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28/09/2017 Envio | Revista dos Tribunais http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/delivery/document 1/27 A coisa julgada no direito processual civil brasileiro A COISA JULGADA NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO Res judicata under Brazilian civil procedural law Revista de Processo | vol. 269/2017 | p. 151 196 | Jul / 2017 DTR\2017\1816 Rennan Thamay Pósdoutor pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito pela PUCRS e Università degli Studi di Pavia. Mestre em Direito pela UNISINOS e pela PUC Minas. Especialista em Direito pela UFRGS. Professor titular do programa de graduação e pósgraduação (doutorado, mestrado e especialização) da FADISP. Professor da pósgraduação (lato sensu) da PUCSP. Presidente da Comissão de Processo Constitucional do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP). Advogado. rennan.thamay@hotmail.com Área do Direito: Processual Resumo: Tratase de texto que investiga a coisa julgada do clássico ao contemporâneo, chegando ao novo Código de Processo Civil, concluindo que, com a nova norma, ampliaramse os limites objetivos da coisa julgada em face da questão prejudicial. Palavraschave: Coisa julgada Novo Código de Processo Civil Abstract: The text is about the scrutiny of res judicata from the classical era to the current days; as such, the final point of the research has linked the past to the new Brazilian Code of Civil Procedure. The conclusion is that with the new rule, the limits set before for res judicata have been widened considering the issues that had been a detriment to the subject. Keywords: Res judicata New Brazilian Civil Procedure Code Sumário: 1Introdução 2A coisa julgada no CPC/1973 3A coisa julgada no CPC/2015 4Considerações finais 5Referências bibliográficas 1 Introdução De forma geral, a coisa julgada1 tem previsão infraconstitucional, além, é claro, de sua demarcação no campo das garantias fundamentais do art. 5º da Constituição. Historicamente, por ordem cronológica, a res iudicata veio prevista no art. 4672 do CPC/1973 (LGL\1973\5), muito embora haja conflito doutrinário3 sobre a teoria adotada. Posteriormente, veio a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Lei 4.707/1942, conceituando, no art. 6º, § 3º4, o que poderia ser a res iudicata, mas em seu âmbito formal para alguns, o que em verdade se trata de preclusão. Com efeito, além dessas situações, resta recordar que a coisa julgada detém previsão no CDC (LGL\1990\40), bem como previsão em outras normas que não são objeto desta pesquisa. Destarte, cabe referir que, em substituição ao CPC/1973 (LGL\1973\5), foi editado o CPC/2015 (LGL\2015\1656), prevendo o instituto da coisa julgada a partir do art. 502. Sabese, ademais, que a res iudicata detém influência sobre outras normas, muito embora não sejam objeto desta pesquisa, fazendose necessário, para tanto, neste momento, compreender como se deu a coisa julgada no CPC/1973 (LGL\1973\5) para depois, então, apreciar a res iudicata no CPC/2015 (LGL\2015\1656). 2 A coisa julgada no CPC/1973 A res iudicata perante o CPC/1973 (LGL\1973\5) (assim como o CPC/2015 (LGL\2015\1656)) tem como base fundante a teoria de Enrico Tullio Liebman5, em tese, muito embora em muitos aspectos acabe adotando posições que não são, realmente, consequentes do pensamento do processualista italiano. Em verdade, justifiquese a influência de Enrico Tullio Liebman pelo fato de ter este vindo a morar em São Paulo, lecionando na Universidade de São Paulo, sendo professor de Alfredo Buzaid, então Ministro da Justiça e motivador do CPC/1973 (LGL\1973\5). A res iudicata está disposta, nesse Código, a partir do art. 467. Para o CPC/1973 (LGL\1973\5), denominase coisa julgada material a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. 28/09/2017 Envio | Revista dos Tribunais http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/delivery/document 2/27 Nesse sentido, percebese que o Código buscou inspiração na construção de Enrico Tullio Liebman, pois este observa a res iudicata não como efeito, mas como uma qualidade que torna todos os efeitos imutáveis e indiscutíveis. Evidentemente, essa é uma das vertentes da coisa julgada, que sofreu dura crítica de José Carlos Barbosa Moreira6, compreendendo que a res iudicata é a qualidade que se agrega aos efeitos para tornar imutável e, consequentemente, indiscutível o conteúdo decisório da sentença. Com efeito, devese observar que o dispositivo (art. 467 do CPC/1973 (LGL\1973\5)) acaba confundindo a coisa julgada material com a coisa julgada formal, por não pontuar as distinções. A coisa julgada pode ser dividida em material e formal, o que faz parcela da doutrina, muito embora se acredite, neste ensaio, que a coisa julgada, como imutabilidade do conteúdo decisório, só pode ser a substancial, pois dotada de tal qualidade.7 A suposta coisa julgada formal, em verdade, não passa de preclusão. Desse modo, as partes no mesmo processo não poderão discutir determinada situação, visto que o seu momento temporal e processual já passou. Nesse caso, as partes terão em seu (des)favor a ocorrência da preclusão temporal8, instituto distinto da res iudicata que é comprometida com a imutabilidade e, consequente, indiscutibilidade do conteúdo da sentença. Efetivamente, a partir da construção do referido art. 467 do CPC/1973 (LGL\1973\5), devese perceber que a coisa julgada, para essa norma, é a imutabilidade e, consequentemente, indiscutibilidade da sentença9, e não, como informa o texto normativo, a eficácia. Esta é algo distinto, pois, na verdade, é a aptidão para a produção de efeitos. Lançadas essas bases, cabe, agora, observaremse os limites objetivos da coisa julgada que são demarcados pelo art. 468 do CPC/1973 (LGL\1973\5), pois a sentença que julgar total ou parcialmente a lide tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas. Portanto, os limites objetivos da res iudicata estão comprometidos com aquilo que receberá o manto protetor da coisa julgada. Nesse peculiar, vislumbrase qual o conteúdo, ou o quê, receberá a proteção da coisa julgada.10 De fato, aquilo que não estiver contido na causa de pedir e pedidos, levado ao conhecimento do julgador pelo mecanismo processual adequado, não receberá o manto da res iudicata, pois aqui está a delimitação dos limites objetivos, porque vinculados ao que fora objeto de exame judicial.11 Destarte, no Brasil, em relação à coisa julgada12, adotouse a teoria restritiva dos limites objetivos da coisa julgada (diversamente do modelo alemão)13, possibilitando que somente a parte dispositiva da decisão receba a proteção da imutabilidade e, consequente, indiscutibilidade. Por essa razão é que, seguindo a ordem do art. 469, caput, I, II e III, do CPC/1973 (LGL\1973\5), não fazem coisa julgada: a) os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; b) a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; c) a apreciação da questão prejudicial14, decidida incidentemente no processo. Em verdade, essa opção sistêmica feita pelo Brasil, e constantemente reafirmada pela jurisprudência15, deixa claro que o que importa para a formação da coisa julgada é aquilo que compõe a parte dispositiva da sentença, assim como estruturou o CPC/1973 (LGL\1973\5). Contudo, assim como alerta o art. 470 do CPC/1973 (LGL\1973\5), faz coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer, o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamentoda lide. Desse modo, muito embora como se observou anteriormente, a regra é a de que questão prejudicial não receba a proteção da coisa julgada; entretanto, havendo a propositura de ação declaratória incidental, descrita no art. 325 do CPC/1973 (LGL\1973\5), formarseá a coisa julgada16, caracterizandose, dessa forma, a exceção apresentada pelo sistema à regra do art. 469, III. Do contrário, se as partes não suscitarem a declaração incidente, não se formará a res iudicata segundo as regras do CPC/1973 (LGL\1973\5). Outro aspecto imprescindível a este estudo é compreender qual a limitação temporal da coisa julgada17. A res iudicata, dessa maneira, foi constituída para ter validade temporal, ou seja, não eternamente. Incongruente seria acreditar que uma decisão poderia valer para sempre, sabendo da mutabilidade das questões fáticosociais e do próprio ordenamento jurídico. Nessa senda, fazse necessário compreenderemse os limites temporais da coisa julgada, os quais fazem com que esse instituto tenha aplicação temporal enquanto não se alterarem os fatos jurídicos, pois, em isso ocorrendo, a res iudicata não mais persistirá em virtude da qualidade de mutabilidade da cláusula rebus sic stantibus, que é inerente à coisa julgada.18 28/09/2017 Envio | Revista dos Tribunais http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/delivery/document 3/27 Com efeito, nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, em regra, assim como determina o art. 471, caput, do CPC/1973 (LGL\1973\5). Todavia, excepcionalmente, assim como permite o art. 471, I e II, do mesmo Código, poderá ser novamente decidida demanda que se trate de: a) relação jurídica continuativa (as relações jurídicas continuativas são aquelas em que há trato sucessivo entre os envolvidos que necessariamente se estendem no tempo), na qual sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; b) nos demais casos prescritos em lei. Além do mais, entender os limites subjetivos19 da coisa julgada se faz necessário. