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TRANSMÍDIA O OUTRO LADO DO ESPELHO (ALAN MASCARENHAS)

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CAPA
DO OUTRO LADO DO ESPELHO:
A RECONFIGURAÇÃO DA NARRATIVA TRANSMIDIÁTICA NAS
MÍDIAS DIGITAIS A PARTIR DA SÉRIE ALICE
ALAN MASCARENHAS
João PESSoA - 2014
Livro produzido pelo Projeto
Para Ler o Digital: reconfiguração do livro na Cibercultura – PIBIC/UFPB
Departamento de Mídias Digitais – DEMID / Núcleo de Artes Midiáticas – NAMID
Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas – Gmid/PPGC/UFPB
Coordenador do Projeto
Marcos Nicolau
Capa
Alan Mascarenhas
Sâmara Lígia
Editoração Digital
Bruno Gomes
 Samara Cintra
Alunos Integrantes
Bruno Gomes
Érika Antunes
Ewerton Henrique
Gabriel Jardim
Jéssica Santos
Luana Viana
Sâmara Lígia
Samara Cintra
FICHA TÉCNICA
EDITORA
Av. MARiA ELizAbEtH, 87/407
CEP.58.045-180 - João PESSoA, Pb 
www.MARCAdEfANtASiA.CoM
AtENção: AS iMAgENS uSAdAS NEStE tRAbALHo o São PARA EfEito dE EStudo,
dE ACoRdo CoM o ARtigo 46 dA LEi 9610, SENdo gARANtidA A PRoPRiEdAdE 
dAS MESMAS AoS SEuS CRiAdoRES ou dEtENtoRES dE diREitoS AutoRAiS.
M395d Mascarenhas, Alan. 
 Do outro lado do espelho: a reconfiguração da narrativa trans-
midiática nas mídias digitais a partir da série Alice [recurso eletrônico] / Alan 
Mascarenhas.- João Pessoa: Marca da Fantasia, 2014.
 1CD-ROM; 43/4pol. (3.052kb) 
 ISBN: 978-85-67732-21-3
 1. Jenkis, Henry, 1958- 2. Comunicação. 3. Transmídia. 4.Cibercultura. 
5. Indústria cultural. 6. Funções pós-massivas. 
 CDU: 007
Do outro lado do espelho
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Capa
Sumário
Autor
eLivre
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................................................................................................06
CAPÍTULO 1 – RECONFIGURAÇÕES NARRATIVAS: DAS FOGUEIRAS ÀS MÍDIAS DIGITAIS..........................................14
1.1 Quantas bocas formam um mito: A herança da literatura...............................................................................................37
1.2 “To be continued”: A serialização das histórias.....................................................................................................................48
1.3 Uma televisão nobre?.............................................................................................................................................................................68
1.4 O tom da televisão transmídia.........................................................................................................................................................80
1.5 A história contada através do espelho........................................................................................................................................84
CAPÍTULO 2 – TRANSMÍDIA: REINTERPRETAÇÃO E EXPANSÃO DOS MEIOS.....................................................................88
2.1 Convergência: Do multimídia ao transmídia....................................................................................................................90
2.2 A lógica transmídia de Henry Jenkins: Cinco questões.............................................................................................97
2.3 Dentro dos meios: Interatividade, funções pós-massivas e remediação.........................................................122
CAPÍTULO 3 – ALICE ATRAVÉS...: O QUE HÁ NO UNIVERSO DE DENTRO DO ESPELHO.............................................145
3.1 A promessa de comunicação transmidiática...............................................................................................................167 
3.2 Textos transmidiáticos de Alice: Um labirinto feito por tocas de coelho.......................................................169
3.3 “Jogo de espelhos”: Da internet a televisão...................................................................................................................184
3.4 Itinerários entre a televisão e a internet................................................................................................................................193
3.5 O cotidiano inventado no espelho: Do Twitter para a cidade.....................................................................................202
3.6 Fluxos entre a tela e a visão.............................................................................................................................................................220
3.7 Ultima órbita do universo ficcional: os fãs de Alice..........................................................................................................233
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................................................................................240
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................................................................................................249
Do outro lado do espelho
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Capa
Sumário
Autor
eLivre
INTRODUÇÃO
“Resolvi abrir esse blog porque ontem eu achei meus diários velhos no 
fundo do armário. Estava organizando minhas coisas em caixas para levar 
para meu apartamento novo – vou casar daqui a três meses”. Era o que se lia 
ao entrar no Encantada, blog de uma garota chamada Alice. Em sua primeira 
postagem, ela deixava claro que este espaço era uma nova vertente dos seus 
diários de papel e começava a descrever sua vida: tinha um noivo e vivia em 
Palmas, no Tocantins. Tinha também outras aspirações, mas a proximidade 
do casamento acalmava sua ânsia de mudança, duelo que travava nos textos 
publicados na sequência em sua página pessoal online. 
 Sua participação na rede não era fora da média dos outros usuários: 
Alice tinha endereço no programa de conversação instantânea online mais 
popular à época – MSN Messenger –, além de endereço de e-mail e telefone. 
Contas no Orkut, depois no Facebook e Twitter. Perfis nas redes de música 
MySpace, Last.fm e Blip.fm destacavam as bandas favoritas da personagem 
e as músicas que ouvia em tempo real no seu computador. Um mês depois 
da criação de seu blog em agosto de 2008 e a confirmação oficial: a usuária 
mediana das redes sociais era uma personagem fictícia. 
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Sumário
Autor
eLivre
Longe de ser mais um perfil fake na internet, a personagem era compos-
ta por uma equipe da filiação brasileira do canal norte-americano Home Box 
Office (HBO), empresa que preparou uma temporada com treze episódios 
nos mais tradicionais formatos de série audiovisual para a televisão intitulada 
“Alice”. Blocos comerciais, chamadas na televisão, 40 minutos por episódio 
e a disposição em temporadas numa grade fixa de programação marcavam 
a série enquanto produto televisivo. Porém, Alice parecia não caber neste 
enquadramento e atravessava o “espelho”, o vidro da televisão, deste meio 
tão rígido para outros meios mais fluídos, pós-massivos, e, principalmente 
com o fim da primeira temporada na TV, passava a narrar sua história não só 
na internet, mas também no espaço urbano, na cidade, fazendo uso de geo-
localizadores integrados nos celulares, ou seja, através das mídias locativas, 
para habitar um outro lugar além das plataformas. 
A série Alice nos parece sintomática de uma convergência midiática que 
ao invés de trazer uma televisão que desaparece em meio ao ciberespaço, 
ressurge reconfigurada, remediada, trazendo novos processos de exibição 
e fruição com seus produtos remixados. Percebemos aqui, principalmente, 
novas formas de fruir uma narrativa. Janet Murray (2003) acredita que es-
tamos vivendo um momento histórico de transação tão importante para a 
área da literatura quanto para o processamentode informação. De quando 
a autora pensou narrativas contadas através do computador ainda ao final 
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Sumário
Autor
eLivre
da década de 1990 para hoje, podemos perceber que as histórias passam 
a não ser mais contadas por um único meio, numa tentativa de permear os 
desejos humanos de pertencimento ao onírico. As novas mídias digitais são 
resultados desse desejo humano que Janet Murrey escreveu em 1997 na 
primeira publicação de Hamlet on the Holodeck: The Future of Narrative in 
Cyberspace, o qual Bolter e Grusin retomam na obra Remediation em 2000. 
Para eles, não é o aparato que realmente interessa ao usuário, mas sim o 
efeito de transparência que este proporciona - o que já é resultado de um 
processo de remediação infindável. 
Esta necessidade de pertencimento e imersão à narrativa que faz o públi-
co ir ao encontro de uma personagem não é algo novo e acompanha o ser 
humano em sua evolução, norteando processos narrativos através do tem-
po, que evoluem sob uma estrutura tecnológica capaz de arquitetar histórias 
através das mídias que emulam o cotidiano ou fazendo com que o cotidiano 
seja também espaço de performance da narrativa. Vemos este processo de 
forma declarada na introdução da perspectiva linear em obras de arte do Re-
nascimento. Os artistas daquela época acreditavam que a perspectiva linear, 
se bem executada, resultaria em uma pintura cuja superfície seria “dissolvi-
da” diante do observador, permitindo que este fosse além, mergulhando em 
seu conteúdo. Atualmente temos um cenário onde a obra de arte ganha a 
ubiquidade: ela não precisa mais conter-se nos quatro lados de uma mol-
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Autor
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dura, ela pode existir no espaço urbano, no cotidiano, que se torna também 
uma plataforma para a narrativa. 
 A busca pelas características enciclopédica e imersiva do ciberespaço 
acabou adicionando múltiplas camadas à história, culminando no que Hen-
ry Jenkins (2008) chamou de narrativas transmidiáticas: histórias contadas 
através de mídias diferentes, com cada mídia dando o melhor de suas fun-
ções para a criação de um universo fictício imersivo e participativo para os 
fãs. São produtos que proporcionam uma situação de “ver através” do meio, 
dissolvendo os enquadramentos e proporcionando uma outra relação entre 
espectador e produto. 
No entanto, estamos diante de um fenômeno – transmidiação – que tem 
nos seus próprios objetos vetores reconfiguradores, o que é o caso desta sé-
rie em estudo. Alice aciona uma situação de reconfiguração enquanto recla-
ma flancos abertos na conceituação que Henry Jenkins faz ao longo de doze 
anos de publicações sobre o conceito de transmídia, que tentamos refletir 
ao longo deste trabalho. 
