidez p.31 VIII. 4 – Profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis p.31 IX – Seqüelas Psicológicas p.34 X – Prevenção p.38 XI – Legislação Brasileira p.41 XII – Conclusão p.42 XIII – Referências Bibliográficas p.43 XIII. 1 – Obras Citadas p.43 XIII. 2 – Obras Consultadas p.44 XIV – Anexos p.47 6 I – RESUMO: O abuso sexual na criança requer uma abordagem multidisciplinar. A função do clínico de conseguir uma história e um exame físico exige que ele tenha familiaridade com as técnicas de entrevista, conhecimento sobre os marcos normais do desenvolvimento da criança, sobre a anatomia genital normal e sobre como usar os recursos da comunidade local. Múltiplos obstáculos podem impedir a avaliação médica com suspeita de abuso sexual no atendimento pediátrico primário. A necessidade de acerácea diagnóstica é alta. O conhecimento dos fatores de risco, um entendimento do processo de vitimização e a consciência da variedade de apresentações clínicas do abuso sexual podem ser de grande auxílio. Uma abordagem aberta da possível vítima é o componente mais crítico da avaliação. Uma entrevista médica habilidosa requer tempo, treinamento, paciência e prática. Se ao pediatra faltar algum destes componentes, a entrevista deve ser encaminhada para outros profissionais. O atendimento pediátrico primário deve se preocupar com o bem estar físico e emocional da criança. 7 II – ABSTRACT: Child sexual abuse requires a multidisciplinary approach. The clinician’s role in obtaining the history and physical examination demands that one be familiar with interview technique, appropriate developmental milestones, normal genital anatomy, and the use of local community resources. Multiple obstacles can hinder the medical evaluation of suspected child sexual abuse in pediatric primary care. The need for the diagnostic accuracy is high. Knowledge of sexual abuse risk factors, an understanding of the victimization process and awareness of the varied clinical presentations of sexual abuse can be of assistance. Open-ended questioning of the suspected victim is the most critical component of the evaluation. Skillful medical interviewing requires time, training, patience, and practice. Pediatricians lacking any of this four requirements should defer interviewing in sexual abuse cases to other professionals. The pediatrician’s primary concern must be for the child’s physical and emotional well-being. 8 III - INTRODUÇÃO: Abuso sexual na infância é a “situação em que uma criança ou adolescente é usado para gratificação sexual de um adulto ou adolescente mais velho, baseado em uma relação de poder. Inclui manipulação da genitália, mama ou ânus, exploração sexual”, voyeurismo “, pornografia e exibicionismo e o ato sexual com ou sem penetração, com ou sem violência”. (1) Uma característica importante do abuso sexual é a falta de consentimento do menor na relação com o adulto, faltando muitas vezes a capacidade emocional ou cognitiva à ele para permitir ou julgar o que está acontecendo. 9 IV – EPIDEMIOLOGIA: Os relatos sobre abuso ou maus tratos sexuais contra crianças aumentaram nos últimos anos em grandes proporções desde quando foram criadas as leis que obrigam ao relato de casos suspeitos e pela maior atenção do público para com esse assunto. Ainda assim, é extremamente complicado avaliar-se com precisão a prevalência e a incidência do abuso sexual infantil, já que os números variam de 150.000 a 500.000 casos por ano e até 50% deles podem não ser comprovados. Isso pode ser devido à baixa idade da criança, incapacidade de relatar uma história fidedigna, ausência de achados físicos, pouco valor dado pelo responsável aos sintomas inespecíficos. “Os resultados de um estudo indicaram que a probabilidade de casos de abuso sexual extra e intrafamiliar serem notificados era de apenas 8% e 2%, respectivamente”.(2) Quanto à idade o abuso pode ocorrer desde bebês até adolescentes. “Aproximadamente um terço das vítimas de abuso sexual tem menos de seis anos de idade, um terço tem entre seis e 12 anos de idade e um terço entre 12 e 18 anos de idade”. (2). “As crianças mais jovens são mais freqüentemente expostas a carícias genitais ou abuso sem contato (exibicionismo, ou são forçadas a observar uma masturbação) e crianças com mais 10 de 10 anos têm maior probabilidade de serem forçadas ao coito ou a fazer sexo oral. Quanto mais velhas são as crianças, mais provável que sejam submetidas a abuso sexual fora de casa e mais provável que sejam vitimadas por um estranho”. Quanto ao sexo, é certo que o feminino é mais freqüentemente vítima de abuso que o masculino, porém a proporção é incerta, já que a incidência de abuso sexual no sexo masculino varia de 3% a 9% da população, mas estima-se que este número seja ainda maior, pois pedófilos fixos mostram predileção por meninos e estes podem não denunciar por medo de que isto seja interpretado como ato homossexual. Além disso, a sociedade esteriotipou os homens como seres capazes de proteger a si mesmos de agressão o que pode fazer com que se sintam culpados se forem vitimizados. Quanto às formas mais comuns de abuso sexual em meninas temos: exibicionismos, masturbação, carícias, contato com a genitália, relação sexual vaginal, oral ou anal por um agressor do sexo masculino. Quanto aos meninos temos: carícias, fellatio, masturbação mútua e sexo anal. Quanto ao agressor, 97% são homens. E as mulheres são agressores mais freqüentes em ambientes de cuidados infantis, incluindo babás. Na grande maioria dos casos, a criança conhece o agressor, e estima-se que apenas 18%das crianças foram vitimadas por estranhos.(3). E o abuso sexual por padrastos é quase cinco vezes maior que entre pais naturais 11 “Estudos de mulheres adultas indicam que 12-38% haviam sido vítimas de abuso sexual até 18 anos de idade” 12 V – CONCEITOS: Além do conceito de abuso sexual descrito acima, há outros conceitos importantes dignos de nota e também relacionados ao assunto: Incesto: “É qualquer relação de caráter sexual entre um adulto e uma criança ou adolescente, entre um adolescente e uma criança, ou ainda entre adolescentes, quando existe um laço familiar, direto ou não, ou mesmo uma mera relação de responsabilidade”. Estupro: “Do ponto de vista legal, é a situação que ocorre penetração vaginal com uso de violência ou grave ameaça, sendo que em crianças e adolescentes de até 14 anos a violência é presumida”. Sedução: “É quando há penetração vaginal sem uso de violência, em adolescentes virgens de 14 a 18 anos incompletos”. 