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Introdução à Bioquímica e às biomoléculas C E D E R J7 M Ó D U LO 1 - AULA 1 Introdução à Bioquímica e às biomoléculas Objetivos Nesta primeira aula de Bioquímica temos como objetivo mostrar a você no que consiste esta disciplina e também iniciar uma reflexão a respeito das principais moléculas que formam os seres vivos, as biomoléculas. A Bioquímica Ao idealizar o curso de Ciências Biológicas, decidimos incluir Bioquímica entre as disciplinas do primeiro período. Pode parecer, à primeira vista, um momento inapropriado, uma vez que, para muitos, seria necessário um estudo mais básico de Química antes de entrar na Bioquímica propriamente dita. Entretanto, se refletirmos um pouco sobre as diversas questões presentes diariamente em nossas vidas, veremos que o conhecimento da Bioquímica é muito útil na compreensão de muitos fatos próximos de nossa realidade, e, sobretudo, de quase todos os fenômenos de interesse para os biólogos. Vejamos, por exemplo, o que escreveu Albert Lehninger, um renomado bioquímico, autor de um dos mais difundidos livros-texto de Bioquímica, traduzido para várias línguas e usado por milhares e milhares de estudantes todos os anos: No passado, eu acreditava que Bioquímica deveria ser uma disciplina de pós- graduação, abordada apenas após um ensino básico de Química e Biologia. Hoje, eu tenho uma visão bastante diferente. A Bioquímica deve ser ensinada muito antes, já que esta disciplina se tornou a língua franca das ciências da vida, iluminando o estudo subseqüente de qualquer área da Biologia. Além disso, como mencionamos há pouco, nos dias de hoje, conhecimentos básicos de Bioquímica tornam-se fundamentais para a compreensão de tantos pontos importantes que agora fazem parte de nossas vidas, como os avanços da genética, o crescimento das doenças metabólicas como a diabetes e a obesidade, o aparecimento de milhares de dietas de emagrecimento, as doenças crônico-degenerativas etc. Nós vivemos agora em um mundo no qual tais assuntos adquiriram interesse público, além de, muitas vezes, apresentarem também sérias implicações sociais, políticas e éticas. ALBERT L. LEHNINGER (1917-1986) Foi professor das Universidades de Wisconsin, Chicago e Johns Hopkins. Junto a E. P. Kennedy descobriu as mitocôn- drias. Tornou-se uma autoridade em metabo- lismo energético, forne- cendo contribuições fundamentais à ciência nas áreas de enzimologia, bioenergética e calcifi- cação. Escreveu vários livros-texto de Bioquímica. Aula_01.p65 5/17/2004, 9:39 AM7 Introdução à Bioquímica e às biomoléculas 8C E D E R J BIOQUÍMICA IQUÍMICA I O conhecimento da Bioquímica, portanto, é essencial para aqueles, entre os biólogos, que pretendem dedicar-se ao ensino de Ciências e Biologia, e que irão se defrontar com temas relacionados a esta ciência em suas aulas, muitas vezes em função de questões levantadas pelos próprios alunos. Neste curso, dividimos o estudo da Bioquímica em duas disciplinas. Em Bioquímica I, você vai conhecer as biomoléculas, as moléculas que fazem parte dos seres vivos, e vai entender suas propriedades e funções. Em Bioquímica II, você vai estudar o metabolismo, o conjunto de reações químicas que ocorrem nos seres vivos. A lógica da vida Todas as coisas vivas são formadas por um conjunto de moléculas inanimadas. Então, por que a matéria viva difere tão radicalmente da matéria inanimada, que também é formada por moléculas inanimadas? E por que os organismos vivos parecem ser mais do que a soma de suas partes inanimadas? Há muitos anos, os filósofos, pensando nesta questão, propuseram que os organismos vivos possuíam o que eles chamaram de “força vital”, de origem misteriosa e divina. Surgiu, então, a doutrina do vitalismo. Esta teoria foi experimentalmente contestada muitos séculos depois. Entre os fatos que contribuíram para a perda de credibilidade da doutrina do vitalismo, podemos citar o fim da crença na geração espontânea dos seres vivos acarretada pelos trabalhos de Francesco Redi, Lazzaro Spallanzani e, especialmente, de Louis Pasteur. Com a perda de importância do vitalismo, tornou-se essencial compreender as bases químicas da vida, e elas estão diretamente relacionadas às propriedades das moléculas que compõem os seres vivos. Assim, a Bioquímica pretende estudar como os conjuntos de moléculas inanimadas que formam os seres vivos interagem para manter e perpetuar a vida. O conjunto de princípios que regem esta organização é chamado lógica molecular da vida. Além disso, os conhecimentos de Bioquímica podem fornecer importante