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1 Pensamento Adriano C. T. Rodrigues 2 Pensamento • Atividade ou função cognitiva superior pela qual, de modo explícito ou tácito, e com graus variados de complexidade, dados pré-existentes são associados de modo produtivo. • O pensamento permite compreender o mundo, produzir novos dados e reconceber a realidade. 3 Elementos básicos do pensamento • Elementos de suporte ou estruturais - signos (significante + significado) - juízos (signo — signo) - argumentos (juízo 1 + juízo 2 juízo 3) • Elementos processuais - associações - raciocínio 4 Dimensões do pensamento Além de seus elementos materiais e processuais básicos (signos, juízos e raciocínio), o pensamento pode ser analisado segundo aspectos dinâmicos, sintáticos e semânticos de maior amplitude. • Curso ou fluxo – a cadência, ritmo e velocidade do pensamento. • Forma – a estrutura ou arquitetura do pensamento. • Conteúdo – a ordem ou categoria semântica que predomina no pensamento de um indivíduo, ou que, pelo menos, é mais persistente e afetivamente mais carregada. 5 Perturbações conceituais • Comumente, as perturbações das relações entre significantes e significados são denominadas ‘perturbações conceituais’. • Tipos mais relevantes: - desintegrações conceituais: a noção de ‘ave’, por exemplo, pode ser fragmentada de uma forma arbitrária e idiossincrática. A palavra ave pode passar a denominar conjuntos completamente diferente de coisas. - fusões conceituais: duas idéias ou noções distintas são fundidas de forma arbitrária e idiossincrática, podendo receber um novo nome. Obs: Desintegrações e fusões conceituais em geral resultam em usos peculiares para as palavras ou na criação de novas palavras (neologismos). 6 Perturbações dos juízos • São perturbações dos processos associativos em si mesmos (incluindo raciocínios), ou do curso, forma e ‘conteúdos’ dos pensamentos resultantes. • As perturbações do juízo de realidade (delírios) serão estudadas, seguindo a convenção, ao se falar das perturbações dos conteúdos. 7 ‘Alterações’ do raciocínio ou dos processos associativos • Comumente também constituem alterações do curso ou forma do pensamento, resultantes de processos associativos alterados. Pensamento mágico: Não submetido aos princípios da lógica formal. As associações realizadas são espúrias (por razões diversas, mas sobretudo afetivas). Ex.: Em todas as finais disputadas por seu time, usar a mesma roupa usada numa final de campeonato em que ele foi vitorioso. 8 Estilos ‘alterados’ de pensamento • Pensamento derreísta: Ignora-se os princípios da lógica formal e os dados da realidade apenas quando convém. Quando convém, eles são respeitados. O indivíduo vê o que quer ver. O pensamento faz do mundo o que convém ao indivíduo. “O entendimento humano, uma vez que tenha adotado uma opinião, conforma todas as demais coisas para lhe dar suporte e consigo concordar. E apesar de um maior número e preponderância de exemplos em favor do contraditório, ele ainda assim os negligencia e despreza, ou, de algum outro modo, os põe de lado e rejeita, com fim de que, por esta perniciosíssima pré-determinação, a autoridade de sua primeira conclusão permaneça inviolada” (Francis Bacon). • Ex.: O idealista apaixonado por um plano comumente vê todos os elementos que consubstanciam sua exeqüibilidade, mas é incapaz de ver, e até se irrita, quando lhe apontam as evidências do contrário. • Ex.2: Falsos estudos sobre a natureza da homossexualidade foram descartados por grupos de indivíduos que acreditavam no oposto. De fato, todo o método científico foi por eles rejeitado. (Munro, 1997) 9 10 Estilos ‘alterados’ de pensamento Pensamento prolixo (circunstancial ou tangencial) : - O pensamento dá muitas voltas até chegar ao ponto (circunstancial), ou mesmo com muitas voltas jamais chega ao ponto, apenas tangenciando-o (tangencial). - O indivíduo é incapaz de abdicar das idéias acessórias, ou não consegue avaliar sua relevância reduzida. O pensamento é ‘tragado’ pelas mesmas e se perde em digressões. Pensamento concreto : dificuldade com abstrações, simbolização e linguagem figurativa. O paciente tem dificuldades ou mostra-se incapaz de interpretar um simples provérbio ou uma brincadeira com duplo sentido. 