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa20, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros. Essa conotação dos limites subjetivos é advinda da determinação do art. 472 do CPC/1973 (LGL\1973\5). Portanto, a coisa julgada só envolve as partes do litígio e seus sucessores, sendo a eles imposta a imutabilidade e a consequente indiscutibilidade do conteúdo decisório da sentença. No entanto, nasce a dúvida da figura dos terceiros. Aclarese que estes não recebem a imutabilidade e a indiscutibilidade do conteúdo decisório da sentença, ou seja, a coisa julgada. Recebem, entretanto, sim, as eficácias da sentença, que não se confundem com a res iudicata.21 Ademais, como informa o CPC/1973 (LGL\1973\5) no art. 473, é defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão22. Além disso, importante salientar que, passada em julgado a sentença de mérito, reputarseão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido, tal como determina o art. 474 do CPC/1973 (LGL\1973\5). Nesse caso, se está diante da eficácia preclusiva da coisa julgada, que se caracteriza por verdadeira proteção que o sistema lançou sobre a res iudicata.23 Por fim, devese dizer que as alegações e defesas dedutíveis não recebem a proteção da coisa julgada, em relação ao seu limite objetivo, pois podem ser livremente debatidas em outro processo.24 Dessa forma, foi tratada a coisa julgada pelo CPC/1973 (LGL\1973\5), sob forte influência do pensamento de Enrico Tullio Liebman, muito embora a doutrina nacional tenha construído novas formas de compreender a res iudicata, que, sabidamente, é a matriz de segurança jurídica do sistema jurídico. Sopesados esses delineamentos, resta agora, obviamente, examinar como foi tratado o instituto no CPC/ 2015 (LGL\2015\1656). 3 A coisa julgada no CPC/2015 O CPC/2015 (LGL\2015\1656) vem demarcado pela manutenção de muitos instrumentos e algumas novidades pontuais que poderão ter o condão de, realmente, tornar o processo mais célere, eficiente e até de duração razoável. Mas, quanto a isso, somente o tempo poderá nos fazer constatar. 3.1 A coisa julgada e sua definição: a interpretação do art. 502 Sobre o tema da coisa julgada, há tempos debatido, questionado e problematizado, o CPC/2015 (LGL\2015\1656) muda alguns aspectos já definidos anteriormente pela doutrina com base nas construções de Enrico Tullio Liebman, indo adiante. Dessa forma, como determina o art. 502 do CPC/2015 (LGL\2015\1656), denominase coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso. Aqui, como se pode perceber, atribuise à coisa julgada a qualidade de autoridade, assim como defendido por Enrico Tullio Liebman. Essa autoridade, que se traduz em verdadeira força, tem a qualidade de tornar imutável e, consequentemente, indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso. Com essa definição normativa da coisa julgada, mantémse no sistema pátrio a possibilidade interpretativa já conhecida da divisão da res iudicata em material e formal, pois se emprega, no texto do art. 502, a expressão “não mais sujeita a recurso”. Discordase dessa orientação, como já afirmado, pois coisa julgada como imutabilidade e, consequente, indiscutibilidade é somente a substancial, ou seja, a material (aquela que resolve questão de mérito, quer por sentença, quer por meio de decisão interlocutória), já que aquilo que se chama de coisa julgada formal não passa de preclusão máxima que estabiliza as decisões com base no trânsito em julgado25. Destacadamente, a res iudicata só se forma, em verdade, se houver enfrentamento definitivo do mérito da causa posta em juízo, pois decisões processuais realmente não têm o condão de adquirir a qualidade de coisa julgada, já que apenas transitam em julgado26. Outro ponto que resolve definir o CPC/2015 (LGL\2015\1656) é o de que a coisa julgada, como autoridade, só atinja a decisão de mérito, o que já se vislumbrava na antiga sistemática, muito embora se falasse em “sentença”. 28/09/2017 Envio | Revista dos Tribunais http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/delivery/document 4/27 Assim, a decisão de mérito concretizada por meio da sentença como de decisão interlocutória (o que ocorrerá quando a decisão interlocutória contiver juízo definitivo total ou parcial do mérito27, por exemplo, no caso do art. 356 do CPC/2015 (LGL\2015\1656)) terá o condão de ser imutável e, consequentemente, indiscutível pela coisa julgada. Ademais, devese observar com cuidado a potencial confusão entre a eficácia28 da sentença e sua autoridade, conceitos que não se confundem. Sabidamente, a eficácia da sentença é a sua aptidão para produção de efeitos29, enquanto que a autoridade da sentença é a sua força, que, em sendo imutável e indiscutível, traduzirseá na coisa julgada. Com efeito, a coisa julgada não é eficácia da sentença, mas, de outro lado, a imutabilidade e, consequente, indiscutibilidade do conteúdo da decisão de mérito, sendo correto, a nosso ver, o art. 50230, CPC/2015 (LGL\2015\1656), ao evitar a utilização do termo “eficácia”para conceituação da coisa julgada. A res iudicata projeta os efeitos da sentença ou da decisão interlocutória de mérito para o futuro, de maneira estável, sendo essa a sua função positiva, impedindo o Poder Judiciário de se manifestar acerca daquilo que já foi decidido novamente, sendo essa, portanto, a sua função negativa31. Assim, podese afirmar, com segurança, que a coisa julgada representa, em verdade, a estabilidade mais forte do processo, ao tornar definitivo o próprio resultado final do processo, já que realmente torna imutável e, consequentemente, indiscutível a decisão de mérito, quer por sentença ou decisão interlocutória, que resolva a questão, ou parte dela, posta em juízo, gerando, enfim, a esperada segurança jurídica. 3.2 A coisa julgada e seu limite objetivo: a interpretação do art. 503 Como observado anteriormente, os limites objetivos estão ligados às matérias que serão analisadas na decisão de mérito, o conteúdo que será parte da decisão emanada pelo Poder Judiciário, recebendo, então, a força da coisa julgada. Realmente, os limites objetivos da coisa julgada são determinados pelo pedido, porque a coisa julgada não pode ser maior que a res iudicanda. Segundo preceitua o art. 50332 do CPC/2015 (LGL\2015\1656), a decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida. Efetivamente, as questões devem ser postas, em causa, pelas partes e, consequentemente, expressamente decididas pelo julgador. As questões não expressamente decididas, mesmo que digam respeito ao mérito da causa, não restarão acobertadas pela res iudicata33, mas consideramse simplesmente preclusas no próprio processo, permitindo por meio de outra demanda serem tratadas tais questões. Pontualmente, a mudança desse texto veio ligada a duas relevantes palavras, substituindo a anterior “sentença” por “decisão” e também alterando a noção de “lide” por “mérito”. Muita coisa muda, pois se pode, com base no novo texto, falar em coisa julgada não somente das sentenças, mas também, como já se defendia, das decisões de mérito de natureza distinta. Com base nesse fato, nasce aqui a possibilidade de