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" r' \~ . 1. Significado do termo "sofista" Antes de iniciar um discurso sobre a sofística, é indispensável "- esclarecer o significado original e autêntico do termo "sofista", É sabido, com efeito, que sofista, na linguagem corrente, há tem- po assumiu um sentido decididamente negativo: sofista é chamado aquele que, fazendo uso de raciocínios' capciosos, busca, por um lado, enfr~uece!:~~9iií~cE.§·veí-dadeiro -é:' por<::~~~~!éfor~ Ó f~lso, revestindo-o das aparências do verdadeiro, Mas este não é de modo algum' õ sentidó original dotermo, que significa·siinpTêsmé.D~- bio" ,~'especi~l ista_~º,..~aber'~.'.'p()s_s_lliQ.().L9-º.J>_?:º.Çr".Significa não só algo positivo, mas ,altamente positivo', A acepção negativa do termo sofista tornou-se corrente a partir, talvez já de Sócrates e, certamente, dos discípulos de S6cratcs, Platão ! e Xenofonte, que radicalizararn a batalha ideológica contra os sofis- \ tas, e depois com Aristótelcs, que codificou tudo o que dissera Platão.\r Eis como Platão define o sofista no diálogo homônimo: Em' primeiro lugar, o sofistaera urncaçador remunerado de jovens ricos [,..] em segundo lugar, uma espécie de importador de conhecimentos que interessam à alma [...] e em terceiro lugar, não se nos mostrou como um biscateiro destas mesmas coisas? [...1 e em quart'? lug~!., um mercador dos próprios produtos científicos [".) e em _qlljl}!o_~rª.~!lll!....esp.~iede atleta da agõn'{Ú!~QQéii~-,;;jaaos-d7SCürsos, cO~..i!!:lem tivesse res;~ado para si a arte de disputar [..,) depois, em sexto lugar, era algo de controvertido; todavia convTmos admitir que ele seja uma espécie de purificador espiritual das opi- niões que, impedem a alma. de sabcf1. -~,.', I. fi', ..,i, ,. r>, ...... 'v Xenofonte escreve: L Para a história do termo sofista ver M, Untersteiner, Nota sulla parola "sofis- ta", em Sofisti, Testimoniame e frnmmenti, I, La Nuova Italia, Florença 1961', pp. xvi«. 2. Platão, Sofista, 231 d-e (~ Diels-Kranz, 79 A 2), , . ..« .:.~ 190 DA FILOSOFIA DA NATUREZA À FlLOSOFIA MORAl. Porque se alguém vende a sua beleza por dinheiro a qualquer que o deseje, chamam-noprostituto [...], analogamente, os que vendem por dinhci- . ro a sabedoria a qualquer um, são chamados sofistas, que é o mesmo que dizer prostitutas". E ulteriormente: Os sofistas falam para induzir ao engano, e escrevem para o próprio ganho, c não beneficiam em nada a ninguém [...]4. E Aristótelcs conclui: A sofistica é uma sabedoria aparente, não real; o sofista é um mercador de sabedoria aparente, não reaP.· . Como é bem evidente, são dois os pontos de acusação. e, de natureza diferente: a) a. sofistica é um saber aparente e não real e, além disso, ela b) é Qrofessada com fins lucngivo~_e.cie ffi.od_9.ªlgulTl por .ct~~i~teress.~~Qam91...!.yerqact.e.:J .' A' estas acusações, aduzidas por filósofos, acrescentaram-se de- pois também as que surgiram da opinião pública. Esta viu nos sofistas um perigo, seja para a religião (como de resto o viu nos últimos físicos), seja para o costume moral, dado que, justamente, para este domínio os sofístas deslocaram a sua atenção. Os aristocratas em particular não perdoaram os sofistas por terem contribuído para a sua perda de poder e por terem dado forte incentivo à formação de uma nova