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5 - A Nação - Ciência Polìtica - Paulo Bonavides

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5 
A NAÇÃO 
 
 
 
1. A Nação: um conceito equívoco? — 2. O erro de tomar 
insuladamente alguns elementos formadores do conceito de nação: 
raça, religião e língua — 3. O conceito voluntarístico de nação — 4. 
O conceito naturalístico de nação — 5. Passos notáveis da obra de 
Renan fixando o conceito de nação — 6. A nação organizada como 
Estado: o princípio das nacionalidades e a soberania nacional. 
 
 
1. A Nação: um conceito equívoco? 
 
Como tantos outros conceitos que entram na Ciência Política, o 
de nação tem sido incriminado de ostentar “caráter fugaz, 
plurisignificante e até equívoco” (Sestan). 
Uma das boas noções que esclarecem porém o significado da 
palavra nação pertence a Hauriou, quando o autor francês assinala o 
círculo fechado que a consciência nacional representa e a diferenciação 
refletida que a separa de outras consciências nacionais. Senão vejamos: 
A nação, segundo ele, é “um grupo humano no qual os indivíduos se 
sentem mutuamente unidos, por laços tanto materiais como espirituais, 
bem como conscientes daquilo que os distingue dos indivíduos 
componentes de outros grupos nacionais”.1 
Aldo Bozzi por sua vez repete outros publicistas ao acentuar no 
conceito de nação o idem sentire (o mesmo sentimento) “derivado da 
comunhão de tradição, de história, de língua, de religião, de literatura e 
de arte, que são todos fatores agregativos prejurídicos”.2 Sua 
formulação equivale evidentemente a patentear com clareza que o 
elemento humano pode constituir-se em bases nacionais, antes de 
tomar qualquer figura de organização estatal. 
Aliás desde vários séculos já Bodin conceituara o Estado deixando 
de parte os aspectos culturais de ordem nacional, hoje os mais 
competentes a definir a modalidade predileta de organização estatal. 
Com a propagação do princípio das nacionalidades, a vocação 
dominante tem sido a de estabelecer o Estado sobre bases nacionais. O 
Estado de Bodin porém prescindia dessas bases: 
“De muitos cidadãos... faz-se um Estado (république), quando eles 
são governados pela potência soberana de um ou diversos senhores, 
ainda que sejam diversificados em leis, línguas, costumes, religiões e 
nações”.3 Bodin, definindo assim o Estado, cometeu o mesmo pecado de 
Maquiavel e Hobbes, ou seja, silenciou, segundo observação de 
D’Entrèves, acerca do elemento nacionalidade, “já tão importante no 
século em que escrevia”.4 
Contribuição importantíssima ao conceito de nação, anterior sem 
dúvida à de Renan, deu-nos Mancini ao proclamar os fatores naturais 
(território, raça e língua), históricos (tradição, costumes, leis e religião) e 
psicológico (consciência nacional) que servem de fundamento à nação. 
Seu conceito de nação conserva a modernidade da época em que 
foi enunciado na cátedra de Milão. Em meados do século XIX afirmava 
Mancini que a nação é “uma sociedade natural de homens, com 
unidade de território, costumes e língua, estruturados numa comunhão 
de vida e consciência social,”5 
 