Diante deste quadro, propomos como objetivo de estudo deste trabalho 
uma análise de como o processamento das transmidiações narrativas nas 
mídias digitais propicia uma reconfiguração do seu próprio fenômeno atra-
vés da série Alice.
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Este questionamento evoca uma análise não só do produto, Alice, mas 
principalmente do fenômeno que o origina, tendo então não só a série, mas 
o conceito de transmídia proposto por Jenkins como objeto deste livro.
Para cumprir o objetivo deste objetivo, propomos uma análise dos prin-
cipais pontos de reconfiguração das formas de narração, trazendo um deba-
te permeado pela renovação que a transmídia enquanto fenômeno traz para 
certa “contação” de história na era da cultura digital, engendrando meios 
com funções massivas e meios com funções pós-massivas, diante de novas 
práticas de fruição, de um novo regime de espectatorialidade. 
 Algumas questões se tornam latentes neste estudo: Há transmídia fora 
de uma estrutura narrativa? Quais as implicações desta atual estrutura nar-
rativa para os produtos e para o meio? O que se define por esse novo regime 
de espectatorialidade?
Numa tentativa de refletir estes questionamentos ao longo do nosso tra-
balho, usamos o método indutivo de pesquisa, por ele nos possibilitar che-
gar a reflexões através de uma amostragem que contribui de uma forma 
mais ampla para o fenômeno. Para tanto, estruturamos esta pesquisa em 
três partes através da narrativa transmidiática de Alice: A primeira consiste 
na vertente narrativa; a segunda, no entorno da transmidiação; e a terceira, 
na análise do produto.
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A falta de uma definição do que Henry Jenkins entende por narrativa 
dentro do conceito de narrativa transmidiática norteia nossa primeira parte 
do trabalho, já que percebemos vertentes na academia a partir do conceito 
de Henry Jenkins que consideram transmidiação com e sem estrutura narra-
tiva. Fazemos uma pesquisa histórica sobre as reconfigurações que alteram 
a complexidade do ato de narrar e a conseguinte forma de imersão do es-
pectador dentro do espaço de narração, indo da oralidade até as mediações 
de audiovisuais para compreendermos o cenário em que nos encontramos. 
Começamos então a perceber que a problemática de conceituação recai 
também sobre uma disputa entre o que se entende por narrar e o que se 
entende por contar uma história. Só assim percebemos o espírito reconfigu-
rador contido na prática narrativa. 
Entendendo que a convergência é um dos principais fenômenos den-
tro da reconfiguração de produtos culturais e que a dispersão dos produ-
tos televisivos massivos se dá pelas lógicas do ciberespaço de liberação do 
polo emissor, conexão generalizada e reconfiguração da indústria cultural 
de massa, como explica André Lemos (2007), tratamos no segundo capítulo 
da vertente transmidiática e destas lógicas que são necessárias para sua es-
truturação através das mídias, a partir de uma definição de narrativa estrutu-
rada anteriormente, para que assim possamos compreender o fenômeno da 
transmidiação, sua origem histórica-conceitual e nos posicionarmos diante 
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das vertentes de pensamento que surgem através de novos autores que 
pensam o conceito, como Marsha Kinder (1993), Christy Dena (2006), Ge-
offrey Long (2009), Robert Pratten (2011), Max Giovagnolli (2011) e Andrea 
Phillips (2012).
Tentamos, assim, definir a reconfiguração, enquanto revisamos a concei-
tuação de narrativa transmidiática e de convergência propostas por Jenkins 
(2008), a partir de certas interpretações da obra de Lewis Carroll (2010), que 
parece antecipar, ainda na década de XX, em dois livros, Alice no País das 
Maravilhas e Através do Espelho e o que Alice Encontrou por lá, o que Jenkins 
estrutura por narrativa transmidiática. Carroll se torna mais urgente dentro 
deste estudo pela própria série em análise trazer referências diretas à sua 
obra que vão além do nome “Alice” da personagem, passando pela estética 
do som e de imagem, que nos parece acionar pontos de transmidiação na 
história. A leitura de Carroll nos traz a importância do espelho enquanto ob-
jeto que parece atuar como plataforma que possibilita imersão nas ficções. 
Por fim, apresentamos nosso corpus, todos os pontos de transmidiação 
da série Alice, que somam em dezessete sem incluir os perfis fakes dos per-
sonagens criados por fãs, que somado aos outros pontos constitui o déci-
mo oitavo. Para esta análise, não usamos um episódio, plataforma ou mídia 
específica da série, mas todos os seus pontos de entrada e saída de trans-
midiação, ou seja, o surgimento na internet, a passagem para a televisão, 
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o embricamento da série televisiva com as ferramentas da cibercultura, o 
fim da primeira temporada e a volta para a internet, além da transgressão 
da internet para o cotidiano,percebendo o cotidiano enquanto ferramenta 
de transmidiação. Dessa forma, propomos uma metodologia de análise de 
transmidiações a partir de camadas de transmidiação. Passamos então neste 
capítulo pelo duplo do espelho de Alice: o universo ficcional criado pelo pro-
duto contém em sua estrutura elementos que possibilitam ou se adaptam a 
um novo regime de espectatorialidade que se segmenta em níveis, aos quais 
tentamos nomear e delimitar.
Na expectativa de que este trabalho revigore os estudos sobre narrati-
vas transmidiáticas, acreditamos na importância de revisitar estes autores e, 
com certa liberdade, buscamos a partir da interpretação dos conceitos e do 
nosso corpus perceber e nomear novas situações tão latentes nesta era da 
convergência. 
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Capítulo 1
RECONFIGURAÇÕES NARRATIVAS: 
DAS FOGUEIRAS ÀS MÍDIAS DIGITAIS
A reconfiguração percebida nas formas narrativas através da evolução 
tecno-social acompanha e traz à tona diferentes questões sobre o indivíduo 
diante dos meios. Afinal, a narração aparece hoje de forma transmidiática e 
com níveis de imersão que trazem a ficção para o cerne do cotidiano. 
O lugar da audiência neste sistema transmidiático vai além do que co-
meçamos a ver nos estudos de Usos e Gratificação, quando o indivíduo co-
meça a ser pensado com certa atividade, seletividade e expectativas de re-
compensa ou gratificações pelo uso da mídia. A lógica desse campo dos 
estudos funcionalistas é que enquanto outras vertentes das pesquisas sobre 
comunicação de massa observavam o produto, este campo tenta observar a 
audiência, buscando perceber como se dá o consumo da mídia para cumprir 
a lógica da gratificação, da satisfação do usuário, se questionando sobre o 
quê a audiência faz com o conteúdo que consome.
Ora, pensar a narrativa nas mídias em reconfiguração é pensar o que 
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Sumário
Autor
eLivre
fazemos com o meio, já que é a ponte, a plataforma, a mediação entre nar-
rativa e seu público. Nos primeiros estudos da área de Usos e Gratificações, 
através do autor Elihu Katz na década de 70, percebe-se que o indivíduo 
adapta a mensagem ao seu cotidiano e que há alguns tipos de recompensas 
para o uso desta mensagem, desta mídia. Acreditamos que ao pensar uma 
narrativa que traz o espectador para dentro do seu texto, como o transmí-
dia, podemos notar uma reivindicação por parte da audiência de um lugar 
de fala dentro do texto, que vai além da noção de gratificação da década de 
1970, mas ainda assim, não deixa de ser uma recompensa ao consumo das 
narrativas, uma recompensa aos fãs. 
Este estudo de Usos e Gratificações, outrora na esfera da recepção, en-
contra-se na égide da produção narrativa, tecendo-a colaborativamente em 
uma reflexão através das redes que mantém o fandom1 inserido na história 
através de produção fanmande2paralela ao produto cultural ou em conjunto 
com a esfera de produção. No entanto, o quê, de fato, consideramos como 
uma narrativa diante de uma transmidiação?
Até termos o que consideramos uma narrativa transmidiática, a experi-
ência ancestral de contar uma história passou por inúmeros momentos, mas 
1 Por fandom nos referimos a cultura de consumo dos fãs. Uma aglutinação em inglês de fankingdom, ou reino dos 
fãs. Para Henry Jenkins (2008) representa a subcultura dos fãs e as suas reapropriações.
2 Entendemos fanmade por produtos da subcultura dos fãs, que costumam remixar a obra original em novos produ-
tos.
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Sumário
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em todos eles, o ato de contar uma história sempre implicou o ato de narrar, 
como nos mostrou Edward Morgan Forster (1969). Buscando sua raiz lati-
na, temos que o termo “narrar” vem do “narrare”, que significa “contar”, de 
acordo com a definição do dicionário de Oxford3. No entanto, se contar algo 
soa tão amplo, nos deparamos com o nosso primeiro problema: entender 
qual o ponto narrativo que há no “transmedia storytelling”, algo não aborda-
do por Henry Jenkins (2008) quando esboça o conceito por nós retrabalha-
do nesta pesquisa. Desmembramos assim o termo cunhado por Jenkins em 
dois para abordagens distintas: A primeira com a intenção de compreender 
a função narrativa do storytelling, passando brevemente pelo seu surgimen-
to enquanto prática humana, pelos seus pontos principais de reconfiguração 
e pelo termo enquanto conceito. No segundo momento buscamos a com-
preensão da adjetivação “transmedia” para que enfim possamos entender a 
partir deste contexto sua reconfiguração. É neste ponto que concentraremos 
o trabalho após a perspectiva literária e narrativa. Precisamos então, enten-
der esta narrativa através do tempo, não necessariamente pensando a narra-
tiva de uma forma evolutiva na sua própria história, mas tentando perceber 
importantes reconfigurações na forma de se contar histórias e seu entorno.
