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As Tarefas dos Conselhos Operários

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As Tarefas dos Conselhos Operários
Anton Pannekoek
Fonte: The Marxists Internet Archive
Capítulo 1 - O Trabalho
Actualmente e no período que se está a iniciar, no momento em que a Europa é devastada e a humanidade
empobrecida pela guerra mundial, é aos trabalhadores de todo o mundo que cumpre organizar a indústria,
para se libertarem da miséria e da exploração. A sua tarefa é empreender a organização da produção dos
bens. Para realizarem esta obra imensa e difícil, é necessário que conheçam plenamente o carácter do
trabalho. Quanto melhor for o conhecimento que possuírem da sociedade e, dentro desta sociedade, do
lugar que aí devem ocupar, menos dificuldades, decepções, e fracassos encontrarão no combate a travar.
Na base da sociedade encontra-se a produção de todos os bens necessários à vida. A maior parte desta
produção faz-se recorrendo a técnicas muito elaboradas, em grandes fábricas, utilizando máquinas
complicadas. Este desenvolvimento das técnicas, que fez passar da pequena ferramenta, manejada por um
único homem, às enormes máquinas, postas a funcionar por vastas colectividades de operários, com
qualificações diferentes, operou-se no decurso dos séculos precedentes. Embora ainda sejam utilizadas
pequenas ferramentas, como acessórios, e embora existam ainda numerosas pequenas oficinas, já não
ocupam praticamente qualquer lugar no conjunto da produção.
Cada fábrica é uma organização minuciosamente adaptada aos seus fins, uma organização de forças, tanto
inertes como vivas, de instrumentos, de operários. As formas e o carácter desta organização são
determinados pelos objectivos que devem servir. Quais são estes objectivos?
Nos nossos dias, a produção é dominada pelo capital. O capitalista que possui o dinheiro funda a fábrica,
compra as máquinas e as matérias-primas, contrata operários e fá-los produzir mercadorias, que podem
ser vendidas. Isto significa que ele compra a força de trabalho dos operários, força essa que irá ser
despendida no trabalho quotidiano, e paga-lhe o valor desta força, o salário, com o qual podem obter
aquilo de que necessitam para viver e para restaurar permanentemente a sua força de trabalho. O
excedente conservado pelo capitalista quando o produto é vendido, a mais-valia, constitui o lucro que, na
medida em que não é consumido, é acumulado, transformando-se assim em novo capital. A força de
trabalho da classe operária pode ser comparada a uma mina: pela exploração, rende mais do que o que
custou. Daí a expressão: exploração do trabalho pelo Capital. O próprio Capital é produto do trabalho: é,
na sua totalidade, mais-valia acumulada.
O Capital é o senhor da produção. Possui a fábrica, as máquinas, os bens produzidos, os operários
trabalham sob as suas ordens, os seus objectivos dominam o trabalho e determinam o caracter da
organização. O objectivo do Capital é obter lucro. O capitalista não é motivado pelo desejo de fornecer
aos seus concidadãos os produtos necessários à vida; é levado pela necessidade de ganhar dinheiro. Se
possui uma fábrica de sapatos, o que o move não é a piedade pelos que poderão sofrer dos pés, é
simplesmente o facto de saber que a sua empresa tem de obter lucro e que abrirá falência se esses lucros
forem insuficientes. A maneira normal de obter lucros é evidentemente produzir mercadorias que possam
ser vendidas por bom preço, e geralmente só podem ser vendidas se forem bens de consumo necessários e
práticos para quem os compra. Para obter lucros, o negociante de sapatos tem portanto de produzir bons
sapatos, melhores e menos caros que os dos concorrentes. A produção capitalista consegue assim, em
período normal, atingir aquilo que deve ser o objectivo de toda a produção: fornecer à humanidade aquilo
de que necessita para viver. Mas toda a gente sabe que, para o capitalista, pode ser mais rentável produzir,
para os ricos, objectos de luxo supérfluos, ou, para os pobres, mercadorias ordinárias, que pode ser mais
vantajoso vender a sua fábrica a um concorrente, que a pode encerrar se tal lhe aprouver.
Estes são exemplos frequentes, e mostram claramente que o objectivo primordial da produção actual
continua a ser o lucro.
Este objectivo determina o carácter da organização do trabalho na fábrica. Começa por impôr a autoridade
de um senhor absoluto. Se é o próprio proprietário quem dirige, tem de ter o cuidado de não perder o seu
capital, bem pelo contrário tem de o aumentar. O trabalho é dominado pelo seu interesse: os operários são
a sua mão-de-obra e devem obedecer. Assim são determinados o seu papel e a sua função no trabalho. Se
os operários se queixarem do número demasiado elevado de horas ou do trabalho esgotante, responde-lhes
insistindo no seu próprio trabalho e nas preocupações que o obrigam a manter-se acordado pela noite
dentro, quando eles já regressaram a casa e só têm que se preocupar consigo próprios. Só se esquece de
dizer, e de resto ele mesmo mal o compreende, que todo este trabalho, muitas vezes tão penoso, todos
estes aborrecimentos que lhe tiram o sono só servem o lucro e não a própria produção. Todo o seu
trabalho consiste finalmente em procurar como vender as mercadorias, como ultrapassar os concorrentes,
como conseguir que um máximo de mais-valia entre nos seus cofres. Não é um trabalho produtivo, e os
esforços que despende para lutar contra os concorrentes são inúteis para a sociedade. Mas ele é o patrão, e
são os seus objectivos que regem a empresa.
Se este patrão da fábrica é um director contratado, sabe que foi colocado nesse posto com o fim de obter
lucros para os accionistas. Se não o conseguir, é despedido e substituído por outro. Naturalmente que, se
quiser dirigir o trabalho de produção, tem de ser um especialista experiente, ao corrente das técnicas
utilizadas no seu ramo de actividade. Mas além disso, ou melhor, antes de mais, tem de ser um perito na
arte de realizar lucros. Tem de começar por obter e dominar as técnicas de aumento de lucro líquido, por
descobrir como produzir ao menor custo, como vender o melhor possível, como vencer os rivais.
Qualquer director sabe isto. É isto que comanda a marcha dos negócios. É também isto que determina a
organização na própria fábrica.
A organização da produção na fábrica segue portanto duas vias: a da organização técnica e a da
organização comercial. O rápido desenvolvimento das técnica no século passado, que se baseou em
progressos científicos notáveis, provocou melhoramentos dos métodos de trabalho nestes campos. Ter à
sua disposição uma técnica superior é a melhor arma para a concorrência: permite obter um maior lucro à
custa dos concorrentes que ficarem para trás. Porque o desenvolvimento técnico aumenta a produtividade
do trabalho, diminui o preço dos bens úteis e de consumo, torna-os mais abundantes e mais variados;
aumenta assim as possibilidades de atingir um certo bem-estar e, baixando o custo de vida, - ou seja, o
valor da força de trabalho - permite elevar consideravelmente o lucro do capital. Este alto nível de
desenvolvimento técnico atraiu às fábricas um número cada vez maior de especialistas: engenheiros,
químicos, físicos, cientistas competentes formados nas universidades e nos laboratórios, indispensáveis
para dominar as operações técnicas complexas e melhorá-las constantemente através de novas descobertas
científicas. Sob a direcção destes especialistas trabalham técnicos e operários qualificados. A organização
técnica acarreta assim uma colaboração estreita entre diferentes camadas de trabalhadores: um pequeno
número de especialistas com formação universitária, um maior número de profissionais qualificados e de
operários especializados, e uma grande massa de operários não qualificados, que efectuam tarefas
manuais. São necessários os esforços combinados de todos para fazer mover as máquinase para produzir
as mercadorias.