classe, que não se valia mais da nobreza de nascimento, mas dos dotes e habilidades pessoais, e que era, justamente, aquela classe que os sofistas pretendiam criar ou, pelo menos, educar sistematicamente. -Resta, em todo caso, que a responsabilidade máxima em desacre- ditar os sofistas foi de Platão, e o foi, mais do que pelo que disse, pelo modo particularmente eficaz como o disse, com o instrumento da sua arte: e dado que Platão é a fonte mais importante para a reconstrução do pensamento sofísrico, é claro que, fatalmente, por muito tempo os historiadores tomaram por boas não s6 as informações que ele nos fornece sobre os sofistas, mas também os juizos que dá sobre eles. 3. Xcnofonte, Memoráveis, I, 6, \3 {- Diels-Kranz, 79 A 2a). 4. Xenofonte, Cynegeticus, 13, g (- Diels-Kranz, 79 A 2a). 5. Artstóteles, Refutações sofistícas, 1, 165 a 21 (- Diels-Kranz, 79 A 3). .... . ~; .:;~ n, NATUREZA E FINALIDADE DO MOVIMENTO SOFisTICO 191 Mas veremos logo que, se as razões que levaram ao descrédito dos sofistas aos olhos dos contemporâneos e de Platão podiam mos- trar-se fundadas e indiscutíveis, ao invés, não o são (ou só são em mínima parte) para o intérprete que, historicamente formado, saiba pôr-se acima das partes e julgar de modo objetivo, E assim, só a partir db fim do século passado o apuramento do método historiográfico permitiu pouco a pouco libertar os sofistas daquela condenação, e possibilitou u~ainiegrai reavaliação e uma justa inserção deles na história das idéias. Todos os estudiosos mais Qualificados são, hoje, concordes em afirmar que "... os sofistas são um fenômeno tão neces- sário quanto Sócrates ou Platão, antes, sem aqueles estes são efetiva- mente impensáveis'". 2. Razões do surgimento. da sofistica Dizer que, sem os sofistas, S6crates c Pia tão são totalmente impensáveis significa dizer que \Os sofistas representam algo total- mente novo e, de algum modo, operaram uma revolução com relação ~ aO~.filós9f~~.9_~P~ysid esta re~oluçãõ,'j~nto ê~~as rn;6-~~"q'uea produziram, que agora devemos esclarecer. Em primeiro lugar, para compreender o surgimento e o desenvol- vimento do fenômeno da sofística, é preciso ter presentes os resulta- dos particulares aos quais chegou a especulação naturalista. Estes tinham então chegado ao ponto de se anularem mutua~-;ntê:õs resul- tados do eleatismo contradiziam os do heraclitismo; os resultados dos pluralistas contradiziam os dos monistas; ulteriormente, as soluções dos pluralistas se excluíam mutarnente, se não nos fundamentos, pelo menos na determinação do pensamento. Parecia, então, quc todas as possíveis soluções tinham sido propostas e não eram pensáveis ou- -\'.:. ttas:\õs princípios são um, muitos, infinitos ou até mesmo não exis- tcm princípios (elcatas); tudo é móvel, tudo é imóvel; tudo depende de um ordenamento inteligente de uma Mente, tudo deriva de um movimento .mccânico: e assim se poderia prosseguir no elenco das Ít h:l:""~ >~; t. 6. Jaeger, Paideia, I, p. 503, '.. /92 DA FILOSOFrA DA NATUREZ ' . . . . .. . ."..A A FILQSOPIA MORAL antíteses às ' . " -.. , . quais chegara a filosofia da . I alguns pensadores' de' 're·t phYSIS./ Até a tentativa d~ ornar e voltar d~:"-', e correçoes. o pensamento de um a e encer. com oportunas exemplo. a tentativa de Hí on d ou outro dos antigos mestres (por de Apolônia de defender a ~OUtrie d;fcnder Tales, ou a de Dióoenes como vimos acima, que então ~~ o ar d~ Anaxímenes) demo~stra' a pe~q.u;~S!l.s!o_Pri..f!