 Tzvetan Todorov afirmava em 1960 que é inútil tentar delimitar o sur-
gimento da narrativa no tempo: “É o tempo que se origina nas narrativas” 
3 Oxford English Dictionary Online, “narrate, v.” Oxford University Press, 2007
Do outro lado do espelho
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Sumário
Autor
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(TODOROV, 2006, p. 133), diz. A frase ganha destaque nos textos sobre te-
oria literária, nos chamando a atenção para o postulado de que a narrativa 
é algo ancestral, herança de rituais pré-históricos que culmina no que hoje 
percebemos pela comunicação presente na narrativa transmidiática. A con-
tinuação do texto do Todorov a partir desta frase, no entanto, não é algo tão 
encontrado nos mesmos trabalhos sobre o assunto. O autor continua: 
E se antes da primeira narrativa há “contou-se”, depois da última haverá 
“contar-se-á”: para que a história pare, devem dizer-nos que o califa mara-
vilhado ordena que a inscrevam em letras de ouro nos anais do reino; ou 
ainda que “essa história... se espalhou e foi contada em toda parte em seus 
mínimos detalhes”. (TODOROV, 2006, p. 133).
É neste ponto que se centra nosso trabalho, ou seja, na afirmação de 
que a narrativa é inesgotável até que ela seja gravada finalmente em meio 
proclamador do seu fim ou a ponto de ter sido tão exaurida que se torna 
impossível de replicação subsequente. Como sabemos, nada pode ser tão 
definitivo num meio ou plataforma que decrete o fim de sua narrativa e va-
mos ao longo da história percebendo isto. Há, no entanto, outros fatores 
que podem cerrar uma narrativa, como a morte (literal) do seu autor que 
permite fazer inúmeras adaptações da obra de Jorge Amado, mas não mais 
transmidiá-las em seu texto original. 
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 De forma mais geral, Samira Nahid de Mesquita (1987, p. 21) define nar-
rativa como “ato verbal de apresentar uma situação inicial que, passando 
por várias transformações, chega a uma situação final”. Temos aquilo que se 
narra, a história, e como se narra, ou através de quê se narra. A definição de 
Mesquita nos parece importante exatamente por ser genérica e, por conse-
guinte, demonstrar toda a inquietação presente na amplitude de definição 
do que de fato seria uma narração. 
Antes de Mesquita, Mieke Bal ainda nos anos 80 se posicionava também 
ligando narrativa a relato de narração, sendo um texto narrativo, um que 
converta história em signos linguísticos: “Um texto narrativo será aquele 
em que um agente relate uma narração4” (1990, p. 13), ou seja, que relata 
a história. A autora trata texto como “um todo finito e estruturado que se 
compõe de signos5” (1990, p. 13), no entanto, por tratar o texto narrativo 
transmidiático num sentindo amplo, destacamos que ele pode ser um tex-
to representado por uma imagem, por exemplo, não necessariamente pela 
oralidade ou pela escrita, devido ao caráter multimídia tão enaltecidona 
transmidiação. Consideramos como o texto de uma narrativa transmidiáti-
ca toda sua conjuntura audiovisual, impressa ou sensorial que contribuam 
de forma coerente e relevante com a complementação da história contada. 
4 T.N.: “Un texto narrativo será aquelen que un agente relate una narración”
5 T.N.: “un todo finito y estructurado que se compone de signos lingüísticos”
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Todavia, achamos útil a noção de texto e de história que a autora traz. 
E se o texto conta uma história, ele não é a história. Para Bal (1990), uma 
história pode ser contada de diversas formas, as quais não implicam na leitu-
ra do texto no qual foi escrita. Atualizando seu exemplo e trazendo para um 
contexto brasileiro, é muito comum que uma frase se popularize através de 
um vídeo que foi viralizado6 na internet. A frase vira um meme7 e a história 
do vídeo corre junto com ela, mas nem todas as pessoas que replicam aque-
la frase precisaram necessariamente ver o vídeo para tal, ou seja, a história 
é contada, mas o texto, em sua originalidade, não foi lido por essa pessoa. 
O meme carrega a história para todos os lugares, mas não necessariamente 
o texto vai junto. Era assim nas narrativas míticas épicas e continua sendo 
assim hoje. A diferença é que em textos transmidiáticos temos uma proble-
mática ainda maior, já que tratamos de “textos” diferentes para contar uma 
única narrativa. Por estarem espalhados por diversas mídias e plataformas, 
mesmo compondo um todo, cada parte deste texto pode contar uma histó-
ria adicional, inédita à história principal, exclusiva daquele fragmento e da-
quela mídia. Esta parte da história que foi “desgrudada” da história principal, 
6 Por “viralizado” temos um produto que se tornou tão popular e tão compartilhável nas redes sociais que parece um 
vírus. A noção sobre o termo vem do comportamento dos memes, que a partir de conceitos da década de 1970 na 
genética, pensa em uma repetição de conteúdo. 
7 Entendemos o termo “meme” como um replicador. Para Susan Blackmore (2008), meme é qualquer informação 
copiada de uma pessoa para a outra, seja ela visual ou falada. Sua origem grega está no termo “mimeme”, que en-
tendemos como “algo imitado”. Nas mídias funciona como um vírus, replicando informação.
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não necessariamente precisa ser lida pelo indivíduo. Ou seja, o consumidor 
não precisa a priori jogar o game de Matrix para conhecer a história de um 
personagem que só ganha destaque no jogo eletrônico, enquanto no filme 
não é mostrada em detalhes. Afinal, algum outro consumidor que gosta de 
videogames pode simplesmente fazer um resumo e escrever em um fansi-
te através de spoilers8 daquele fragmento etc.. Assim, não necessariamente 
aquele texto-fragmento foi lido em sua originalidade, mas foi contado. 
Além disso, toda a produção desenvolvida pelos fãs com relação àquela 
história representa novas versões do texto, espalhando ainda mais o conte-
údo criativo do autor procedimental9, mas não necessariamente carregando 
junto o texto narrativo original. Portanto, assim como propõe Bal (1990), é 
preciso analisar o texto e história isoladamente – ainda que os diferentes 
textos façam parte de uma mesma história, como é o caso da série Alice. No 
nosso objeto, analisamos os textos transmidiáticos. 
A qualidade no ato de contar histórias é algo também discutido nos Es-
tudos Literários e acompanha as reconfigurações desta atividade, ligando-se 
a questões estruturais da narrativa. Para entendermos o efeito da narrativa, 
8 “Spoiler” é um termo do inglês para aquele que estraga, no caso da mídia, que revela informações antecipadamente 
sobre o conteúdo narrativo de algum produto, como revelar algum segredo em um blog sobre o próximo episódio 
de alguma série.
9 Quando nos referimos a autor procedimental estamos falando sobre o autor que controla a narrativa, na mesma 
perspectiva que Janet Murray (2003) emprega o termo ao dizer que o autor procedimental é quem dá os passos para 
os consumidores seguirem. 
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precisamos lembrar que esta atividade atávica, como sugere Forster (1969) 
ao nomear o caráter ancestral da narrativa, surge com o intuito de manter 
acordado ou adormecer indivíduos em um grupo. Indo ao início da discussão 
sobre narração no Ocidente, chegamos a Platão e a Aristóteles10 enquanto 
estes discutem sobre o valor e o modo de narrar o que se viveu e os opõe 
ao ato de imitação. 
Esta interpolação entre imitação (mimese) e narração, quando o conta-
dor de história imita a personagem falando, se engendra de tal maneira nas 
narrativas transmidiáticas que se torna inviável questioná-las. Histórias trans-
midiáticas possuem os modos mais puros de narrativas que, para autores 
como Platão e Aristóteles, seriam as representações performatizadas, como 
no teatro, ao passo que também conta com as características de imitação da 
epopeia, quando temos um perfil numa rede social que naturalmente não 
é escrito pelo próprio personagem, mas por uma equipe de narradores que 
imita o personagem, se fazendo passar por ele, ou pelo próprio autor. Em 
muitos casos essa imitação por uma equipe não funciona, como veremos. 
Apesar de não questionarmos teoricamente a pureza dos textos, cabe-nos 
mencionar a ideia para reafirmar a reconfiguração perante a convergência e 
10 O autor busca o primeiro exemplo de oposição descrita na Poética de Aristóteles que, é a mais recuada e dura-
doura matriz da teoria da literatura. Para o filósofo, a narrativa (diegesis) é um dos modos de imitação, enquanto a 
representação poética (mimesis) é a representação direta dos acontecimentos, que ocorre por intermédio das falas e 
ações dos atores perante um público.
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a transmidialidade em meio à narrativa de Alice. 
Algo que nos parece mais pertinente agora é relembrar, no entanto, uma 
visão menos estrutural (no sentido de estrutura de uma narração) no ato de 
contar a história com as tão revisadas posições de narrador, foco narrativo, 
enredo etc., já que nossa intenção está mais ligada à fragmentação, disper-
são e expansão do conteúdo através das mídias. 
