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Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a: Relacionar os sinais externos de trauma com a possibilidade de lesão em órgãos abdominais específicos. Inferir os efeitos fisiopatológicos do trauma fechado e dos ferimentos penetrantes de abdome, baseando-se nos dados de avaliação que podem ser obtidos pelos socorristas. Usar os dados de avaliação da cena para determinar o nível de suspeita de lesão abdominal. Reconhecer os achados do exame secundário que podem indicar a presença de sangramento intra-abdominal. Descrever as indicações, contra-indicações, vantagens, desvantagens e limitações do uso da calça pneumática antichoque (PASG) na hemorragia abdominal e pélvica. Identificar as indicações de intervenção e transporte rápidos no que se refere ao trauma abdominal. Relacionar as alterações anatômicas e fisiológicas da gravidez com a fisiopatologia e o tratamento do trauma na gestante. Descrever os efeitos do trauma materno sobre o feto e as prioridades de atendimento. , 1 9 8 A T E N D I M E N T O P R É - H O S P I T A L A R AO T R A U M A T I Z A D O knáno Você é chamado a uma residência para a tender u m a "pessoa ferida". Enquan to está a carninho. a central avisa que a vítima é u m a gestante que foi assaltada e que a polícia está indo para o local. Na chegada, você encontra u m a mulhe r jovem, ansiosa, que diz que sua irmã está grávida e foi agredida pelo namorado . A vítima é uma mulher de 19 anos, que está deitada de lado n o chão. com os joe lhos dobrados. Há sinais evidentes de violência na casa. A vít ima tem uma quant idade moderada de sangue n o cabelo e n o rosto. Está de o lhos fechados, mas abre-os q u a n d o você se aproxima e fala com ela. Q u a n d o pergunta o que aconteceu, ela diz que "bateu a cabeça". É incapaz de fornecer detalhes sobre a gravidez e sobre o que aconteceu. A i rmã informa que a vítima está grávida de cerca de 6 meses e meio, mas ainda não foi ao médico. Na sua avaliação, você vê que ela está com as vias aéreas pérvias, com freqüência ventilatória de 24 respirações por minu to , pulso de 100 bat imentos por minu to e pressão arterial de 100 x 68 m m Hg. Tem uma laceração no couro cabeludo e as pupi las são isocóricas e fotorreagentes. A pele é pálida e seca. Tem dor à palpação no quadrante inferior esquerdo do abdome e deformida- de evidente no antebraço direito. Quais são as prioridades no atendimento desta paciente? Em que é que ofato de estar grávida muda o atendimento? Que outras informações são relevantes para atender esta paciente? Quais são os efeitos da condição da paciente no feto? As priorídades no atendimento materno são diferentes por causa da gravidez? Como interpretar os achados de avaliação face às alterações anatômicas e fisiológicas da gravidez? O abdome é a região do corpo onde é mais difícil fazer o diagnóstico correto de lesões traumáü- cas que necessitem de correção cirúrgica. Quando não reconhecido, o trauma abdominal é uma das princi- pais causas de morte nos pacientes traumatizados. De- vido à dificuldade do diagnóstico correto no trauma abdominal, a melhor conduta é transportar os pa- cientes com suspeita de lesão abdominal para o hos- pital apropriado mais próximo. No pré-hospitalar também pode ser difícil de de- terminar a extensão do trauma abdominal. A morte pode ocorrer por perda intensa de sangue tanto em decorrência de ferimentos penetrantes quanto de trau- ma fechado. Lesões não diagnosticadas de cólon, del- gado, estômago ou pâncreas podem levar a compli- cações tardias e à morte. No entanto, o trauma fecha- do muitas vezes tem maior risco de vida, por ser de diagnóstico mais difícil do que os ferimentos pene- trantes. O socorrista não deve se preocupar tanto em determinar a extensão exata do trauma abdominal, mas em tratar os achados clínicos. A ausência de si- nais e sintomas locais não afasta a possibilidade de trauma abdominal. Um alto índice