11 Estilos ‘alterados’ de pensamento • Pensamento inibido e pensamento pobre : No primeiro caso o pensamento parece claudicar, com uma produção difícil de juízos. No segundo, o pensamento é simplório em sua temática e precário na qualidade do raciocínio envolvido. • Pensamento obsessivo : Caracterizado por idéias ou imagens reentrantes, incontroláveis, incômodas, ego-distônicas e compreendidas como absurdas. 12 Alterações do curso do pensamento - Aceleração do pensamento: psicoestimulantes, quadros maníacos, pressão ideomotora em quadros ansiosos. - Lentificação do pensamento: quadros depressivos, substâncias depressoras do SNC. 13 Alterações do curso do pensamento Bloqueio do pensamento: O pensamento é interrompido de maneira involuntária, brusca e inesperada. Roubo do pensamento: Semelhante ao anterior em termos de perturbação do curso do pensamento, mas a ocorrência é interpretada de modo delirante pelo paciente (típico da esquizofrenia). 14 Alterações da forma do pensamento Fuga de idéias: - A aceleração do pensamento é responsável pela perturbação de sua forma. O pensamento, galopante, toma atalhos inadequados. - Com a sucessão rápida dos juízos, a ligação entre os mesmos passa a ser mediada por liames inadequados, como a semelhança fonética ou estímulos externos. - Pode haver maior ou menor perda da coerência (sintaxe) do pensamento. 15 Ex.: na fase prodrômica de um quadro de esquizofrenia um paciente responde sobre sua intenção de voto: “eu vou votar no X, mas esse negócio de eleição nunca foi meu forte...uns falando mal dos outros...dignidade é coisa rara no mundo contemporâneo”. Ex.: indagado sobre o fim de semana na praia, um paciente com esquizofrenia responde : “foi bom...sabe como é, é preciso respirar bem pra viver decentemente...um bom salário e boa alimentação também”. Ex.: Outro, com o mesmo transtorno, fala: “Nossa, que remédio ruim ! E será que vai ter jardinagem, hoje? Tenho que entregar as roupas sujas na lavanderia. Mas pior é o Vasco. Você não vai anotar nada, doutor?”. Ex.: um outro diz: “ah, você sabe como é meu pai...e essas coisas de imperialismo, não sei não, hein. Aí só me resta ir caminhando contra o vento...mas e se esses judeus me roubarem?...no almoço é que não perpetua”. 16 Alterações do conteúdo do pensamento Existem perturbações do conteúdo do pensamento? Delírio: crença ou juízo patologicamente falseado, caracterizado por sua incorrigibilidade, pela certeza subjetiva com que é sustentado, e por seu caráter extrínseco ao conjunto de crenças socialmente sancionadas. Pode ser: - simples (com temática única e mais restritos); - complexo (temáticas variadas e mais pervasivos); - sistematizado (com um enredo complexo e bemestruturado); - não sistematizado (idéias delirantes isoladas ou não relacionadas). 17 • Exemplos segundo conteúdo, complexidade, sistematização. • Ex 1.: Em certo paciente, nascido e residente em Teresina, a única crença delirante se referia à certeza de ser monitorado pela máfia, tendo esta intenções malévolas. [quadro delirante simples, não sistematizado, de conteúdo persecutório]. • Ex 2.: Uma paciente dizia estar com o corpo infestado insetos. Acreditava que eles foram colocados lá por uma feiticeira (nunca vista), e que a função destes vermes era devorar sua santidade e impedi-la de redimir a humanidade. [delírio complexo, sistematizado, com conteúdos de ‘infestação’, persecutório e religioso]. 18 • Exemplos segundo conteúdo, complexidade, sistematização. • Ex 3: Ao longo de muitos anos a paciente mantinha apenas 3 delírios. Segundo um deles, ela estaria por receber uma fortuna pelas músicas telepaticamente enviadas a Roberto Carlos. Também acreditava que seus ossos haviam virado ‘mingau’ e que as pessoas xingavam-no às escondidas. [quadro delirante complexo, não sistematizado, com conteúdo grandioso, cenestopático e auto-referente]. 