Portanto, quando Roland Barthes (1973) afirma que narrativas estão por 
toda parte, nos rodeando, não importando classe ou cultura e presentes no 
mito, na fábula, no conto, no romance, nas ilustrações etc., podemos ter uma 
melhor noção de que as questões tratadas hoje por nós nada mais são do 
que uma atualização em meio a novos mecanismos de comunicação. Estes 
novos formatos levam a ubiquidade narrativa ao nível não só da represen-
tação expandida, da onipresença, mas da imersão e do pertencimento, com 
possibilidades de co-criação. A história que no começo era contada para 
fazer acordar ou dormir um sujeito ouvinte vai ganhando engrenagens nar-
rativas que transformam o indivíduo em um “avatar11”, não importando se 
ele está acordado ou dormindo, já que esse status só poderá ser dado de-
pendendo do referencial. Estas engrenagens não tornam histórias melhores 
que outras, apenas dão uma nova configuração ao processo narrativo. Ou 
11 Usamos o termo avatar no sentido de imagem usado pelo usuário para se representar na rede. Fotos que identi-
ficam um perfil, corpo virtual que representa o indivíduo numa realidade virtual. 
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seja, tratamos, neste capítulo, dessa atualização narrativa que, para Walter 
Benjamin (1994), em tom dramático, profetiza o fim da narração. 
Benjamin (1994) valoriza a experiência vivida pelo individuo, mediada 
por ele mesmo ou por outros, os quais recontam os fatos vividos para um 
grupo em forma de narração. Nesse casonão vale separar texto de história, 
como Bal (1990) propõe, já que os fatos foram virtualizados em signos des-
de sua primeira transmissão. Para Benjamin a narrativa está de fato na raiz 
da comunicação, quando esta, sob o termo communicatio apareceu no con-
texto religioso representando o ritual de reunião de figuras da igreja quan-
do saiam do seu isolamento. No entanto, o autor acredita que a faculdade 
de intercambiar experiência esteja em baixa e entende que a mediação vai 
extinguindo a troca de conhecimento em sua forma mais “pura”, presente 
na oralidade, a qual as narrativas escritas só conseguem se aproximar quan-
do tentam ao máximo se apropriar da forma oral de descrição experiencial. 
Logo, para ele uma narrativa transmidiática, com tantos pontos de media-
ção, dificilmente teria qualquer pureza. Walter Benjamin (1994, p. 201) se faz 
mais claro por ele próprio ao explicar sua visão: 
A arte de narrar está definhando porque a sabedoria - o lado épico da ver-
dade - está em extinção. Porém esse processo vem de longe. Nada seria 
mais tolo que ver nele um “sintoma de decadência” ou uma característica 
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“moderna”. Na realidade, esse processo, que expulsa gradualmente a nar-
rativa da esfera do discurso vivo e ao mesmo tempo dá uma nova beleza 
ao que está desaparecendo, tem se desenvolvido concomitantemente com 
toda uma evolução secular das forças produtivas.
O autor alemão, com seu desencanto frankfurtiano, fala sobre o desapa-
racimento da narrativa de base, da coletividade de experiência (Erfahrung, 
termo original em alemão que Benjamin usa para experiência coletiva), em 
meio a uma “mudez” que a sociedade enfrenta com as mediações e o rit-
mo frenético de trabalho que vai se instaurando na sociedade, contribuindo 
para o fim da narrativa tradicional. 
É exatamente a essa experiência coletiva que se refere o autor quando 
usa o termo “discurso vivo”, que para ele se altera ao ser contado e está sem-
pre em metamorfose, se enchendo de mistério, de situações inexplicáveis e 
espetaculares, que são traduzidas na narrativa oral. No entanto, como já foi 
dito, para que se narre, é necessário que exija uma transformação de algo, 
vivo ou imaginado, em signo. Ora, se aquela história foi vivida e está sendo 
recontada, ou se ela é uma ficção organizada no plano das ideias e que está 
sendo transmitida oralmente enquanto é imagina pelo contador, ela estará, 
em ambos os casos, sendo mediada e por isso reformulada. Tendo o virtual 
como este plano das ideias e tendo em mente que o virtual nada mais é do 
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que uma velocidade, como afirma Lévy (2005), haverá sempre pelo menos 
uma conversão do que se imagina (e é virtual) para o que se fala, transmitido 
oralmente, seja esta conversão de velocidade ou de qualquer outra verten-
te. Está conversão é acionada pela mediação e estará presente em qualquer 
tipo de mediação, em qualquer gênero. Teremos então sempre um discurso 
“não-vivo” ou pelo menos “zumbi”, neste sentido, se formos pelo que ex-
pressa Benjamin. 
A nosso ver, a “vida” do discurso estará sempre presente na inesgotável 
experiência de comunicação coletiva (Erfahrung), também presente em si-
tuações mediadas, seja por um livro ou pela internet. Se o “vivo” é “expulso” 
da narrativa desde o momento em que um objeto vira signo, entendemos 
que o discurso nunca foi vivo de fato, mas virtual. De toda forma, a narrati-
va transmidiática traz atos performáticos que trariam o vivo de volta, como 
quando a história é contada ao vivo em algum lugar da cidade em uma ação 
urbana. Através dessa noção apocalíptica, Benjamin espera a morte da nar-
rativa, mas esta, viva como é, em um passo de dança dentro de uma Matrix 
(do latim matrice, em português “origem”; “útero”) se reconfigura. Esse ma-
trice estava implícito desde a narrativa oral (épica), já que a própria oralidade 
se transforma diante de mudanças sociais. 
Para Benjamin, um dos fatores que levam ao declínio da narrativa é a in-
trodução da informação ( jornalística) na comunicação. Para ele, “Se a arte da 
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narrativa é hoje rara, a difusão da informação é decisivamente responsável 
por esse declínio” (Benjamin, 1994, p. 203). Devido ao caráter explicativo 
da informação jornalística, que tende a detalhar todos os dados existentes 
sobre o fato, o autor acredita que se perde a característica da diegese nar-
rativa. Esta qualidade narrativa, a diegese, tem a prerrogativa de exigir certa 
interpretação do seu receptor e de proporcionar uma fruição que precisa 
ser completada por quem ouve a história. Assim, faz-se necessário entender 
diegese:
A diegese é, portanto, em primeiro lugar, a história compreendida como 
pseudomundo, como universo fictício, cujos elementos se combinam 
para formar uma globalidade. A partir de então, é preciso compreendê-la 
como o significado último da narrativa: é a ficção no momento em que 
não apenas ela se concretiza, mas também se torna una. Sua acepção é, 
portanto, mais ampla do que a de história, que ela acaba englobando: é 
também tudo o que a história evoca ou provoca para o espectador. 
Por isso, é possível falar de universo diegético, que compreende tanto a 
série das ações, seu suposto contexto (seja ele geográfico, histórico ou 
social), quanto o ambiente de sentimentos e de motivações nos quais elas 
surgem. (...) Esse universo diegético tem um estatuto ambíguo: é, ao mes-
mo tempo, o que gera a história e aquilo sobre o que ela se apóia, aquilo ao 
que ela remete (é por isso que dizemos que a diegese é “mais ampla” 
do que a história). Qualquer história particular cria seu próprio universo 
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diegético, mas, ao contrário, o universo diegético (delimitado e criado pelas 
histórias anteriores - como é o caso em um gênero) ajuda a constituição e 
a compreensão da história. (AUMONT, 1994, p. 114-115.)
O surgimento da imprensa é, para o autor, o responsável por exaltar a 
informação que vem de perto, sobre fatos que acontecem na rua, na cidade 
etc., em detrimento de notícias de terras distantes, com outros universos, 
que aguçariam, para ele, a imaginação. Mas a diegese não se perde com a 
informação, na verdade, as notícias podem até servir a favor dela em uma 
narrativa contribuindo com detalhes sobre um universo fictício, como no 
longa-metragem A Bruxa de Blair, lançado em 1999, o qual narrava a história 
de jovens que desapareceram na floresta que, de acordo com a lenda espa-
lhada pelos próprios criadores do filme, era onde morava a tal bruxa. Antes 
do filme, jovens foram noticiados desaparecidos em jornais da época, mas 
tudo não passava de promoção para o filme. À época, o termo “narrativa 
transmidiática” ainda não existia, mas A Bruxa de Blair é considerado um dos 
grandes cânones do conceito. Saindo do território norte-americano para o 
Brasil, em 27 de março de 2007, o Portal de Notícias do Senado Brasileiro pu-
blicou a nota12 “Laboratório norte-americano está propondo a privatização 
12 AGÊNCIA SENADO. Laboratório norte-americano está propondo a privatização da Amazônia, alerta Arthur Virgílio. 
Brasília, 27 mar 2007. Texto postado em Senado.gov.br. Disponível em <http://www12.senado.gov.br/noticias/ma-
terias/2007/03/27/laboratorio-norte-americano-esta-propondo-a-privatizacao-da-amazonia-alerta-arthur-virgilio>. 
Acesso em 26 ago 2012. 
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da Amazônia, alerta Arthur Virgílio”, onde mostrava a indignação do sena-
dor amazonense sobre a empresa Arkhos Biotech, que propunha a compra 
da floresta. Quando, na verdade, a empresa,o site e a oferta de compra da 
Amazônia eram fictícios e faziam parte de um Alternate Reality Game (ARG), 
jogo de realidade alternativa intitulado Araraquara Cósmica13 criado por 
estudantes de jornalismo, publicidade e sistema de Informação que mora-
vam juntos numa república da cidade que dá título ao jogo. É a diegese a 
responsável pela criação de universos fictícios, que aqui chamaremos de mi-
cromundos narrativos a partir de Janet Murray (2003) e o consideramos um 
dos principais componentes do caráter inesgotável de uma historia contada, 
que nos relembrou Todorov (2006).