de suspeita basea- do no mecanismo de trauma deve alertar o socorrista para a possibilidade de lesões com hemorragia intra- abdominal. Anatomia O abdome contém os principais órgãos do sistema digestivo, endócrino, urogenital e os principais vasos do sistema circulatório. A cavidade abdominal está localizada abaixo do diafragma; os seus limites são a parede anterior do abdome, os ossos da bacia, a colu- na vertebral e os músculos do abdome e dos flancos. A cavidade abdominal é dividida em dois espaços. O espaço retroperitoneal (espaço virtual atrás da "ver- dadeira" cavidade abdominal) contém os rins, os ure- teres, a bexiga, os órgãos do sistema reprodutor, a cava inferior, a aorta abdominal, o pâncreas e parte do duodeno, cólon e reto (Figura 7-1). O espaço perito- neal (a "verdadeira" cavidade abdominal) contém o intestino grosso e o delgado, o baço, o fígado, o estô- mago, a vesícula biliar e os órgãos do sistema repro- dutor feminino (Figura 7-2). A parte superior do abdome é protegida ante- riormente pelas costelas e posteriormente pela co- luna vertebral. Esla região contém o fígado, a vesí- cula biliar, o baço, o estômago e o dialragma, que podem ser lesados em decorrência de fratura de costela ou lesão do esterno. Os órgãos mais comu- mente lesados quando há fraturas de costelas são o baço e o fígado. CAPÍTULO 7 Trauma Abdominal 199 Peritônio visceral Peritônio parietal Fígado Espaço peritoneal Estômago Pâncreas (retroperitoneal) Duodeno (retroperitoneal) Cólon transverso - Mesentério Intestino delgado Bexiga (retroperitoneal) Reto (retroperitoneal) Figura 7-1 O abdome é dividido em dois espaços - o peritoneal e o retroperitoneal. O espaço relroperitoneal ínchri; do abdome atrás do peritônio. Os órgãos não estão em contacto com a cavidade peritoneal. Lesões de órgãos nesu necessariamente causam peritonite. A parte inferior do abdome é protegida por todos os lados pela pelve. Esta área contém o reto, a maior parte do intestino (especialmente quando se fica de pé), a bexiga, os ureteres e os órgãos do sistema re- produtor feminino. A hemorragia retroperitoneal as- sociada a fratura de bacia é um problema grave rela- cionado com esta parte da cavidade abdominal. O ab- dome acima da pelve e abaixo das costelas tem algu- ma proteção, não muito firme, represenlada pelos músculos abdominais anterior e lateralmente. As vér- tebras lombares, juntamente com a forte musculatu- ra paravertebral e os músculos psoas, protegem o ab- dome (Figura 7-3). Para fins de avaliação do paciente, a superfície abdominal é dividida em quatro quadrantes. Eles são :ormados desenhando duas linhas imaginárias - uma vai da ponta do apêndice xifóide até a sínfise púbica e a outra é perpendicular a esta linha mediana, na .ütura da cicatriz umbilical (Figura 7-4). O conheci- mento das referências anatômicas é importante, de- vido à grancle correlação entre o órgão acometido e o 'ocal da dor. O quadrante superior direilo (QSD) con- tém o fígado e a vesícula biliar, o quadrante superior esquerdo (QSE) contém o baço e o estômago, o qua- drante inferior direito (QID) e o quadrante inferior esquerdo (QIE) contêm basicamente o intestii te parte do trato intestinal em cada um dos quati quadrantes. A bexiga fica na linha média. entre os qua- drantes inferiores. O aumento da pressão intra-abdominal. produzi- do pela compressão contra a coluna de direção do carro ou força similar, pode romper o diafragma. que é o teto da cavidade abdominal. O mecanismo é se- melhante ao que acontece quando se comprime um saco de papel (ver os Capítulos 2 e 5'. A rotura do dia- fragma à esquerda é a que tem maior probabilidade de causar problemas no atendimento inicial (pré-hos- pitalar) do doente. A passagem de conteúdo intra- abdominal para o tórax pode comprometera expan- sibilidade pulmonar (Figura 7-5). A divisão dos órgãos abdominais em ocos, sóli- dos e vasculares ajuda a entender as bases de sua fisiologia. Quando lesados. os