falarse, normativamente, em coisa julgada de decisões interlocutórias de parcela do mérito, de acórdãos e, inclusive, de decisões tipicamente unipessoais que são aquelas proferidas pelo relator monocraticamente, desde que também abordem o mérito. Os limites objetivos da coisa julgada estarão determinados pela decisão de mérito em sua parte dispositiva, definido que a questão passará a receber a imutabilidade e a consequente indiscutibilidade. Diferentemente do que foi adotado no CPC/1973 (LGL\1973\5), o CPC/2015 (LGL\2015\1656) amplia os limites objetivos da coisa julgada para fazer com que as questões prejudiciais34 (aquelas que incidentalmente venham a ser decididas e possam trazer prejuízo à matéria principal sob judice) estejam protegias pelo véu da imutabilidade, assim como determina o art. 503, § 1º, do CPC/2015 (LGL\2015\1656). Realmente as questões, tecnicamente consideradas, “são matérias sobre as quais autor e réu não concordam. Isso significa que há pontos (de direito) que talvez nunca se tornem questões, porque ambas as partes concordam sobre sua existência e validade. Entendese que essas questões, as quais são antecedentes porque devem ser consideradas antes da questão seguinte (que pode ser o mérito), podem ser classificadas como pertencentes a dois grupos: preliminares ou prejudiciais”35. A questão verdadeiramente depende do desacordo entre autor e réu sobre a existência ou a validade de determinada relação jurídica, que será considerada necessariamente antes da decisão do mérito, sendo, então, a depender do caso, uma questão prejudicial que poderá receber a imutabilidade e consequente indiscutibilidade da coisa julgada. 28/09/2017 Envio | Revista dos Tribunais http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/delivery/document 5/27 Nesse contexto, o CPC/2015 (LGL\2015\1656) optou por flexibilizar o princípio da inércia da jurisdição, que encampa todo o processo civil e encontra guarida no CPC/2015 (LGL\2015\1656) (art. 2º), uma vez que determinada questão que diga respeito à existência ou inexistência da relação jurídica entre as partes recairá sob o manto da coisa julgada, independentemente da vontade das partes, o que poderia afrontar, até mesmo, o princípio dispositivo36, todavia não nos parece assim. Em análise a esse tema, Barbosa Moreira37, antes mesmo da entrada em vigor do CPC/1973 (LGL\1973\5), já trazia elementos de ordem prática capazes de sustentar a impossibilidade de a coisa julgada recair, sem pedido expresso das partes, sobre a questão prejudicial, à medida que as partes podem estar despreparadas para enfrentar uma discussão exaustiva acerca das questões prejudiciais, o que poderia, em alguns casos, desestimular o ajuizamento da demanda pela parte, com receio de serem vinculadas a questões meramente incidentais aos seus interesses atuais38. De outro lado, parecenos que, pela sistemática do CPC/2015 (LGL\2015\1656), com a extinção da ação declaratória incidental, que vinha prevista no CPC/1973 (LGL\1973\5) (art. 325), ganhou ainda mais força o argumento de que realmente a questão prejudicial39 será abrangida pela coisa julgada, com ou sem pedido40, pois questão que interessa ao processo e que pode ser marcante para o resultado final da questão posta em juízo. Ainda assim, foi essa a conotação do CPC/2015 (LGL\2015\1656), pois fará coisa julgada a resolução de questão prejudicial41, decidida expressa e incidentalmente no processo (art. 503, § 1º, do CPC/2015 (LGL\2015\1656)), se: a) dessa resolução depender o julgamento do mérito (inciso I); b) a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia (inciso II), e, por fim, c) o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvêla como questão principal (inciso III). Destarte, como evidenciado anteriormente, modificando a estrutura anterior do CPC/1973 (LGL\1973\5), o CPC/2015 (LGL\2015\1656), no art. 503, § 2º, determina que as hipóteses do § 1º (questões prejudiciais que recebem o manto da coisa julgada), do mesmo artigo, não se aplicam se no processo houver restrições probatórias42 ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial, evitando, nesse caso, a formação da coisa julgada, já que os elementos necessários para uma decisão coerente – em processo democrático – não estão presentes. Assim, preenchidos os pressupostos previstos nos §§ 1º e 2º do art. 503 do CPC/2015 (LGL\2015\1656), as questões prejudiciais, então, poderão ser atingidas pela coisa julgada, sem necessidade de pedido ou provocação específica43. Reforçando essa compreensão, vem o Enunciado 165 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis44. Portanto, o CPC (LGL\2015\1656) estendeu a coisa julgada à questão prejudicial, suposto que a decisão de mérito seja delas dependente, observados os requisitos da competência do juiz para conhecer da matéria como questão principal e do contraditório efetivo (não se aplicando no caso de revelia e no de restrições probatórias ou cognitivas impedientes de seu exame em profundidade), devendo, pois, ter havido controvérsia efetiva e decisão do juiz a respeito. Assim, a extensão da coisa julgada às questões prejudiciais decorre da lei, independentemente de requerimento da parte. 3.3 Questões que não fazem coisa julgada: a interpretação do art. 504 O CPC/2015(LGL\2015\1656) teve a oportunidade de retirar qualquer dúvida quanto ao que não faz coisa julgada, ou seja, a que parte do conteúdo decisório da decisão judicial não recebe a imutabilidade e, consequente, indiscutibilidade característica da res iudicata. Assim, não fazem coisa julgada (art. 504 do CPC/2015 (LGL\2015\1656)): a) os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença (inciso I); e b) a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença (inciso II). Nesse particular, não houve inovação, com exceção da já trabalhada possibilidade de a questão prejudicial fazer coisa julgada, pois se mantém aquilo que antes vinha previsto no art. 469, I e II, do CPC/1973 (LGL\1973\5). Sabese que os motivos não significam, em origem, fundamentos, pois questões diferentes. Dessa forma, deixa o novo CPC (LGL\2015\1656) espaço aberto para que venham interpretações conflitantes quanto a isso, pois deveria ter modificado a expressão motivos para fundamentos, impedindo, de uma vez, a tese, por alguns pretendida, da formação da coisa julgada sobre os fundamentos da decisão. Se o dispositivo referido fala em motivos, realmente acaba abrindo essa possibilidade referida, que muita confusão poderá trazer ao sistema brasileiro da coisa julgada. 28/09/2017 Envio | Revista dos Tribunais http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/delivery/document 6/27 Contextualizando, por necessário, sabese que no Brasil se adotou a noção de que só faz coisa julgada o dispositivo da decisão, pois “existindo contradição entre a motivação e a conclusão do acórdão, prevalece o contido na parte dispositiva do aresto”45. Assim, para a sistemática brasileira da coisa julgada, os motivos, por mais que importantes para determinar o alcance da decisão, bem como a versão dada pela sentença aos fatos, adotada como seu respectivo fundamento, não fazem coisa julgada46, pois apenas o dispositivo da sentença faz coisa julgada47. Desse modo, para o sistema brasileiro, devese falar em formação da coisa julgada, unicamente em relação ao dispositivo da decisão de mérito, pois assim o determinou a lei (art. 504 do CPC/2015 (LGL\2015\1656)). Todavia, sabese, como já referido quando estudado o sistema do CPC/1973 (LGL\1973\5), que, para alguns, possível seria falar de formação da coisa julgada em relação aos fundamentos da decisão, ou seja, da fundamentação, pois esta efetivamente compõe a estrutura da decisão de mérito que se tornaria imutável. O raciocínio faz sentido, no entanto, em outro sistema, pois o nosso o afastou pela determinação normativa e pela vontade do legislador. Esse debate ainda persiste, de certa forma, por equívocos que a própria legislação, no caso o CPC/2015 (LGL\2015\1656), mantém, pois desde o CPC/1973 (LGL\1973\5) mantevese a noção de que os motivos48 não fazem coisa julgada. Entretanto, o correto seria afirmar, para que dúvida não pairasse, é que os fundamentos, algo diferente dos motivos, não fazem coisa julgada, pois essa parece ser, faz tempo, a vontade do legislador. Em complemento, afirmese que, segundo estabelece a Súmula 304 (MIX\2010\2029) do STF, “decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria”. Assim, podese afirmar que a decisão que concede a segurança pretendida faz coisa julgada material, visto que implica declaração do direito afirmado pelo impetrante. Ademais, a decisão que rejeita o pedido efetivado no mandado de segurança não produz coisa julgada material, caso não aprecie o mérito, como nos casos de extinção do processo por falta de pressupostos processuais, de impropriedade da via escolhida e de perda do direito a essa via, dita decadência do direito à impetração do mandamus49. Existem, como se verá nesta obra, outras tantas situações em que a coisa julgada não se forma, mas, para este momento, de interpretação do CPC/2015 (LGL\2015\1656), importante fixaremse as balizas até aqui tratadas, com os exemplos afirmados. Portanto, para evitar tautologia sobre a opção sistêmica, optouse no Brasil por excluíremse da proteção da res iudicata os motivos determinantes (diferentemente do sistema alemão50, que inclui a fundamentação como objeto de proteção da coisa julgada) para a sentença, bem como a verdade dos fatos, por mais relevantes que sejam para a conclusão sentencial. 