13 Atentado violento ao pudor: “É quando se constrange alguém a praticar atos libidinosos, sem penetração vaginal, utilizando violência ou grave ameaça, sendo que, em crianças e adolescentes de até 14 anos, a violência é presumida, como no estupro”. Assédio sexual: “É caracterizado por propostas de contato sexual, quando é utilizada, na maioria das vezes, a posição de poder do agente sobre a vítima, que é chantageada e ameaçada pelo agressor”. Prostituição infantil: “É uma forma trágica de abuso sexual na qual a criança ou adolescente, freqüentemente, manteve sua primeira atividade sexual com o próprio pai e é obrigada – por fatores culturais e econômicos – a se prostituir para sobreviver. No Brasil esta situação envolve milhares de crianças e adolescentes vítimas de uma situação socioeconômica extremamente injusta e desigual” (1). 14 VI – ETIOLOGIA: A etiologia e os fatores determinantes do abuso sexual contra a criança e o adolescente diferem dos outros tipos de maus tratos; envolvem questões culturais e de relacionamento como a dependência social e afetiva entre membros da família, o que dificulta a notificação e perpetua o silêncio. Envolvem questões de sexualidade e da complexa dinâmica familiar. As crianças consideradas vulneráveis a sofrer abuso sexual são aquelas que apresentam deficiências físicas e mentais, crianças não amadas e não desejadas crianças vítimas de abuso anteriormente, crianças que moram com apenas um dos pais ou quando a relação familiar é conturbada, presença de pais não biológicos dentro de casa, crianças com baixa auto-estima e mau rendimento escolar, filhos de viciados em drogas ou álcool, com mães cronicamente deprimidas. “O abuso sexual de filhas, por pais e padrastos é a forma mais comum de incesto notificado, embora o incesto irmão-irmã seja considerado o tipo mais comum”. Acredita-se que os adultos selecionam as vítimas consideradas vulneráveis ou disponíveis 15 ao contato físico inocente e sedução, ou seja, o abuso sexual comumente se inicia de forma gradual, podendo ser mantido através de subornos impedindo-as de contar e também são convencidos de serem culpados. “A confiança das crianças em adultos as tornam mais vulneráveis ao abuso”. (2). Em geral, na família onde ocorre incesto, o limite interpessoais não são respeitados, o pai é dominador e usa da força e coerção, mas ocasionalmente ocorre o contrário: há uma mãe dominadora e um pai passivo e dependente. Em ambos os casos a família se fecha em si mesma, evitando a aproximação de pessoas de fora, dificultando a identificação do problema. Também há conflitos nas posições em que cada membro da família deve exercer, podendo a própria mãe, conscientemente ou não, encorajar o relacionamento sexual entre marido e filha, o que às vezes é a única fonte de intimidade e afeto para esta criança. Esta dinâmica pode levar a pessoas promíscuas ou até a prostituição. “O aumento do risco de abuso sexual não está relacionado ao estado socioeconômico e racial”.(4) 16 VII - AVALIAÇÃO MÉDICA DE CRIANÇAS VÍTIMAS DE ABUSO SEXUAL: Só se consegue diagnosticar o abuso sexual, tendo-se esta possibilidade em mente, e não se adotando uma postura de negação ou minimização quanto a isto. Qualquer sinal, sintoma, comportamento ou outra manifestação pode sugerir abuso sexual e então, sempre que é levantada a questão sobre um possível abuso sexual de uma criança, seu pediatra tem de considerar não só os aspectos médicos como também as possíveis implicações legais e sociais desta alegação. Sendo assim, fica claro que os médicos têm um papel importante na avaliação de crianças e adolescentes que foram supostamente vítimas de abuso sexual, e que a experiência do profissional é fundamental para uma boa avaliação e diagnóstico. Neste seguimento, abordaremos a avaliação básica destas crianças, composta por: sinais e sintomas, coleta da história, exame físico, avaliação das lesões, exames laboratoriais, coleta de material forense e diagnostico. Em anexo (Tabela 3) segue o guidelines atualizado para avaliação do abuso sexual na criança. Serve como guia para o médico avaliar se deve ou não relatar o caso. 17 VII. 1 – SINAIS E SINTOMAS: Só se consegue diagnosticar o abuso sexual, tendo-se esta possibilidade em mente, e não se adotando uma postura de negação ou minimização desta problemática. Sendo assim, podemos dizer que qualquer sinal, sintoma, comportamento ou outra manifestação pode sugerir abuso sexual, sendo as manifestações mais comuns descritas no anexo 1 e 2. VII. 2 – COLETA DA HISTÓRIA: A entrevista com a criança é fundamental, já que, como o tipo de abuso, a idade da vítima e do agressor e o tempo decorrido desde o abuso variam, menos de 25% das vítimas apresentarão achados físicos ou laboratoriais. A entrevista da criança ou do adolescente tem duas funções principais, que são: obtenção de informações sobre a violência que sofreu e avaliação do grau de estresse da vítima e sua família frente a esta situação. O ideal é que a história seja colhida por entrevistador experiente na presença de representantes da lei e do serviço social e, sempre que possível, ela deve ser gravada em vídeo a fim de evitar entrevistas repetidas e, possível trauma adicional para a criança decorrente do processo. A abordagem para a vítima varia com o nível de maturidade da criança, mas é fundamental que sempre se estabeleça uma relação de confiança e abertura entre o entrevistador e a vítima de forma que a última nunca se sinta ameaçada e sim, sinta- se à vontade para responder as questões mais específicas que serão formuladas. A criança 18 se sentirá mais à vontade se o profissional deixar claro que ele já conversou com outras crianças sobre este assunto e que tem a função primordial de ajudar. Após se conquistar a confiança da criança, deve-se encoraja-la a descrever com detalhes tudo o que aconteceu, porém, isto deve ser feito no ritmo imposto por ela, para que isso lhe dê uma sensação de controle, além de ter efeito psicoterapêutico, Questões específicas devem ser descritas, tais como quando