órgãos sólidos e vas- culares (fígado, baço, aorta e cava) sangram, enquan- to os órgãos ocos (intestino. vesícula biliar e bexi- ga) basicamente derramam seu conteúdo dentro da cavidade peritoneal ou no espaço retroperitoneal. Este derramamento leva a peritonite (inflamação do peritônio que reveste a cavidade abdominal), sépsis (infecção generalizada) e sangramento intra-abdo- 2 0 0 ATENDIMENTO P R É - H O S P I T A L A R AO TRAUMATIZADO Parótida Esòfago Fígado Ângulo hepático Cólon transverso Cólon ascendente Língua Glândula sublingual Região da válvula ileocecal Apêndice vermiforme Fígado Vesícula biliar Ducto cístico Duodeno Baço Ângulo esplênico Estômago Cólon descendente Reto Canal anal Figura 7-2 Os órgãos da cavidade peritoneal, quando lesados, freqüentemente causam peritonite. A cavidade peritoneal contém órgãos sólidos (fígado e baço), órgãos ocos do irato gastrointestinal (eslômago, intestino delgado e cólon) e os órgãos do sistema reprodutor. Cava inferior Fígado Corpo \ vertebral \ \y Aorta abdominal Pequeno omento I Estômago Pâncreas / Inte ,/ /] !.I.»Í' Rim direito Rim esquerdo Cavidade peritoneal Figura 7-3 Esta secção transversa da cavidade abdominal mostra a posição dos órgãos, no sentido ãntero-posterior. Figura 7-4 Como ocorre em qualquer região do corpo, quanio melhor a descrição da dor, sensibilidade, defesa, e t c , mais preciso será o diagnóstico. O sistema mais comum dc localização divide o abdome em quatro quadrantes - superior direito, superior esquerdo, inferior direito e inferior esquerdo. CAPÍTULO 7 T r a i a a Abdominal 201 Quarto espaço intercostal Oitavo espaço intercostal Figura 7-5 Com o aumento da pressão dcntro do abdome, o diafragma pode romper-se. (Posterior) (Anteriw) Figura 7-6 Visão lateral da posição do diafrag~i minal. O tratamento pré-hospitalar consiste em ini- ciar rapidamente o tratamento do choque e contro- lar a hemorragia. Fisiopatologia As lesões abdominais podem ser causadas por feri- mentos penetrantes ou por trauma fechado. Os feri- mentos penetrantes, como os causados por arma de fogo ou arma branca, são mais evidentes que os de- correntes de trauma fechado. Pode ocorrer lesão de múltiplos órgãos nos ferimentos penetrantes, embo- ra isso seja menos provável nos ferimentos por arma branca do que nos por arma de fogo. A mentalízação da trajetória do projétil, como uma bala ou a lâmina de uma faca, pode ajudar a identificar os órgãos pos- sivelmente lesados. O diafragma vai até o quarto espaço intercostal anteriormente, o sexto espaço intercostal lateralmente e o oitavo espaço intercostal posteriormente, durante a expiração forçada (Figura 7-6). Pacientes com feri- mentos penetrantes de tórax abaixo desta linha po- dem ter também lesão abdominal. Ferimentos pene- trantes nos flancos e nos glúteos podem acometer órgãos da cavidade abdominal. Estes ferimentos pe- netrantes podem provocar sangramento de grandes vasos ou de órgãos sólidos e perfuração de intestino, que é o órgão mais freqüentemente lesado nos feri- mentos penetrantes. O trauma fechado de órgãos intra-abdominais em geral resulta de compressão ou de forças de cisalha- mento. Na compressão, os órgãos abdominais são eomprimidos entre objetos sólidos, como, por exem- plo, entre o volante e a coluna vertebral. Forças de cisalhamento rompem órgãos sólidos ou vas - - güíneos na cavidade abdominal, devido à tração e cida sobre os ligamentos de fixação e os vasos. O fí- gado e o baço podem romper-se e sangrar com facili- dade, e a perda de sangue pode ser rápida. Fraturas de bacia podem levar a perda de grande volume de sangue, devido ao rompimento de grandes vasos que ficam junto à pelve. Lesões de bexiga e uretra são também complicações das fraturas pélvicas. O peritônio é sensível à distensão. Esta distensão pode ser decorrente de inflamação ou de sangramen- to pelo trauma. Nos estágios avançados da gestação, essa irritação pode passar despercebida por causa da