3.4 Limite temporal da coisa julgada: a interpretação do art. 505 Em plena simetria com o que foi determinado no CPC/1973 (LGL\1973\5), vem o CPC/2015 (LGL\2015\1656), dispondo no art. 505 que, em relação aos limites temporais da coisa julgada, nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide. Essa regra (art. 505) comporta ressalvas nos casos de: a) relação jurídica de trato continuado do qual sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença (inciso I); e b) nos demais casos prescritos em lei (inciso II). Sabese que a coisa julgada, embora imutável e indiscutível em relação ao conteúdo decisório, foi planejada, como opção política, para durar por certo tempo. Como já anunciado anteriormente neste estudo, os limites temporais da coisa julgada impõem a noção de que a res iudicata vincula em dado espaço de tempo. Permanecendo o contexto fáticojurídico51 que deu lugar à sua formação, permanecerá também a sua autoridade. Entretanto, modificandose a realidade dos fatos jurídicos sobre os quais decidiu e se pronunciou o Judiciário, a res iudicata não mais se verifica52, pois se trata de situação sobre a qual, pela modificação dos fatos jurídicos, o Poder Judiciário não se prenunciou, não sendo razoável que se queira impor a coisa julgada em situação como a referida, por tratarse, desta feita, de uma nova situação. No que concerne às relações jurídicas de trato continuado, conhecidas por alguns como relações continuativas, que são de trato sucessivo entre os envolvidos e que perduram no tempo, resta dizer que são suscetíveis de modificação em seu estado de fato e de direito53, permitindose, por isso, a mutação do conteúdo da decisão54, desde que, para tanto, promova o interessado a respectiva demanda5556 28/09/2017 Envio | Revista dos Tribunais http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/delivery/document 7/27 ou, ainda, que na mesma demanda faça pedido da alteração a ser implementada, permitindo o “rejulgamento da causa nos mesmos autos”57. A título de exemplo, no que se refere à aplicação da teoria dos limites temporais da coisa julgada, pode se referir a ação de alimentos, pois, por mais que definido o quanto a título de alimentos, havendo modificação no binômio possibilidadenecessidade, desde que haja pedido poderá o juiz decidir novamente a dos alimentos, tanto para majorar como minorar, tudo isso em decorrência do art. 505, I, CPC/2015 (LGL\2015\1656). Ademais, segundo prescreve o art. 505, II, CPC/2015 (LGL\2015\1656), pode o juiz novamente decidir questão já solucionada quando se referir, por exemplo, “às situações que excetuam a regra da preclusão pro judicato prevista no caput do artigo. Fogem à regra, por exemplo, as questões ditas de ordem pública (requisitos de admissibilidade, pressupostos processuais, condições da ação), pois poderão ser revistas mesmo já tendo sido objeto de decisão durante o processo”58. Outro caso de representa bem a previsão do art.505, II, do CPC/2015 (LGL\2015\1656), está nas hipóteses do art. 494, I e II, do CPC/2015 (LGL\2015\1656), pois, publicada a sentença, o juiz só poderá alterála para corrigirlhe, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cálculo; bem como por meio de embargos de declaração. 3.5 Limites subjetivos da coisa julgada: a interpretação do art. 506 O disposto no art. 506 do CPC/2015 (LGL\2015\1656) trata dos limites subjetivos da coisa julgada, definindo quem recebe a imutabilidade e, consequentemente, indiscutibilidade do comando decisório da decisão de mérito. Com efeito, segundo o texto do CPC/2015 (LGL\2015\1656), “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”59. Nesse sentido, merece ajuste o texto do dispositivo, pois tanto para as sentenças como para as decisões interlocutórias de mérito a res iudicata terá a qualidade e força de atingir as partes entre as quais é dada, ou seja, proferida, bem como a seus sucessores. Evidenciase que a coisa julgada não pode prejudicar terceiros, em relação ao comando decisório imutável, porque o terceiro não participou da demanda, em pleno exercício do contraditório, razão pela qual não poderá ser compelido a receber a imutabilidade da coisa julgada, visto que não foi parte e não teve a oportunidade de debater a causa de pedir e os pedidos que envolveram a demanda, sendolhe possível, ao que nos parece, promover nova demanda com a finalidade de obter decisão judicial em relação à temática que foi decidida em demanda da qual não foi parte. Recentemente, pela abertura do texto do art. 506, surge interpretação60 de que, embora aparentemente favorável, acaba sendo sistematicamente contraditória, bem como, ao que nos parece, inadequada para o processo que respeita o contraditório e o princípio do dispositivo. Afirmase atualmente que a coisa julgada pode beneficiar terceiros, somente não podendo prejudicálos. Mas qual a lógica nisso? Somente pelo fato de ter o novo CPC (LGL\2015\1656) excluído a antiga “restrição” de beneficiar terceiros? A questão realmente não nos parece assim tão simplória. A res iudicata é fruto da jurisdição e, portanto, da ação. Aqueles que dela participam, se se tratar de demanda de cunho individual, são os sujeitos processuais, partes, que têm a seu dispor o contraditório, a ampla defesa e as demais garantias constitucionais do processo, sendo a eles plenamente produzível a coisa julgada. Isso, notadamente, pelo fato de que a decisão de mérito faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, assim como anuncia o CPC/2015 (LGL\2015\1656). Evidentemente, por isso, não prejudica terceiros. Em verdade, o comando decisório imutável e, consequentemente, indiscutível, com a força da coisa julgada, somente atinge as partes que da demanda individual participaram, pois, se assim não fosse, certamente, estarseia a romper com uma série de garantias constitucionais do processo. Uma das questões que merece esclarecimento para essa construção vem a ser o entendimento de que a coisa julgada não é efeito da sentença, mas, sim, a imutabilidade e, consequentemente, indiscutibilidade do comando decisório da decisão de mérito. De fato, o que atinge terceiros, nas demandas de natureza individual, para beneficiar ou prejudicar, são os efeitos da sentença, ou seja, os resultados, mas não a coisa julgada que precisa, para se formar, que o sujeito tenha tido a oportunidade de, naquela demanda, exercer o contraditório e a ampla defesa, fazendose presente o limite subjetivo da coisa julgada. Enrico Tullio Liebman61 sensibilizou a doutrina, demonstrando que a coisa julgada poderia produzir efeitos a terceiros, mas sendo estes secundários, ou indiretos. 