O gênero jornalístico, por exemplo, não possui diegese propriamente 
dita, a não ser quando o jornalismo literário/cultural se utiliza de recursos 
textuais literários que exigem a subjetividade; afinal, o jornalista também é 
um contador de histórias, na medida em que ele é testemunha de fatos que 
vão construir várias histórias (sem entrar no mérito dos pontos de vista), 
atentando apenas para que essas tenham o maior teor de realidade possí-
vel por se tratarem de relatos do cotidiano social. No entanto, o interesse 
por criações fictícias usando características narrativas do universo dos jogos, 
13 SIER, Roni. Alternate Reality Game de Araraquara. Araraquara, 16 jul 2012. Texto postado em O Imparcial. Dispo-
nível em <http://www.jornaloimparcial.com.br/v2/index.php?menu=&tpconteudo=artigo&id=3354&idc=3>. Aces-
soem 26 ago 2012.
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como ARGS, só aumenta com a necessidade comercial de manter o fã por 
mais tempo possível no consumo do produto midiático. 
Em um movimento de descentralização surge o pós-estruturalismo que 
traz o leitor de texto em nova perspectiva de forma mais ativa e performá-
tica, como nos jogos, que se aproximam da noção de como textos transmi-
diáticos são lidos. É o pós-estruturalismo, que mesmo ainda prevendo uma 
estrutura de inserção do leitor no texto, percebe que a complexidade textual 
está nas nuances do conteúdo e formas textuais. O pós-estruturalismo vai 
contra a noção estruturalista herdada de Ferdinand Saussure, da década de 
1960, que propõe todo um sistema de significação de uma linguagem, com 
regras e unidades básicas próprias. O estruturalismo, ao tentar definir e for-
malizar estruturas, cria um sistema de códigos, por exemplo, como a série 
de TV nas estruturas daquele meio será uma série televisiva, norteada por 
instâncias do meio, horário, grade. Esta, pelo menos, foi uma das tentativas 
de Barthes e Todorov ao tentarem criar um teto de códigos para todas as 
narrativas existentes, como relembra Ivan Teixeira (1998), para que se possa 
ter uma teoria de funcionamento e estrutura do discurso do texto. Ainda as-
sim, alguns pensamentos abordados anteriormente neste trabalho, tanto de 
Barthes quanto de Todorov e Benjamin, podem ser úteis. 
É no pós-estruturalismo que há a noção de rompimento com uma visão 
de uma história sendo narrada de forma linear numa imposição de poder 
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textual, onde a história seria mais evolucionista e hierárquica. Para Madan 
Sarup (1993), “Enquanto o estruturalismo vê a verdade como estando por 
“trás” ou “dentro” de um texto, o pós-estruturalismo salienta a interação 
entre o leitor e o texto como a produtividade. Em outras palavras, a leitu-
ra perdeu o status de consumo passivo de um produto para se tornar uma 
performance” (SARUP, p. 3, 1993), diz ao mostrar como o pós-estruturalismo 
critica modelos cartesianos de unidade, o que nos lembra a abertura da obra 
na noção de obra aberta que Umberto Eco propõe já no começo da década 
de 1960, na qual ele trata de obras de artes que precisam da fruição para ter 
seu sentido complementado. 
Paul Recoeur (1997), nos seus estudos sobre tempo e narrativa, entende 
que é o ator que desempenha um papel crucial no tempo da narrativa. Para 
ele, ler o texto é uma efetuação do mesmo, é onde a intencionalidade se 
completa. E como sintoma ainda mais de uma “não estrutura”, elucida que 
um texto é qualquer discurso que se fixe pela escrita, enfatizando o “qual-
quer discurso” e entendendo a escrita como uma forma de fixação deste 
discurso. 
Texeira (1998, p.38) acredita que o principal problema de pensar numa 
estrutura textual que visa sempre o entendimento de elementos textuais a 
partir de camadas exteriores de condutas humanas, por exemplo, é que dei-
xamos de analisar a vertente artística: 
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Uma das grandes limitações do método estrutural é que ele não consegue 
solucionar o problema do valor artístico, pois a caracterização do discurso 
literário ou a descrição estrutural de uma obra não explicam as razões de 
sua beleza, que é exatamente o que as vertentes pós-estruturalismos ten-
tam sanar, chegando num momento de narrativa pós-moderna. (TEXEIRA, 
1998, p.38)
Uma narrativa transmidiática se aproxima da descrição de uma narrativa 
contemporânea que compõe a teoria narratológica de Vanderlei Carneiro e 
Marlene Gonçalves Mattes (2010, p. 10). Para estes autores, hoje: “a narrativa 
torna-se um indício de práticas múltiplas de leituras da experiência humana, 
aberta a interfaces entre o mundo narrado e mundo vivido, a partir da lin-
guagem pragmática”, explicam os autores ao afirmar que numa narratolo-
gia contemporânea, há um entrelugar de análise e que “nem tudo é fruição 
puramente, como nem tudo está estruturalmente determinado. Mas, entre 
o incondicionado do pensar e as marcas fronteiriças do texto, existe a expe-
riência humana.” (CARNEIRO, MATTES, 2010, p15). Ainda para eles: 
Na narrativa clássica, um texto contém uma unidade de ação. A narrativa 
contemporânea rompe com esta característica propondo, em última instân-
cia, uma redefinição deste gênero ficcional. Compreende-se, pois, a narrati-
va, como texto que permite a história permanecer em construção. Em cada 
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inferência do leitor, a narrativa toma nova configuração textual. Dependen-
do da estratégia cognitiva do leitor, as incursões das falas, as retomadas por 
meio das marcas lingüísticas (contextuais e contextuais) vão sendo ativadas, 
cognitivamente, outras práticas de linguagens. (CARNEIRO, MATTES, 2010, 
p. 10).
Principalmente diante do estruturalismo que tenta firmar uma estrutura uni-
versal, ou pelo menos códigos “universalizantes”, seguido pela quebra que o 
pós-estruturalismo propõe ao dizer que qualquer coisa pode ser uma narra-
tiva (uma cor pode contar uma história, por exemplo), quebrando um pouco 
com esses códigos, o ato de narrar, de contar, ainda é algo nebuloso dentro do 
conceito de narrativas transmidiáticas, portanto, a perspectiva estruturalista de 
Benjamin volta a nos ser útil para fazermos alguns apontamos sobre o termo 
“storytelling”, que não aparece tão claro em abordagens sobre o transmedia 
storytelling e que pode trazer à tona uma melhor compreensão do conceito 
narrativo dentro do campo de transmídia. Na tradução da obra Cultura da Con-
vergência do Henry Jenkins (2008) para português, o termo é conhecido como 
“narrativa transmidiática”. E já que contar uma história implica numa narração, 
como afirma Forster (1969) anteriormente, precisamos retroceder e perceber 
que elas podem não significar a mesma coisa. Por isso, vamos olhar mais perto.
O termo “storytelling” vem do “storyteller”, ou contador de histórias. “Story” 
(história, em português) pode se referir à ficção ou fatos do passado em evo-
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lução, de acordo com o Oxford Dictionary; e para Gerard Genette (1995), de 
maneira geral, representa significado ou conteúdo narrativo, considerando 
narrativa como o discurso em si. O verbo “to tell”(contar) é que nos interessa 
por acionar essa questão informacional de Benjamin quando existe, na teo-
ria literária, uma diferenciação entre ele e o verbo “to show” (mostrar) visto 
como showing x telling, ou uma distinção entre narração e descrição. 
Luiz Conzaga Motta (2004) explica, através do Dicionário de Teoria da 
Narrativa Reis e Lopes de 1988, sobre a polissemia que o termo “narração” 
gerou, relembrando que isto não atrapalhou as considerações no campo li-
terário mesmo com tal desencontro teórico. Há, no entanto, essa oposição 
clara entre narrar e descrever que pode nos ajudar a esclarecer questões 
sobre narrativas transmidiáticas, o que compõe este gênero e seus produtos 
etc., para fugirmos da ideia elástica de que tudo é transmídia, como aborda-
remos adiante através de outros autores. 
A primeira distinção contrapõe narração e descrição. Narração é o procedi-
mento representativo dominado pelo relato de eventos que configuram o 
desenvolvimento de uma ação temporal (cronológica) que estimula a imagi-
nação (a diegese da história). A descrição, por outro lado, é o procedimento 
representativo de um momento único, estático, temporalmente suspenso, 
que procura “naturalizar” o discurso e criar o efeito de real pelo excesso de 
informações geradoras de verossimilhança. (MOTTA, 2004, p.3). 
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Assim, narramos um fato (telling), descrevemos uma notícia, mostran-
do-a (showing). De acordo com Genette (1995), a oposição entre descrever 
e narrar data da teoria do romance nos Estados Unidos e na Inglaterra do 
fim do século XIX e do princípio do século XX, retomando a discussão entre 
narrativa pura e mimese que Platão colocava. Como veremos logo adiante, 
esta virada de século é um dos grandes momentos de reconfiguração da 
narrativa. 