A organização comercial deve assegurar a venda da produção. Estuda os mercados e os preços; ocupa-se
da publicidade; forma agentes que irão incrementar as vendas. Utiliza o "management" dito científico para
fazer baixar os custos de produção, repartindo o melhor possível os homens e o material; inventa
estimulantes para iniciar os operários a esforços mais elevados e mais intensos. Transforma a publicidade
numa espécie de ciência, ensinada mesmo nas universidades. Para os capitalistas, a organização comercial
e as suas técnicas não são menos importantes do que as técnicas de produção; são a arma principal na luta
entre capitalistas. Se nos colocarmos do ponto de vista de uma sociedade que deve assegurar a produção
de bens necessários à vida, veremos que isto é um desperdício de talentos sem nenhuma utilidade.
Directores e operários vivem integrados num meio social; partilham as mentalidades das respectivas
classes. Seja qual for o lugar onde se efectue, o trabalho assume o mesmo caracter capitalista. É essa a sua
característica essencial, a sua natureza profunda, apesar das diferenças superficiais constituídas pelas
condições, melhores ou piores, em que é exercido.
A própria natureza do trabalho, no regime capitalista, é constituir uma extorsão. Os trabalhadores têm de
ser levados, ou pela força, ou pela arte melíflua da persuasão a dar o máximo das suas forças. O próprio
capital está sujeito a um constrangimento semelhante. Se não for competitivo, se os lucros forem
insuficientes o negócio desmoronar-se-á. Os trabalhadores defendem-se instintivamente desta opressão
por meio de uma resistência contínua. Se não o fizessem, se, voluntariamente, se deixassem arrastar,
veriam que Ihes seria extorquido muito mais que a sua força de trabalho quotidiana: a sua própria
capacidade física de trabalhar seria consumida, a sua força vital ver-se-ia precocemente esgotada (é já o
que acontece hoje em dia pelo menos até certo ponto). Seria, para eles e para a sua descendência, a
degenerescência, a destruição da saúde e das forças. Por isso têm de resistir. Mesmo fora dos períodos de
conflitos agudos, de greves ou de diminuição de salários, cada oficina, cada empresa é palco de uma
guerra silenciosa e permanente, de uma luta perpétua feita de pressões e de contra-ofensivas. Nos altos e
baixos desta luta estabelecem-se determinadas normas de salários, de tempo de trabalho, de cadências,
que se situam no ponto limite entre o tolerável e o intolerável (se estas normas forem intoleráveis, toda a
produção será afectada). As duas classes, trabalhadores e capitalistas, embora obrigadas a labutar juntas
no quotidiano, nem por isso deixam de ser, profundamente e devido aos seus interesses contraditórios,
inimigas implacáveis que, quando não se defrontam, vivem numa espécie de paz armada.
O trabalho, em si mesmo não é repugnante. É uma necessidade imposta ao homem pela natureza, para
obter a satisfação das suas necessidades. O homem, como todos os outros seres vivos, tem de utilizar as
suas forças para obter alimento. A natureza dotou todos os seres de órgãos corporais e de faculdades
mentais, músculos, nervos e um cérebro, para se poderem adaptar a esta necessidade. As necessidades e
os meios de as satisfazer estão, nos seres vivos, harmoniosamente adaptados uns aos outros, pelo menos
no decurso normal da sua vida. O trabalho, ou seja, esta utilização normal dos membros e das capacidades
mentais, é um impulso normal tanto do homem como do animal. Sem dúvida que há um componente de
obrigação na necessidade de procurar alimentos e um abrigo. A utilização livre e espontânea dos
músculos e dos nervos, ao sabor dos caprichos do trabalho e do recreio, situa-se na própria essência da
natureza humana. O constrangimento imposto ao homem pela satisfação das suas necessidades obriga-o a
um trabalho regular, ao recalcamento do impulso do momento, a utilização das suas forças, a um controle
poderoso e assíduo. Mas deste autodomínio, por necessário que seja para a sua própria preservação, para a
da família e da comunidade, o homem extrai a satisfação de ver vencidos os obstáculos existentes em si
mesmo ou no mundo que o cerca, e adquire o sentimento orgulhoso de ser capaz de atingir os fins que se
propôs. O hábito do trabalho regular fixou-se assim pelo seu carácter social, pelos usos e costumes da
família, da tribo ou da aldeia; transformou-se numa segunda natureza, num modo de vida natural, numa
unidade harmoniosa de forças e de necessidades, de tendências naturais e de deveres. O camponês, por
exemplo, durante uma vida de trabalho, muito dura ou tranquila, transforma a natureza que o rodeia num
lugar onde se sente seguro. Do mesmo modo para todos os povos, cada um com os seus traços
específicos, o modo de produção artesanal permitiu ao artesão utilizar alegremente as suas capacidades e a
sua imaginação para fabricar coisas úteis e simultaneamente belas e boas.
Tudo isto foi destruído quando o Capital se transformou no senhor do trabalho. Com a produção para o
mercado, para a venda, os bens transformam-se em mercadorias que, além da utilidade que assumem para
o comprador, possuem um valor de troca que de algum modo corresponde ao trabalho realizado para as
produzir. Este valor de troca determina o dinheiro que rende a venda. Outrora um operário que trabalhasse
um tempo razoável - salvo nos casos excepcionais em que se podia exigir dele um esforço violento -
podia produzir o suficiente para viver. Mas o lucro capitalista é constituído precisamente por aquilo que o
operário produz para além do que necessita para viver. Quanto maior for o valor daquilo que produz e
quanto menor for o valor daquilo que consome, mais importante será a mais-valia confiscada pelo Capital.
Dai que as necessidades vitais do operário sejam reduzidas, que o seu nível de vida seja baixado o mais
possível, que o tempo de trabalho seja aumentado, que as cadências sejam aceleradas. O trabalho perde
totalmente o antigo carácter de utilização agradável do corpo e dos membros. Transforma-se numa
calamidade e numa degradação. É este o seu verdadeiro caracter, sejam quais forem as disposições
introduzidas pelas leis sociais e pela acção sindical, ambas decorrentes da resistência desesperada dos
trabalhadores face a uma degradação insuportável. Mas tudo quanto podem esperar desse lado é conseguir
fazer passar o capitalismo do estádio do absurdo poder total ao da exploração normal. Mesmo neste
último caso, o trabalho, sob um regime capitalista, conservará sempre o seu carácter intrínseco de
servidão penosa e desumana. Para não morrerem de fome, os trabalhadores são obrigados a pôr as suas
forças à disposição de uma direcção que Ihes é estranha, para lucros que Ihes são estranhos, num fabricar
desinteressante de coisas desinteressantes ou de má qualidade. Forçados a dar o máximo que o corpo
esgotado pode dar, os trabalhadores gastam-se antes do tempo. Economistas ignorantes, que não
conhecem a verdadeira natureza do capitalismo, só vêm a profunda aversão dos operários pelo seu
trabalho, e concluem daí que o trabalho produtivo, pela sua própria natureza, é repugnante para o homem
e deve portanto ser imposto, a bem ou a mal, à humanidade, através dos mais severos constrangimentos.
Evidentemente, este carácter do trabalho nem sempre é conscientemente percebido pelos trabalhadores.
Por vezes, reaparece igualmente o carácter primitivo do trabalho, esse impulso instintivo para a acção
geradora de satisfação. Em particular, jovens trabalhadores, ignorantes da natureza do capitalismo,
ambicionando mostrar as suas capacidades, impacientes por se verem reconhecidos como operános
plenamente qualificados, sentem em si uma espécie de força de trabalho inesgotável. O capitalismotem
métodos judiciosos para explorar esta disposição. Só mais tarde quando surgem, cada vez maiores, as
preocupações e as obrigações familiares, é que o operário se vai sentir apanhado entre os
constrangimentos e os limites das suas forças, acorrentado por inexoráveis obstáculos de que não
consegue libertar-se. Por fim, sente as forças fugirem-lhe numa idade em que o homem da burguesia está
no apogeu da sua força e da sua maturidade. Tem então de suportar a explorarão com uma resignação
silenciosa temendo ser posto de parte, como uma ferramenta usada.