 
2. O erro de tomar insuladamente alguns elementos formadores 
do conceito de Nação: raça, religião e língua 
 
Vários elementos hão sido empregados como resposta à seguinte 
indagação: que é a nação? Feita aliás, sabiamente, por Ernesto Renan 
no célebre opúsculo que leva por título essa mesma interrogação. 
Um desses elementos tomados em conta vem a ser o elemento 
étnico: a raça. O nacional-socialismo de Hitler, pouco antes da Segunda 
Guerra Mundial, quis fundar todo o ideal nacional e resumir todo o 
conceito de nação e nacionalidade em bases étnicas, na raça alemã, 
tomada precisamente por valor superior às demais raças, numa linha 
de pureza racial em que os alemães cuidavam apresentar-se como o 
ramo mais nobre da família ariana. 
A tese racista tem sido, e com razão, violentamente impugnada 
por cientistas e sociólogos, que entendem não haver raça capaz de 
definir nenhum povo, nenhuma nação. As guerras, as revoluções, as 
convulsões sociais que se abatem sobre os povos, os vastíssimos 
movimentos migratórios que a história nos oferece, a par de 
movimentos de intercâmbio comercial, movimentos de contato entre 
povos, desde idades imemoriais concorrem na verdade para tornar 
suspeita qualquer pretensão de grupos humanos a uma linhagem 
incontroversa de unidade racial sem mescla. Todos os povos terão 
conhecido misturas em épocas recentes ou em épocas recuadas, 
principalmente nos períodos apagados da história, dos quais nenhum 
registro se conserva. 
Os judeus, por exemplo, formaram um dos casos singulares de 
povo que conservou relativa inteireza étnica. Mas já diz a Bíblia que este 
povo não é em verdade raça pura, sendo porém das raras coletividades 
humanas cujo evolver através da História podemos acompanhar até 
dois ou três mil anos antes de Cristo. Se nos volvemos para outros 
povos contemporâneos, fácil seria averiguar-lhe a origem histórica no 
encontro de muitas estirpes, no caldeamento do sangue de muitas 
raças. 
Confirma-se, por conseqüência, a tese de que não existe a 
pretendida pureza racial. E, por conseguinte, não é a raça elemento 
bastante para dar-nos os traços configurantes do que seja uma nação. 
Renan fora deveras claro e incisivo a esse respeito, quando afirmou: “A 
verdade é que não há raça pura e assentar a política na análise 
etnográfica é montá-la sobre uma quimera”.6 Deixemos portanto de lado 
os antecedentes étnicos de cada povo e busquemos outro dado que 
possa melhor caracterizá-la. 
Será porventura o princípio de confissão religiosa o elemento 
explicativo do conceito de Nação? A resposta mais uma vez é negativa. 
Evidentemente, podemos ter uma só religião referida a vários 
Estados, como temos Estados nos quais se professa mais de um credo 
religioso. Haja vista a Alemanha, metade protestante, metade católica. 
No entanto ninguém há-de negar ao povo alemão os atributos 
nacionais, ninguém lhe recusará a unidade cultural e sentimental que o 
distingue dos demais povos. Por outra parte, ocorre o caso de uma só 
religião abranger várias nações, distintos povos; o catolicismo em toda a 
América Latina, o protestantismo na Europa ocidental. Sem dúvida não 
seria o fator religioso aquele que nos proporcionaria o conceito de 
Nação. 
São rigorosamente legítimas pois as seguintes observações de 
Ernesto Renan: “Já não há religião de Estado; pode-se ser francês, 
inglês, alemão, sendo católico, protestante, israelita ou não praticando 
nenhum culto. A religião se tornou uma coisa individual, contempla a 
consciência de cada um. Não existe já divisão de nações em católicas e 
protestantes”.7 E a seguir, quando assevera que a religião passou ao 
“foro interno de cada qual” e “já não conta entre as razões que traçam 
os limites dos povos”.8 
Será então a língua o agente determinante da nacionalidade? Não. 
Por uma razão bastante simples: a história está repleta, não apenas a 
história, mas toda a vida contemporânea, de Estados ou comunidades 
nacionais onde se falam vários idiomas. Na Suíça, por exemplo, fala-se 
o italiano, o francês, o alemão. E quem recusará ao povo suíço sua 
condição nacional? Quem dirá que esse povo carece de atributos que o 
distinguem dos mais povos formando uma Nação? 
Ironicamente, Ernesto Renan escreveu a respeito do idioma, com 
assaz de razão: “Não se podem ter os mesmos sentimentos e 
pensamentos e amar as mesmas coisas em línguas diferentes? 
Acabamos de referir-nos à inconveniência de fazer depender a política 
internacional da etnografia. Inconveniente não menor seria fazê-la 
depender da filologia comparada”.9 
A indagação sobre o conceito de Nação cresce de vulto quando se 
retoma aquela perplexidade com que Ernesto Renaninterrogava: “Como 
a Suíça — que tem três línguas, três religiões, e não sei quantas raças 
— é uma Nação, enquanto não o é, por exemplo, a Toscana, tão 
homogênea? Por que a Áustria é um Estado e não uma nação?”.10 Fica 
portanto de pé aquela interrogação do ponto de partida: Que é uma 
Nação? Será porventura a raça? a religião? o idioma? 
É tudo isto, podendo ser algo mais ou algo menos que tudo isto. 
Em verdade, exprime a Nação conceito sobretudo de ordem moral, 
cultural e psicológica, em que se somam aqueles fatores 
antecedentemente enunciados, podendo cada um deles entrar ou deixar 
de entrar em seu teor constitutivo. A nação existirá sempre que 
tivermos síntese espiritual ou psicológica, concentrando os sobreditos 
fatores, ainda que falte um ou outro dentre os mesmos. 
Qual desses elementos — língua, religião, raça — se afigura de 
maior importância? A língua. Porque a língua é instrumento de 
comunicação, na verdade o meio de que o homem melhor se serve para 
comunicar idéias, sentimentos e formas de pensar, estabelecendo o 
diálogo, e, através do diálogo, dando resposta e solução aos problemas 
do presente. 
 