28/09/2017 Envio | Revista dos Tribunais http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/delivery/document 8/27 Esses efeitos que alcançam os terceiros, de forma secundária, acabam por caracterizar os chamados efeitos reflexos da sentença, que produzem seus resultados para fora da sentença, atingindolhes no mundo fático. Esses efeitos têm o poder de levar aos terceiros os resultados da res iudicata, mas de modo secundário. O efeito reflexo relatado por parte da doutrina italiana é logo chamado, por Enrico Tullio Liebman62, de eficácia reflexa. Ovídio A. Baptista da Silva63 explana que a coisa julgada reluz, em relação aos terceiros, de forma geral, a sua declaração. Assim, todo e qualquer terceiro poderá sofrer algum efeito da sentença. Dessa maneira, sob outra matriz teóricoargumentativa a partir das construções de José Carlos Barbosa Moreira, vem José Maria Rosa Tesheiner64 referindo que é possível a eficácia da sentença atingir terceiros. Para ele, a eficácia da sentença pode atingir terceiros, com maior ou menor intensidade. Os efeitos da sentença podem ser observados e vividos, por vezes, no mundo dos fatos, pois a sentença como ato processual do juiz, que pode, em alguns casos, decidir a questão controvertida, tem como qualidade inicialmente gerar eficácia (potencialidade de gerar resultados) e depois efeitos (resultados) daquilo que fora decidido. Dessa forma, a sentença concretizase no mundo dos fatos por meio dos seus resultados, ou seja, de seus efeitos. Assim, caso uma sentença declare que A deve R$ 100,00 a B, condenando aquele a pagar essa quantia a este, terseá, no processo, a sentença e suas eficácias (potencialidade de gerar resultados) efetivamente concretizadas, produzindose efeitos somente se, no mundo dos fatos, efetivamente, o devedor pagar a quantia determinada ao credor, caso contrário, não se terá nada mais do que eficácia. Com efeito, as eficácias da sentença são as potencialidades de se concretizar a ordem judicial, enquanto os efeitos se consubstanciam na realização do que foi estatuído judicialmente no mundo dos fatos. Em vista disso, de outro lado, a coisa julgada, traduzse pela imutabilidade do conteúdo decisório da sentença, ou seja, a imutabilidade do comando decisório.65 Essa distinção é relevante, pois o que realmente se torna imutável, a coisa julgada, vem a ser a determinação judicial, como comando decisório do juiz, enquanto os efeitos da sentença, como resultados fenomênicos da decisão judicial, podem ser realizados ou não e, inclusive, mutáveis pelas próprias partes, que podem estipular, entre si, distintas formas de cumprir aquilo que fora determinado judicialmente. Esse aspecto demonstra a distinção efetiva entre os efeitos da sentença e a coisa julgada, que acaba sendo relevante para este estudo, pois, diferenciada de forma clara, perceberseá que a coisa julgada, das demandas de natureza individual com eficácia inter partes, não atinge terceiros, quer para beneficiar, que para prejudicar, visto que a decisão de mérito faz coisa julgada entre as quais é dada. A título de exemplo, imaginese que a sentença imutável (com coisa julgada) determine que entre A e B exista uma relação jurídica, C, incorporadora, que não poderá receber a imutabilidade em seu (des)favor, pois a coisa julgada deve atingir somente as partes envolvidas no litígio, como observarseá, mas, de outro lado, o que atinge a sociedade empresária incorporadora vem a ser exatamente os efeitos da sentença, bem como suas eficácias, porque estas sim atingem e podem fazer realizarse aquilo que foi decidido entre A e B sobre C. Assim, em resumo dessa primeira construção, afirmese que a coisa julgada, como imutabilidade e, consequentemente, indiscutibilidade do comando decisório da decisão de mérito só podevincular benéfica ou maleficamente às partes envolvidas na tutela individual (eficácia inter partes), muito embora os efeitos da sentença, algo totalmente diferente de coisa julgada, possam atingir a terceiros, beneficiar ou prejudicar seus interesses. Em vista desses aspectos, permitese afirmar que o terceiro, caso queira, poderá se opor à coisa julgada produzida entre A e B e promover sua demanda para discutir a questão, visto que sobre ele, terceiro, ainda não impera a coisa julgada, ou seja, a imutabilidade e consequente indiscutibilidade do comando decisório da decisão de mérito. Na tutela coletiva (eficácia erga omnes ou ultra parte), a coisa julgada pode beneficiar terceiros, mas não é disso que o art. 506 do CPC/2015 (LGL\2015\1656) está a abordar, pois o CPC (LGL\2015\1656) trata, como se sabe, das demandas de processos com interesse intersubjetivo, porém não de interesses coletivos. O grande exemplo de que coisa pode beneficiar, e não prejudicar, terceiros está no art. 103 do CDC (LGL\1990\40), pois “nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendose de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81; II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81; III – erga omnes, 28/09/2017 Envio | Revista dos Tribunais http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/delivery/document 9/27 apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81”. Ainda assim, os efeitos da coisa julgada, previstos nos incisos I e II do referido art. 103 do CDC (LGL\1990\40), não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, da categoria ou da classe. Com efeito, na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual. Isso tudo, como visto, em tutela coletiva, e não individual, sendo situação que já se impunha desde o CDC (LGL\1990\40), sem haver, ao que nos parece, grande novidade e reflexos para o art. 506 do CPC (LGL\2015\1656), pois são normas distintas, com regramentos próprios que têm objetivos diversos, visto que a previsão do art. 506 do CPC/2015 (LGL\2015\1656) está vocacionada às demandas de natureza individual, enquanto a previsão do art. 103 do CDC (LGL\1990\40) é voltada para as demandas coletivas. Assim como assentou o STJ, os terceiros se submetem apenas à eficácia da sentença, não se sujeitando à coisa julgada66. Essas premissas mostramnos que o que pode atingir os terceiros, seja na tutela individual, seja na coletiva, são os efeitos da sentença, mesmo sabendo que estes são amplamente mutáveis no mundo da realidade, pois a coisa julgada (repitase) atinge com sua força unicamente aqueles, como afirma o próprio art. 506 do CPC/2015 (LGL\2015\1656), entre as quais é dada, não prejudicando terceiros. 3.5.1 Interpretação do art. 274 do Código Civil à luz do art. 506 do novo CPC Estabelece o art. 274 do Código Civil (LGL\2002\400), com redação dada pelo art. 1.068 do novo CPC/ 2015 (LGL\2015\1656): “O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais, mas o julgamento favorável aproveitalhes, sem prejuízo de exceção pessoal que o devedor tenha direito de invocar em relação a qualquer deles”. A real e substancial intenção da legislação civil diz respeito ao favorecimento do terceiro que tem interesse jurídico na causa. O antigo CPC de 1973 (Código Buzaid) estabelecia que a coisa julgada não poderia beneficiar nem prejudicar terceiros. No entanto, a novel codificação, em seu art. 506, apenas determina que o terceiro não possa ser prejudicado. Daí surge a seguinte indagação: com o CPC/2015 (LGL\2015\1656), quem não é parte no processo pode se favorecer da coisa julgada? Tendo como premissas iniciais que os limites subjetivos da coisa julgada correspondem à determinação de imutabilidade e indiscutibilidade do comando decisório contido na decisão de mérito, nos termos do art. 502 do CPC/2015 (LGL\2015\1656), caracterizando aquilo que se entendeu como a eficácia da coisa julgada material, temse uma primeira importante delimitação para a temática. Como salientado, seguindo o posicionamento apresentado por Enrico Tullio Liebman67, a eficácia natural da sentença, como ato de poder do Estado, atinge todos, mas por certo que a autoridade da coisa julgada só alcança as partes. Dessa forma, os terceiros juridicamente prejudicados, portanto, poderão oporse à autoridade da coisa julgada. Daí dizerse que a coisa julgada, nas demandas de natureza individuais, não atinge terceiros, em especial porque o comando decisório da decisão de mérito só pode vincular as partes envolvidas na relação jurídica processual, nas quais é dada (eficácia inter parte). Para Fredie Didier Jr.68, o art. 274 do Código Civil (LGL\2002\400) instituiu a possibilidade de extensão dos limites subjetivos da coisa julgada ultra partes, ou seja, a respeito da possibilidade de terceiros se beneficiarem do comando decisório da sentença. Tratase, pois, para o autor, da ampliação dos limites subjetivos da coisa julgada, no caso, para alcançar também o litisconsorte ausente (credor solidário), de acordo com a coisa julgada secundum tenorem