Por muito mau e condenável que possa ser o trabalho em regime capitalista, a falta de trabalho é ainda
muito pior. Como qualquer mercadoria, a força de trabalho não encontra por vezes comprador. A
liberdade problemática, deixada ao trabalhador, de escolher o seu patrão, vai de par com a liberdade que o
capitalista tem de contratar ou despedir os seus operários. O desenvolvimento continuo do capitalismo, a
criação de novas empresas, o declínio e a falência das mais antigas dispersam permanentemente os
trabalhadores: aqui, reúnem-se grandes massas de trabalhadores, acolá despedem-se. No fundo, devem
considerar-se muito felizes quando são autorizados a deixarem-se explorar. Dão-se então conta de que
estão à mercê do capitalismo. Só com o consentimento dos patrões têm acesso as máquinas, essas
máquinas que esperam por eles para poderem funcionar.
O desemprego é o pior flagelo da classe operária. É inerente ao capitalismo. É uma calamidade que
ressurge sempre. Acompanha as crises e as depressões periódicas que, durante todo o domínio do
capitalismo, destroçaram a sociedade a intervalos regulares, e que são uma consequência da anarquia da
produção capitalista. Cada capitalista, enquanto senhor independente da sua empresa, é livre para a dirigir
como muito bem entende, para produzir o que Ihe parece lucrativo, ou para fechar a fábrica quando os
lucros diminuem. Em oposição à organização minuciosa que reina no interior da fábrica, há uma falta
absoluta de organização da produção social global. O rápido crescimento do capital, resultado da
acumulação dos lucros, a necessidade de encontrar lucros também para este novo capital conduzem a um
aumento rápido da produção. Esta inunda assim o mercado com produtos invendáveis. Depois vem a
queda, que não só reduz os lucros e destrói o capital supérfluo, como ainda expulsa das fábricas exércitos
de trabalhadores, abandonando-os unicamente aos seus recursos, ou a uma caridade irrisória. Nessa altura
os salários diminuem, as greves são ineficazes, a massa de desempregados pesa muito nas condições de
trabalho. O que se ganhou com duras batalhas num momento de prosperidade é muitas vezes perdido na
crise. O desemprego sempre foi o principal obstáculo ao aumento continuo do nível de vida da classe
operária.
Alguns economistas afirmaram que o desenvolvimento moderno da grande indústria faria desaparecer esta
alternância perniciosa de crise e prosperidade. Esperavam que os trusts e os cartéis, monopolizando, como
fazem, vastos sectores da indústria, trouxessem um pouco de ordem e de organização à anarquia da
produção e reduzissem as irregularidades desta. Não tomavam em conta o facto de a corrida aos lucros
continuar, conduzindo os grupos organizados a uma competição ainda mais renhida. A incapacidade do
capitalismo moderno para vencer a sua própria anarquia manifestou-se claramente na altura da crise
mundial de 1930. Durante longos anos, pareceu que a produção se havia definitivamente desmantelado.
Em todo o mundo, milhões de operários, de camponeses, e mesmo de intelectuais viram-se reduzidos a
viver de socorros que os governos eram obrigados a prestar-lhes: a crise da actual guerra decorre
directamente desta crise da produção.
Esta crise orientou os holofotes da história para o verdadeiro carácter do capitalismo e para a
impossibilidade de o fazer durar. Para milhões de pessoas era já impossível obter o estritamente
necessário. Havia milhões de operários em plena posse das suas forças que só procuravam trabalho; havia
milhões de máquinas, em milhares de fábricas, à espera de serem postas a funcionar para produzirem
mercadorias em abundância. Mas isso não era permitido. O direito de propriedade capitalista sobre os
meios de produção erguia-se entre os operários e as máquinas. Este direito de propriedade, defendido se
necessário pelas forças da polícia e do Estado, impedia os operários de tocarem nas máquinas e de
produzirem aquilo de que a sociedade e eles próprios necessitavam para viver. As máquinas enferrujar-se-
iam paradas, os trabalhadores passariam a vaguear desocupados e a aguentar a sua miséria. Porquê?
Porque o capitalismo é incapaz de pôr em marcha as enormes capacidades técnicas e produtivas da
humanidade para o seu verdadeiro objectivo: a satisfação das necessidades da sociedade.
Não há dúvida que o capitalismo tenta actualmente iniciar uma espécie de organização e de planificação
da produção. A sua insaciável sede de lucros não pode ser satisfeita dentro dos seus limites tradicionais. É
levado a estender-se a todo o mundo, a apropriar-se de todas as riquezas, a abrir mercados e a subjugar as
populações dos outros continentes. Os grupos capitalistas têm de, à custa de uma competição sem
piedade, procurar conquistar ou conservar as partes mais ricas do mundo. A classe capitalista de
Inglaterra, de França, da Holanda obtinha lucros fáceis explorando ricas colónias, conquistadas durante
guerras passadas. Na mesma altura, o capitalismo alemão podia apenas contar com a sua própria energia,
com as suas capacidades e, a despeito do seu desenvolvimento rápido, só lutando pelo domínio do mundo,
só preparando-se para a guerra mundial, poderia obter a sua parte, já que chegara demasiado tarde à
partilha do mundo colonial. Tinha de ser ele o agressor, e os outros os «agredidos». Foi assim o primeiro a
pôr em acção e a organizar todas as forças da sociedade com vista a atingir este objectivo, e os outros
tiveram que seguir o seu exemplo.
Nesta luta pela vida entre grandes potências capitalistas, a ineficácia do capitalismo privado não podia ser
tolerada por muito mais tempo. O desemprego surgia como um desperdício, não só estúpido como
criminoso de forças produtivas cuja necessidade era absolutamente vital. Era necessária uma organização
estrita e minuciosa para assumir o pleno emprego de todas as forças de trabalho e do potencial de luta da
nação. O carácter insustentável do capitalismo revelava-se a partir desse momento sob um aspecto muito
diferente, mas igualmente ameaçador. O desemprego transformava-se no seu contrário, o trabalho
obrigatório. Trabalho forçado, o desses combates nas fronteiras em que milhões de homens jovens e
fortes, dotados dos meios de destruição mais aperfeiçoados, se mutilam, se matam uns aos outros, se
exterminam, se suprimem mutuamente para o domínio mundial dos seus patões capitalistas. Trabalho
forçado, o que é executado nas fábricas por todo o resto da população, incluindo mulheres e crianças, que
tem de produzir ininterruptamente cada vez mais instrumentos de morte, ao passo que a produção do
necessário vital se limita estritamente ao mínimo. A rarefacção de tudo o que é necessário à vida, a
penúria, o regresso à barbárie mais miserável e mais atroz, eis a consequência do extremo
desenvolvimento da ciência e da técnica, eis o fruto glorioso do pensamento e do trabalho de tantas
gerações! E porquê? Porque, apesar de todos os discursos enganadores sobre a comunidade e a
fraternidade, o capitalismo organizado é, também ele, completamente incapaz de pôr a funcionar as ricas
forças produtivas da humanidade para aquilo que é o seu verdadeiro objectivo,não faz senão utilizá-las
como meios de destruição.
A classe operária vê-se assim face à necessidade de tomar ela própria em mãos a produção. O domínio
sobre as máquinas, sobre os meios de produção, tem de ser retirado das mãos indignas dos que dele fazem
tal uso. É a causa comum de todos os produtores, de todos os que asseguram o trabalho produtivo na
sociedade: os operários, os técnicos, os camponeses. Mas é as principais e eternas vitimas do sistema
capitalista - que além disso constituem a maioria da população -, aos operários, que compete a tarefa de se
libertarem, a si próprios e ao mesmo tempo ao mundo, deste flagelo. Têm que se apropriar dos meios de
produção. Tem de se transformar em donos das fábricas, em donos do seu próprio trabalho e de conduzi-
lo segundo a sua própria vontade. Nesse momento as máquinas reassumirão o seu verdadeiro destino: a
produção em abundância dos bens destinados a satisfazer as necessidades da vida de todos.
É esta a tarefa dos trabalhadores no período que se Inicia. É esta a única via para a liberdade; é a
revolução para que se encaminha a sociedade, revolução que irá subverter totalmente o carácter da
produção; na base desta irão estar novos princípios. E, desde logo, porque a exploração terá cessado. O
produto do trabalho comum pertencerá aos que tiverem participado na obra comum. Já não haverá mais-
valia para o capital, nem açambarcamento de uma parte do produto social por parasitas capitalistas.