~!.e!?'de todas aas ~.~~I~~es~~~I]U)a_tidas e qud possl,~~~!..d.~~~_~ocado-õSpróPri'1;,~,~~s!~,~mha esgotado todas as pe.ns~mento filosóficõdeixasse d~sla~~I~S. E~ fatal, portanto, que o pnp. Interesse par.a outro bl . phYSIS, e deslocasse o ._.. . . o jetivo, pra, '_.:' : O novo objetivo foi, justamente I daram por completo ou sõ marg' I I aque c que os naturalistas dcscui tud I ma mente toe . - e o o que há de tipicamente human . aram: vale dizer, o homem para os sofistas o homem e suas . <0Dl~~uJto bem Nestle: "[...] • ;eflexão. Também para eles valec~aç?cs espmtuais estão no centro da t EI~fez descer a filosofia do céu sObqutloque ~~~diz -º-~Sócrates' 1 e n . re a terra, troduzi . - '- .. }~ casas e obngou-a a refletir sob . .~n uziu-a nas cidades . ..': ben: e o ma[.Wara ~_homem como e re ~ v~d~e os Costumes. sobre o Knc.;t,: : socledad~Lqlle se volta-ã at--';'-(f~2~lvldual e como membro da " de-se que os te~--d ---o '- ~.!!Ç~o.~_-ª_.~offstíca"H.EPQriSS~;--m--<> , ad ommantes da esoe J • ,preen-' n o a_~tiC:3,.~P9JW,Ç-ª-;arétó~a~CLJ. ~çaº ~ºfi.stica tenham se tor- ~do aquiloque nós _h-;j;~ham;~~s ;t hQg!!.<!L.ª-reJ.igiãO~~d~Q.qção, sofistas, em suma, com - '''. - --~ cultura humanista. ICo --eça aquele que ..:; m os mado de período humanista da fit ' com ~xpressão correta, foi cha- .Nós, porém, não poderíamo osofi~ antlg~. do eixo da filosofia, se nos Iimitãs explicar este radical deslocamento fator negativo isto é r' - I semos a chamar a atenção pa. .\0 esgotame t d ra este na,tl:'~~!~.~lém e junto~m isso n ~ os recursos da filosofia da novas condiçõcs históricas que fora~gIra~, c de modo cTiC'iSivó:-ãs te no curso do século V a.C., e os novos urecendo progressivamen_ e também econômicos que em part ?S fermentos sociais, culturais pelas novas condições his;óricas9• e cnaram, em parte foram criados, 7. Cícero. Tusc .• Y, 4. /0. 8. Nestle, em Zeller-Nestle Die . , 9. Cf. sobre este lema o bei P./ulos. der Griechen. I, 2. p. 1292 SOllsllm. em SII/di di fi ' o ensan, de M. Untersteiner Le .,.' A/lieri e M U I, llosofta greca in OMn di Rodolfi M ~ onlllnl sociaü delta vol. li, pp, 233~~e8~IClOer,Bari /950, pp. 12/-/80 e ag~ra ~m ~~,.~i~giÚ(! ?<lr V, E, '. °1,SII, MJ/ao 1967'. r I ~ !:r I' j' :1 NA TUREZA E FINALIDADE DO MOVIMENTO SOf'íSTICO 193 \ -y.- \ Recordemos, antes de tudo, a lenta, porém inexorável, crise da ári~tQCrac~a,que vai pari passu com o poder sempre crescente do demos, do povo; o afluxo para as cidades, especialmente Atenas. sempre mais maciço dos rnetecos: a ampliação do comércio, que. superando os estreitos limites das cidades, levava cada uma delas ao contato com um mundo mais amplo; a difusão das experiências e conhecimentos dos viajantes que levavam ao inevitável confronto dos usos, costumes e leis helênicas com usos, costumes e leis totalmente, diferentes. Todos estes fatores contribuíram fortemente para o surgi- mento da problemática sofística.;\_~f.