 
3. O conceito voluntarístico de nação 
 
O conceito voluntarístico de nação é o que decorre de todas as 
reflexões anteriores. Resulta da intervenção convergente daqueles 
fatores morais, culturais e psicológicos, frisados sistematicamente por 
Mancini e Ernesto Renan. A presença de tais fatores constitui o tecido 
de que se forma a chamada consciência nacional. 
O pensamento político francês e italiano exprimiu essa concepção 
nos melhores termos, emprestando-lhe do mesmo passo um teor de 
idealismo que resultou por igual no conceito de pátria, “aquele conceito 
mediador” que, segundo D’Entrèves une a nação ao Estado. 
A nação aparece nessa concepção como ato de vontade coletiva, 
inspirado em sentimentos históricos, que trazem a lembrança tanto das 
épocas felizes como das provações nas guerras, em revoluções e 
calamidades. Suscita também a comunicação de interesses econômicos 
e aviva os laços de parentesco espiritual, formando aquela plataforma 
de união e solidariedade onde a consciência do povo toma um traço 
irrevogável de permanência e destinação comum. Essa continuidade, 
cujas bases se estão renovando a cada passo, no acordo tácito da 
convivência, foi bem expressa com a imagem de Renan quando disse 
que a nação é um “plebiscito de todos os dias”. 
Exprimindo a concepção voluntarística de nação, Hauriou a 
apresentou como fruto da sociedade francesa, traduzindo-a sob a 
denominação de nação-solidariedade, um vouloir vivre collectif. A nação 
é concebida por Hauriou como “grupo fechado”, um todo, diz o autor 
francês, oposto às demais formações nacionais. Mas a oposição só se 
exprimirá naturalmente em termos de força quando objeto de 
contestação externa. O desenvolvimento pela nação de uma consciência 
exaltada de “grupo fechado” caracterizaria porém a anomalia do 
sentimento nacional e produziria internamente a distorção nacional. 
Pelo ângulo histórico redundou aliás na aparição do conceito 
naturalístico de nação, cujas bases vamos adiante expor. 
O “grupo fechado” que a nação constitui se atenua no conceito 
voluntarístico “adverso a toda clausura intolerante e exclusivista”. Esse 
conceito, acrescenta D’Entréves, “postula o florescimento da pátria livre 
numa civilização superior”.11 
 
 
4. O conceito naturalístico de nação 
 
Diretamente influenciado pelas concepções racistas, formou-se na 
Alemanha um conceito de nação que teve para aquele país as mais 
funestas conseqüências. O conceito naturalístico de raça não foi a rigor 
criação original do nacional-socialismo alemão, porquanto já no século 
passado seus fundamentos se achavam implícitos em teorias defendidas 
por Lapouge, Gobineau e Houston Stewart, os dois primeiros franceses 
e o terceiro inglês. 
Teorizaram eles acerca de uma suposta hierarquia das raças 
humanas, em cuja extremidade mais alta colocaram os povos 
germânicos, portadores de traços étnicos privilegiados em pureza de 
sangue e superioridade biológica, que lhes assegurava a supremacia na 
classificação das raças. A politização da teoria racista em bases 
ideológicas, servindo de esteio de toda uma concepção de vida e núcleo 
de um novo conceito de nação, resultou fácil ao nacional-socialismo, 
que provocou a Segunda Grande Guerra Mundial. 
O culto da nação recebeu logo o indumento místico. Festejou-se, 
segundo Hornung, a descoberta do princípio racista como “o feito 
copernicano dos tempos modernos”.12 
A ideologia nacional-socialista fazia de povo, nação e raça uma 
totalidade viva, exprimindo “a unidade bioespiritual do sangue e do 
solo”, uma “comunidade tribal”, fundada, segundo os ideólogos 
nazistas, exclusivamente nos elementos étnicos. 
O Volkstum ou seja o povo-raça resumia a nação, identificada no 
sangue e no solo, sendo o Fuehrer a personificação da vontade nacional. 
Daqui o princípio político da ideologia nacional-socialista que não 
admitia se contestasse a autoridade carismática do Chefe. “O Fuehrer 
tem sempre razão” era o lema arvorado pelos adeptos de Hitler (der 
Fuehrer hat immer recht). 
O conceito naturalístico em verdade consistiu numa deformação 
patológica da concepção de nação como “grupo fechado”, produzindo a 
modalidade mais insana de nacionalismo — o da raça, em moldes 
políticos. 
 