Mais importante que o fim da apropriação de uma parte do produto social será o fim do domínio do
Capital sobre a produção. A partir do momento em que os operários sejam donos das fábricas, os patrões
perderão a possibilidade de deixar paradas as máquinas, essas riquezas da humanidade, esses produtos
preciosos dos esforços intelectuais e manuais de tantas gerações de trabalhadores e de investigadores.
Com os capitalistas, desaparecerá o poder de impôr a produção de objectos supérfluos, de produtos de
luxo ou de mercadorias ordinárias. Quando os operários tiverem o controle das máquinas, servir-se-ão
delas para produzir tudo o que é necessário a vida da sociedade.
Isto só será possível reagrupando todas as fábricas, membros separados de um mesmo corpo, num sistema
de produção bem organizado. Os contactos que, no capitalismo, são resultado fortuito do mercado e de
uma competição cega, dependente da oferta e da procura, passarão então a ser objecto de uma planificação
consciente. Em vez das tentativas de organização imperfeitas e parciais do capitalismo moderno, cujo
resultado é tornar mais ferozes as lutas e as destruições, ir-se-á desenvolver uma organização perfeita da
produção, que se alargará num sistema de colaboração à escala mundial, porque as classes dos produtores
não poderão entrar em competição, mas tão somente colaborar.
Estas três características da nova produção definem um mundo novo. O fim do lucro capitalista, o fim do
sub-emprego dos homens e das máquinas, a regulação consciente e adequada da produção, o aumento
desta produção graças a uma organização eficiente darão a cada trabalhador uma maior quantidade de
bens contra um trabalho menor. Uma nova via se abre agora para um desenvolvimento muito mais vasto
da produtividade. Pela aplicação de todos os progressos técnicos, a produção aumentará de tal modo que a
abundância para todos se fará acompanhar do desaparecimento de todo o trabalho penoso.
Capítulo 2 - A Lei e a Propriedade
Uma tal transformação do sistema de trabalho implica uma transformação do Direito. Não se trata,
evidentemente, de fazer votar novas lei no parlamento e pelo Congresso. Estas transformações atingem as
próprias bases da sociedade, todos os seus costumes e as suas práticas, muito além das modificações
provisórias que resultam dos actos parlamentares. Esta transformação reporta-se às leis básicas de toda a
sociedade e não apenas de um determinado país, porque se fundamentam nas convicções dos homens
sobre o Direito e a Justiça.
As leis não são imutáveis. As classes dominantes sempre tentaram preservar o Direito existente,
proclamando que se baseia na natureza, que se fundamenta nos direitos eternos do homem, ou que é
consagrado pela religião. Tudo isto tem como objectivo único consolidar os seus privilégios e votar as
classes exploradas a uma escravidão perpétua. Na história, pelo contrário, é bem evidente que as leis se
modificam incessantemente, segundo as concepções do bem e do mal que, também elas se vão
modificando.
O sentido do bem e do mal, a consciência da justiça, não são coisas acidentais no homem. Tudo isto se
desenvolve, irresistivelmente e naturalmente, a partir da sua experiência, a partir das condições
fundamentais da sua vida. A sociedade tem de viver, e por isso as relações entre os homens devem ser
reguladas de maneira tal que a produção do necessário vital se possa processar sem entraves (e é este o
papel da lei). É justo antes de tudo, o que é bom e necessário para viver; não só útil no momento presente,
mas necessário em geral tanto para a vida de um único indivíduo como para a de todos, considerados no
seu conjunto, isto é, como comunidade, não tomando unicamente em consideração os interesses pessoais
ou temporários, mas igualmente a felicidade duradoura de todos. Quando mudam as condições de vida,
quando o sistema de produção se desenvolve e assume novas formas, as relações entre os homens
modificam-se, e simultaneamente o sentido que os homens têm do bem e do mal. A lei tem então de ser
modificada.
Isto transparece claramente nas leis que regem o direito de propriedade. No estado original, selvagem e
bárbaro, a terra era considerada como pertencendo a uma tribo que nela vivia, caçava ou apascentava
gado. Para empregar a linguagem de hoje, pode dizer-se que o território era propriedade comum da tribo,
que o utilizava para viver e o defendia contra as outras tribos. As armas, os utensílios, que o indivíduo
podia fabricar com as suas próprias mãos, eram de certo modo pessoais, eram a sua propriedade privada,
mas não no sentido exclusivo, consciente, que este termo assume para nós, e isto devido aos laços mútuos
e poderosos que uniam os membros da tribo. Não eram leis e sim usos e costumes que regulamentavam as
relações mútuas. Esses povos primitivos e mesmo, em épocas mais próximas de nós, determinadas
populações agrícolas (como, por exemplo, os camponeses russos de antes de 1860) não podiam conceber
a ideia de propriedade privada de uma parcela de terreno, tal como nós não podemos conceber a ideia de
propriedade privada de uma determinada quantidade de ar.
Estas regulamentações tiveram de se modificar quando as tribos se estenderam e se fixaram, desbastaram
as florestas, se dispersaram em individualidades distintas (ou seja, em famílias), trabalhando cada uma
uma parcela distinta. Modificaram-se ainda mais quando o artesanato se separou da agricultura, quando o
trabalho ocasional de todos passou a ser o trabalho permanente de alguns, quando os produtos se
transformaram em mercadorias destinadas à venda, quando se estabeleceu um comércio regular, quando
os produtos passaram a ser consumidos por outros que não os produtores. Era contudo natural que o
camponês, que havia trabalhado uma parcela de terra, que a havia melhorado, que tinha labutado ele
próprio, sem recorrer a outras pessoa, dispusesse livremente da terra e dos utensílios, que o produto da
terra lhe pertencesse, que a terra e a produção que dela extraía continuassem a ser propriedade sua.
Todavia, na Idade Média, foram feitas restrições a estas regulamentações: assumiram a forma de
obrigações feudais, tornadas necessárias para assegurar a defesa das terras. Por outro lado, era natural que
o artesão, único a manejar os seus utensílios, deles dispusesse em exclusivo, tal como dos objectos que
fabricava: continuavaa ser o único proprietário deles.
A propriedade privada passou deste modo a ser a lei fundamental de uma sociedade baseada em unidades
de trabalho de pequena dimensão. Sem que tenha sido expressamente formulado, isto foi sentido como
um direito necessário: quem utilizasse exclusivamente os utensílio, a terra, um produto, devia ser dono
deles, e dispor deles livremente. A propriedade privada dos meios de produção é própria do pequeno
comércio, é o seu complemento jurídico necessário.
Nada deste ponto de vista se modificou quando o capitalismo se transformou em senhor da indústria.
Quando muito, estes princípios foram expressos, com uma clareza ainda maior, pela Revolução Francesa
que, em pleno conhecimento de causa, proclamou a liberdade, a igualdade e a propriedade como direitos
fundamentais do cidadão. E era nem mais nem menos que a propriedade privada dos meios de produção
que vemos manifestar-se quando, em vez de alguns aprendizes, o mestre de ofício recrutava servos, em
número cada vez maior, para o auxiliarem no seu trabalho, a quem fornecia utensílios que continuavam a
ser propriedade sua, e que fabricavam, para ele, produtos destinados à venda. Por intermédio da
exploração da força de trabalho dos operários, as fábricas e as máquinas, propriedade privada do
capitalista, transformaram-se em fonte de uma acumulação, imensa e sempre crescente de capital. A
propriedade privada desempenha assim uma nova função na sociedade. Enquanto propriedade capitalista,
trouxe o poder e uma riqueza cada vez maior a uma nova classe dirigente: os capitalistas; permite-lhes
desenvolver poderosamente a produtividade do trabalho e estender o seu domínio sobre a terra inteira.