começou o abuso sexual, quem o realizava, que outras pessoas participavam, que tipo de atividade sexual ocorria, onde ocorreu a agressão, quando ela aconteceu, se repetiu outras vezes, quem foi informado sobre ela, qual a razão que levou a criança a participar, que tipo de coerção e força foi utilizado, o que levou a criançaa tornar o fato público. Mas é evidente que deve ser usada uma linguagem acessível à criança, principalmente no que diz respeito à anatomia e conotação sexual. Em alguns casos pode-se usar desenhos de partes humanas ou a utilização de bonecas anatomicamente corretas para facilitar a criança a descrever o abuso. Outro ponto importante em relação à história é a entrevista com a família, principalmente quanto à reação da mesma frente ao abuso sexual, o que a família pretende fazer e qual a postura emocional dela frente à criança, uma vez que ela é freqüentemente acusada de ter seduzido ou participado. A criança e os pais devem ser entrevistados separadamente, para minimizar a possibilidade de coerção, e porque em muitos casos o pai foi o agressor ou ajudou de algum modo a molestação. Para obter antecedentes de uma criança muito jovem, a observação é geralmente a única fonte de informações, devendo-se procurar sinais de comportamento reservado, sobressalto fácil, atraso no desenvolvimento, fixação excessiva em estranhos e deficiências de crescimento. 19 “A técnica correta de se obter informação de uma criança com suspeita de ter sido abusada sexualmente inclui entrevistar a criança sozinha e em ambiente favorável, abordar outros temas além da violência sofrida, estabelecer clima de afinidade e harmonia e evitar qualquer insinuação de julgamento, seja no tom de voz ou na expressão facial”.(4) É importante que o profissional deve, antes de tudo, avaliar a sua própria postura e disponibilidade emocional para discutir assuntos relacionados à sexualidade, abuso físico, sexual e agressões, antes de avaliar uma criança. Se o grau de desconforto for muito grande, é melhor encaminhar esta criança para alguém que se sinta mais à vontade. VII. 3 – EXAME FÍSICO: CONSIDERAÇÕES GERAIS Os objetivos do exame físico de crianças vítimas de abuso sexual são identificar anormalidades que merecem maiores esforços diagnósticos ou terapêuticos, obter subsídios necessários para avaliar o paciente quanto a infecções sexualmente transmissíveis e para reafirmar a história de abuso do paciente. O examinador de crianças e adolescentes, vítimas de abuso sexual deve estar à vontade e ter competência na avaliação da genitália externa, do períneo e, para adolescentes, das estruturas pélvicas. Deve-se realizar um exame físico geral, com atenção para os estágios de Tanner para o desenvolvimento sexual, ou sinais de maus tratos físicos que podem estar associados, antes de examinar os genitais. Os procedimentos devem ser adequadamente explicados para criança e os pais antes do exame. Em crianças do sexo masculino, o pênis deve ser 20 examinado em busca de lesões. Já as meninas pré-púberes, vítimas de abuso sexual devem ser colocadas na posição de pernas de rã para inspeção de sua genitália. A vulva e o períneo devem ser cuidadosamente inspecionados. Os grandes lábios devem ser suavemente retraídos, súpero-lateralmente, para permitir a inspeção do intróito. A posição joelho-tórax pode ser usada para inspeção da abóbada vaginal caso se suspeite de uma lesão intravaginal, uma secreção escassa ou um corpo estranho. Seja qual for a posição, o aumento da iluminação do intróito pode ser obtido por um otoscópio sem o seu espéculo ou por um colposcópio que podem auxiliar o examinador a fazer observações mais detalhadas. Uma criança pequena pode aceitar o exame dos genitais mais facilmente quando sentada no colo de um de seus pais. O uso de especulo para o exame de meninas pré-púberes gera grande incômodo e dor, sendo geralmente contra-indicado, exceto quando há sangramento vaginal de origem aparentemente interna ou quando há lesão vaginal penetrante. Quando se opta por realizar o exame com espéculo, isto deve ser feito sob anestesia geral. É fundamental que o médico se lembre que este provavelmente é o primeiro exame ginecológico da criança. VII. 4 – AVALIAÇÃO DAS LESÕES: Embora uma criança possa sofrer qualquer lesão concebível durante um abuso sexual, uma proporção substancial de crianças vítimas de abuso não tem absolutamente lesão nenhuma. Isto acontece porque o abuso sexual freqüentemente consiste de carícias, abraços ou contatos oro-genitais, que não costumam provocar lesões. 21 Outros fatores que freqüentemente reduzem a freqüência de lesões das vítimas, são as preferências dos agressores em evitar a detecção e de ter acesso contínuo à criança. Deve-se realizar um exame físico geral, sinais vitais, com atenção para os estágios de Tanner de desenvolvimento sexual, incluir uma descrição detalhada do estado geral da paciente, da pele à procura de quaisquer sinais de traumatismo associado, com especial atenção ao pescoço e à boca. O exame do abdome deve ser cauteloso, atentando para gravidez ou ruptura de víscera oca. Na boca deve-se pesquisar eritema, escoriações ou púrpura que podem ser causados por traumatismo recente. O exame dos órgãos genitais deve, sempre que possível, ser fotografado ou descrito minuciosamente. Deve ser delicado, para não constituir agressão a mais, que aumentará a violência. A genitália externa deve ser examinada a procura de edema, eritema, hematoma, abrasões, lacerações, sinais de traumatismo e corrimento, tendem a confirmar o contato sexual. Existe um tipo particular de ruptura vaginal que se dá na linha de reflexão do fórnice posterior da vagina com o colo, que se apresenta como lacerações em forma de arco, originado da penetração do ar durante o coito. Nesse tipo de lesão a mucosa se encontra aberta, podendo-se visualizar o peritônio pélvico, que em alguns casos pode romper e levar a saída de alças intestinais pela vagina. As lesões agudas do hímen ocorrem entre as posições de 4 e 8 horas. De acordo com a idade da menina, a penetração pode lesar os lábios menores e o frênulo posterior dos lábios. Já na penetração mais profunda ocorrem lacerações do anel himenal posterior. Na posição de pernas de rã, mede-se o orifício himenal da criança, nas direções horizontal