distensão que já foi ocorrendo gradualmente. A perda de sangue para a cavidade abdominal, qualquer que seja a fonte de sangramento, pode con- tribuir ou ser a causa primária do choque. O derra- mamento na cavidade peritoneal de ácidos, enzimas e bactérias, provenientes do trato gastrointestinal, resulta em mais lesão orgânica e peritonite. Avaliação O índice de suspeita para lesão abdominal deve ser baseado no mecanismo de trauma e nos achados de exame físico, tais como equimoses ou outros sinais de batida. Deve-se suspeitar de sangramento intra- abdominal quando o paciente apresentar escoriações externas ou distensão. Apesar de estes sinais e sinto- mas serem sugestivos de sangramenlo intra-abdomi- nal, com freqüência estão ausentes em pacienles com hemorragia considerável. O socorrista deve estar alerta para sinais mais sutis, como, por exemplo, ansieda- de, agitação e dispnéia. 2 0 2 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO O indicador mais confiável de sangramento intra- abdomínal é a presença de choque de origem não expli- cada. Esta é a razão pela qual é imperativo reconhe- cer os sinais precoces. O exame do abdome no doen- te consciente pode ser confiável ou não. Fraturas de bacia ou das últimas costelas podem provocar dor, sem que haja necessariamente lesão intra-abdominal. Os sintomas podem ser mascarados por álcool ou outras drogas. As informações das crianças com fre- qüência não são confiáveis e os idosos podem ter res- posta alterada à dor. Se o paciente tiver dor de outras lesões, que desvie a atenção, como fratura de extre- midades ou de coluna, pode ser que não refira dor à palpação abdominal. Por sua vez, o sangue fresco no abdome não é muito irritante do peritônio e, na maio- ria dos casos, não causa sinais de peritonite. A cavi- dade abdominal do adulto pode conter até 1,5 litro de líquido sem apresentar sinais de distensão. Por isso, pode haver grande quantidade de sangue no abdome e o exame físico do doente ser totalmente normal. No doente inconsciente ou com lesão cerebral trau- mática, é difícil avaliar adequadamente qualquer res- posta verbal. Por isso, o socorrista deve valer-se de im- pressòes imediatas provenientes de uma variedade de outras fontes, incluindo a biomecânica, a informação de testemunhas e/ou evidências físicas. Considerando tudo isto, a avaliação do trauma abdominal pode ser muito difícil. Alguns indicadores seguros para sus- peitar da presença de lesão abdominal: Mecanismo de lesão ou estrago no carro (volante torto) Sinais externos de trauma Choque de causa não explicada Choque mais grave do que o explicado por outras Iesões Presença de rigidez abdominal, defesa ou disten- sào (raramente encontrada) A avaliação do doente com suspeita de trauma abdominal deve incluir: Inspeção. O abdome deve ser exposto e examina- do, procurando-se distensão, contusões, abrasões, ferimentos penetrantes, evisceração, objeto(s) encravados(s) e/ou sangramento evidente. Todos estes sinais podem indicar lesões subjacentes. Palpação. A palpação do abdome pode mostrar de- feitos na parede abdominal ou provocar dor na área palpada. Defesa voluntária ou involuntãria, rigidez e/ou descompressão brusca dolorosa podem indi- car laceração, inflamação ou hemorragia. Contu- do, o socorrista deve evilar a palpação profunda quando há evidência de lesão, já que a palpaçâo pode aumentar a hemorragia existente e piorar outras lesões. A instabilidade pélvica é avaliada pres- sionando-se,cuidadosamente, o anel pélvico. A ausculta dos ruídos hidroaéreos não é útil na avaliação pré-hospitalar. O socorrista não deve per- der tempo tentando verificar se eles estão presentes ou ausentes, já que este sinal não muda o tratamento pré-hospitalar do doente. Todas estas ferramentas de avaliação são necessá- rias para determinar a presença de lesões com poten- cial de risco de vida. Tratamento A conduta no trauma abdominal consiste apenas em tratar o que foi identificado durante a avaliação e é a mesma qualquer que seja o órgão específico lesado. Deve incluir: 1. Avaliação rápida da cena e do paciente. Depois de se certificar de que a cena é segura, tratar as lesões com risco de vida identificadas no exame pri- mário. 