Ligia Chiappini Moraes Leite (1989, p.14) escreve que essa oposição tem 
a ver com a intervenção do narrador: “Quanto mais este intervém, mais ele 
conta e menos ele mostra” (grifo da autora). Apesar de para Leite o ato de 
mostrar aproximar mais o leitor do conteúdo narrado, enquanto o contar 
o afastaria, o ato de contar (to tell) cria uma diegese e deixa mais lacunas 
abertas que o mostrar (to show), que é mais direto, mais conclusivo e mais 
finito, como a informação e daí o sentido de “Storytelling”, que tem o termo 
“contar” implícito, denotar uma narrativa fragmentada. No sentido mais pró-
ximo da teoria literária, quando se mostra algo, há uma cena, sem mediação 
do narrador. Quando o narrador entra, temos um sumário, “sumariando em 
poucas páginas um longo tempo da história” (LEITE, 1989, p. 14).
Na narrativa transmidiática, no entanto, não podemos dizer que temos 
uma pureza de qualquer espécie, seja de gênero, seja quanto ao showing 
x telling, principalmente por ela ser uma resposta à convergência. Há uma 
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aproximação do leitor da narração enquanto a transmidiação mostra e con-
ta. Ainda assim, no que concerne à nomenclatura, acreditamos que o sen-
tido de telling dá mais forma ao transmídia por tratarmos de uma história 
que precisa da fruição para ser completa, quase como uma obra aberta, e 
que o ato de contar uma história proporciona mais diegeticamente do que 
o ato de mostrar uma história, trazendo à tona um espaço para liberdade de 
interpretação, como Benjamin (1994) exaltou como qualidade da narrativa 
em detrimento da descrição. 
Sendo assim, caracteriza-se o Storytelling como o ato narrativo que visa 
contar e não apenas mostrar um conteúdo que pode ser fictício, real ou hí-
brido, se aproximando da criação de diegética que se sustenta não só pelos 
personagens, pelo universo fictício ou pelo discurso, mas pela fruição com o 
leitor. Esta narração, quando transmidiática, precisa conter textos que contem 
uma história e esta história precisa ser lida através destes textos específicos. 
Para entendermos este processo de reconfiguração que culmina na trans-
midiação desse storytelling que destacamos, é preciso relembrar certas ra-
zões e objetivos da narrativa que vão além de tentar manter acordado ou 
fazer dormir um membro do grupo e vislumbrarmos alguns momentos de 
sua complexificação. Propomos então um jogo de reflexões, considerando 
pontuações entre o Antigo, mostrando o alicerce da narrativa, o Moderno 
como nó de reconfiguração anterior e chegando às influências de um senti-
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mento pós-moderno de fragmentação do homem que parece reconfigurar 
novamente a narrativa. 
Construímos nossa hipótese básica de reconfiguração a partir de Anatol 
Rosenfeld (1969), quando ele em seu texto Reflexões sobre o romance mo-
derno, dá indícios do que chamamos aqui de reconfiguração através de alte-
rações acionadas no campo das artes. Para isso, o autor se apóia na hipótese 
de que:
Em cada fase histórica existe certo Zeitgeist, um espírito unificador que se 
comunica a todas as manifestações de culturas em contato, naturalmente 
com variações nacionais. Falamos destas páginas da “cultura ocidental” não 
tomando em conta as diversificações nacionais. Supomos, pois, que mes-
mo numa cultura muito complexa como a nossa, com alta especialização e 
autonomia das várias esferas – tais como ciências, artes, filosofia – não só 
acha interdependência e mútua influência entre esses campos, mas além 
disso, certa unidade de espírito e sentimento de vida, que impregna, em 
certa medida, todas as atividades. (ROSENFELD, 1969, p. 75-76). 
Assim, através desta “rede”, que começa a definir nossa reconfiguração 
como uma cadeia de eventos socioculturais, precisamos fazer alguns apon-
tamentos sobre momentos onde percebemos nós reconfigurativos na cultu-
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ra do narrar através das mídias, são nós que ecoam na fragmentação dessas 
narrativas durante passagens histórias e gêneros narrativos. Temos em vista 
então os momentos que circunscrevem os gêneros Lírico, Dramático e Épi-
co (ou narrativo) no que concerne à literatura, a narração de ficção no rádio 
com as radionovelas, os folhetins nos jornais impressos, a serialização che-
gando ao cinema, passando para a televisão e depois por um momento de 
convergências das mídias com o ciberespaço. Elencamos estes momentos 
históricos numa tentativa de não transformar o trabalho num histórico de 
eventos. Seguiremos a ordem cronológica do surgimento destes momentos 
para uma questão de melhor compreensão do espírito dos momentos, mas 
destacamos que não é nossa intenção uma noção evolucionista das formas 
narrativas através do tempo.
1.1 Quantas bocas contam um mito: A herança da literatura 
Temos no mito uma das primeiras formas narrativas, vislumbrando o fan-
tástico e misturando fatos com ficção em diversos sentidos e meios. O mito 
passa pela oralidade, pela gravação em pedra, pelos livros sagrados, mos-
trando que o ato de contar histórias é uma atividade antropológico-social 
e culturalmente integrada ao ser humano, como explica Samira Nahid de 
Mesquita (1987). Para a autora, a invenção dessas narrativas vem a partir de 
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lacunas na vida do ser humano e da tentativa de um preenchimento destas, 
fazendo surgir explicações mitológicas para fenômenos naturais, por exem-
plo, tendo uma função etiológica, que estuda as causas: “o homem tenta-
va intervir no descontínuo da vida no Universo, preenchendo os vazios da 
doença, das catástrofes, do mistério da morte com as narrativas inventadas, 
que, ao se transmitirem, investiam-se do valor de verdade e do sagrado” 
(MESQUITA, 1987, p. 9). 
O mito, do vocábulo mýthos e do verbo mýtheomai, ambos com origens 
gregas, compartilham o radical que significa “dizer”.Sua primeira tentativa 
era estruturar através de explicações faladas um caos que existia e era pas-
sado entre pessoas, com sua narração tendo um grupo de ouvintes ou um 
único indivíduo, mas sempre com a prerrogativa de adicionar novos eventos 
aos já contados, introduzindo novas partes narrativas, provocando uma mu-
dança estrutural da história e a pluralidade de sentidos no conteúdo narra-
do. Mesquita (1987) defende que o que não era mutável na narrativa mítica, 
principalmente quando em forma oral, era a referência a uma ordem maior. 
Com relação à narrativa mítica e dentro dos estudos sobre narratologia, 
Joseph Campbell (2008) introduz o conceito de “monomito” para descrever a 
evolução estrutural comum às narrativas deste tipo e que confluíram para os 
gêneros que vêm a seguir na linha histórica da narrativa. Campbell trabalha-
va com interpretações psicológicas do mito e tinha um resquício, muito mais 
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ameno, do pensamento estruturalista de Benjamin quando este falava sobre 
narrativas “puras”, as contrapondo com notícias: “Um de nossos problemas, 
hoje em dia, é que não estamos familiarizados com a literatura do espírito. 
Estamos interessados nas notícias do dia e nos problemas do momento”, diz 
Campbell (1990, p. 14) em O Poder do Mito.
A ideia de monomito é trazida aqui à tona por ser passada rapidamente 
por Jenkins (2008), em Cultura da Convergência, mas de uma forma relativa-
mente solta. Max Giovagnolli (2011) traz novamente a ideia de monomito, 
desta vez atrelada de forma mais consistente ao conceito de narrativa trans-
midiática, mas focando nos elementos presentes nas histórias contadas (he-
rói, cidade natal do herói, duelo), que de fato têm uma estrutura repetida em 
diversas narrativas. O que percebemos de relevante e diferente na Jornada 
do Herói vem com três etapas narrativas elencadas por Campbell que nos 
ajudam a entender o movimento de dispersão e posterior aglutinação dos 
“bits” informacionais que a narrativa principal promove através de outras 
mídias e plataformas. Não queremos dizer, no entanto, que este movimento 
é aplicável à qualquer história transmidiática, mas que nos ajuda a entender 
Alice e itinerários dos fluxos de conteúdo como uma metáfora. 
O Monomito, ou “Jornada do Herói”, divide-se nestas três etapas: a de 
separação, iniciação e retorno. Para ele: 
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A aventura de um herói diante de um mundo com um cotidiano comum em 
uma região de maravilhas sobrenaturais: forças fabulosas são encontradas 
lá e uma batalha decisiva é vencida. O herói volta da sua misteriosa aventu-
ra com o poder de conceder bênçãos aos seus semelhantes14. (CAMPBELL, 
2008, p. 23.)
 
Então, como numa narrativa transmídia, temos um indivíduo (público; frui-
dor) que vive em um cotidiano (sua vida normal), mas encontra uma região 
de maravilhas sobrenaturais (uma narrativa com um universo fictício). Entre 
estes dois universos, que neste trabalho entendemos como uma ficção que é 
parte do cotidiano, ou o contrário, este individuo trava uma batalha ou uma 
espécie de gincana informacional com a própria narrativa, para complemen-
tá-la, decifrá-la, junto com o fandom, retornando a um espaço de discussão 
(fóruns online, chats, listas de discussão) com o “poder de conceder bênçãos 
aos seus semelhantes”, ou seja, ajudar outros espectadores em inteligência 
a compreender a história. Podemos perceber este exemplo na série Lost do 
canal ABC, exibida entre 2004 e 2007. Nela, o indivíduo espectador encon-
tra uma história que proporciona um universo fictício virtualmente habitável 
(toda história tem um universo onírico, mas este é construído nas mídias), 
através de sites de empresas que comandam a ilha onde se passa a série. O 
14 T.N.: “A hero ventures forth from the world of common day into a region of supernatural wonder: fabulous forces 
are there encountered and a decisive victory is won: the hero comes back from this mysterious adventure with the 
power to bestow boons on his fellow man”. 