e vertical enquanto se separa ou aplica tração lateral aos lábios. O diâmetro do hímen varia com a idade da criança e a técnica do exame. Uma abertura do hímen maio que dois desvios- padrão acima do normal deve ser considerada suspeita de aumento anormal, ou seja, se for 22 maior que 1 cm é considerada sugestiva de abuso sexual por alguns especialistas. Achados como: hímen com lacerações novas ou cicatrizadas e transecções, remanescentes e atenuações; lacerações do frênulo posterior; granulações, lacerações ou cicatrizes da parede vaginal; e lacerações perineais também são considerados “achados sugestivos” de abuso sexual, assim como molusco contagioso marcas de mordidas nos órgãos genitais ou na face medial da coxa ou fibrose ou lacerações dos lábios menores. Em ambos, meninos e meninas, o ânus deve ser inspecionado para se verificar edemas, fissuras, lacerações e sangramentos que possam sugerir um possível relacionamento anal. Também devem ser pesquisados sinais de traumatismo e frouxidão no reto. Certas condições favorecem os traumatismos decorrentes do ato sexual na infância: -Trofismo vaginal -Posições em que a criança é subjugada. -Violência na prática sexual propriamente dita. -Cicatrizes ou malformações vaginais da vítima. -Uso de instrumentos ou manobras digitais durante a cópula. -Desproporção importante entre os órgãos genitais. 23 VII. 5 – DIAGNÓSTICO: EVIDÊNCIAS LABORATORIAIS E FORENSES A investigação laboratorial depende da história e do tempo decorrido desde a lesão. Vítimas de abuso sexual vistas dentro de 72 horas após o evento, devem ser submetidasa testes para pesquisa de espermatozóides e fosfatase ácida. Evidências de líquido seminal raramente são obtidas de exames de crianças vítimas de abuso sexual, o que pode ocorrer devido a uma disfunção ejaculatória do agressor ou higiene realizada pela paciente após o ocorrido. As evidências têm que ser adequadamente coletadas por razões legais podendo-se seguir a ordem: 1- Examinar a paciente com uma lâmpada de Wood para ajudar na identificação do sêmen, que irá aparecer fluorescente. A lâmpada deve percorrer todo o corpo, e em caso de áreas de fluorescência deve se colher swab com a ponta de um cotonete umedecida em água estéril. Swabs da vagina, boca e reto, devem ser sempre colhidos para pesquisa de sêmen ou esperma. É importante saber que o tempo de sobrevida do esperma é menor em meninas pré-púberes, devido à carência de muco cervical. Então quanto maior for a demora na realização do exame, menor a probabilidade de ser detectado esperma. 2 - O esfregaço de papanicolau também pode ser útil para documentar a presença de esperma. 3 - Uma amostra de secreções vaginais deve ser obtida para exame de verificação da presença de espermas móveis, sêmen ou patógenos. Espermas móveis na 24 vagina indicam uma ejaculação há menos de 6 horas; espermatozóides imóveis existem por 72 horas ou mais. A ligação de um anticorpo monoclonal (MHS-5), a um peptídeo que reveste o esperma e é secretado pelas vesículas seminais humanas não depende da presença de esperma, e tem sido usada com sucesso para a identificação de líquido seminal em espécimes forenses de até seis meses. 4 - As secreções vaginais também devem ser coletadas para serem testadas para a presença de fosfatase ácida, uma enzima encontrada em altas concentrações no fluido seminal presente por 24 horas, e para a identificação do DNA. Uma glicoproteína de origem prostática, p30, foi detectada em esfregaços de líquido vaginal até 47 horas após relações sexuais voluntárias. 5 - Os pêlos pubianos da sobrevivente (se tiver), devem ser penteados sobre um pedaço de papel, numa tentativa de obter pêlos pubianos do agressor. 6 - Pedaços de unhas das mãos e amostras da roupa da sobrevivente, devem ser coletados e avaliados, para evidências do tipo de sangue do atacante, cabelo ou pele. Podendo-se usar também o teste de DNA neste tipo de evidência. 7 - Coletar a saliva da vítima, com a finalidade de documentar se ela é secretora do sistema de grupos sanguíneos ABO. Se ela não for secretora e os antígenos são detectados nos lavados vaginais, eles serão provavelmente do sêmen do agressor. 25 8 - Realizar culturas para gonorréia e chlamydia em material colhido da boca, ânus e genitália. Sendo que menos de 5% das vítimas têm culturas positivas para estes dois agentes. As vítimas sintomáticas, ou aquelas com culturas positivas para outras doenças venéreas, também devem ser submetidas a teste para sífilis. Também devem ser realizados testes para HIV e hepatite B. 9 - Podem ser indicados testes para pesquisa de sangue retal. Todo material forense deve ser entregue aos agentes da lei imediatamente após ter sido colhido em envelopes lacrado, assinado e datado para garantir uma cadeia de evidências oficial. “É importante saber que embora a presença de sêmen comprove a história da vítima, a ausência de sêmen não contradiz a história de intercurso vaginal. Achados laboratoriais de gravidez, espermatozóides, sêmen e achados de sífilis, gonorréia, Chlamydia, herpes tipo II e vírus da imunodeficiência humana (HIV) não relacionados à gravidez ou parto podem ser considerados diagnósticos de abuso sexual e notificados. Embora as doenças a seguir também devam ser descritas como suspeita de abuso, o condiloma acuminado e a Trichomonas vaginalis são considerados” provavelmente diagnósticos”. O herpes tipo I pode ser auto-inoculado na área genitorretal, sendo considerado “possivelmente diagnóstico”. O significado de vaginose bacteriana e infecção genital por Mycoplasma é incerto. Novas técnicas como tipagem do DNA do sangue, sêmen, espermatozóides ou tecido podem identificar positivamente o culpado”. 26 O mais comum é que o diagnóstico de abuso sexual dependa da história contada pela vítima. Sabe-se que acusações falsas são raras, exceto em casos de pacientes com perturbação emocional ou em disputas de custódias. Para melhorar o diagnóstico e evitar a repetição do abuso, os médicos devem examinar os órgãos genitais e o ânus rotineiramente, conhecer bem a anatomia anal e genital normal e as conseqüências de traumatismo, escutar e acreditar nas crianças e estar dispostos a notificar e testemunhar. 