 
5. Passos notáveis da obra de Renart fixando o conceito de nação 
 
A nação não se compõe apenas da população viva e militante, dos 
quadros humanos que fazem a história em curso. Deita a nação suas 
raízes espirituais na tradição, vive as glórias que ilustraram o passado, 
professa o culto e chamamento dos mortos, reverencia a memória dos 
heróis e descobre com a visão do passado as forças morais de 
permanência histórica, que hão de guiá-la nos dias de glória e luz como 
nas noites de infortúnio e amargas vicissitudes. Mais do que o povo, 
que resume apenas a responsabilidade e o destino de uma hora que 
flui, a nação — soma e herança de valores — tem compromisso com a 
história; porque afirma em seu nome o presente e o passado, do mesmo 
passo que prepara o porvir, repartido este entre apreensões e 
esperanças, aspirações e sobressaltos. 
Sendo, com efeito, aquela “idéia clara na aparência, mas que se 
presta aos mais perigosos equívocos”, 13 a nação representa, segundo o 
mesmo Ernesto Renan, na imortal conferência da Sorbonne, de 1882, 
“uma alma, um espírito, uma família espiritual”.14 
Ao pôr de parte a língua e a raça, declarou Renan que “o que 
constitui uma nação é haver feito grandes coisas no passado e querer 
fazê-las no porvir”.15 Com igual brilho, o mesmo autor afirma: “A 
existência de uma nação é (perdoai-me esta metáfora) um plebiscito de 
todos os dias, como a existência do indivíduo é uma afirmação perpétua 
da vida”.16 
Definindo a essência espiritual da nação, escreve Renan em 
termos de inexcedível clareza: “Uma nação é u’a alma, um princípio 
espiritual. Duas coisas que, em verdade, constituem uma só, fazem esta 
alma, este princípio espiritual. Uma está no passado, outra no presente. 
Uma é a posse em comum de um rico legado de recordações, a outra é o 
consentimento atual, o desejo de viver juntos, a vontade de continuar 
fazendo valer a herança que se recebeu indivisa. O homem, senhores, 
não se improvisa. A nação, como o indivíduo, é o estuário de um largo 
passado de esforços, de sacrifícios e de abnegações. O culto dos 
antepassados é o mais legítimo de todos; os antepassados nos fizeram o 
que somos. Um passado heróico, grandes homens, glória — entenda-se 
a verdadeira glória — eis aqui o capitalsocial sobre que assenta uma 
idéia nacional. Ter glórias comuns no passado, uma vontade comum no 
presente; haver feito grandes coisas juntas, querer ainda fazê-las; eis aí 
as condições essenciais para ser um povo. Ama-se a casa que se 
construiu e se transmite. O canto espartano: “Somos o que fostes; 
seremos o que sois; é, em sua simplicidade, o hino abreviado de toda 
pátria”.17 
Em suma, com a simplicidade genial de seu estilo, o mesmo 
Renan: “O homem não é escravo nem de sua raça, nem de sua língua, 
nem de sua religião, nem do curso dos rios, nem da direção das cadeias 
de montanhas. Uma grande agregação de homens, sã de espírito e 
cálida de coração, cria uma consciência moral que se chama a nação”.18 
 