19 Semiotécnica do pensamento • Lembrar de analisar: - Os elementos de suporte: há perturbação conceitual? - Há um estilo característico do pensar? - Fluxo do pensamento : aceleração, lentificação, bloqueio, roubo? - Estrutura do pensamento: afrouxam., descarril., desagregação? - Conteúdos: há algum conteúdo típico? • Tipicamente todas estas características ficam claras enquanto o paciente narra sua história ou sintomas. • Capacidade de abstração pode exigir testagem. 20 Linguagem 21 Linguagem • Conjunto dos suportes simbólicos do pensamento e sua articulação. É o meio de materialização e compartilhamento do pensamento. • Para que a linguagem se constitua, em sua forma humana, é preciso pensamento. Para que o pensamento se materialize é preciso linguagem. 22 Alterações da linguagem • Afasias: Perda, ou significativo prejuízo da linguagem falada e escrita, por incapacidade de compreendê-la ou produzi-la. Por definição, têm natureza orgânica. 23 Alterações da linguagem 24 Tipo de afasia Fluência Compreensão da linguagem Topografia Manifestações associadas Motora ou de expressão (de Broca) Não fluente. Não emite as palavras. Discurso pouco volumoso e telegráfico. Preservada Área de Broca Agrafia. Geralmente deprimido. Paresia do MSD de compreensão (de Wernick) Fluente, mas incompreensível Comprometida Área de Wernick Humor normal ou expansivo. Alexia. Anosognosia. Global Não fluente Comprometida Ambas as áreas Anosognosia. Agrafia. Alexia. 25 • Parafasias: distorção ou troca das palavras por outras palavras relacionadas. Ex: ventilador fenilador (parafasia literal ou fonética) garfo faca (parafasia verbal ou semântica) • Circunlocuções: desvios ou voltas no discurso, que ocorrem em substituição a expressões mais diretas. Ex.: “Alguém precisa vir limpar esse assento acolchoado (sofá)”. 26 Alterações linguagem (aspecto mecânico da fala) • Disartria : disfunção da articulação da fala relacionada a alterações neuro-motoras. • Disfonia e Afonia : alterações na sonoridade da fala ou incapacidade de produzir voz, por disfunção do aparelho ‘fonador’. • Disfemia : qualquer alteração da fala de fundo psicogênico. Comumente simula uma afonia. 27 Alterações da linguagem (fluxo da fala) • Bradifasia / Bradilalia: Fala lentificada. Ocorre em quadros depressivos, em intoxicações por substâncias depressoras do SNC, e ocasionalmente nas demências e esquizofrenias. • Taquifasia / taquilalia (logorréia): fala aumentada em quantidade, acelerada, muitas vezes ininterrupta. Caso não haja prejuízo da coerência, pode-se chamar de ‘loquacidade’. É conseqüente a uma aceleração do pensamento. Se vê principalmente na da mania e intoxicações por SPA. . 28 Alterações da linguagem (volume e quantidade) Hiperfonia: elevação do volume da voz. Pode ocorrer por excitação, ansiedade, irritação ou como uma estereotipia. Hipofonia: redução do volume da voz. Ocorrer principalmente na depressão, inibição, fadiga e demência. Fala de quantidade aumentada (logorréia): a fala pode estar aumentada em quantidade, mas sem aceleração. Ocorre em quadros maníacos, tóxicos, ansiedade e em certas personalidades. Fala de quantidade reduzida (oligolalia) : a fala pode estar reduzida em quantidade, ser econômica, sintética ou inibida, sem necessariamente estar lentificada. Pode ocorrer em depressões, pessoas ansiosas, tímidas, retardos mentais, esquizofrenias, demências... 29 Alterações da fala (aspecto volitivo/automatismos/tiques) • Mutismo : ausência de linguagem verbal espontânea e de resposta verbal. - Fundamentalmente uma perturbação da volição, seja por perda da vontade ou por um ‘automatismo negativista’. Ocorre mais em quadros catatônicos (depressivos ou esquizofrênicos). - ‘Mutismo eletivo’, de natureza psicogênica, relacionado a conflitos interpessoais – há motivação para não falar. 30 Alterações da linguagem (aspecto volitivo/automatismos/tiques) • Perseveração: Repetição estereotipada das mesmas palavras ou frases. Típica da esquizofrenia. • Ecolalia: repete o que diz o interlocutor. • Palilalia: repete suas próprias últimas palavras. • Logoclonia: repete as últimas sílabas. 31 Alterações da linguagem (aspecto volitivo/automatismos/tiques) • Solilóquio: falar sozinho, comumente em resposta alucinações. • Mussitação: falar para si mesmo, em voz baixa, muitas vezes apenas com movimentos labiais.
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