Í~e. d~_il!is~~..rac!a comportou também acrise da antiga areté, dos valores tradicionais, que eram justamente os valores prezados pela aristocracia. A crescente afirma- ' ção do poder do demos e a ampliação a círculos mais vastos da possibilidade de chegar ao poder fizeram ruir a convicção de que a ~é dependesse do nascimento, isto é. que se nascia excelente e não se tomava tal, e trouxeram para primeiro plano o problema de como se adquiriaa ~~)(,çe)ência política". A ruptura do restrito círculo da polis e o conhecimentnde costurnea, usos e leis opostos, deviam constituir a premissa do relativismo, gerando a convicção de que o que,S.@,ticl.Qj)Qreternamente vá LLcl.9... er,!.3.9..i!}~~.P,t:i..Y_a.Q9,Jle_Y5l10rem outros.l!mbjçntes e em outras circunstân~ias.! Os sofistas souberam apreender de modo perfeito estas instânciasda época em que vive- ram, souberam explicitá-las, dar-lhes forma e voz. E isto explica por que obtiveram tanto sucesso, sobretudo junto aos jovens: eles respon- diam às reais necessidades do momento, diziam aos jovens, que então não estavam mais satisfeitos nem com os valores tradicionais que 8:_ velha geração propunha _n~mcom o modo pelo qual os propunha, a . palavra nova que e1es esperavam. .. .. ..- .... ,-- 3. O método indutivo da pesquisa sofística É bem evidente agora que, mudando o objeto de pesquisa rela- tivamente aos naturalistas, a sofística devia mudar também o método. Enquanto os filósofosda natureza, estabelecido o princípio primeiro. deduziam delç-ª~_.yJ.rills .conclusões. procedendo com método prioDtariam~tUt. dedu tivp , os sofistas, como bem notou Nestle, se- . " fi, 11 I I i I I I í I' NATUREZA E FINALIDADE DO MOVIMENTO SOFíSTICO 195 i I, I~ I t', i .. 194 o'A FILOSOFIA DA NATUREZA À FILOSOFIA MORAL guem um procedimento prioritariamente empírico-lndutivo: "A sofistica [...] -'-'escreve' o' estudioso alemão - tem seu ponto de partida na experiência e tenta ganhar o maior número possível de conhecimen- tos em todos os campos da vida, dos quais, depois, extrai algumas conclusões, em parte de natureza teórica, como por exemplo sobre a po2Sibilidade do saber, sobre as origens, o progresso e o fim da cul- tur~~I!l,~na, sobre ! orige~ e a constitui<ião da Iín,Bua,sobrej',9.Íj~ gern.e.aessênciada religião, sobre a diferença entre livres e escravos,_ hcl.C,nou.pArbar9s; em parte, ao invés; de natureza prática, sobre a configuração da vida do indivíduo e da sociedade. Ela procede, por- tanto, segundo o modo ernpírico-indutivo"!". .' .:;; d Contra a pretensão daplano e assumiram um novissimo slgmj.ca,?:. . . . nobreza, que sustentava ser a virtude uma prerroganva d: ~asclmento e de sangue, os sofistas pretenderam fazer valer. o pnnclplO segundo o qual todos podem adquirir a arete, e esta, mais que na. nobreza de sangue, funda-se sobre o saber. E à luz disso explica-se ainda melh~r o fato de os sofistas quererem ser dispensadores do saber, e nao simples indagadores, m~s (fq,i.dito corretamente que!..,com os sofistas nasce a idéia ocidental de educação, que ~ estrutura .e ,se .' constit~i j~sta~ente sobre o saber)' I. E se é verda?