2. Tniciar o tratamento do choque, incluindo a ofer- ta de altas concentrações de oxigênio. 3. Aplicar a calça pneumática antichoque (PASG) para reduzir a hemorragia intraperitoneal ou re- troperitoneal suspeitada em pacientes com cho- que descompensado e, se indicado, tratar o cho- que profundo. O maior benefício do uso do PASG em pacientes traumatizados é a redução da hemor- ragia intra-abdominal. Existem evidências de que o uso do PASG pode ser eficaz no controle da he- morragia associada a fratura pélvica em pacientes com choque descompensado. Siga os protocolos locais para o uso do PASG e consulte a regulação médica (ver Capítulo 6). 4. Imobilização e transporte rápido da vítima para o hospital apropriado mais próximo. 5. Iniciar a reposição intravenosa de cristalóides a caminho do hospital. A intervenção cirúrgica continua sendo uma ne- cessidade fundamental; não se deve perder tempo na tentativa de determinar os detalhes exatos da lesão. Em muitos casos, a identificação da lesão orgãnica específica só ê possível depois da exploração cirúrgi- ca do abdome. O transporte do doente com lesão intra-abdomi- nal para hospital que não tenha centro cirúrgico ou equipe cirúrgica disponível está em desacordo com o objetivo do transporte rápido. Deve ser escolhido mo destino o hospital que possa oferecer tratamento drúrgico rápido. Além dos aspectos gerais do atendimento, comuns i todas as lesões abdominais, algumas situações es- pecíficas merecem considerações especiais. Discuti- remos a seguir o tratamento de três circunstâncias Especiais - objetos encravados, evisceração e trauma na gravidez. Objetos encravados Visto que a remoção de um objeto encravado pode causar mais lesões graves e a ponta distal do objeto pode estar tamponando sangramento, no pré-hospi- talar é contra-indicada a remoção de objeto encrava- do (Figura 7-7). Unxjibjeto encravado no abdome riunca deve ser mobilizado_o.n rptirado, No hospital, estes objetos não são retirados antes que sua forma e localização tenham sido identificadas radiologicamen- te e haja possibilidade de reposição sangüínea e equi- pe cirúrgica presente e pronta. O socorrista deve es- tabilizar o objeto encravado e imobilizá-lo, manual ou mecanicamente, para evitar que ele se mexa mais, no local ou durante o transporte. Se houver sangra- mento à volta do objeto, deve ser feita pressão direta ã volta do ferimento. com a palma da mão, em torno do objeto. O apoio psicológico ao paciente é funda- mental, especialmente se o paciente estiver vendo o objeto encravado. Nestes casos, o abdome não deve ser palpado, pois B palpação pode provocar mais laceração ou afundar mais a ponta do objeto. É desnecessário continuar o exame, já que a presença do objeto obriga a explora- ção cirúrgica. Figura 7-7 Um pedaço de madeira pcnetrou no lado direito .:o abdome, perfurou o diafragma e rompeu o baço, o rstômago e o fígado. O paciente teve boa recuperação. (De London PS: A colour allas of diagnosis ajtcr recent injury, Londres, 1990, Wolfe.) CAPÍTULO 7 T r a u m a A b d o m i n a l 2 0 3 Evisceração Ocorre evisceração quando um segmento do intesti- no ou outro órgão abdominal passa através de uma ferida, ficando fora da cavidade abdominal (Figura 7-8). O tecido mais comumente observado é o epí- plon, que fica na frente do intestino. A proteção da porção eviscerada do intestino ou de outro órgão. para que não sofra mais dano, representa um problema especial. Não se deve tentar colocar o órgão de volta na cavidade abdominal. Deve-se deixar as \isceras na superfície do abdome ou para fora, como estão. A maior parte do conteúdo abdominal necessita de ambiente úmido. Se o intestino ou algum dos outros órgãos abdominais ficar