27 VIII – TRATAMENTO: É importante saber que todas as vítimas de abuso sexual necessitam de apoio psicológico, e as conseqüências e o tratamento apropriado do abuso sexual variam, segundo o tipo de abuso, a idade e outros fatores físicos e emocionais na vítima, a freqüência do abuso e a identidade do agressor. As vítimas de um episódio único e não violento de molestação podem precisar apenas de apoio e de uma oportunidade de expressar seus sentimentos sobre o acontecido em um ou duas sessões de terapia. Em contrapartida, um episódio único de abuso sexual familiar pode causar sofrimento emocional de forte intensidade e muito prolongado, exigindo tratamento individual e em grupo por um psiquiatra infantil, psicólogo infantil, assistente social clínico, terapeuta artístico ou advogado de vítimas de estupro. Podendo ser recomendado pelo terapeuta que a vítima de incesto volte para casa, se o agressor estiver fora de casa ou em tratamento. A criança vítima deve ser colocada em lar temporário se desejar, se a mãe não acreditar na história da criança ou for propensa a incentivar a criança a desmentir, se a vida familiar for caótica ou se a coleta de evidências ainda não estiver completa. 28 Todas as vítimas devem voltar devem voltar a seus médicos de assistência primária dentro de duas semanas para avaliar seu estado psicológico e para garantir a instituição dos serviços recomendados. Deve ser feito um estudo individualizado de cada caso, tratando os problemas envolvidos, avaliando a estrutura familiar, social e os recursos emocionais da família para lidar com o problema. A partir daí, será escolhido um plano de seguimento adequado para o caso, ou seja, atendimento familiar e atendimento individual da criança e do responsável pelo abuso. Esta intervenção deve ter a duração de um ano, mas algumas pessoas necessitam de um tempo bem maior para que possam lidar construtivamente com o trauma emocional e físico advindo da agressão, assim como ajudar a família a aceitar o evento. Uma intervenção que se estenda além de um ano de duração está indicada para crianças vítimas de agressões físicas severas e traumas emocionais importantes, e que não disponham de um esquema de suporte emocional adequado. VIII. 1 – FORMAS DE TRATAMENTO PSICOTERÁPICO: Psicoterapia individual – É recomendado para a criança na fase inicial do processo terapêutico, pois permite que ela, no seu próprio ritmo, equacione e metabolize as sensações que vivenciou, sem a pressão de outras pessoas à sua volta. Para adolescentes, esta fase serve de preparação para a entrada do mesmo num grupo. 29 Psicoterapia de grupo – Em relação à terapia individual tem a vantagem de a pessoa se beneficiar do apoio que o grupo oferece, não só em termos afetivos, mas também em linguagem e identificação. Mas é importante observar o grau de recuperação da vítima para que ela não seja expostaao grupo prematuramente, o que poderá ter desvantagens importantes. VIII. 2 – TRATAMENTO DOS TRAUMATISMOS GENITAIS GRAVES: 1- Lacerações vulvo-perineais sem hematomas: Nos ferimentos superficiais sem sangramento, deve-se proceder à assepsia da lesão com solução tópica de Iodo-povidine e aplicação local de creme à base de neomicina; havendo sangramento, promove-se a hemostasia e sutura com material reabsorvível, sob anestesia geral ou epidural sacra. Como freqüentemente o ferimento é contaminado, deve-se administrar terapêutica antitetânica e antibioticoterapia profilática à base de cefalosporinas – cefalexina ou cefoxitina na dose de 50 a 75mg/kg peso/dia, dividida em 4 tomadas, durante 5 dias no mínimo. 2 – Lacerações vulvo-perineais associada a hematoma: O tecido frouxo dos grandes lábios, intensamente vascularizado, permite a formação de hematomas que podem ocluir à vagina, causar dificuldade de deambulação e 30 distúrbios urinários quando localizados abaixo do plano dos músculos elevadores, indicando-se a drenagem do hematoma. Complementa-se com bolsa de gelo. Nos hematomas instáveis, acima dos músculos elevadores, que podem atingir até o ligamento largo e retroperitôneo, impõe-se cirurgia com ligadura de vasos. 3 – Lacerações vaginais: Para tratar lacerações de paredes vaginais que podem provocar lesões das artérias e veias vaginais, impõem suturas em pontos separados. Certas vezes, lesões profundas não causam dor ou sangramento, sendo importante verificação da integridade dos fórnices vaginais, bexiga e reto. 4 – Lesão acometendo bexiga e reto: Deve-se tentar a sutura primária do reto, quando a lesão ocorrer na porção extra peritoneal, após limpeza prévia e assepsia cuidadosa com solução tópica de iodopovidine. A lesão do reto extra-peritoneal pode ser tratada com sutura em dois planos. Deve-se sempre proceder à cobertura antibiótica com metronidazol e cefalosporinas. Nas lesões do reto, em sua porção peritoneal, é prudente o desvio do trânsito intestinal através de colostomias, pelo risco potencial de peritonite. A bexiga poderá ser suturada em dois planos, com sondagem vesical de demora. 31 VIII. 3 – PREVENÇÃO DE GRAVIDEZ: É fundamental a prevenção de gravidez nas vítimas de estupro. O risco de gravidez por um único ato sexual depende do dia do ciclo menstrual em que ele ocorre, ou seja, se ocorrer mais de seis dias antes ou mais de quatro dias após a ovulação, o risco é desprezível (< 0,05). O risco é mais alto (14% a 17%) de três dias antes até o dia da ovulação. Mas como poucas mulheres sabem apontar com exatidão seus dias de ovulação, o uso da contracepção de emergência pós-coito deve ser discutido com toda vítima, de idade pós-menarca, consultada até 72hs após o estupro. Se a paciente deseja a contracepção pós- coital, inicialmente devemos realizar um teste de sensibilidade a gonadotrofina coriônica humana para excluir gravidez preexistente. Então pode ser realizada com a administração imediata de dois comprimidos de um contraceptivo oral combinado (cada um com 50mcg de etinilestradiol e 0,5mg de norgestrel) seguida de mais dois comprimidos 12hs depois. VIII. 4 – PROFILAXIA DE DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS: O tratamento antibiótico profilático não é recomendado para as crianças vistas após a revelação de um abuso sexual. Para adolescentes, apesar do Centro de Controle de Doenças só recomendarem a profilaxia em caso de indicação médica ou solicitação da paciente, a prescrição de antibióticos para