~ qu~ os soflst~s nã~ estenderam a todos ° seu ensinamento, mas so a elite que de:la . h ' direção do Estado não deixa de ser verdadeiroou quena c egar a ' . que, com o seu princípio, rqmperampelo menos o preconce~to que via a areté necessariamente vinculada à nobrezade sangue. -_.... ~ 4. Finalidades práticas da sofístlca ./a.:C/, f /' o que expusemos até aqui permite-nos compreender os aspectos dá sofística que no passado foram menos apreciados, ou até mesmo considerados totalmente negativos. Insistiu-se muito, por exemplo. no fim prático e não mais pura- mente teórico da sofístíca e isto foi considerado como uma queda _ ';;;..especulativa e moral. \Os filósofos da...!!Jl.tureza- diz-se - buscavam a verdade por si mesma, e o fato de terem ou não alunos e!!.plI.ramell- te acidental; ao contrário, os sofistas não buscavam a verdade por si mesma, mas tinham ppr objetivo o ensinamento, e o fato de terem discípulos era, ao invés, para eles,essencial. :§!!l.~m.ª:_g~_.~rll'tas faziam do_seu..sa~L.!!,-J1l~rdadeira profissão..!.:'Ora, por mais verdade que estes juizos contenham, erram o alvo, se illo se tem bem presente o que segue. É verdade que os sofistas comprometeram em parte o aspecto teórico da filosofia; mas, dado que a ternática por eles tratada ,não dizia re~~ito à physis, mas à vida dos homens e aos problemas étiço-AAlíticos cQocreto~ão é menos verdade que, contrariamente aos naturalistas, eles deviam ser levados pela necessidade das coisas a finalizar praticamente as suas reflexões. Mas a finalização prática ..-o" ~ das suas doutrinas tem também um elevado significado: fom ele~,_q_ problema ed3cativo.e oemp~'!.h..o. pe,cjagºs!co ~f!lEsiram ~o..P..(!'Ej!:o 10. Nestle, em Zeller-Nestle, 1,2, p. 1294. ,. homem fazendo assim de Protágoras um precursor demas a especle '. . . Kant3J mas todas as nossas fontes antigas excluem dec,ldldamente a põ-SSibilidade desta exegese. O homem do qual Protago~as fala é exatamente o indivíduo singular. Platão, reportando O axioma, co- menta: ~__0- íE não quer dizer com isso que, tal como ~s coisas individuais me apa- recem, tais são para mim, e tais a ti, tais para ti, porque és homem como eu homem? ( 1mas não acontece ãs vezes que, soprando o mesmo vento,sou . ... ." ? um de nós sente frio e o outro não? e um sente pouquíssim~, ~ o outro m~lto. [ 1 E então como chamaremos este vento: frio ou não-fno. Ou deveremos; ;~~ditar e~ Protãgoras, que para quem sente frio é frio, para quem ~ãO f sente, não é?4 : -- / :\. Que se trate dos indivíduos singulares, confirmam-no também"-- Aristóteles5 e Sexto Empírico: E por isso Protágoras só admite o que aparece aos indilllduos singulares, e assim introduz o principio da relatividade6• Ademais, Protágoras não deve ter desenvolvido uma d~~Eina f·;:ç)(iiét3~: gnosiológiCa de modo sistemático, o~sej~! ..~_~~~_~~_ger~1 ~.o\::~~{\:;:ei·~' cõi1hecimeiito; os diferentesvalores gnoslo16g1cos do pnncípI? do."v, home~~~edidá-destacados por Platão e por Aristóteles São, mais do, que outra coisa', explicitações e conseqüências tirada~ ~or ~stes filó- .. sofos. E, analogamente, é quase certamente uma exph~l~çao de Pla-; tão e de Aristóteles a ligação sistemática desse rel~tlvlsmo com a doutrina heraclitiana do perene fluxo de todas as C~ISas.Protágoras deve ter estabe1ecido o seu principio de modo empírico, generahzan-' do a constatação das opostas avaliações que os homens dão de todas as coisas, e não no quadro de um estudo sist~m~tico da ~atureza do conhecimento: desse modo ele (assim como Já tinham feito ~s nat.u- ralistas) contribuiu notavelmente para o nascimento ~a gnoslOl~gta, mas não fundou. esta ciência (para fazer isto el~ de~e?a ter analisado sistematicamente O conhecimento