rationis69. No entanto, o que se deve deixar claro, por evidente, é que os terceiros, interessados ou não, podem ser naturalmente atingidos pelos efeitos secundários da decisão de mérito, assim entendido, como bem explicado por Liebman, como a eficácia reflexa ou efeito anexo da sentença, cujos resultados se projetam para fora da relação jurídica processual (processo), concretizando seus resultados no mundo fenomênico. E a razão pela qual a eficácia da coisa julgada é circunscrita às partes que integraram a lide é justamente pela efetiva incidência e garantia dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, não podendo a autoridade da decisão de mérito alcançar diretamente os terceiros interessados que não tenham sido sequer citados para participar da demanda, ou seja, que o comando decisório possa se tornar imutável e indiscutível para aquele que não participou do processo. Analisando o art. 274 do Código Civil (LGL\2002\400), verificase que a vinculação possibilitada ao credor solidário não deve ser observada sob a ótica do mero aproveitamento do resultado do processo que lhe tenha sido favorável (secundum eventum litis70), mas sim dos próprios efeitos emanados pelas decisões 28/09/2017 Envio | Revista dos Tribunais http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/delivery/document 10/27 de mérito (incluindo os efeitos da sentença), ou seja, aqueles efeitos que a elas lhe são inerentes71, pelo simples fato de existirem, não podendo se falar em aproveitamento da coisa julgada em si (assim entendida como a imutabilidade ou indiscutibilidade do comando decisório entre as partes nas quais é dada72). Advirtase, ainda, que há quem defenda o mesmo raciocínio para a solidariedade no polo passivo da obrigação divisível. Nesse contexto, o devedor estranho ao processo também poderiase beneficiar de pronunciamento favorável ao codevedor demandado. Nesse sentido é o Enunciado 234 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A decisão de improcedência na ação proposta pelo credor beneficia todos os devedores solidários, mesmo os que não foram partes no processo, exceto se fundada em defesa pessoal73”. Portanto, o que poderá atingir os terceiros da relação jurídica (devedores ou credores solidários) são meramente os efeitos secundários e naturais da sentença que lhes sejam favoráveis (efeitos reflexos ou anexos), ressaltando, repitase, que tais efeitos são reconhecidamente mutáveis no mundo da realidade, pois a coisa julgada atinge com sua força da imutabilidade do comando decisório unicamente as partes da relação jurídica processual, ou seja, aqueles entre as quais é dada, não prejudicando terceiros, nos termos do art. 506 do Novo CPC. 3.6 Preclusão e coisa julgada: a interpretação do art. 507 Com efeito, seguindose as diretrizes do art. 507 do CPC/2015 (LGL\2015\1656), é vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão, acompanhando identicamente aquilo que já previa o art. 473 do CPC/1973 (LGL\1973\5). Nesse caso se está diante da eficácia preclusiva da coisa julgada. Essa eficácia preclusiva da coisa julgada dever ser considerada, observandose, portanto, que modalidade de eficácia preclusiva terá a res iudicata, pois pode ser temporal, consumativa ou lógica, separada ou conjuntamente. A preclusão caracterizase pela impossibilidade de realização de determinado ato processual, por exemplo, o de recorrer ou realizar diligência forense que tenha prazo fatal determinado e que, por conseguinte, não comporte superação do prazo determinado pela norma processual ou, até mesmo, pelo juiz74. Realmente, tratase de mecanismo de estabilidade das decisões judiciais que se alia, fortemente, à segurança jurídica para, consequentemente, trazer paz social. A preclusão temporal consubstanciase na perda, por não exercício tempestivo ou intempestivo, do direito de praticar ato processual. Por outras palavras, “a mais usual das modalidades, a preclusão temporal, consiste na perda do direito de praticar determinado ato processual pelo decurso do prazo fixado para o seu exercício”75. Podese aqui, portanto, visualizarse essa modalidade de preclusão, caso determinada decisão seja prejudicial a uma das partes, abrindose o prazo para que a parte prejudicada possa recorrer e combater a referida decisão. Caso a parte interessada na reforma da decisão deixe escoar o prazo determinado para a interposição do recurso e, nesse contexto, queira, depois de vencido o prazo, recorrer, restará obstaculizada pela preclusão temporal, ou seja, pela perda do direito de recorrer no tempo determinado pela norma processual76, não mais podendo recorrer daquela decisão que lhe fora prejudicial e desfavorável. A título de exemplo dessa modalidade de preclusão, podese observar o art. 223 do CPC/2015 (LGL\2015\1656), visto que, decorrido o prazo, extinguese o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa. De outro lado, a preclusão consumativa é aquela que se concretiza por já ter sido praticado determinado ato processual específico, sendo, por isso, descabido querer realizálo novamente em momento posterior. De outra forma, a preclusão consumativa “se origina de fato de já ter sido praticado um ato processual, não importando se com total êxito ou não, descabendo a possibilidade de, em momento ulterior, tornar a realizálo, emendálo ou reduzilo”77. Nesse contexto, podese explicála, em concreto, a partir da mesma situação lançada anteriormente. Caso haja uma decisão judicial desfavorável a uma das partes, pode esta, tempestivamente, combatêla por meio do recurso adequado e cabível no sistema processual próprio. Caso o interessado recorra, esquecendose de combater determinado ponto relevante da decisão, não poderá, depois de já interposto o recurso, querer agregar ou modificar a estrutura recursal, assim como não poderá novamente recorrer para combater o ponto não arguido pelo fato de já haver anteriormente, no momento da interposição do recurso, consumado sua possiblidade de recorrer, por meio daquele recurso específico, sendo, por isso, impossível novamente querer recorrer consubstanciado em fundamento não trazido no recurso anteriormente interposto. Ainda se deve compreender, por fim, como se desenvolve a sistemática da preclusão lógica. Nesse caso, a preclusão se desenvolve pelo fato de que o sujeito, o qual poderia realizar determinado ato, acaba realizando antes ato totalmente contrário ao que pretende posteriormente realizar, tornandose extinta a 28/09/2017 Envio | Revista dos Tribunais http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/delivery/document 11/27 possibilidade de realizar ato posterior contrário ao anterior. Assim, “a preclusão lógica é a que extingue a possibilidade de praticarse determinado ato processual, pela realização de outro ato com ele incompatível”78. Nesse caso, podese trazer à baila, com base na mesma situação anteriormente analisada, o caso de um cidadão que obtenha determinada decisão judicial desfavorável. Podendo este recorrer da decisão combatendo os seus fundamentos, acaba por, livre e expressamente, renunciar ao direito de recorrer79, por exemplo, sendo por isso impossível depois da desistência pretender recorrer da referida decisão. Nessa situação, obrada a renúncia ao direito de recorrer, será impossível ao interessado que renunciou tentar, posteriormente, recorrer da mesma decisão, visto que renunciou ao direito de recorrer, fazendo com que se implemente a preclusão lógica. A título de exemplo dessa modalidade de preclusão, podese afirmar que a parte que aceitar, expressa ou tacitamente, a decisão não poderá recorrer, assim como determina o art. 1.000 do CPC/2015 (LGL\2015\1656). Essas modalidades de preclusão, efetivamente, acabam por estabilizar a decisão judicial proferida, dandolhe não somente a estabilidade mas também a concretização da segurança jurídica pelo fato de, em princípio, dar estabilidade à decisão, garantindolhe a autoridade, mas não, de outro lado, a imutabilidade. De fato, a coisa julgada não se assemelha à preclusão, assim como não se trata de mesmo instituto. A res iudicata caracterizase como a qualidade que torna imutável o conteúdo decisório da decisão de mérito (e não os seus efeitos, que podem ser mutáveis) e que se torna, por consectário, indiscutível, gerando a segurança e estabilidade jurídica esperada