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espectador pode enviar seu currículo para concorrer a uma vaga de empre-
go fictícia na empresa que não existe, receberá resposta, talvez uma entre-
vista por e-mail. Fazendo esta jornada transmidiática, ele estará munido de 
mais informações do que o espectador que não foi até o site da empresa e 
não se candidatou à vaga, no entanto este usuário que não fez o percurso 
pode ser ajudado a compreender com informações através de um banco de 
dados que os fãs montaram para a série, o Lostpedia (em referência a Wiki-
pedia, enciclopédia colaborativa online). 
Joseph Campbell segmenta ainda o modelo entre onze estágios, subdi-
vido nas três etapas que falamos acima. O primeiro estágio, “nascimento”, 
mostra a formação do herói, que recebe um chamado externo ao seu ciclo 
na segunda fase, intitulada de “chamada para aventura”. A terceira fase, “Aju-
dantes/amuletos” traz novas figuras à narrativa para ajudá-lo nas próximas 
fases, como na quarta, “cruzando o limite”, onde o herói sai do seu cotidia-
no para um mundo de fantasia, com obstáculos a serem vencidos na quinta 
fase, “testes”. Nas fases “ajudantes” e “Clímax/Batalha Final”, temos a reso-
lução da narrativa. A oitava fase e a nona, “Voo” e “Retorno”, representam a 
volta do herói para o cotidiano com a carga adquirida na jornada.
O “Elixir” é o décimo estágio e onde todos os ensinamentos, bênçãos ou 
conquistas dos estágios anteriores começam a ser úteis para a sociedade de 
onde ele veio. O último estágio, décimo primeiro, é intitulado de “Casa” e 
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representa a efetivação dos estágios anteriores na volta ao seu ambiente de 
pertencimento.
Logo, a transmídia começa na primeira etapa, a de separação, onde a 
transmidiação funciona como uma centrífuga, liberando bits informacionais 
para a história e fragmentos dela em outras mídias. Com estas informações 
dispersas, entra o papel do leitor em decifrá-las que se assemelha ao esforço 
de vencer desafios que começa na etapa da iniciação. Há a troca do cotidiano 
do leitor dos textos por uma situação de aventura ficcional, como no quarto 
estágio de Campbell, “Cruzando o limite”. É este o momento das ligações 
sociais do leitor com outros leitores dos mesmos textos para decifrar e sus-
tentar o universo. Quando este leitor, já embutido de todo o conhecimento 
que ganhou e estruturou coletivamente, aciona o grupo de fãs para resolver 
os mistérios e retornar ao produto cultural principal com seu referencial teó-
rico expandido para a compreensão narrativa, temos certa representação da 
última etapa, do retorno, de reunião de informações que estavam fragmen-
tadas para compor o todo textual. Aqui entram as recompensas, as gratifi-
cações principais no consumo do texto, pois é a partir de sua compreensão 
que este leitor conseguirá compreender a história em um nível acima da que 
o público que recusou o caminho transmidiático ainda no estágio da sepa-
ração, como o herói poderia recusar sua jornada.
Assim, o “herói” (ator) transmidiático não é apenas o personagem ou o 
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texto, mas também o espectador, já que este precisa embarcar em um uni-
verso fictício e participar, de diversas formas, da história. Esta participação 
não necessariamente é uma intervenção no texto narrado pelos produtos, 
podendo acontecer em diferentes níveis, como trataremos no terceiro capí-
tulo.
O herói neste estudo tem características míticas, mas também modernas, 
daí a questão figurativa das fases propostas por Campbell. No “Dicionário 
de Mitologia Grega e Romana”, Joel Schmidt (2002, p. 141) destrinchaa se-
guinte acepção para o termo herói:
É chamada herói, na mitologia, toda a personagem que exerceu, sobre os 
homens e sobre os acontecimentos, uma determinada influência, que lutou 
com tanta bravura, ou realizou feitos de uma tal temeridade, que se elevou 
acima dos seus semelhantes, os mortais, e que pôde ousar aproximar-se 
dos deuses, merecendo assim depois da morte uma veneração e um culto 
particulares.
O autor explica o herói grego, com seu surgimento na epopeia “Ilíada”, 
a que primeiro formou esta ideia. Para ele, desde sua nascença os heróis se 
destacam dos homens mostrando alguma excepcionalidade. Logo, há es-
pectadores mais ativos que outros, como os heróis e o resto mortal. O herói 
épico, por exemplo, surge ligado a um universo de regras da sua própria 
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narrativa. O leitor-herói é o leitor fora da média, que vai atuar perante o tex-
to, é o que veremos como interator adiante. 
As narrativas míticas, tal como a estrutura de monomito, seguem repre-
sentadas na epopeia, que tem nos poemas ocidentais homéricos Ilíada e 
Odisseia suas primeiras formas de expressão. Poemas do gênero épico são 
responsáveis pela eternização de lendas, mitos etc., fazendo uso de uma das 
maiores características do seu gênero, a memória: “A memória é a mais épica 
de todas as faculdades: Somente uma memória abrangente permite à poesia 
épica apropriar-se do curso das coisas, por um lado, e resignar-se, por outro 
lado, com o desaparecimento dessas coisas, com o poder da morte” (BEN-
JAMIN, 1994, p. 210). É interessante pensar que a memória é um dos fatores 
que mais proporciona produtos serializados, seja uma trilogia de filmes, in-
terprogramas, uma radionovela ou série de televisão e demorou até que os 
produtores de conteúdo entendessem o público como seres humanos com 
memória. Até que isso ocorresse, as séries do começo da televisão, a exem-
plo, preferiam uma comédia sem muitos ganchos narrativos, como veremos 
adiante. A epopeia é importante então para pensar narrativas hiperfragmen-
tadas, como as transmidiáticas, por colocar a memória num lugar tão consa-
grado. A epopeia é uma das mais latentes expressões épicas da Antiguidade. 
Se a mitologia tecia respostas à vida e permanece assim quando com-
partilha sua essência com o gênero épico, o romance aciona, ao invés de 
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respostas, perguntas, convidando o leitor a questionar todo o sentido da 
vida ao final da história que acaba de ler. Na história, este é um momento 
onde começa a ser deixada de lado a “moral da história” contada no texto 
para evocar uma reflexão pessoal do indivíduo e um novo entendimento do 
cotidiano dentro das narrativas, tanto na questão temporal de organização 
dos fatos narrados, quanto à relação com o cotidiano dos personagens da 
história e dos indivíduos que as leem.
Mesquita (1987) concorda ao dizer que do mito para o romance, o que 
mudou na narrativa foi a existência de uma história contada com uma tem-
poralidade. A autora prossegue, relembrando que é no romanesco que te-
mos uma ruptura com o divino épico, com o excepcional, onde o cotidiano 
ganha lugar nas histórias conflitivas, e vem a necessidade da causalidade na 
história, algo que explicite, de forma menos mítica possível, o antes e o de-
pois dos fatos. Esta aproximação com o cotidiano torna o ato de narrar mais 
translúcido. Ligia Chiappini Moraes Leite (1989, p. 12), acredita que “esta 
proximidade pode nos dar a ilusão de que estamos diante de uma pessoa 
nos expondo diretamente seus pensamentos, quando, na verdade, temos o 
narrador (...)”.
As diferenças entre o romanesco Antigo e Romance Moderno, por exem-
plo, nos fazem enxergar melhor as bases da reconfiguração dos gêneros lite-
rários. Introduzido por Proust, Joyce, Gide e Faulkner, citando alguns exem-
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plos, o romance funde os tempos da narrativa, reconfigurando a cronologia 
da narração. O mesmo também é observado no teatro, que deixa a mimética 
e passa a se assumir como representação, como máscara. 
Em outras áreas artísticas, fora da literatura, podemos perceber certas 
reconfigurações na forma de como o espectador frui a obra que nos pare-
cem mais nítidas. A arte moderna, por exemplo, se desvencilha do mundo 
empírico das aparências na crise moderna, na qual entram em cena os pa-
radigmas da posição do homem, a abrupta mudança pra vida urbana, os 
pós-guerra e fragmentação da ideia de totalidade, como explica Rosenfeld 
(1969). A arte já não tem mais como recorrer à ordem verdadeira das coisas, 
mas acaba também através da sinestesia representando toda essa crise. Esta 
representação de crise abarca a arte também em sua estrutura, na forma da 
obra. Em alguns produtos, a estrutura é determinante de formatos, gêneros 
e não é diferente no transmídia. 
No século XX observamos uma “desrealização”, ou seja, quando o cubis-
mo, expressionismo e surrealismo passam a se desligar da mimética, recuan-
do em sua intenção de copiar ou reproduzir a realidade de forma empírica, 
voltando para a abstração, como relembra Anatol Rosenfeld (1969).
Diante disto, é no século XX que percebemos o grande ponto de mu-
dança na narração através da perda do centro da história, que se torna mais 
fragmentada dentro dela mesma em diversos núcleos de personagens, na 
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dúvida de uma ideia totalizadora e explicativa do universo, que juntamen-
te com as influências dos primeiros momentos narrativos épicos, podemos 
costurar o caminho de uma narrativa transmidiática. Afinal, como afirmar Li-
gia Leite (1989, p. 71), “Na verdade, no nosso século a narrativa se fragmen-
ta em múltiplos centros”, concordando com os pensamentos de Rosenfeld 
sobre um eixo transformador (uma reconfiguração), sobre o Zeitgeist. Ou 
seja, há de fato uma ligação visceral entre todos os atos de cultura, ambos 
respondendo às questões reflexivas do homem e do meio como a forma do 
homem se enxergar enquanto indivíduo plural e fragmentado, de entender 
e configurar sua identidade em diversos núcleos. Para ela, é o momento do 
onírico rever seu tempo narrativo, com ficções mais disformes: 
A distinção temporal é revirada pelo avesso, pela fusão do presente, do 
passado e do futuro, pela criação de uma simultaneidade que altera radi-
calmente não apenas as estruturas narrativas mas também a composição 
da própria frase que perde seus nexos lógicos.
