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A doutrina do direito natural

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A doutrina do direito natural
As discussões sobre o direito natural se estendem desde a Grécia Clássica, atravessando diversas épocas históricas, com algumas nuances divergentes, pois ora aparecem vinculadas ao sagrado, ora a uma visão laicizada, de base racional. De todo modo, considera-se que os pressupostos do direito natural estariam ligados às formas mais antigas do agir humano, no sentido de conviver em sociedade.
Um dos exemplos mais representativos sobre o direito natural encontra-se na Antiguidade, n’A Trilogia Tebana, de Sófocles: Édipo Rei, Édipo em Colona e Antígona. E é justamente a protagonista Antígona que sintetiza a discussão entre as normas da tradição e da herança sagrada e as leis criadas pelos homens. 
Nessa tragédia, conta-se que, após a morte de Édipo, os irmãos de Antígona, Etéocles e Polinices, duelam entre si pela disputa do poder, e ambos morrem. Como o tio deles, Creonte, que estava provisoriamente no governo, havia criado uma lei para castigar os inimigos deixando-os insepultos, apenas o corpo de Etéocles, aliado do tio, é trazido para a cidade a fim de receber as honras fúnebres, enquanto o corpo de Polinices seria abandonado à sanha dos animais. É nesse ponto que Antígona opta por cumprir a lei da tradição — do direito natural —, em detrimento da lei criada por Creonte, sendo, por esse motivo, aprisionada e condenada ao emparedamento. 
Esse fato enfatiza a doutrina do direito natural como sendo anterior às normas jurídicas estabelecidas pelo poder instituído. Haveria, portanto, um poder superior, universal e imutável que deveria prevalecer sobre os demais modelos jurídicos. 
Como foi mencionado na unidade anterior, a doutrina do direito natural passa por várias etapas, quando filósofos de tendências diferentes analisam as condições que envolvem o jusnaturalismo. Conforme acrescentam Bittar e Almeida (2016, p. 319): 
“O Direito Natural surge pela primeira vez na história do pensamento com os gregos. Desta feita, sua grande contribuição é mostrar a ligação do Direito com as forças e as leis da natureza. Na segunda oportunidade que vem à tona, no século XVII, o Direito Natural aparece como reação racionalista à situação teocêntrica na qual o Direito fora colocado durante o medievo. É a razão humana, independente da fé, que deduz uma natureza humana da qual se extraem direitos naturais”.
Assim, o direito natural seria inerente ao ser humano, enraizado na natureza do homem, e teria como característica principal possibilitar a harmonia da sociedade em torno da justiça, que representaria um ideal comum a todos. 
Vale lembrar, ainda, que, na Antiguidade, Aristóteles já se referia à justiça natural, explicando que “são naturais as coisas que em todos os lugares têm a mesma força e não dependem de as aceitarmos ou não [...]” (ARISTÓTELES, 1999, Livro V, 1134b). 
Também Tomás de Aquino, na Idade Média, assinalava a importância do direito natural, seguindo uma acepção essencialmente teológica. Na modernidade, a doutrina do direito natural adquire uma vertente laica, com base na razão humana, como visto em Hugo Grotius — o que não significa que a recorrência à religiosidade tenha sido abandonada definitivamente. 
Kant
O pensamento filosófico de Immanuel Kant (1724-1804) estabelece as condições de possibilidade do conhecimento, dando destaque especial ao aspecto do racionalismo crítico, que considera a razão e a sensibilidade como partes integrantes do entendimento humano, havendo, assim, uma consciência atrelada à experiência e às leis universais. Ou seja, segundo Kant, a sensibilidade é o conhecimento sensível ligado à intuição dos sentidos, que assimila o objeto dado. O entendimento é o conhecimento inteligível (do pensamento abstrato, metafísico) e se refere ao que é pensado. A união destas duas partes — sensibilidade e entendimento — possibilita a experiência da realidade. De acordo com Marcondes e Struchiner (2015, p. 71):
“Embora um racionalista, Kant, contudo, vê o conhecimento como uma obra não apenas da razão, mas de sua articulação com a sensibilidade, que nos permite acesso ao mundo natural. Esse acesso, porém, é tornado possível pela estrutura de nosso entendimento — da combinação entre razão e sensibilidade —, motivo pelo qual nunca podemos conhecer o real tal como ele é, mas apenas tal como é apreendido por nós, ou seja, enquanto objeto (Gegenstand, literalmente “o que se encontra diante de nós”)”.
Na obra Crítica da razão prática, de 1788, Kant desenvolve uma linha de raciocínio essencialmente vinculada às questões morais, quando elabora a fórmula de seu imperativo categórico: “Age de tal maneira que a norma da tua ação possa ser tomada como lei universal.” Para Bittar e Almeida (2016, p. 374):
“O universalismo do imperativo categórico reflete-se até na ideia kantiana da necessidade de formação de uma federação de Estados, no plano internacional, no sentido de evitar-se a guerra e buscar-se a paz, fim último da proposta de todo o Direito e de toda a história”.
É possível, então, observar que, em suma, Kant defende a liberdade, condição inarredável para a retidão moral e, por consequência, para a existência do direito, uma vez que o imperativo categórico se impõe como o cumprimento do próprio dever e, portanto, como uma lei natural. Contudo, vale acrescentar que, como em Kant é a liberdade que vai possibilitar a existência do direito, o jusnaturalismo kantiano pode ser classificado como um jusnaturalismo transcendental, entendida a transcendência como condição de possibilidade. E, como acrescentam Bittar e Almeida (2016, p. 374):
“O kantismo inaugura uma nova fase das especulações éticas. Kant faz da ética o lugar da liberdade, na medida em que instrui seus preceitos de forte conotação deontológica (dever – ser), e faz a liberdade residir na observância e na conformidade do agir com a máxima do imperativo categórico. No lugar de mencionar na felicidade a finalidade do agir humano, faz residir no dever, e num dever que se insculpe como regra apriorística, racional e universal, a preocupação ética”.

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