sensível e o inteltgtvel. ter posto o problema da natureza epistemol6gica do verdadeiro, e, em geral, dos PROTÁGORAS 201 11. PROTÁGORAS .,; .: . t 1. O prlncíplo do "homem-medlda"/( 1'-- .". '. . ':'\F't~~;<',:r,,]: ~~ i A proposição fundamental de Prôtágorás';"o maior e mais famoso dos SOfi~~', foi o axioma: "O.h~fu~!iiéàjl1'~(Hdade t~as as coisas,J das que são pelo que são, edasque~nã~,s~o:pe19.que não são'", E por "medida:' ProtágQras deve ter'entêndfd6'fi1otmà: dojufzo, enquanto por "coisas" deve ter entendidotodósos'Ja:tds"érri geral. O axioma .' totnou-Se logocelebérrimo, e roi con~ideradó;eié'efet1vamente, a mag- . ....h na carta do relativismoOCiden~S::S9fu.:º~p",tirÊlli12:!i<?].o.I!!em-medjda, ~ '\" Protág.2~~_pretendia, indubitâvelmêhtê/negat(à;e,dstência de um crité- rio absoluto que discriminasseóser.e-o.nãõ-sérç'o verdadeiro e o falso e,.!J!l gcrnCiodos os vat0I.!9();~ritérii:)'éa "nâSrelativo, é o homem, o homem individual. .\".,': ;";;i;J;'fi'L.t~*~>!,:':','. . Algum estudioso teÍ1!ouintemtar .. ~ hhdpio protagoriano sus- tentando que o homem do qualete:falâ:'hãd:.é!,ôjhomem individual, ----------. -.;..,~,,'-;::':-·~~ •..<;...:.~~·~.;..:,~~..•~:·"'j:·.;..:~S~;::úi1~r.~~:~r~i.~~{::~:;.~.... I. Protágoras nasceu em Alx;lérn;·ptovavelmenté hodeCêOloentre 491 c 481 a.C. Viajou pelas várias cidades gregàs;segúTldciõi:ostume"d~írX!O$.llS sofistas, e esteve mais de uma vez em Atenas, onde!alçàflçoú~trÍ\JÍlfais,ilucess'(~;de público. Foi muito ~~CC~oat~:~:M~~: ~1*~~0)~~~~'~~~~~fts~~~~e~~~~~~I 80 A I) refere que. por causa das hPlnlõe$'profêssadas,spbre tIS deuses (e das quars falaremos), os atenienses teriambaiiido protágl;rns.iladdáde;':seqiléstrado e queimado os seus livros em praça püblica, MII$.ÍiiiOtkia.édvVtdósa,!dádti'~éjuêPlatão, no diálogo dedicado no Sofista (cf, Prortlgorasi317b);'fá:lo:diiê(nã&"te'rtlUnca sofrido qualquer represália pelo fato de ser e se procliÍ!Mr soflsJl: (~.rI<i:~iâlôgJ.Protãgorasé represen- tado, então, pleno de anos e deexpeíiência);'~'ébem(jitJcirêiue, 'Se fosse verdade o que diz DiógenesLâercio, Píatão pudesse.fàiê-lopn;niJndaí.attr'riía<;rlés· daquele teor. Morreu em tomo ao final do Século. A obra iriaiôrdet>rotágoríi$'deVê ter sido Sobre a Verdade, que, provavelmente, tinha como subtítUlo Rd.cIOdriios·dl/"IO'iidor~s. Junto com esta obra, devia ocupar um lugar importantena píUduÇã(;'protàgi>nana também o escrito intitulado Antiloglas, que devia conter o método de di$êu'$sãÓ·dó-Sdfisi.à~.(Sobre a vida e obra de Proiá'z!lras, o leitor encontrará grande: quantiJ.àdt<!e'irtf!\?ffiâçôes ~ment(ls em Zeller-Nestle,Die Philos. der Griech<n, I, 2; W.J296-1304c, sobretudo, emUntersteincr, I Sofisti, '101. I. pp. 13-43.) . .';i':;S,,''':·.. ii, : 2. SextoEmpírico, Adv. math.; VII,60:P!liÍão;Tuie/o,!'fSle-152 a (- Diels-Kranz, 80B 1).Cf. também Diôgenes Laércio,IX, 51,(- Dlels-Kraiiz,' 80 A 1).." .,.. :.-1 "0 ' 3. Cf, especialmente Gomperz, Pensatori greci, \I, pp. 268-284. 4. Platão, Teeteto, 151 e·152 a (- Diels·Kranz,80 B 1). 5. Anstõteles, Mcrafrsica. K 6, 1062 13ss. (- Diels-~ranz., 80 A 19). 6. Sexto Empírico, Esboços pirronianos, 1. 216 (- Dlels·Kranz, 80 A \4). .1 .' ...•...~-. .."