seco, pode ocorrer morte ce- lular. Por isso, o conteúdo abdominal eviscerado ser coberto com compressas^estéreis umedecidas com solução salina estéril (pode ser usado o soro fisioló- gicol, Estas compressas devem ser periodicamente reumedecidas com solução salina estéril para evitar que fiquem secas. Por cima do curativo umedecido pode fazer-se um grande curativo seco, para manter o paciente aquecido. Trauma na Gravidez A gravidez causa alterações anatômicas e fisiológicas nos diversos sistemas do organismo. Estas mudanças alteram o padrão de possíveis lesões e podem tornar a avaliação da paciente um grande desafio. O socor- rista está lidando com dois ou mais pacientes e deve estar atento para as alterações que ocorrem ao longo da gravidez. O útero aumenta até a 38a semana de gestação. Esta alteração anatômica torna o útero e seu conteú- do mais susceptíveis a lesões, incluindo ruptura. fe- rimentos penetrantes, descolamento de placenta (quando parte da placenta se solta da parede uterina) e rotura prematura de membranas. O útero gravídico Figura 7-8 Evisceraçao abdominal. (De McSwain N. E. Jr., Paturas J. L: The basic EMT: comprehensive prehospítal patient care, 2 ed, St Louis, 2001, Mosby.) 2 0 4 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO e a placenta são muito vascularizados, o que pode levar a hemorragia intensa. O sangue pode ficar con- tido no interior do útero. A freqüência cardíaca da gestante aumenta ao lon- go da gravidez, sendo 15 a 20 batimentos por minu- to acima do normal no terceiro trimestre. Isto difi- culta a interpretação de taquicardia. A pressão arte- rial sistólica e diastólica cai 5 a 15 mm Hg durante o segundo trimestre, mas volta ao normal no final da gravidez. Algumas mulheres podem ter hipotensão supina acentuada. Esta condição, a síndrome da hi- potensão supina, é causada pela compressão do úte- ro sobre a cava inferior e é geralmente tratada colo- cando-se a doente deitada sobre o seu lado esquer- do__(decúbito lateral esquerdoXSe houver indicação de imobilTzãção de coluna, deve elevar-se o lado di- rêlto da prancha 10 a 15 cm, mantendo-a inclinada com calçosj3or baixo dela. Com a paciente nesta posicão, a gravidade ajuda a deslocar o útero de cima da cava inferior, restãürando"õretorno venoso para o coração. Se a doente não puder ser rodada, deve elevar-se a perna direita para deslocar o ütero para á e^qjierda. Estas manobras^diminuem a compressão da cavaT^umentãm o fétõrno venoso e, por isso, o débito cardíaco. Após a décima semana de gravidez, o débito car- díaco aumenta 1 a 1,5 litro por minuto. No termo da gestação, há um aumento de 48% no volume sangüí- neo. Por causa deste aumento considerável, pode ser perdido 30% a 35% do volume sangüíneo sem que apa- reçam sinais ou sintomas de hipovolemia. Embora a protuberância acentuada do abdome seja óbvia no final da gravidez, os órgàos abdominais, à exceção do útero, permanecem basicamente inalte- rados. 0 inteslino, que é deslocado para cima, fica protegido pelo útero nos dois últimos trimestres da gestação. O aumento do tamanho do útero, assim como seu alto fluxo sangüíneo, tornam-no mais sus- ceptível a lesões tanto por trauma fechado quanto penetrante (Figura 7-9). O aumento no volume e no peso do útero altera o centro degravidade da gestan- te e aumenta o risco de quedas. O abdome gravídico é freqüentemente lesado nas quedas. Durante o terceiro trimestre, a elevação do dia- fragma pode causar dispnéia leve, especialmente se a doente ficar em decúbito dorsal horizontal. A eclâmpsia, que é uma romplicação do final da gravidez, pode mimetizar lesão cerebral. E importan- te fazer uma avaliação neurológica cuidadosa e in- vestigar antecedentes associados na história médica pertinente. O peristaltismo (movimentos propulsivos do in- testino) está diminuído, de modo que a comida pode ficar no estômago por muitas horas após a alimenta- ção. A doente grávida pode, por isso, ter risco