 
6. A nação organizada como Estado: o princípio das 
nacionalidades e a soberania nacional 
 
Os aspectos históricos, étnicos, psicológicos e sociológicos 
dominam o conceito de nação que também aspira ordinariamente a 
revestir-se de teor político. 
Com a politização reclamada, o grupo nacional busca seu 
Coroamento no princípio da autodeterminação, organizando-se sob a 
forma de ordenamento estatal. E o Estado se converte assim na 
“organização jurídica da nação” ou, segundo Esmein, em sua 
“personificação jurídica”. 
No confronto Estado-nação, cabe o primado à nação, segundo 
Mancini. Atribui ele valor jurídico às nacionalidades, e desenvolve 
aquela posição doutrinária que pretendia fazer das nações os 
verdadeiros sujeitos de direito internacional. O patriota da unificação 
italiana entendia que “as nações são obra de Deus e os Estados, 
entidades arbitrárias e artificiais, criadas freqüentemente pela violência 
e pela fraude”. Foi Mancini o principal artífice do chamado princípio das 
nacionalidades, que tanta influência exerceu na carta política da 
Europa, durante o século passado e ainda ao começo deste século, 
quando da celebração do Tratado de Versailles. Basicamente o princípio 
significa que “toda nação tem o direito de tornar-se um Estado” ou a 
toda nação deve corresponder um Estado. Mazzini aliás afirmou que “as 
nações são os indivíduos da humanidade.” 
Do ponto de vista da doutrina que se formou na Itália durante o 
século passado, a nação é o valor maior, e o Estado — forma puramente 
política — só se justifica quando representa o termo político e lógico do 
desdobramento nacional, o ponto de chegada necessário de toda nação 
que completa sua evolução ao organizar-se como Estado. No entanto, 
conforme assinala Biscaretti di Ruffia, a nação não somente pode 
subsistir fora de todo reconhecimento jurídico, senão também em 
contraste com a vontade dos Estados. Exemplo de anterioridade e 
exterioridade da existência nacional em relação ao Estado foi o da nação 
judaica depois que Tito destruiu Jerusalém ao ano 70 da era cristã. Os 
judeus sobreviveram como nação, apesar de politicamente destruídos 
como Estado. E o mais curioso, sobreviveram também contra a vontade 
dos Estados que os perseguiam. 
A doutrina política das nacionalidades experimentou seu apogeu 
com a chamada escola italiana do direito internacional, inspirando 
juridicamente os movimentos de unificação nacional na Itália e 
Alemanha. Esposava-se nessa doutrina o princípio de autodeterminação 
dos povos, tão em voga no sistema de relações internacionais, desde o 
século passado. 
Ao lado da repercussão externa do princípio nacional, é de 
assinalar o aspecto político interno da mesma tese que fez da nação o 
primeiro valor moral da sociedade politicamente organizada. O valor da 
nação na ordem interna antecedeu a proclamação de sua importância 
no domínio internacional. Serviu aliás de base doutrinária a todo o 
constitucionalismo liberal desde a Revolução Francesa. Constituiu-se de 
maneira revolucionária durante aquela época, ficando consubstanciado 
na doutrina da soberania nacional, que postulava a origem de todo o 
poder em a nação, única fonte capaz de legitimar o exercício da 
autoridade política. 
 
 
 
1. André Hauriou, Droit Constitutionnel et Institutions Politiques, p. 90. 
2. Aldo Bozzi, Istituzioni di Diritto Pubblico, p. 24. 
3. J. Bodin, De la République, I, 6. 
4. Alessandro Passerin D’Entrèves, La Dottrina dello Stato, p. 244. 
5. “Nazione è una società naturale di uomini, per unità di territorio, di origini, di 
costumi, di lingua conformata a comunanza di coscienza sociale” (Mancini apud Lea 
Meirigi, in: Nuovo Digesto, pp. 929-962). 
6. Ernest Renan, “Qu’est-ce qu’une Nation”, in: Oeuvres Complétes, t. I, p. 896. 
7. Idem, ibidem, p. 902. 
8. Idem, ibidem, p. 902. 
9. Idem, ibidem, pp. 899-900. 
10. Idem, ibidem, p. 893. 
11. A. P. D’Entrèves, ob. cit., p. 251. 
12. Klaus Hornung, “Etappen politischer Paedagogik in Deutschland”, in: 
Schriftenreihe der Bundeszentrale fuer politische Bildung, caderno 60, p. 75. 
13. E. Renan, ob. cit., p. 887. 
14. Idem, ibidem, p. 903. 
15. Idem, ibidem, p. 904. 
16. Idem, ibidem, p. 904. 
17. Idem, ibidem, p. 904. 
18. Idem, ibidem, pp. 905-906.

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