..,w~~l~'il;1~;'< .,. j~:;r;,r·· i,r,;,;:~ '202 DA FILOSOFtÁ~~ NATIJRtk~'À FILOSOFIA MORAL ... '::'i>;':::,· problemas cognoscitivos; mas só com.:Platãôec'ô~Aristótcles estes problemasamadurecerão). Além disso~~le' nãÓ'e:stendeu sistematica- mente a tudo o seu principio, valendo-se dele)'âó invés, como cânon fundamental para o seu ensinamentodaareté,:isf,o}, para a sua obra educativa, como agora veremos. .:,·,:t' '!:.:"'. ',: ;'·i ' .: -. :::-:.:...~..:: .. ;.:r·. 2. O princípio das duplas razões contradlionas e a sua aplicação ;.' " i _/ O relativisrno expresso pelo princípio do homem-medida deve ter v , encontrado um aprofundamento naobraIntitujada As Antilogias. Segundo Diógenes Laércio, Protâgoras afirmava que "em torno a cadaso}sa existem dois raciocíniº-t..qll!u~cQniTaPõe~ entre si''7, isto é, que sobre cada coisa é possível.dizer econtraª-~r:, ..aduzir razões q~ fecjpl~!n~º,~~.~~. anuJ~!.E Aristóteles refere-nos que Protâgoras ensinava a "tornarmais fºrt~_º.Jl!.Et1.meIl.tQ)náis·ft:.ágil''l!. Destas simples afirmações também é fácil reconstruir o objetivo visado por Protágoras e por todos os que o imitaram, "~o.S!o.g~() seu . objetivo - escreve Robin - é o..§~~~_<I:l:.oa'luno PE~.J~~.o.~. .o_s conflitos de_p~!!.s~e!l!g_o!lAe..açãº.d.9~_g~.~isaviº~QÇLal P9.d..~~r a ocasião, o seu método será, portanto, essencialmente a antiíogias»: a .controy§rsia..a...Q~.9 das vári~1!sesP9.ss1veJ.s~Ql?l.t?sI9Jerrni.!la- dos temas, ou hipóteses, convenientemente definida~...<?I!_~.~~}~g!l-das; tr~.:~. d~.~nsiÍlar a criticar e a discutir, a orsanizar um torneio de razões contra razões'", Protágoras, portanto, com base nestas premissas, devia ensinar como sobre cada coisa (e, em particular, sobre aquelas que diziam respeito â vida ético-política) é possíveladuzir 'argumentos pró e argumentos contra, e devia ensinar como é possível sustentar o ar- 7. Diógenes Laércio, IX, 51 (- Diels-Kranz, 80 A'I - 80 B 6a; ef. também 80 A 20). . . ' 8. Aristételes, Retôrica, B 24, 1402 a 23 (-Diels-Krani, 80 A 21, a õb), 9. Robin, Storia delpensiero greco,p. p9. Refere, de resto, expressamente Di6gcnes Laércio, IX, 53 (- Dlels-Kranz,80 AI): "Por primeiro ensinou () método de confutar termos dados, como afirma odlalético Artcmiodoro no livro Contra Crisipo", . .', . .' --., ~'. '. .. .' : ,:"' ... . ~.-. PROTÁGORAS 203. gumento mais frágil. O que certamente não significa que ele ensinas- se a injustiça e à iniqüidade contra a justiça e a retidão, mas simples- mente que ensinava os modos com os quais era possível sustentar e levar à vitóriqoargumento (q~~}qtl~r3ue12.~~~.?se~_~.?nteMo) que. na discussão. em determinadas circunstâncias, podia resultar o ~U1is . frágil. Jitim ~o d~sse'procecÜmento pi:ôtagorlano 6, muito prov'avel- . mente, o escrito anônimo intitulado Rgç.iocínios duplos, relativo aos . valores éticos à ensinabilidade ou não di'.Vilti~M e ao critério da='::"':==.J.I.-...-.:,=-. -. "=="~=--''-__'"='_'' z:=.,=-... - escolha dos cargos políticos. Escreve o Anônimo: Uma dupla ordem de raciocínios se faz na Grécia, pelos cultores da filosofia, em tomo ao bem e ao mal. Alguns sustentam que o bem é uma coisa, o mal, outra; outros, ao contrário, que são a mesma coisa; o que para alguns seria bem, para outros é mal; e para o mesmo indivíduo, seria ora bem, ora mal. Quanto a mim, eu me aproximo destes homens; e buscarei as provas na vida humana (.,,]10. E depois de ter aduzido uma série de razões inspiradas no relativismo protagoriano, do qual nos é dado testemunho paralelo por Platãoll, conclui o Anônimo: E assim não defino o que é o bem, mas empenho-me em ensinar isto, que o bem e o mal não são a mesma coisa, mas que cada um dos dois pode ser um ou outro". A mesma coisa o Anônimo ~~te para _2...be!Q.