contribuição prática, com aplicações na Medicina, na agricultura, na nutrição e também na indústria. VITALISMO Teoria segundo a qual os seres vivos estão sob influência de agentes sem as propriedades típicas da matéria ou da energia, a força vital. GERAÇÃO ESPONTÂNEA Teoria segundo a qual os seres vivos podem formar-se continuamente a partir da matéria inanimada. Aula_01.p65 5/17/2004, 9:39 AM8 Introdução à Bioquímica e às biomoléculas C E D E R J9 M Ó D U LO 1 - AULA 1 Macarrão Biscoito Instantâneo Água Carboidratos Carboidratos Lipídeos Lipídeos Proteínas Proteínas Fibras Fibras Sal Tabela 1.1: Exemplo de tabela para a atividade proposta. As biomoléculas Afinal, que moléculas são essas que formam os seres vivos? Para responder a esta pergunta, nós propomos a você uma atividade. Vá até a cozinha ou despensa de sua casa e procure alimentos variados, mas que tenham sido processados industrialmente. Estes alimentos costumam ter em seus rótulos uma tabela com a sua composição química. Escolha sete deles e construa uma tabela na qual você deverá registrar a composição química de cada um. Procure utilizar alimentos bastante diferentes entre si. Como sugestão, nós escolhemos dois produtos, um macarrão instantâneo e um biscoito, a partir dos quais iniciamos a construção da tabela. Observe que já introduzimos a composição química destes dois alimentos. Compare os rótulos com a tabela; é importante que você liste os componentes de cada alimento em ordem decrescente de quantidade, ou seja, comece com aquele componente que existe em maior proporção até aquele de menor proporção. Por exemplo, na composição do biscoito tipo água há mais lipídeos do que fibras. Com sua tabela completa em mãos, procure agora refletir sobre as seguintes questões: o componente mais abundante de todos os alimentos é o mesmo? Algum componente está presente em todos os alimentos, ou, pelo menos, na maioria deles? Se há um ou vários nesta situação, quais são eles? Você deve ter notado que o principal componente dos diversos alimentos varia de um alimento para o outro. Com freqüência carboidratos, lipídeos ou proteínas são os principais componentes de alguns deles, embora as fibras também sejam abundantes. Produto Aula_01.p65 5/17/2004, 9:39 AM9 Introdução à Bioquímica e às biomoléculas 10C E D E R J BIOQUÍMICA IQUÍMICA I É provável também que você tenha percebido que proteínas, carboidratos e lipídeos estão entre os componentes mais abundantes de todos os alimentos. Se você usou algum alimento diet ou light, é provável que os lipídeos não tenham aparecido em alguns rótulos, ou mesmo que os carboidratos estivessem ausentes. Isto porque, no caso de alimentos desse tipo, alguns componentes são removidos durante o processamento. Analisando a tabela, portanto, foi possível perceber que os principais componentes de todos os alimentos são sempre os mesmos: carboidratos, lipídeos, proteínas e fibras. Freqüentemente encontramos também as vitaminas e alguns elementos químicos como sódio, potássio etc., mas em menor quantidade. Existe ainda um outro componenteabundante nos alimentos, mas que não está listado na tabela. Trata-se da água. A quantidade de água presente nos diferentes alimentos varia, mas é sempre bastante elevada. Para perceber isto, basta lembrar-se de que uma fatia de pão, depois de torrada, parece bem mais leve. Isto ocorre porque boa parte da massa era composta de água, que evaporou quando o pão foi torrado. Agora podemos avançar um pouco mais em nossa reflexão, procurando responder também às seguintes questões: Por que os componentes de todos os alimentos são tão parecidos? Isto pode ser perguntado de outra maneira: O que há de comum a todos estes alimentos? Um dos motivos mais evidentes para o fato de os alimentos terem os mesmos componentes principais é que, provavelmente, nosso organismo necessita destes componentes para sobreviver. É razoável, portanto, que os alimentos sejam feitos daquilo que nosso corpo precisa. Mas e quanto à origem destes alimentos? O fato é que todos os nossos alimentos são derivados de algum tipo de ser vivo, ou, pelo menos, de alguma parte de um ser vivo. A farinha de trigo, por exemplo, é obtida a partir de grãos de uma planta, e os iogurtes e bebidas lácteas são obtidos a partir do leite, uma secreção dos mamíferos. Procure verificar se esta conclusão é válida para todos os alimentos de sua tabela e verá que, realmente, nossos alimentos são sempre derivados de um ser vivo ou de uma parte dele. Percebemos, portanto, que algumas moléculas são muito abundantes em seres vivos. Estas são