Esta instituição jurídica, apesar da degradação e da miséria dos trabalhadores explorados, surgiu assim
como uma instituição benéfica e mesmo necessária, veiculando a promessa de um progresso ilimitado da
sociedade.
Pouco a pouco, este desenvolvimento provocou transformações no carácter interno do sistema social. A
função da propriedade privada modificou-se de novo. Com as sociedades por acções, cindiu-se o duplo
carácter do proprietário capitalista (dirigir a produção e meter ao bolso a mais-valia). Outrora intimamente
ligados, o trabalho e a propriedade estão presentemente separados. Os proprietários são, hoje, accionistas
que vivem fora do processo de produção, que preguiçam nas suas longínquas casas de campo e que, por
vezes, jogam na bolsa. Um accionista não tem ligações directas com o trabalho. A sua propriedade nada
tem a ver com as ferramentas de que se serviria para trabalhar. A sua propriedade consiste simplesmente
em bocados de papel, em partes nas empresas, que ele nem sequer sabe onde funcionam. A sua função na
sociedade é de parasita. A sua propriedade não significa que ele comande e dirija as máquinas (é tarefa
unicamente do director), simplesmente, ele pode reclamar uma determinada quantia de dinheiro sem Ter
que trabalhar para o obter. A propriedade daquilo que tem em mãos, as suas acções, são certificados que
indicam os seus direitos - garantidos pela lei, pelo governo, pela justiça, pela política - de participar nos
lucros. Títulos de co-participação nesta grande Sociedade para a Exploração do Mundo, eis o que é hoje o
capitalismo.
O trabalho nas fábricas é completamente distinto das actividades accionistas. O director e os quadros todo
o dia têm de dirigir, correr por todo lado, pensar em tudo; os operários trabalham e pensam de manhã à
noite, pressionados, maltratados. Cada um tem de se esforçar por dar o máximo, por produzir o mais
possível. Mas o produto do trabalho comum não é para os que o forneceram. Outrora, os burgueses eram
despojados pelos salteadores de estradas. Hoje, pessoas inteiramente estranhas à produção vêm, fazendo
valer os seus papéis - como detentores de acções devidamente registadas - apoderar-se da maior parte do
produto. Nem sequer têm de fazer o uso da violência, não têm que mexer uma palha: a parte que lhes cabe
é automaticamente depositada na sua conta bancária. Quanto àqueles que, em conjunto, forneceram o
trabalho, só lhes é deixado um soldo de miséria ou um salário modesto. Tudo o resto se transforma em
dividendo levado pelos accionistas. Será loucura? É a nova função da propriedade privada dos meios de
produção. É simplesmente o que dá, na prática, a herança da velha lei, aplicada às novas formas de
trabalho a que já não está de modo nenhum adaptada.
Pode assim ver-se como, devido à modificação gradual das formas de produção, a função social
instituição jurídica se transforma no oposto daquilo que era inicialmente. A propriedade privada que,
originalmente, era um meio de dar a cada um a possibilidade de desempenhar um trabalho produtivo,
transformou-se num meio de privar os trabalhadores da livre utilização dos instrumentos de produção.
Enquanto que, originalmente, esta propriedade garantia ao produtor a possibilidade de dispor do fruto do
seu trabalho, transformou-se no meio pelo qual os trabalhadores são desapossados deste fruto por uma
classe de parasitas inúteis.
Como é possível que leis tão obsoletas continuem a dominar a sociedade? Para começar, são numerosos
os que ainda a elas se agarram, porque pensam que elas garantem a pequena propriedade e a vida das
classe médias e de todos os "pequenos" camponeses, artesãos independentes; mas não vêm que, na
realidade, são frequentemente vítimas da usura e do Capital bancário, que os tem na mão por intermédio
dos títulos de propriedade, devidamente hipotecados. Quando dizem: "sou dono de mim mesmo", querem
dizer: "não tenho que obedecer a um estranho". São totalmente incapazes de imaginar uma comunidade
no trabalho, ou seja, um grupo onde iguais colaborariam numa mesma tarefa. Mas, e muito mais que isso,
se tais leis subsistem é sobretudo porque o poder do Estado, com a sua força policial e militar, as impõe,
no interesse da classe dominante: os capitalistas.
Na classe operária, a consciência desta contradição começa a manifestar-se, sob a forma de noções novas
de Direito e de Justiça. A transformação do pequeno comércio em grandes empresas faz com que o direito
antigo se tenha tornado nefasto e que tenha sentido como tal. Ele ergue-se contra a regra evidente que os
que fornecem o trabalho e utilizam os instrumentos de trabalho devem dispor deles para executar e
ordenar o trabalho da melhor maneira possível. A pequena ferramenta, o retalho de terra podiam ser
utilizados e trabalhados por uma única pessoa e a família. Os que deles dispunham deste modo eram os
seus proprietários. As grandes máquinas, as fábricas, as grandes empresas só podem ser utilizadas por um
corpo organizado de trabalhadores, por uma comunidade de forças em colaboração. Por isso este corpo,
esta comunidade, terá de dispor delas para organizar o trabalho segundo a vontade comum dos seus
componentes. Esta propriedade comum não significa propriedade no sentido antigo da palavra, quer dizer,
o direito de a usar ou desperdiçar segundo a sua própria vontade. Cada empresa não é mais que uma parte
do aparelho produtivo total da sociedade; por isso, o direito de qualquer organismo, ou qualquer
colectividade de produtores deverá estar limitado pelo direito superior da sociedade, e tem de ser
considerado e posto em prática através de ligações regulares com todos os outros.
A propriedade comum não deve ser confundida com propriedade pública. Na propriedade pública, muitas
vezes defendida por eminentes reformadores sociais, o Estado ou outro órgão político é o dono da
produção. Os operários não são donos do seu trabalho, são dirigidos por funcionários do Estado que
organizam e dirigem a produção. Quaisquer que possam ser as condições de trabalho, quer os operários
sejam ou não tratados de maneira humana e com muita consideração, o facto fundamental continua a ser
este: não sãoos operários produtores, mas sim os quadros do Estado, que dispõem dos meios de
produção, que dispõem do produto, que dirigem todo o processo de produção e que decidem qual a parte
da produção que irá ser reservada para as inovações, para a substituição do material, para os
melhoramentos e para as despesas sociais; são portanto eles que decidem que parte do produto social deve
caber aos trabalhadores e que parte irão guardar para si. Os operários recebem portanto um salário, uma
parte do produto, determinado pelos dirigentes. Sob o regime de propriedade pública dos meios de
produção, os trabalhadores são ainda dominados e explorados por uma classe dominante. A propriedade
pública é o programa burguês de uma forma moderna e disfarçada de capitalismo. A propriedade comum
dos produtores deverá ser o único objectivo da classe operária.
Uma revolução no sistema de produção está portanto estreitamente ligada a uma revolução no domínio do
Direito. Baseia-se numa mutação das concepções mais profundas do Direito e da Justiça. Cada sistema de
produção é a aplicação de uma determinada técnica combinada com um determinado Direito que rege as
relações entre os homens no seu trabalho, que fixa os direitos e deveres destes.
O nível técnico da pequena ferramenta, associado à propriedade privada, implica uma sociedade de
pequenos produtores livres fazendo-se livremente concorrência. O nível técnico das máquinas complexas,
associado ao regime da propriedade privada, corresponde ao capitalismo. A técnica das máquinas
complexas, associada à propriedade comum, implica uma colaboração livre entre todos os homens. O
capitalismo não passa de um sistema intermédio, de uma forma de transição, resultante da aplicação do
Direito antigo a técnicas novas. O desenvolvimento das técnicas aumentou enormemente o poder do
homem; a lei que vinha do passado e que regulamentava a utilização destas forças técnicas manteve-se
quase inalterada. Não espanta por isso que ela se tenha mostrado tão inadequada e a sociedade tenha caído
numa tal desordem. É este o sentido profundo da actual crise mundial: a humanidade descurou pura e
simplesmente a adaptação a tempo das suas velhas leis ao novo poder das técnicas. E é por isso que tem
presentemente de sofrer tantas ruínas e destruições.