pela sociedade e necessária ao Estado. Todavia, a preclusão não garante imutabilidade, pois basta uma nova demanda com os mesmos fundamentos da anterior, entre as mesmas partes, ou seja, idêntica (em alguns casos), para que a decisão anterior, estabilizada pela preclusão, venha a ser desconstituída, visto que a preclusão não passa de uma “perda” ou de uma “impossibilidade” de realização de ato processual, seja pela perda do prazo (temporal), seja pela já realização do ato processual (consumativa) ou, ainda, pela realização anterior de ato processual amplamente contrário ao ato processual que se pretende realizar na atualidade (lógica). Feita essa distinção necessária, que demonstra a diferença entre a coisa julgada e a preclusão, fica demarcada a realidade de tratarse de institutos distintos, muito embora, em algumassituações, possam restar ocorrentes em conjunto. Nesse sentido, uma vez decidida a questão, por meio de decisão de mérito, restará vedado à parte discutir no mesmo processo as questões já decididas a cujo respeito se operou uma das modalidades de preclusão, bem como a coisa julgada, tornandose a decisão imutável (coisa julgada) e indiscutível (preclusão). Dito isso, de fato, há situações em que, por determinação de lei, não se dará a preclusão, quer consumativa, temporal ou lógica, sendo o caso das decisões interlocutórias não agraváveis, pois não estão previstas no rol do art. 1.015 do CPC/2015 (LGL\2015\1656). Nesses casos, as questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões (art. 1.009, § 1º, do CPC/2015 (LGL\2015\1656)). Assim, fora esses casos, é de ser destacar que, uma vez decida a questão, recaindo a preclusão sobre a decisão, quer em conjunto com a coisa julgada, quer não, não será autorizado às partes novamente discutir a questão decidida no mesmo processo, o que não impede que em outro processo a questão possa ser novamente trazida, desde que não atingida pela coisa julgada, ressalvadas as situações que autorizam a flexibilização da coisa julgada. Fora isso, embora o art. 507 afirme que às partes é vedada a rediscussão da questão no mesmo processo, hoje resta compreensível também que ao Estadojuiz é proibido rever suas decisões na mesma instância e no mesmo processo, sem que exista um acréscimo de questão de cognição, por exemplo, alterações fáticas ou normativas, situações que permitiriam a modificação nessa sede, assim como alertado pelo STF80. Por fim, em relação às questões de ordem pública, resta dizer que são insuscetíveis de preclusão, podendo ser novamente examinadas pelo Judiciário no mesmo processo e grau de jurisdição, ainda que já decididas as questões, não se concretizando sobre as questões de ordem pública a preclusão81. Nesse sentido, vale conferir o art. 485, § 3º, CPC/2015 (LGL\2015\1656), pois o juiz conhecerá, de ofício, da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado. Igualmente é de se observar o art. 505, II, do CPC/2015 (LGL\2015\1656). 3.7 Eficácia preclusiva da coisa julgada: a interpretação do art. 508 Por fim, sem grande inovação, mas, sim, manutenção do sistema anterior, o art. 508 do CPC/2015 (LGL\2015\1656) determina que, transitada em julgado a decisão de mérito, considerarseão deduzidas 28/09/2017 Envio | Revista dos Tribunais http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/delivery/document 12/27 e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento como à rejeição do pedido. Essa disposição vem a ser praticamente a mesma estabelecida no art. 474 do CPC/1973 (LGL\1973\5), mudandose somente a noção de “passada em julgado a sentença de mérito” para “transitada em julgado a decisão de mérito”. Isso se dá em decorrência da adoção clara do CPC/2015 (LGL\2015\1656) pela noção de que recebem o manto da coisa julgada as decisões de mérito, alterandose a concepção restritiva anterior por uma mais ampla no novo Código. Dessa forma, com base nesses elementos, afirmese que, pela nova sistemática, transitada em julgado a decisão de mérito, formarseá a coisa julgada82. Portanto, transitada em julgado a decisão de mérito, considerarseão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas que a parte poderia e deveria opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido. Nesse sentido, todas as questões que merecem conhecimento judicial deveriam ser suscitadas, pois relevantes para a causa de pedir e pedidos, mas não sendo suscitadas as questões, restarão preclusas, caso transitada a demanda, pela eficácia preclusiva da coisa julgada. Nesse contexto, relevante distinguir bem as causas de pedir de meros argumentos que giram em torno do pedido. Assim, “se A intentar ação indenizatória em face de B, por acidente de veículos, alegando que o veículo de B, por este dirigido, colidiu com o seu (de A), porque B estava bêbado e em excesso de velocidade e perder a ação, não pode propor posteriormente ação contra B, alegando, agora, que chovia, por ocasião do acidente, que o carro de B estava com revisão por fazer e com pneus ‘carecas’. Isto porque não se estará, aqui, diante de outra causa de pedir, mas de argumentos que gravitam em torno da mesma causa de pedir: conduta culposa de B. Portanto, todos aqueles argumentos se reputam como tendo sido utilizados, embora não o tenham sido, efetivamente”83. Esse cenário muda caso a ação posterior movida tenha como centro outra causa de pedir, sendo o que se dá, por exemplo, no caso de “ação de despejo, tida por improcedente, quando fundada em desvio da finalidade do contrato locatício. Mais tarde, pode o mesmo locador A intentar ação de despejo em face do mesmo locatário B, baseada na falta de pagamento de aluguéis, ainda que esta causa de pedir tenha ocorrido concomitantemente (no tempo) ao desvio de finalidade do contrato locatício. Ainda assim, o não pagamento dos aluguéis não deixa de ser ‘causa de pedir’, por ser ratio que, por si só, autorizaria a procedência do pedido”84. Ademais, as alegações e defesas dedutíveis e suscitáveis realmente não estão abrangidas pelos limites objetivos da res iudicata, podendo ser debatidas em outro processo85, desde que não tenha a intenção de, indiretamente, ofender a coisa julgada86 e relacionadas a outra causa de pedir. Assim, a eficácia preclusiva do art. 508 do CPC/2015 (LGL\2015\1656) é realmente invocável em se tratando de fatos de idêntica natureza, como no caso de se afirmar literal violação de um e depois de outro dispositivo legal. De fato, se o réu se defendeu unicamente arguindo a prescrição, não pode, posteriormente, achando o recibo assinado pelo autor, propor ação de repetição de indébito fundada no pagamento dúplice. Portanto, rejeitase a alegação de pagamento, bem como a de prescrição. De outro lado, o que poderia ser feito, sim, seria a propositura de ação rescisória, com fundamento em documento novo (CPC (LGL\2015\1656), art. 966, VII). 4 Considerações finais No sistema do novo Código de Processo Civil, entre as inovações, é possível perceber que as questões prejudiciais podem receber o manto da res iudicata, sendo caso de nítida ampliação dos limites objetivos da coisa julgada. Também se aclara que a coisa julgada, com arrimo em Enrico Tullio Liebman, é a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito vinculada ao dispositivo da decisão. A coisa julgada atinge as partes às quais é dada, não podendo prejudicar nem beneficiar terceiros, pois o que realmente os atinge são os efeitos da sentença, mas não a coisa julgada, que, para se formar, precisa realmente ser concebida em pleno exercício do contraditório. 5 Referências bibliográficas ARAGÃO, Egas Dirceu. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide, 1992. BARBI, Celso Agrícola. Da preclusão no processo civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 158, jul./ago. 2014. 28/09/2017 Envio | Revista dos Tribunais http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/delivery/document 13/27 BAUMAN, Zygmunt. O malestar da pósmodernidade. Trad. Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. BERIZONCE, Roberto Omar et al. (coord.). Aportes para una justiciamás transparente. La Plata: LEP (LGL\1984\14), 2009. BERNAL, Francisco Chamorro. La tutela judicial efectiva. Barcelona: Bosch, 2002. 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Denominase coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.” 