as chamadas biomoléculas (bio = vida). As moléculas, como você sabe, são compostas de átomos dos diversos elementos químicos ligados entre si de maneira e em proporções variáveis. Podemos agora nos perguntar: os componentes das biomoléculas são os mesmos que compõem as moléculas existentes em nosso planeta? Aula_01.p65 5/17/2004, 9:39 AM10 Introdução à Bioquímica e às biomoléculas C E D E R J11 M Ó D U LO 1 - AULA 1 E, se os elementos são os mesmos, a sua proporção é também a mesma nos dois casos? Procure analisar com atenção a Tabela 1.2, que compara a composição química da crosta terrestre com a do corpo humano, e refletir acerca destas questões. Como você pode perceber após analisar esta tabela, H, O, C e N formam mais de 99 % da massa de nosso corpo. Por outro lado, 8 dos 10 elementos mais abundantes no corpo humano estão entre os mais abundantes na água do mar. A partir dessas observações, podemos concluir que: • alguns elementos foram selecionados durante a evolução por apresentarem características químicas que se adequam aos processos biológicos, e, em última análise, à vida; • a água do mar deve ter sido o meio no qual surgiu a vida. Crosta terrestre Corpo humano elemento % elemento % O 47 H 63 Si 28 O 25,5 Al 7,9 C 9,5 Fe 4,5 N 1,4 Ca 3,5 Ca 0,31 Na 2,5 P 0,22 K 2,5 Cl 0,08 Mg 2,2 K 0,06 Tabela 1.2: Composição química da crosta terrestre e do corpo humano, apresentados como percentagem do número total dos átomos que os compõem. Aula_01.p65 5/17/2004, 9:39 AM11 Introdução à Bioquímica e às biomoléculas 12C E D E R J BIOQUÍMICA IQUÍMICA I Água 70 1 Proteínas 15 3000 Ácidos nucléicos DNA 1 1 RNA 6 >3000 Polissacarídeos 3 5 Lipídeos 2 20 Outras pequenas moléculas orgânicas 2 500 Íons inorgânicos 1 20 O papel do carbono A química dos organismos vivos está organizada em torno do elemento carbono. Por suas propriedades químicas, os átomos de carbono podem formar ligações covalentes entre si, dando origem a diversas estruturas: cadeias lineares, cadeias ramificadas, estruturas cíclicas e combinações dessas estruturas (Figura 1.1). Outros átomos podem se ligar a estes esqueletos de carbono covalentemente ligados, sendo estas moléculas chamadas de compostos orgânicos. Figura 1.1: Ligações carbono-carbono formam os esqueletos de muitas moléculas orgânicas. Agora, observe na Tabela 1.3, a composição química de uma célula. Tabela 1.3: Composição molecular de uma célula da bactéria E. coli. Número aproximado de espécies moleculares Porcentagem da massa total Linear Cíclica Ramificada Aula_01.p65 5/17/2004, 9:39 AM12 Introdução à Bioquímica e às biomoléculas C E D E R J13 M Ó D U LO 1 - AULA 1 Termos como mo- noméricas, políme- ros, polissacarídeos etc., você estudará ao longo do curso. !Podemos notar que na célula exemplificada o composto mais abundante é a água, e que os sais correspondem apenas a uma pequena fração da massa da célula. Quase toda a matéria sólida da célula é orgânica e distribuída em quatro grupos: proteínas, ácidos nucléicos, polissacarídeos e lipídeos. As proteínas, os ácidos nucléicos e os polissacarídeos são formados pela polimerização de diversas unidades monoméricas, e são, por isso, considerados macromoléculas. As proteínas são polímeros de aminoácidos; os ácidos nucléicos são polímeros de nucleotídeos e os polissacarídeos, de açúcares. Os lipídeos não são tão grandes para serem classificados como macromoléculas, mas muitas vezes também são formados pela polimerização de unidades menores. Há relativamente poucos tipos de unidades monoméricas (Figura 1.2), que, entretanto, ao se combinarem dão origem à enorme diversidade de macromoléculas existentes. MACROMOLÉCULAS Moléculas poliméricas apresentando massa molecular superior a milhares de daltons. Figura 1.2: Unidades monoméricas que formam as macromoléculas. ´ ´ Aula_01.p65 5/17/2004, 9:40 AM13 Introdução à Bioquímica e às biomoléculas 14C E D E R J BIOQUÍMICA IQUÍMICA I Resumo A Bioquímica é o estudo da vida em nível molecular. A matéria viva se diferencia da matéria inanimada por ser composta de um conjunto de moléculas que compartilham características especiais, as biomoléculas. Grande parte das propriedades particulares destas moléculas deriva da presença do elemento carbono. Os principais componentes moleculares dos seres vivos são as proteínas, os ácidos nucléicos, os polissacarídeos e os lipídeos. Tais moléculas são formadas a partir da polimerização de unidades monoméricas específicas, e o seu estudo será o tema do nosso curso. Aula_01.p65 5/17/2004, 9:40 AM14
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