~9 feio, o justo e o injustõ, 'õ-~erdadeirõ-eOTa1so, a Jocura e a sabedoria. INã~ se) I defin;aes'!!!cia dos ,alo"" mas mo!."-s"o<l~_~..,'rie_~aWes que ..fazem.parecer.uma .c;g.1sa6º-~,J1.~1?..l:_~§.Í.!!l..Q9rdian.~ .~ a outra série de. ra:Z;9çs gU~.ªfazemparecer má, e assim por diante_\--- .. _I 3. O ensino da "virtude" e o sentido deste termo Estarnos agora em condições de compreender em que consistia a excelência da qual Protágoras se professava mestre e que levava os 10, Raciodnios duplos, I. 1-2 l- Dicls-Kranz, 90 (vol. lI, p, 405»). 1l . Cf. Platão, Protâgoras, 333 d, 334 a (- Dicls-Kranz, 80 A 22). 12. Raciocínios duplos, I, 17 [- Diels-Kranz, 90 (vol, li, p. 407)), 204 DA FILOSOFIA DA NATUREZA À FILOSOPIA MORAL .1 .~=:'.':;\\'. ~ : ~. l" , 'A'::::-;:·'-' I jovens a acorrerem a ele em multidão. No diálogo homônimo.Platão , faz dizer o nosso Sofista: . ; O meu ensinamento concerne à astúcia, seja nos ,assultlos privados - isto é. o melhor modo de administrar a própria casa - seja nos assuntos públicos - isto é, O modo de se tomar sumamente hábil no governo da coisa ;pqblica, nos atos e nas palavras" . . . j, Ora. esta "astúcia" (eubouUa) é exatamente a habilidade no falar. <, sobretudo em público, díãõiedos tribunais e assembléias, e Protâgoras ' ':a 'considera ensinâvel, justamente mediante a técnica da antilogia e ,a icotiseqüente técnica que mostra como fazer prevalecer qualquer p~nfo de vista sobre o oposto.v " "L'Éclaro, portanto, que devemos dar à areté, não o sentido cristão devfrtude, mas o sentido original de habilidade (aquele mesmo sen- tido que Maquiavel retomará falando da virtii do Príncipe): de fato,:é .evídente que apresentar-se como mestre de virtude, entendida no primeiro sentido, é ridículo, enquanto não o é no segundo. E se Sócrates ,"e ~látão contestarão a ossibilidade do ensino da virtude, será 'pO«i~e 'des se recusarão a entendê-Ia como mera a 11 a c, como veremos ·ádlarite. :i3. Platão, Protâgoras, 318 c (- Diels-Kranz, 80 A 5); cf. sobre isto, o nosso comfntário ao Protâgoras, Brescia 1969, p, 49. -' I, 4. Llmltação do alcance do princípio do "homem-medida;' , ':Jã dissemos qual o alcance e os limites do princípio do homem- -medida. Estes resultarão ainda mais claros a partir do exame da forte redução do alcance do principio, operada por Protágoras, no que diz respeítoã sua aplicação ao campo da práxis. Se é verdade que não existem valores morais absolutos e. portanto, um bem absoluto, toda- via é verdade que existe algo que é mais útil, mais conveniente e por isso ~is oportuno;O.l.ªpio nãQ..Lll.g!!~~qlle_.ç(),!\Q.ÇÇ~.9.~jl}~~is.~ll.tcs ~, valores absolutOS, mas o qu~,ç_~nhec.~J!_!.:~~'!.tf~())11~i~9!i1tnaiscon- ,I, ven.ientt;~..m,a.is,()pot:tUno,esabe atuá-loefazê-lo atuar -.Eis a página do Teeteto platônico, que define esplendidamente este modo de pro- , -'ceder protagoriano, que por boas razões poderemos chamar, com um termo moderno, de "pragmático".
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