profilaxia de uma doença inflamatória pélvica, parece uma medida razoável. Sendo assim, a profilaxia de rotina não é uma norma, já que não há qualquer agente antimicrobiano individualmente eficaz contra 32 todas as infecções e muitas vezes o abuso só é revelado após dias ou semanas, tornando assim a profilaxia uma medida irrelevante, exceto nos casos em que se sabe que o agressor está infectado, se a vítima tiver sinais de infecção ou se a probabilidade de acompanhamento for baixa. Já, se uma criança ou adolescente for vítima de abuso sexual único e recente, é natural que tanto a paciente quanto sua família solicitem sua profilaxia, devendo esta ser oferecida. Uma situação em que o risco de DST encontra-se aumentada, é o ataque sexual por múltiplos agressores. Caso opte-se pela realização da profilaxia, esta deve ser feita em um regime apropriado para cobertura da gonorréia, infecção por Chlamydia, e da sífilis em seu período de incubação. A gonorréia pode ser prevenida com o uso de Ceftriaxone 250 mg intramuscular em dose única em pacientes com 45 Kg ou mais, e com metade da dose citada nos pacientes com menos de 45 Kg. A Chlamydia pode ser tratada com doxiciclina 100mg via oral de 12/12 horas por sete dias, porém devemos lembrar que este antibiótico não está indicado em crianças menores de oito anos, devido ao risco de alteração no esmalte dentário, ficando neste caso recomendado a administração de eritromicina na dose de 500mg via oral de 6/6 hs por 7 dias nos maiores de 45 Kg, e na dose de 40mg/Kg/dia em 4 doses, também por sete dias. A sífilis pode ser prevenida em crianças com menos de 45 Kg com penicilina G procaína na dose de 75.000 a 100.000 U/Kg em dose única intramuscular, 30 minutos após a administração de probenecide 25mg/Kg via oral. Já em 33 crianças com mais de 45Kg, a dose usada de penicilina G procaína deve ser de 4.800.000 U intramuscular em cada nádega após a ingestão de Probenecide na dose já citada. Como a profilaxia pode falhar e não é eficaz para todas as DSTs, todas as pacientes tratadas devem ser vistas uma semana após o tratamento para avaliação de seguimento por culturas e sorologias. O acompanhamento sorológico para HBV, HIV, HPV e HSV 2 deverá ser realizado a cada 3meses no primeiro ano e a cada 6 meses, por até 3 anos. 34 IX – SEQUELAS PSICOLÓGICAS: O abuso sexual na infância tem um profundo efeito na vida da vítima, que pode durar por longo tempo, até mesmo por toda vida. Observam-se sintomas bastante definidos em crianças que foram abusadas sexualmente, e estão relacionadas principalmente ao medo e a ansiedade: insônia, terror noturno, queixas psicossomáticas diversas, anorexia, regressões no funcionamento emocional, tais como chupar dedo, roer unha, enurese. Também se observa o medo de se defrontar com pessoa do sexo oposto, fobia escolar, medo de agressões físicas. Em algumas situações a criança desenvolve uma síndrome de estresse pós-traumático, que se caracteriza por ataques de pânico, depressão, incapacidade de funcionamento global, e o medo mórbido de novos ataques. O impacto agudo do abuso sexual é freqüentemente complicado e agravado pela problemática que a crise familiar acaba gerando pelo descobrimento deste evento, o que é muitas vezes agravado pela remoção da criança da casa dos pais. O grau do trauma vai depender também da idade e do desenvolvimento prévio da vítima, da intensidade do abuso, da freqüência de duração e extensão do que lhe aconteceu. Por exemplo, uma penetração vaginal ou anal é mais traumática do que o toque físico. O grau de apoio que esta família será capaz de desenvolver, também é fundamental na perpetuação da seqüela ou no seu alívio. 35 As seqüelas em longo prazo do abuso sexual podem ser de várias formas psicopatológicas e distúrbios específicos no comportamento sexual e identificação do papel sexual da vítima. Dois tipos contrastantes de adaptação em crianças abusadas sexualmente foram observados: um noqual a criança tenta através de atos repetitivos, imitando o trauma, ganhar maestria sobre o que lhe aconteceu. No outro, ela evita todo e qualquer estímulo ou referência a questões sexuais. A seguir estão algumas das seqüelas em longo prazo deixadas pelo abuso sexual: -Falta de confiança: Em geral decorre do rompimento pelo pai de seu papel paternal e pela constatação de que a mãe negou proteção durante esta atividade incestuosa. -Auto-imagem deficiente: Decorre da culpa e da vergonha que a criança tem daquilo que lhe aconteceu. A vítima freqüentemente é alvo de críticas ou outros comportamentos hostis. Há situações onde ela é acusada de sedução, e isto exacerba ainda mais quando ela vivenciou algum tipo de prazer na relação. - Síndrome das coisas boas destruídas: O contato sexual causa dano à auto- imagem e ao amor próprio. - Depressão: È freqüentemente observada nas vítimas de abuso sexual, o que pode resultar em um comportamento autodestrutivo ou suicida. As vítimas adolescentes são as mais vulneráveis a isto. 36 - Sintomas histéricos e alterações na personalidade: Podem refletir tentativas da criança de se defender das impressões traumáticas que a situação incestuosa ou agressiva lhe gerou, associados à defesa primitiva como negação, separação interna do evento e isolamento de afeto. Em casos mais extremos de reações de dissociação podem inclusive levar a distúrbios do tipo personalidade múltipla. Convulsões histéricas ocasionalmente são observadas. É importante lembrar que a histeria é doença, devendo ser tratada como tal. - Isolamento social e dificuldade de relacionamento interpessoal: As famílias incestuosas em geral interferem no estabelecimento de novas relações interpessoais pela vítima e de amizades apropriadas para sua idade. Esta criança freqüentemente não desenvolve a capacidade de se relacionar adequadamente com pessoas da sua idade, ficando incapacitada de desenvolver habilidades normais para sua faixa etária. Em conseqüência disto tudo, ocorre um isolamento, o que perpetua um ciclo de alienação. - Queda do rendimento acadêmico e comprometimento das capacidades cognitivas: Em geral decorre da preocupação da criança com a situação incestuosa ou as tensões familiares. O isolamento social se estende ao seu aproveitamento na escola, havendo dificuldade na relação com colegas e professores