A técnica é um dado da época. O seu desenvolvimento rápido é com toda a evidencia obra do homem, o
culminar normal da reflexão sobre o trabalho, da experiência e da experimentação, de esforços e de
competição. Mas uma vez adquirida, a aplicação de uma técnica é automática, independente da nossa livre
escolha, imposta como uma força inata da natureza. Não podemos voltar a atrás, como desejaram os
poetas, e voltar a utilizar os pequenos utensílios dos nossos antepassados. Além disso, o Direito deve ser
fixado pelo homem em plena consciência.
Tal como está estabelecido, o Direito determina, em relação aos homens e ao equipamento técnico, a
liberdade ou a sujeição desses homens.
Quando a lei existente se transforma num meio de exploração e de opressão, na sequência do
desenvolvimento silencioso da técnica, passa a ser objecto de conflito entre as classes sociais, os
exploradores e os explorados. Enquanto a classe explorada admitir respeitosamente que a lei actual é o
Direito e a Justiça personificados, a sua exploração continuará a ser legal e incontestada. Mas as massas
tomam progressivamente consciência da sua exploração; surgem então novas concepções do Direito. À
medida que se desenvolve o sentimento de que a lei existente é contrária à justiça, amplia-se a vontade de
transformar e de fazer das novas concepções de Direito e de Justiça a lei da sociedade. Isto significa que o
sentimento de laborar no erro não é suficiente. Só quando este sentimento se transformar numa convicção
clara e profunda para grandes massas de trabalhadores, quando tiver penetrado todo o seu ser,
comunicando-lhes uma firme determinação e um entusiasmo ardente é que poderão jorrar as forças
necessárias para a transformação radical das estruturas sociais. Mas isto não passará ainda de uma
condição preliminar. Será necessária uma luta longa e penosa para vencer a resistência da classe
capitalista, que defenderá o seu poder até ao último extremo e com todos os recursos da sua força; uma tal
luta impõe-se para estabelecer uma ordem social nova.
Capítulo 3 - A Organização no Local de Trabalho
A ideia de propriedade comum dos meios de produção ameaça a instalar-se no espirito dos trabalhadores.
Logo que tomarem consciência de que a ordem nova, de que o seu próprio domínio sobre o trabalho é
uma questão de necessidade e de justiça, todos os seus pensamentos e Actos se dirigirão no sentido da sua
realização. Eles sabem que isso não se consegue num dia. Será inevitável um longo período de luta. Para
veneer a resistência obstinada das classes dirigentes, os trabalhadores terão que desenvolver todos os seus
esforços, até aos mais extremos recursos. Terão que utilizar todas as suas faculdades, tanto as que relevam
da inteligência como as que relevam da forca de carácter, todas as suas capacidades de organização, todos
os seus conhecimentos. Terão que mostra-se capazes de reunir tudo quanto puderem mobilizar. Mas, antes
de mais, terão que determinar claramente o objectivo visado e o que representa a ordem nova a
estabelecer.
Quando um homem tem um trabalho a fazer, deve começar por concebê-lo na sua mente, sob a forma de
um plano ou de um projecto mais ou menos consciente. Eis o que distingue as acções dos homens dos
actos puramente instintivos dos animais. Isto também é válido em principio, nas lutas comuns, nas acções
revolucionárias das classes sociais. Não inteiramente, é evidente, porque há uma grande parte de acções
espontâneas e não premeditadas nas explosões de uma revolta apaixonada. Os trabalhadores em luta não
são um exército conduzido por um estado-maior de chefes competentes, agindo segundo um plano
minuciosamente preparado. Formam uma massa que, a pouco e pouco, emerge da submissão e da
ignorância, que, a pouco e pouco, toma consciência da explorarão, que se vê obrigada a lutar
implacavelmente por melhores condições de vida e que, assim, vê a sua força desenvolver-se
gradualmente. Jorram novos sentimentos, elevam-se novos pensamentos: dizem respeito ao que poderia
ser, ao que deveria ser o mundo. Agora, têm em mente novos desejos, novos ideais, novos objectivos que
determinam a sua vontade e guiam os seus actos. Pouco a pouco, as perspectivas esboçam-se mais
claramente. Aquilo que inicialmente, não era mais que uma simples luta por melhores condições de
trabalho, dá origem a ideias de reorganização fundamental da sociedade. O ideal de um mundo sem
exploração nem opressão assediou durante gerações a mente dos trabalhadores. A concepção dos
trabalhadores como donos dos meios de produção, devendo dirigir, eles próprios, o trabalho, impõe-se
cada vez mais claramente a todos.
Devemos aplicar todos os recursos da nossa inteligência para procurar saber e explicar, tanto para nós
como para os outros, qual será esta nova organização do trabalho. Não podemos extraí-la unicamente da
nossa imaginação; deduzimo-la das condições reais e das necessidades do trabalho e dos trabalhadores no
momento actual.
Não pode, bem entendido, ser exposta detalhadamente: nada conhecemos das condições futuras que irão
determinar as suas formas precisas. Estas formas definir-se-ão no espirito dos trabalhadores quando eles
afrontarem essa tarefa. De momento, devemos contentar-nos com traçar unicamente as linhas gerais, as
ideias directrizes que irão orientar as acções da classe operária. Estas ideias serão como que uma estrela,
como o objective supremo para o qualos trabalhadores lançarão permanentemente o olhar quando,
durante a luta, conhecerem as alternâncias de vitórias e de derrotas, as sequências de sucessos e de
fracassos na sua auto-organização. Estas ideias directrizes devem ser tornadas mais claras, não por
minuciosas descrições de detalhe, mas essencialmente pela comparação entre os princípios deste mundo
novo e as formas de organização existentes que já conhecemos.
Quando os operários se apoderarem das fabricas para organizarem o trabalho verão levantar-se inúmeros
problemas, novos e espinhosos. Mas disporão também de novas forças igualmente numerosas. Um novo
sistema de produção nunca é uma estrutura artificial edificada unicamente pela vontade dos homens.
Brota como um processo irresistível da natureza, como uma convulsão que abala a sociedade no mais
profundo de si mesma, libertando as mais poderosas forças e paixões do homem. É o resultado de uma
luta de classe longa e obstinada.
Só através deste combate podem nascer e desenvolver-se as forças necessárias para a construção de um
mundo novo.
Quais serão as bases deste mundo? Serão as forças sociais: a fraternidade e a solidariedade, a disciplina e
o entusiasmo; serão as forças morais: a abnegação e a dedicação à comunidade; serão as forças espirituais:
o saber, a coragem, a perseverança; será a sólida organização que congrega e encaminha para um
objectivo último estas forças que, todas, são a concretização da luta de classe. Não se pode criá-las
antecipadamente por uma acção voluntarista. Os primeiros sintomas dessas forças surgirão nos
trabalhadores espontaneamente, a partir da sua exploração comum; desenvolver-se-ão incessantemente
através das necessidades da luta, sob a influência da experiência, do estímulo mútuo, da educação
recíproca. Nascerão necessariamente, porque a sua expansão trará a vitória, ao passe que a sua ausência é
sinónimo de derrota. Enquanto estas forcas sociais continuarem insuficientemente desenvolvidas,
enquanto os novos princípio não ocuparem completamente o coração e a mente dos trabalhadores,
fracassarão as tentativas para construir um mundo novo, mesmo se as lutas obtiverem um certo sucesso.
Porque os homens têm de viver, a produção tem de continuar e, na sua ausência, outras forças, de
coacção, de repressão e de regressão tomarão em mãos a produção. Deverá então retomar-se o combate,
até que as forças sociais da classe operária atinjam um poder tal que possam conduzir a auto-governação,
ao domínio total da sociedade.