(LEITE, 1989, p. 72). 
É este o momento onde o romance assalta a cinematografia e suas téc-
nicas, recebendo influências de montagem, acionando principalmente a si-
multaneidade, que nos é tão latente na concepção transmidiática no século 
XXI. Aqui percebemos através da necessidade de imersão, um retorno a este 
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realismo a partir da técnica. É a técnica que “desaparata” 15 na translucidez, 
se torna transparente, ou pelo menos tenta, buscando promover a transpa-
rência do meio técnico. É esta transparência um dos componentes funda-
mentais da imersão num universo transmídia. Tentaremos perceber agora 
estas reconfigurações quando o texto oral ou escrito ganha as mídias que 
trabalham som, imagem, principalmente quando o texto insere um novo lu-
gar entre o real e o fictício, como Alice. Faremos alguns apontamentos prin-
cipais sobre a televisão, que é o meio do nosso objeto de estudo. 
1.2 “To be continued”: A serialização das histórias
Para não irmos até Sherazade, vale lembrar que a fragmentação das his-
tórias através da criação de um gancho narrativo para a próxima parte, co-
nhecido nos roteiros como cliffhanger, é tão antigo quanto os primeiros con-
tos. O cliffhanger é o recursousado por roteiristas para deixar personagens 
em uma situação de suspense ao final de uma parte da história, gerando 
curiosidade e gancho para a próxima parte, literalmente expresso no “to be 
15 O termo “desaparatar” é usado pela autora inglesa J.K. Rowling na saga Harry Potter como título de feitiço onde os 
bruxos desaparecem e reaparecem no lugar desejado, ficando em um entre-lugar enquanto a magia não se conclui. 
Na saga, representa a fácil locomoção dos personagens. É preciso determinação para chegar ao destino desejado 
pelo bruxo. Usamos no texto para referir a como Alice se transporta entre o seu território informacional, com a di-
ferença que com a propriedade enciclopédica da internet, ela é algo ubíquo, estando em vários lugares ao mesmo 
tempo.
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continued” (“a continuar”, em português), que é a maior oposição ao títu-
lo de encerramento que diz e garante o “fim”. No português, em tradução 
nossa, o termo cliffhanger dá a entender algo como “à beira do precipício” 
e se torna um dos grandes sintomas da serialização de ficções e ganha mais 
destaque ainda nas transmidiações, nas quais há várias partes. Como nossa 
intenção não é recapitular a história de ficções seriadas, entramos apenas 
nos principais momentos que contribuem para uma narrativa transmidiática. 
Damos grande importância ao folhetim do século XIX pela noção de frag-
mentação e por ser o primeiro grande gênero narrativo de massa.
Com o folhetim acionando a noção de fragmentação de narrativa em 
capítulos em produtos do entretenimento, as séries de televisão têm nele 
um parente próximo. É preciso retomar que, além das histórias contadas 
através de capítulos nos jornais, revistas e HQs, o rádio também deu voz aos 
folhetins, tal como o cinema apresentou as primeiras narrativas audiovisu-
ais seriadas, mas desde sua criação em 1830 na Europa, o formato só chega 
ao rádio 100 anos depois, em 1930, nos Estados Unidos, onde deixa de ser 
folhetim para ser conhecido como Soap Opera (denominação que os norte-
-americanos usam para as novelas até hoje). Trinta anos depois o folhetim 
chega ao Brasil em 1960 como nos conta Flávio Luiz Porto e Silva (2005) e 
Cássio Starling Carlos (2006). 
No cinema, o formato chegava durante a mesma década que era intro-
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duzido no rádio, em 1930. O final de década seguinte é marcado por obras 
seriadas como as de Chaplin (CARLOS, 2006). A herança de formas narra-
tivas, de conteúdo, no entanto, vêm do melodrama, surgido na França de 
1800, através do dramaturgo francês René-Charles Guilbert de Pixérécourt. 
Classificado por muitos como texto “subliterário”, este gênero dramático já 
nascia com a carga de entretenimento barato e de fácil consumo, estigma 
que se perpetuou até chegarmos às telenovelas. O melodrama envolvia mú-
sica e drama, vilão e mocinho. 
Inspirado nestes pilares, o folhetim não nasce fragmentado: eram inicial-
mente histórias curtas nos rodapés dos jornais e ganhavam este nome já 
que estes rodapés eram chamados de “folhetim”. O espaço era, no começo, 
lugar do jornal para variedades, charadas, piadas etc.. Só em 1936, o local é 
ocupado realmente por uma história, quando o jornal La Presse retirou as 
piadas e ousou publicar uma história antiga e anônima, Lazarillo de Tormes, 
como conta Marcelo Bulhões (2009, p.46). Em 1842 vem a união entre nar-
ração e necessidades comerciais de jornais: “O folhetim faz ver, quase que de 
maneira didática, o forte e indissociável vínculo entre forma narrativo-ficcio-
nal e necessidades mercadológicas” (BULHÕES, 2009, p.47), que nesse caso 
era a venda do jornal, já que um mistério não resolvido na história do dia 
anterior poderia levar o leitor a comprar a edição do jornal do dia seguinte. 
É este um dos grandes ápices do surgimento de uma Indústria Cultural 
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que atende a uma classe subalterna da população desprovida de dinheiro e, 
como nos relembra Cristina Costa (2002, p.40), “é nesta cultura proletária que 
os empresários encontrarão as receitas de sucesso para uma produção seria-
da”. É este o momento onde esta indústria é caracterizada pela organização 
empresarial, serialidade narrativa, lucratividade e tecnicismo, se contrapon-
do a uma cultura exclusiva e requintada consumida pela alta sociedade. Este 
dualismo entre cultura erudita consumida pela alta sociedade versus cultura 
popular, da plebe, se torna útil já que uma das dualidades entre as duas está 
na contemplação cultural distante e fria, sem participação do público que se 
torna a certo ponto frígido, de uma “alta cultura” versus as risadas, barulho 
e calor de uma cultura popular. 
De acordo com Cristina Costa (2002), a ideia de participação é uma noção 
contrária à prática que se desenvolve no “processo civilizador”. O ato do in-
divíduo se exceder, participar e deixar seu status de alteridade vai contra uma 
cultura do comportamento que se forma no feudalismo e que, no século XVIII, 
ganha destaque com a revolução industrial. Quando chegam os folhetins no 
século seguinte, esta cultura fria já está disseminada e práticas narrativas ins-
piradas em sistemas anteriores são consideradas de baixo escalão. 
A igreja tem grande parte neste sistema, atuando como instituição canô-
nica em relação aos comportamentos sociais, contribuindo ainda mais nes-
se sentido de sustentação de uma elite contemplativa. Ora, se as histórias 
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mais antigas eram contos narrados pela plebe em bares, rodas de amigos 
etc., a “nova arte”, a arte clássica europeia, deveria ser o contrário, contem-
plativa e requintada. A noção de preço de consumo e o surgimento de um 
conteúdo financeiramente inalcançável para a cultura proletária no século 
XIX era então oriunda de manuais de etiqueta que estimulavam o controle 
emocional também através de religiões como o calvinismo, por exemplo, e, 
por conseguinte, há uma distanciamento dos leitores das obras. Temos uma 
época onde começa o “glamour silencioso” que repele a participação. Talvez 
daí possamos pensar a pergunta que Clay Shirky (2011) se faz ao questionar 
o motivo de precisarmos pensar formas de participação dentro de produtos 
culturais hoje, se isto parece algo tão nato ao ser humano. No entanto, os 
folhetins já trazem uma carga diferente com relação à participação.
Ainda de acordo com Cristina Costa (2002, p. 51), “com os folhetins tinha 
início a tentativa do público de interferir no desenrolar das histórias – através 
de cartas enviadas ao jornal, os leitores pediam pela vida dos personagens 
ou pela felicidade do par amoroso”. Atualmente este fenômeno é chamado 
de ativismo narrativo (Narrative Activism) e os folhetins aparecem também 
como um dos marcos no surgimento do que hoje consideramos como con-
sumidores/interatores de ficção seriada. O termo “ativismo narrativo” surge 
com a autora Pamela Wilson, em 2004, como uma reflexão sobre as investi-
das do público na tentativa de alterar o desfecho da narrativa pela internet. 
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 Indo além da fragmentação narrativa, tratando de um público cada vez 
mais segmentado, a série ganha um espaço que possibilita riscos artísticos 
e novos formatos, o que talvez tenha facilitado ser ela o primeiro gênero a 
usar formas mais arrojadas de narrativa e a ser um dos primeiros grandes 
exemplos de transmidiação em ficção.
Com o surgimento da televisão, vem a primeira telenovela em 1946, Fa-
raway Hill que estreou ainda em preto e branco nos Estados Unidos pelo ca-
nal DuMont Television Network. É esta primeira experiência que vai acionar o 
formato de ficção seriada com intervalos comerciais

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