e fazendo com que ela se sinta mais culpada e com mais raiva. - Abuso de drogas: Adolescentes vítimas de abuso sexual freqüentemente lançam mão deste artifício como uma maneira de minimizar seus sentimentos em relação à 37 experiência vivida, camuflar emoções dolorosas ou outros afetos envolvidos. Com isso, sempre que lidamos com viciados em drogas, devemos buscar a razão deste gesto. - Distúrbio de estresse pós-traumático: Em geral decorre da exacerbação de culpa e medo pela situação incestuosa. Pode se manifestar em épocas posteriores, sendo, portanto um quadro crônico. Muitas vezes, resulta em disfunções sexuais devido à associação inconsciente de uma relação normal com a situação de incesto. - Aumento da excitação e interesse sexual: Isto pode ocorrer em alguns casos, levando a um comportamento hipersexual. Parece ser mais comum na idade pré- escolar, onde a criança pode manter um nível elevado de excitação. A criança freqüentemente não consegue diferenciar sensações afetuosas de excitação sexual, e isto pode torna-la alvo de novos abusos sexuais. Rapazes abusados sexualmente freqüentemente se tornam agressores sexuais. - Inibição e esquiva sexual: Ocorre em algumas crianças abusadas sexualmente quando elas se tornam adolescentes ou adultas, por não conseguirem dissociar as situações atuais normais do evento traumático sofrido. Na idade adulta há dificuldade de se estabelecer um relacionamento sexual normal, com ou sem disfunção. Algumas meninas abusadas sexualmente evitam roupas e atividades tipicamente femininas como uma defesa contra eventuais imagens sexuais relacionadas a incesto. Em alguns casos desenvolvem um padrão de comportamento “masculino”, o que pode torna-las, às vezes, alvo de ataque homossexuais. 38 X – PREVENÇÃO: Primária – A prevenção primária de abuso sexual deve começar ensinando às crianças os nomes apropriados de todas as partes do corpo, incluindo nomes, função e significado das partes privadas. Deve ser ensinada de que tem o direito de controlar o seu corpo, e que ninguém tem o direito de toca-lo, se não deseja. O treinamento deve começar em casa e no consultório do pediatra por volta dos três anos de idade e continuar na escola, já que educação sexual deve ser rotina em todas as instituições. Os responsáveis, incluindo babás e seus parceiros, devem ser cuidadosamente selecionados pelos pais. Ainda dentro da prevenção primária, é importante a necessidade de se tratar terapeuticamente o agressor, para evitar que volte a atacar outras crianças e a conscientização da sociedade da realidade e gravidade dessas questões, já que não só estranhos atacam crianças e adolescentes sexualmente. Secundária – Existe a necessidade de se desenvolver programas de tratamento específicos de crianças e adolescentes. Outro ponto é a identificação de famílias 39 incestuosas, já que hoje em dia é fácil a identificação de famílias onde a possibilidade de agressão física ou sexual possa vir a ocorrer, economizando sofrimento. Terciária – Centros de prevenção para estupro. São úteis para o período de crise ou pós-crise, pois muitas pessoas violentadas não se atrevem a buscar ajuda de imediato. Programas de Tratamento – Muitos adultos, quando crianças, foram abusados sexualmente, apresentando conseqüentemente problemas sexuais importantes, beneficiando-se de ajuda. Prevenção em geral – À identificação de pais que possam abusar e negligenciar seus filhos durante o período pré-natal, pós-parto, entre outros, tem a vantagem de permitir abordagens preventivas já no contexto hospitalar. Os grupos de alto risco incluem adolescentes, mães solteiras sem suporte, pais de crianças prematuras ou anormais e pais com distúrbios psiquiátricos. Uma associação de algum destes fatores com história prévia de maus tratos pessoais, aumentam bastante, o risco de se desenvolver uma relação anormal entre pais e filhos. Os seguintes sinais de alto risco devem ser observados durante o período perinatal: negação da gravidez, preocupação de perder o concepto, depressão, excesso de expectativa em relação ao bebê, depreciação do aspecto ou do sexo do bebê, assim como desinteresse em relação a ele, intolerância ao choro ou alimentação. 40 Famílias nas quais se identifica a possibilidade de abuso, um acompanhamento cuidadoso deve ser feito, seja através de visitas de enfermagem a residência ou no próprio âmbito hospitalar. É necessário que se recomende a estas famílias serviços assistenciais, como o atendimento psicoterapêutico. A participação da mãe ou pai em grupos de pais que têm filhos com problemas ajuda muito. O prognóstico é muito favorável quando atitudes terapêuticas são desenvolvidas, implementadas e seguidas. 41 XI – LEGISLAÇÃO BRASILEIRA: Existem na legislação brasileira leis que lidam especificamente com a questão do abuso sexual. Uma atividade sexual com menor é considerada estupro mesmo com o consentimento do próprio. A lei obriga qualquer pessoa a fazer denúncia quanto à possibilidade de um abuso sexual, e na eventualidade disto, não ser levado ao conhecimento dos órgãos competentes, a pessoaportadora deste conhecimento poderá ser acusada de co-autora desta violência sexual. 42 XII – CONCLUSÃO: A avaliação da criança abusada sexualmente é cada vez mais, uma parte fundamental da prática pediátrica geral. Os pediatras fazem parte da equipe multidisciplinar apropriada para prevenir, investigar e tratar o problema, e devem ser competente na habilidade de colher a história, realizar o exame físico, fazer a seleção dos testes laboratoriais, e dar o diagnóstico. Os médicos desempenham quatro funções a respeito do abuso sexual na criança: reconhecimento, relatório, tratamento e prevenção. 43 XIII – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: XIII. 1 – OBRAS CITADAS: 1 – ABRAPIA. Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência. Maus-tratos Contra Crianças e Adolescentes – Proteção e Prevenção. 2.ed. Rio de Janeiro: Autores e Agente e Associados, 1997. 40p. 2 - BEHRMAN , Richard E , KLIEGMAN , Robert M , ARVIN , Ann M . Nelson Tratado de Pediatria. 15. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997. 2 v. 3 - COPELAND, Carvey J. Tratado de Ginecologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993. 