A tarefa maior é, para os trabalhadores, a organização da produção em novas bases. Deverá começar pela
organização no interior da fábrica. Também o capitalismo possui uma organização minuciosamente
planificada; mas os princípios da nova organização serão totalmente diferentes. Em ambos os casos, as
bases técnicas serão as mesmas: é a disciplina do trabalho, imposta pelo ritmo regular das máquinas. Mas
as bases sociais, as relações mútuas entre os homens serão o oposto do que foram. A colaboração entre
camaradas, iguais entre si, substituirá o comando dos patrões e a obediência dos que os serviam. O medo
da fome e do risco permanente de perder o trabalho serão substituídos pelo sentido do dever, pela
dedicação à comunidade, pelos louvores ou censuras feitos pelos camaradas aos esforços e às realizações
de cada um e que agirão como estimulantes. Em vez de serem os instrumentos passivos e as vitimas do
Capital, os trabalhadores serão os donos e os organizadores da produção, seguros de si, exaltados pelo
orgulho de cooperarem activamente no aparecimento de uma nova humanidade.
O órgão de gestão, nesta organização da fábrica, será constituído pela colectividade dos trabalhadores que
nela colaborarem. Reunir-se-ão para discutir todos os problemas e tomarão as decisões em assembleia.
Assim, todos os que tomarem parte no trabalho participarão na organização do trabalho comum. Este
método impõe-se naturalmente como evidente e normal; parece ser idêntico ao que é adoptado em regime
capitalista pelos grupos e sindicatos de trabalhadores quando decidem, pelo voto, assuntos comuns. Mas
existem diferenças essenciais. Nos sindicatos, encontramos habitualmente uma divisão do trabalho entre
os delegados e os membros: os delegados preparam e enunciam as propostas e os filiados votam. A fadiga
dos corpos e a lassidão dos espíritos obrigam os trabalhadores a delegar noutros a tarefa de conceber os
projectos. Só muito parcialmente e aparentemente é que se ocupam dos seus próprios assuntos. Na
organização em comum da fábrica deverão fazer eles próprios tudo ter as ideias, elaborar os projectos,
bem como tomar as decisões. A dedicação e a emulação não se limitarão a desempenhar um papel no
trabalho de cada um, mas serão ainda mais importantes na tarefa comum de organizar toda a produção.
Para começar, porque se trata de uma obra comum, logo da maior importância, que não podem deixar
para outros fazerem. Seguidamente, porque está em relação directa com o sistema das relações mútuas no
seio do seu próprio trabalho, que a todos diz respeito e em que todos são competentes. É por isso que esta
tarefa deve absorver toda a sua atenção e que os problemas postos se devem resolver através de discussões
profundas. Não é unicamente com o esforço físico, mas mais ainda com o esforço intelectual que cada um
deverá contribuir para a organização geral da produção e estes esforços serão objecto da emulação e da
apreciação reciprocas. A discussão deverá além disso apresentar um carácter diferente daquele que existe
nas associações e nos sindicatos sob o regime capitalista, onde se verificam sempre divergências devidas á
existência de interesses pessoais, onde cada um, no mais profundo da sua consciência, se preocupa antes
de mais com a sua sorte pessoal e onde as discussões têm por função ajustar e aplanar as diferenças com
vista a uma acção comum. Na nova comunidade do trabalho, pelo contrário, todos os interesses serão
essencialmente os mesmos e todos os pensamentos serão orientados para o objectivo comum da
organização, numa cooperação efectiva.
Nas grandes fabricas, o número de operários é demasiado elevado para que possam reunir numa
assembleia única e para que possam levar a cabo uma discussão real e profunda. As decisões só poderão
ser tomadas a dois tempos: pela acção combinada de assembleias nas diferentes oficinas da fábrica com as
assembleias de comités centrais de delegados. As funções e o andamento prático destes comités não
podem ser determinados antecipadamente; constituem algo inteiramente novo, um órgão essencial da
nova estrutura económica. É quando se encontrarem a braços com as necessidades práticas que os
operários constituirão as estruturas adequadas. As linhas gerais de algumas das características dessas
estruturas podem contudo ser deduzidas por comparação com as organizações e os grupos que
conhecemos.
No mundo capitalista, o comité central de delegados é uma instituição bem conhecida. Encontramo-la no
parlamento, em toda a espécie de organizações políticas e nos bureaux de diversas associações e
sindicatos. São investidos de uma autoridade sobre os que os designaram, ou mesmo, por vezes, reinam
sobre estes como verdadeiros patrões. Esta é a forma assumida por estes organismos, e que corresponde a
um sistema social em que uma grande massa de trabalhadores é explorada e comandada por uma minoria:
a classe dominante. A tarefa essencial, no mundo novo, consistirá em encontrar uma forma de
organização constituída por uma colectividade de produtores, livres e associados, que controlem, tanto
nos actos como na concepção destes, a actividade produtiva comum, regulamentando-a segundo a sua
própria vontade, mas com poderes idênticos paracada um; será um sistema social totalmente diferente do
antigo. No sistema antigo, também existem conselhos sindicais que administram os assuntos correntes,
entre duas reuniões dos filiados, a intervalos mais ou menos próximos, em que se fixam as grandes linhas
da política geral. Aquilo de que estes conselhos se ocupam então são apenas os imprevistos do quotidiano
e não as questões fundamentais. No mundo novo, e a própria base da vida, a sua essência, que estão em
causa: é o trabalho produtivo que ocupa e ocupará permanentemente o espirito de cada um, que será o
objecto primordial do seu pensamento.
As novas condições de trabalho farão destes comités de fabrica algo muito diferente do que conhecemos
no mundo capitalista. Serão organismos centrais mas não organismos dirigentes, não conselhos
governamentais. Os delegados que os compuserem terão sido mandatados pelas assembleias de secção
com instruções especificas; virão de novo a estas assembleias para prestar contas da discussão e do
resultado obtido e, após deliberações mais amplas, os mesmos delegados, ou outros, munidos de novas
instruções, voltarão a reunir-se no comité de fábrica.
Deste modo, actuarão como agentes de ligação entre os membros das diferentes secções. Estes comités de
fábrica também não serão grupos de especialistas encarregados de fornecer directivas a massa dos
trabalhadores não qualificados. Naturalmente que serão necessários especialistas, isolados ou em equipas,
para se ocuparem dos problemas científicos ou técnicos específicos. Os comités de fábrica tratarão dos
problemas quotidianos, das relações mútuas, da regulamentação do trabalho, tudo coisas em que cada um
é ao mesmo tempo competente e parte interessada. E, entre outras coisas, terão de estudar a aplicação
prática do que os especialistas tiverem sugerido. Os comités de fábrica não serão responsáveis pelo bom
funcionamento do conjunto, porque isto teria como consequência deixar que cada membro se isentasse
das suas responsabilidades, confiando numa colectividade impessoal. Pelo contrario, e embora este
funcionamento incumba a toda a comunidade, poderão confiar-se a certas pessoas, e só a elas, tarefas
especificas que desempenharão devido às suas capacidades particulares, sob a sua inteira
responsabilidade, recebendo todas as honras se forem bem sucedidas.
Todos os membros do pessoal, homens e mulheres, novos e velhos, terão uma parte igual no trabalho,
uma parte igual nesta organização da fábrica, tanto na execução quotidiana como na regulamentação
geral. Sem dúvida que haverá grandes diferenças na natureza dos trabalhos; mais ou menos árduos
segundo a forca e as capacidades de cada um, serão repartidos em função dos gostos e das aptidões. E,
bem entendido, as disparidades em matéria de cultura geral permitirão que os mais conhecedores ou mais
inteligentes façam prevalecer a sua opinião. Devido à herança do capitalismo, continuarão inicialmente a
existir grandes diferenças de educação e de qualificação e, por conseguinte, as massas sentirão a ausência
de bons conhecimentos técnicos e gerais como uma inferioridade grave. Dado o seu pequeno numero, os
técnicos altamente qualificados e os quadros científicos deverão portanto actuar na qualidade de
dirigentes técnicos, sem por tal se poderem arrogar funções de comando ou privilégios sociais além da
estima dos camaradas e da autoridade moral que sempre se liga às capacidades e ao saber.