au- mentado de vomitar e aspirar. Assim como na doente não grávida, a ausculta não ajuda na avaliação de le- sões abdominais. A pesquisa dos batimentos cardía- cos fetais no local lambém não ajuda, porque sua pre- sença ou ausência não vai alterar o atendimento pré- hospitalar. A conduta correta é o transporte rápido para um hospital apropriado. A perda de sangue por lesão abdominal pode ma- nifestar-se desde por sinais e sintomas mínimos até choque grave. A presença de quanlidacle significati- va de sangue na cavidade peritoneal geralmente cau- sa dor pela distensão peritoneal. O peritônio da ges- tante já está distendido; por isso, ela pode senlir menos dor. A condição do feto com freqüência de- pende da condição da mãe. Entretanto, o feto pode estar em sofrimento mesmo que as condições ma- ternas e seus sinais vitais pareçam estáveis. Os obje- tivos do tratamento do choque são essencialmente os mesmos de qualquer doente em choque e incluem cuidado especial em oferecer altas concenlrações de oxigênio para suprir as necessidades de ambos, mãe e feto. Durante o transporte, deve ser iniciada reposi- ção volêmica vigorosa para combater o choque tan- to da mãe quanto do feto. Qualquer evidência de Esôfago A r c o aórtico Átrio esquerdo '.Traquéia ...- Átrio direito '' Ky/ - - Coração superior . Ventrículo direito Processo espinhoso Coluna vertebral '. ... ' > '; Pâncreas - \ ■ ■ ■ ■ \ —4 Ventrículo esquerdo ii. Esterno -'— Diafragma - - Fígado - Estômago . Grande omento Intestino delgado . Músculo reto abdominal — Placenta Cordão umbilical Sínfise púbica - Clitóris Vagina Pequenos lábios - Grandes lábios Figura 7-9 Na grávida, à medida que o útero e o feto crescem e passam a ficar acima da sínfise púbica, o íeio fica mais susceptível a trauma abdominal, tanto fechado quanto penetrante. CAPÍTULO 7 T r a u m a A b d o m i n a l 2 0 5 sangramento vaginal ou rigidez abdominal com san- gramento externo no último trimestre de gravidez deve alertar o socorrista para possível descolamen- to de placenta ou rotura uterina. Pode ocorrer ex- sangüinação rapidamente. O transporte da gestante traumatizada não deve ser retardado. Toda grávida traumatizada deve ser transportada com rapidez - mesmo que pareça ter apenas lesões leves - para o hospital apropriado mais próximo (de preferência um hospital com recursos para atendimento no período perinatal). Toda grávi- da com trauma abdominal deve ser avaliada por um médico. A reanimação adequada da mãe i a chave para a sobrevivência da mãe e do feto. Resumo As lesòes intra-abdominais podem ter um risco de vida muito alto. Nenhuma outra região do corpo é mais sus- ceptível a grandes hemorragias sem aparecerem evidên- cias de lesão. Um paciente com lesão abdominal pode piorar rapidamente. Por isso, é fundamental manter um alto índice de suspeita de lesão abdominal. Raramente é possível identificar no pré-hospitalar a extensão da lesào de órgãos abdominais específicos. O tratamento do paciente com trauma abdominal in- clui avaliação rápida e preparação para transporte, oxi- genação, controle da hemorragia e suporte hemodinâ- mico. O PASG é útil no tratamento do choque causado por irauma abdominal e pélvico, se não houver con- tra-indicações para o seu uso. O socorrista só pode contribuir para o tratamento definitivo do paciente com trauma abdominal transportando-o para um hospital que possa fazer intervenção cirúrgica de urgência. Embora as prioridades de tratamento - mesmas, alguns tipos de trauma abdominal mere- cem considerações especiais. As alterações anatc micas e fisiológicas da gravidez têm implicac significativas no padrão das lesões, nos sinais e sin- tomas apresentados e no tratamento da grávida traumatizada. No pré-hospitalar, o tratamentc possível alteração fetal decorrente do trauma con- siste em tratar de forma efetiva as alterações dç perfusão da mãe. O paciente com objeto _ . do no abdome ou com evisceração também requ cuidados especiais, com