28/09/2017 Envio | Revista dos Tribunais http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/delivery/document 15/27 3 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, observando o art. 467 do Código de Processo Civil, assim se posiciona: “Quando da sentença não mais cabe recurso, há res iudicata. As questões, que havia, de fato e de direito, foram julgadas. Passa em julgado a decisão e não os fundamentos, e o que se julga de quaestiones facti apenas concerne a decisão” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974. t. V. p. 143144). 4 “Art. 6º A Lei em vigorterá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (...) § 3º Chamase coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.” 5 Para Enrico Tullio Liebman, que foi discípulo de Giuseppe Chiovenda e que, com sua vinda para o Brasil, fundou a Escola Paulista, a coisa julgada não é um efeito da sentença, mas sim uma qualidade especial da sentença. Nesse sentido, conferir LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 4647. Observando Enrico Tullio Liebman, percebese a sua preocupação em distinguir a eficácia da autoridade da coisa julgada. Para ele, a autoridade da res iudicata não é efeito da sentença, como postura da doutrina da época, mas sim modo de se manifestar e se produzir dos efeitos da própria sentença, algo que a esses efeitos se junta para qualificálos e reforçálos em sentido bem determinado. Deste modo refere o processualista italiano: “Não é efeito da sentença, como postura da doutrina unânime, mas sim modo de manifestarse e produzirse dos efeitos da própria sentença, algo que a esses efeitos se ajunta para qualificálos e reforçálos em sentido bem determinado” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Trad. Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. Rio de Janeiro: Forense, 1945. p. 36). Aduz, ainda, com firmeza, o autor que a autoridade da coisa julgada “(...) não é efeito da sentença, mas uma qualidade, um modo de ser e de manifestarse dos seus efeitos, quaisquer que sejam, vários e diversos, consoante as diferentes categorias das sentenças” (Ibid., p. 16). 6 Nesse contexto, José Carlos Barbosa Moreira concorda com a distinção da eficácia da sentença com a autoridade da coisa julgada, assim como Enrico Tullio Liebman, mas se distingue deste ao pensar que a imutabilidade não atinge os efeitos da decisão, mas sim ao seu conteúdo, não se limitando ao elemento declaratório. Observando o posicionamento de Enrico Tullio Liebman e sua construção, José Carlos Barbosa Moreira constitui verdadeiro adendo à teoria do processualista italiano ao concluir que os efeitos das sentenças estão sujeitos à mudança, razão por que tal qualidade, referida por Enrico Tullio Liebman, não poderia acobertar a sentença e seus efeitos com a coisa julgada, mas somente o conteúdo da decisão. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Revista de Processo, São Paulo, ano 9, n. 34, p. 273285, abr./jun. 1984. p.273279.) 7 Partindo de Ugo Rocco, na Itália, alertase que o conceito de coisa julgada formal é inútil, pois algo que se amolda à preclusão, e não à coisa julgada. Refere, dessa forma, o autor que “(...) crediamo che tale distinzione sai priva di qualunque utilità e che, anzi, invece di chiarire i concetti serva a confonderli; dato in fatti, che nell’attuale sistema legislativo, la forza obbligatoria e unicamente inerente alla sentenza inoppugnabile, si potrà al massimo dire, che la inoppugnibilità della sentenza constituisce un presupposto formale (e non il solo) dell’autorità do cosa giudicata della sentenza” (ROCCO, Ugo. L’autoritá della cosa giudicata e i suoi limiti soggettivi. Roma: Athaeneum, 1917. t. I. p. 67). No mesmo sentido, conferir: BARBI, Celso Agrícola. Da preclusão no processo civil. Revista Forense, São Paulo, n. 158, 1955. p. 62 et seq.; MARCATO, Antônio Carlos. Preclusões: limitação ao contraditório? Revista de Direito Processual Civil, São Paulo, n. 17, p. 105114, jan./mar. 1980. p. 110. Um dos autores que sustenta essa posição, inclusive diferenciando coisa julgada formal de preclusão, é Ovídio A. Baptista da Silva, aduzindo que “A esta estabilidade relativa, através da qual, uma vez proferida a sentença e exauridos os possíveis recursos contra ela admissíveis, não mais se poderá modificála na mesma relação processual, dáse o nome de coisa julgada formal, por muitos definida como preclusão máxima (...)” (SILVA, Ovídio A. Baptista da Silva. Teoria geral do processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 484). Igualmente, Egas Dirceu Moniz de Aragão aduz que a denominação coisa julgada formal chega a ser contraditória, pois se a coisa está julgada e por isso se fala em res iudicata (coisa julgada), é inadmissível utilizar a locução para designar fenômeno de outra natureza, correspondente ao pronunciamento que não contém o julgamento da res. Refere o processualista: “A denominação ‘coisa julgada formal’ chega a ser contraditória; se a coisa – ‘res’ – está julgada e por isso se fala em ‘res iudicata’ (coisa julgada), é inadmissível empregar esta locução para designar fenômeno de outra natureza, correspondente ao pronunciamento que não contém o julgamento da ‘res’” (ARAGÃO, Egas Dirceu. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide, 1992. p. 219). 8 “A mais usual das modalidades, a preclusão temporal, consiste na perda do direito de praticar determinado ato processual pelo decurso do prazo fixado para o se exercício.” (RUBIN, Fernando. A 28/09/2017 Envio | Revista dos Tribunais http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/delivery/document 16/27 preclusão na dinâmica do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 101). 9 “A imutabilidade reveste todo o conteúdo decisório, e não apenas o elemento declaratório. Se a sentença, por exemplo, é constitutiva, não se poderá contestar que a modificação se operou, muito embora possa cessar ou alterarse a situação constituída pela sentença.” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Ajuris, Porto Alegre, n. 28, jul. 1983. p. 30). “A coisa julgada é efeito do trânsito em julgado da sentença de mérito, efeito consistente na imutabilidade (e, consequentemente, na indiscutibilidade) do conteúdo de uma sentença, não de seus efeitos. Posso renunciar a um direito declarado por sentença: assim agindo, afasto os efeitos da sentença, sem modificar o seu conteúdo. O que não se pode é renunciar à própria coisa julgada, o que teria por efeito a possibilidade de instauração de novo processo, a fim de ser outra vez julgada a res.” (TESHEINER, José Maria Rosa. Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil. São Paulo: RT, 2001. p. 72). 10 “Os limites objetivos estão ligados às matérias que serão analisadas na sentença, o conteúdo que será parte da decisão emanada pelo Poder Judiciário, separando o que fará ou não parte da res iudicata.” (THAMAY, Rennan Faria Krüger. A relativização da coisa julgada pelo Supremo Tribunal Federal: o caso das ações declaratórias de (in)constitucionalidade e arguição de descumprimento de preceito fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p. 52). Verbis: “Ma oggetto del giudicato è la conclusione ultima dei ragionamenti del giudice” (CHIOVENDA, Giuseppe. Princippi di diritto processuale civile. Napoli: Casa Editrice E. Jovene, 1980. p. 918). “Por límites objetivos se entiende la frontera que tiene el fallo judicial para no transponer su eficacia hacia otro proceso donde no existe identidad con lo pedido y la causa petendi, esto es, de la extensión de la cosa juzgada hacia situaciones fuera del proceso donde se dicta.” (GOZAÍNI, Osvaldo A. Teoría general del derecho procesal: jurisdicción, acción y proceso. Buenos Aires: Sociedad EDIAR, 1996, p. 265266). 11 Nesse sentido, STJ, 2ª Turma, REsp 861.270/PR, rel. Min. Castro Meira. Ementa: “284/STF. Preclusão pro judicato. Eficácia preclusiva da coisa julgada. 1. É impossível conhecerse do recurso especial pela alegada violação ao art. 535 do CPC (LGL\2015\1656) nos casos em que a argüição é genérica, por incidir a Súmula 284 (MIX\2010\2009)/STF, assim redigida: ‘É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia’. 2. Não pode prevalecer, em face do óbice da preclusão pro judicato, a decisão do
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