1151p. 4 – HYMEL, Kent P., JEENY, Carole. Child Sexual Abuse. Pediatrics in Review, Estados Unidos, v.17, n.7, p.236-249, Julho. 1996. 5 – KAIRYS, Steven W. Guidelines for the Evaluation of Sexual Abuse of Children: Subject Review, Estados Unidos, v. 103, n.1, p. 186–192, Janeiro. 1999. 44 XIII. 2 – OBRAS CONSULTADAS: 1 – ABRAPIA. Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência. Maus-tratos Contra Crianças e Adolescentes – Proteção e Prevenção. 2.ed. Rio de Janeiro: Autores e Agente e Associados, 1997. 40p. 2 –ALLEN, Angel L, SIEGFRIED, Elaine C. Clinical and Laboratory Studies: The Natural History of Condyloma in Children. Journal of the American Academy of Dermatology, Estados Unidos, v.39, n.6, p.951-956, Dezembro. 1998. 3 – ATABAKI, Shireen, PARADISE, Jan E. The Medical Evaluation of the Sexually Abused Child: Lessons from a Decade of Research, Estados Unidos, v.104, n.1, p.178-186, Julho. 1999. 4 - BEHRMAN , Richard E , KLIEGMAN , Robert M , ARVIN , Ann M . Nelson Tratado de Pediatria. 15. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997. 2 v. 5 - BEREK , Jonathan S . Novak Tratado de Ginecologia. 12. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998. 665 p. 6 - COPELAND, Carvey J. Tratado de Ginecologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993. 1151p. 7 – FORJUOH, Samuel N. Violence Against Children and Adolescents: International Perspectives. Pediatric Clinics of North America, Estados Unidos, v.45, n.2, p.415-426, Abril. 1998. 45 8 – FREITAG, Raelene, LAZORITZ, Stephan. Psychosocial Aspects of Child Abuse for Primary Care Pediatricians. Pediatric Clinics of North America, Estados Unidos, v.45, n.2, p.391-401, Abril. 1998. 9 – GAUPERER, E. Christian. Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes. Revista Brasileira de Pediatria, Rio de Janeiro, v.4, n.3, p.38-58, Junho. 1991. 10 – GORDON, Stacy, JAUDES, Paula. Sexual Abuse Evaluations in the Emergency Department: Is the History Reliable ?, Child Abuse and Neglect, Estados Unidos, v.20, n.4, p.315-322, 1996. 11 - HALBE, Hans Wolfgang. Tratado de Ginecologia. 2. ed. São Paulo: Roca, 2000. 3v. 12 – HAMMER SCHLAG, Margaret R. Inappropriate use of Nonculture Tests for the Detection of Chlamidya Trachomatis in Suspected Victims of Child Sexual Abuse: A Continuing Problem. Pediatrics, Estados Unidos, v.104, n.5, p.1137-1141, Novembro. 1999. 13 - HYMEL, Kent P., JEENY, Carole. Child Sexual Abuse. Pediatrics in Review, Estados Unidos, v.17, n.7, p.236-249, Julho. 1996. 14 – JAIN, Anita Malik. Emergency Department Evaluation of Child Abuse. Emergency Medicine Clinics of North America, Estados Unidos, v.17, n.3, p.575-590, Agosto,1999. 15 – JUNIOR, Carlos E. A. Coimbra. Impacto da Violência Social sobre a Saúde, Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública. 1994. 225p. 16 - JUNIOR, Carlos E. A. Coimbra. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública. 1998.230p. 46 17 - KAIRYS, Steven W. Guidelines for the Evaluation of Sexual Abuse of Children: Subject Review, Estados Unidos, v. 103, n.1, p. 186–192, Janeiro. 1999. 18 – KINI, Narendra. Evaluation for Possible Physical or Sexual Abuse. Pediatric Clinics of North America, Estados Unidos, v.45, n.1, p.205-221, Fevereiro. 1998. 19 – LIMBOS, Mary P. Documentation of Child Physical Abuse: How Far Have We Come ? Pediatrics, Estados Unidos, v.102, n.1, p.53-58, Julho. 1998. 20 – REECE, Robert M. Clínicas Pediátricas da América do Norte, Rio de Janeiro: Interlivros Edições, 1990. v.4. 21 – SIEGFRIED, Elaine, COOK, Sandra. Human Papillomavirus Screening in Pediatric Victims of Sexual Abuse. Pediatrics, Estados Unidos, v.101, n.1, p.43-50, Janeiro. 1998. 22 – SOCHACZEWSKI, Jacques, BARROS, Nívia Valença. Violência: Múltiplas Abordagens, Rio de Janeiro: EDUFF, 1992. 192p. 23 – SUNG, Lillian. Gonorrhea: A Pediatric Perspective. Pediatrics in Review, Estados Unidos, v.19, n.1, p.13-18, Janeiro. 1998. 24 – WISSOW, Lawrence S. Current Concepts: Child Abuse and Neglect. New England Journal of Medicine, Estados Unidos, v.332, n.21, p.1425-1431, Maio. 1995. 47 XIV – ANEXOS Tabela 1- Mudanças Comportamentais: Possíveis Indicadores de Abuso Sexual Temperamento de aversão Agressão Distúrbios do sono Pesadelos Distúrbios alimentares Desordem de conduta ou comportamento neurótico Fobias Introversão Depressão Baixa auto-estima Ferir a si próprio Dificuldade de relacionamento Abuso de substâncias Problemas na escola Promiscuidade Prostituição Abusar sexualmente dos outros Falta de sexualidade Fonte: Academia Americana de Pediatria; Revisão em Pediatria; Volume 17. Número 7. Julho 1996. 48 Tabela 2 – Queixas Médicas ou Genito-Retais: Possíveis Indicadores de Abuso Sexual. Trauma genital, anal ou uretral. Sangramento genital ou anal Ardência genital ou anal Vulvite ou Vulvovaginite Inflamação anal Doenças sexualmente transmissíveis Gravidez Disúria Infecção urinária recorrente Dor abdominal Cefaléia Dor crônica anal ou genital Corpo estranho na vagina ou reto Enurese Constipação crônica Dor ao defecar Encoprese Hematoma do palato mole ou duro Fonte: Academia Americana de Pediatria; Revisão em Pediatria; Volume 17. Número 7. Julho 1996. 49 Tabela 3 – Guidelines para se Estabelecer a Decisão de Relatar o Abuso sexual da Criança. Dados Disponíveis Resposta História Exame Físico Achados Laboratoriais Nível de Preocupação sobre o Abuso Decisão sobre o Relato Nenhuma Normal Nenhum. Nenhum Não reportar Mudanças Comportamentais Normal Nenhum Varia Dependendo do Tipo de Comportamento Possível Relato; Seguimento Rigoroso. Nenhuma Achados não Específicos Nenhum Baixo Possível Relato; Seguimento Rigoroso. História não Específica Contada pela Criança ou História Contada Só Pelos Pais Achados não Específicos Nenhum Intermediário Possível Relato; Seguimento Rigoroso. Nenhuma Achados Específicos Nenhum Alto Relatar Afirmação Clara Normal Nenhum Alto Relatar Afirmação Clara Achados Específicos Nenhum Alto Relatar Nenhuma Normal, Achados não Específicosou Específicos. Cultura Positiva para Gonorréia; Anti-HIV Positivo, Sífilis; Presença de Sêmen, Fosfatase ácida do Esperma. Muito Alto Relatar Mudanças Comportamentais Achados não Específicos Outras DSTs Alto Relatar Fonte: Academia Americana de Pediatria; Volume 1. Número 1. Janeiro 1999. 50
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