o intuito de evitar lesões ou complicações. A chave para o atendii to ideal do doente com trauma abdomina. £ —. ter um alto índice de suspeita, considerandc mecanismo de trauma e a presença de choque sem causa aparente. A T E N D I M E N T O P R E - H O S P I T A L A R AO T R A U M A T I Z A D O Os sinais vitais da paciente p o d e m ser explica- dos pelas alterações fisiológicas da gravidez ou ser sinais sutis de choque , mas , cons iderando o mecanismo de t rauma e os demais achados de avaliação, você manterá u m alto índice de suspeita de que possa haver hemorragia inter- na. A laceração de couro cabeludo e o fato de a paciente não lembrar o que aconteceu obrigam a imobilização de coluna, que deve ser modifi- cacla para evitar a compressão da cava. Como a oxigenação fetal depende da função cardiorres- piratória materna , a administração de oxigê- nio e o supor te hemodinâmico da mãe são os melhores t ra tamentos para o feto. Pertence ao a tendimento obter as informações adicionais a respeito do mecanismo exato de t rauma e dos antecedentes obstétricos. Por causa do risco de descolamento de placenta, o ideal é transpor- tar a paciente para u m hospital com recursos para prestar a tend imento perinatal . As respostas encontram-se na página 424. 1. Você vai alender é uma mulher de 77 anos que era a motorista de um veículo que saiu da estrada e colidiu frontalmente com um poste. Estava sem cinto. Está consciente, mas confusa e incapaz de referir uma queixa específica. Tem uma freqüência cardíaca de 72 batimentos/minuto, com ritmo ir- regular, uma pressão arterial de 82x42 mm Hg e uma freqüência venlilatória de 28 por minuto. Das possibilidades de explicação para esta situação e para os achados de exame da paciente, qual das apresentadas a seguir deve ter prioridade na deci- são do que fazer com a paciente? a. Doença cardíaca subjacente. b. Hemorragia abdominal. c. Efeitos colaterais de medicamento. d. Acidente vascular cerebral. 2. Qual das situações a seguir deve levar a suspeitar de lesão de órgão abdominal? a. Ferimento por arma branca logo abaixo do ma- milo direito. b. Ferimento por arma de fogo no glúteo esquerdo. c. Marca do cinto de segurança. d. Todas as anteriores. 3. Qual é a maior prioridade, das citadas a seguir, no atendimento pré-hospitalar de vítima com suspei- ta de lesão abdominal? a. /Vdministração de cristalóides a caminho do hospital. b. Ausculta de ruídos hidroaéreos. c. Identificação dos órgãos especificamente le- sados. d. Procurar sinais de irritação peritoneal. 4. Qual das afirmações a seguir NÃO é verdadeira a respeito do trauma na gestante? a. A vítima tem risco aumentado de aspiração de conteúdo gástrico. b. As alterações fisiológicas da gravidez podem atrapalhar a interpretação dos sinais vitais. c. Na presença de hipotensão, é útil fazer o deslo- camento manual do útero para a esquerda, quan- do a paciente estiver em posição supina. d. As prioridades noatendimento dependem da freqüência cardíaca fetal. 5. O indicador mais confiável de possível lesão de órgão abdominal é: a. Hipotensão sem causa determinada. b. Defesa na palpação do abdome. c. Vômito. d. Ausência de ruídos hidroaéreos. CAPÍTULO 7 T r a u m a A b d o m i n a l 2 0 7 REFERÊNCIAS American College of Surgeons: Abdominal trauma: advanceã trauma life support, Chicago, 2002, Author. Berry MJ, McMurry RG, Katz VL: Pulmonary and ventilatory responses to pregnancy, immersion and exercise, J Appl Physiol 66(2):857, 1989. Esposito TJ: Trauma during pregnancy, Emerg Med Clin North Am 12:167, 1994. Frame SB, Timberlake GA, Rosh DS et al: Penetrating injuries of the abdominal aorta, Am Surg 56(10):651, 1990. Hill DA, Delaney LM, Duflou J: A population-based study of outcome after injury to car occupants and to pedestrians, J Trauma 40(3):351, 1996. Pearlman MD, Tintinalli JE, Lorenz RP: Blunt trauma during prcgnancy, N EnglJ Med 323:1606. 1991. 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