A organização da empresa não é senão a ordenação e ligação consciente das diversas etapas do trabalho,
de maneira que estas formem um todo. É possível expor todas estas interconexões entre estas operações
articuladas umas com as outras, por meio de um esquema geral, de uma representação mental do processo
real. Esta imagem presidiria à elaboração do primeiro "planning", correspondendo outras aos
melhoramentos e desenvolvimentos ulteriores. Este esquema deverá estar presente no espirito de todos os
trabalhadores; é necessário que todos tenham um perfeito conhecimento do que diz respeito a todos. Um
mapa, ou um gráfico, fixa e mostra, por uma imagem simples e acessível a todos, as relações de um
conjunto complexo; do mesmo modo, a situação da empresa no seu conjunto deverá ser mostrada a todo o
momento, em todos os seus desenvolvimentos, por representações adequadas. Sob a forma de números, é
o que realiza a contabilidade. Esta regista tudo o que se passa no processo de produção: as matérias
primas que entram na fabrica, as máquinas de que esta dispõe, o que ela produz, a quantidade de horas de
trabalho que foram necessárias para obter um dado produto e que cada operário fornece, finalmente quais
são os produtos terminados e entregues. Ela segue e descreve os trajectos dos diversos materiais no
processo de produção. Permite assim comparar, com o auxilio de balanços sistemáticos, os resultados
efectivos com as previsões do plano. A produção da empresa transforma-se deste modo num processo
submetido a um controle mental.
A gestão capitalista da empresa baseia-se igualmente no controle mental da produção. Neste caso, como
no outro, as operações são representadas sob forma de contabilidade. Mas, ao contrário do precedente, o
método de cálculo capitalista está a todos os níveis adaptado ao ponto de vista da produção de lucro. Os
seus dados fundamentais são os preços e os custos; o trabalho e os salários entram unicamente na
qualidade de factores no balance da empresa, quando este é efectuado para calcular o montante anual do
lucro. Pelo contrário, no novo sistema de produção, o dado fundamental é o número de horas de trabalho,
quer seja expresso em unidades monetárias, nos primeiros tempos, ou sob forma real. No seio da
produção capitalista, o calculo e a contabilidade continuam a ser segredos reservados unicamente à
direcção. Não dizem respeito aos operários. Estes não passam de objectos submetidos à exploração, que
surgem apenas como factores entre muitos outros no calculo dos custos e dos rendimentos, como vulgares
acessórios das máquinas. Com a apropriarão colectiva da produção, a contabilidade passa a ser um
assunto público; toda a gente pode ter acesso aos livros. Os trabalhadores têm a todo o momento uma
visão completa do processo de conjunto. Só assim poderão estar aptos a discutir problemas que se põem
nas assembleias da unidade de produção e nos comités de empresa, a decidir quais as medidas a tomar e a
executar. Os resultados numéricos são tornados visíveis sob a forma de quadros estatísticos, de gráficos e
de mapas que permitam abarcar facilmente a situação. Estas informações não são reservadas ao pessoal da
fábrica: são públicas, acessíveis a todos, empregados ou não. Não passando toda e qualquer empresa de
um elemento da produção social, a relação entre as suas actividades e o conjunto do trabalho social
efectua-se por meio da contabilidade. Assim, o conhecimento exacto da produção em cada empresa
constitui um simples fragmento de um conhecimento comum ao conjunto dos produtores.
Capitulo 4 - A Organização Social
O trabalho é um processo social. Cada empresa representa uma fracção do corpo produtivo da sociedade.
As conexões e a cooperação entre estas diversas partes constituem outros tantos elementos da produção
social global. Tal como as células de que se compõe um organismo vivo, estas partes não podem subsistir
isoladamente, independentemente do corpo produtivo. Organizar o trabalho nas empresas representa
portanto apenas metade da tarefa. Resta outra parte, infinitamente mais importante: estabelecer um
sistema de ligações entre as diferentes empresas e reuni-las no seio de uma mesma organização social.
Estando a empresa já organizada em regime capitalista, é suficiente substitui-la por um tipo de
organização com novas bases. Pelocontrário a organização social do conjunto das empresas é - ou era, até
aos últimos anos - um problema absolutamente novo, sem precedentes, como testemunha o facto de todo
o século XIX ter considerado que a classe operária tinha por missão construir uma organização deste
género, - a que se chamava o «socialismo». O capitalismo compunha-se de uma massa não organizada de
empresas independentes - «o campo de peleja dos empresários privados», como dizia o programa do
partido trabalhistas - ligadas entre si unicamente pelos acasos do mercado e da concorrência, tendo como
resultado a falência, a sobreprodução, a crise, o desemprego e um enorme desperdício de materiais e de
força de trabalho. Para abolir este sistema, a classe operária teria de conquistar o poder político e servir-se
dele para organizar a indústria e a produção. Pensava-se, nesse tempo, que o socialismo de Estado
marcaria o inicio de uma evolução nova.
Nestes últimos anos, a situação modificou-se na medida em que o capitalismo começou a utilizar a
organização pelo Estado. Não foi levado a isso apenas pelo desejo de aumentar a produtividade e os
lucros através de uma planificação racional da produção. Na Rússia, por exemplo, era necessário
compensar o atraso do desenvolvimento económico por meio de organização rápida da indústria. Foi o
que fez o governo bolchevique. Na Alemanha, foi a luta pelo poder mundial que conduziu ao controle da
produção pelo Estado e à organização estatal da indústria. Esta lura era uma tarefa de tal modo pesada que
a classe capitalista da Alemanha só tinha hipótese de a levar a cabo concentrando o poder sobre todas as
forcas produtivas nas mãos do Estado. Na organização nacional-socialista, a propriedade e o lucro -
embora fortemente atingidos pela tributação do Estado - continuam nas mãos dos capitalistas privados,
mas a direcção e a administração dos meios de produção são assumidas pelos funcionários do Estado. O
Capital e o Estado asseguram para si a totalidade da produção do lucro por meio de uma organização
eficiente. Esta organização de toda a produção baseia-se nos mesmos princípios que a organização no seio
da empresa, ou seja, na autoridade pessoal do director geral da sociedade, do Führer, do chefe de Estado.
Em todos os casos em que o governo detém nas suas mãos a alavanca de comando da indústria, a antiga
liberdade dos produtores capitalistas cede o lugar aos métodos autoritários, à coacção. Os funcionários do
Estado vêm o seu poder político consideravelmente reforçado pelo poder económico que Ihes é conferido,
pela sua hegemonia sobre os meios de produção, base da vida social.
Os princípios da classe operária situam-se, a todos os níveis, no campo oposto. A organização da
produção pelos trabalhadores, com efeito, baseia-se na livre cooperação: nem patrões nem servos. O
mesmo princípio preside ao reagrupamento de todas as empresas numa organização social unificada. É
aos operários que compete construir o mecanismo social correspondente.
Dada a impossibilidade de reunir os operários de todas as fábricas numa mesma assembleia, só podem
expressar a sua vontade por intermédio de delegados. De algum tempo a esta parte que estes corpos de
delegados vêm sendo denominados conselhos operários. Cada grupo de trabalhadores que cooperam
designa os membros que irão expressar as suas opiniões e desejos nas reuniões dos conselhos. Se, através
de uma participação activa nas deliberações do seu grupo, se tiverem evidenciado como defensores hábeis
dos pontos de vista adoptados pela maioria, delegar-se-á neles a função de porta-vozes do grupo, que irão
confrontar os pontos de vista deste com os dos outros grupos, para chegarem a uma decisão colectiva.
Embora as suas capacidades pessoais contem muito para persuadir os companheiros e para clarificar os
problemas, a importância que assumem não provém da sua força pessoal, e sim da da comunidade que os
escolheu como delegados. Não são meras opiniões que prevalecem, mas muito mais a vontade e o desejo
do grupo de agir em comum. Indivíduos diferentes desempenharão as funções de delegados, consoante as
questões postas e os problemas delas decorrentes.
O problema fundamental, a base de tudo o resto, é a própria produção. A organização desta comporta dois
aspectos: o estabelecimento das regras gerais e das normas, e o trabalho propriamente dito. É necessário
elaborar regras e normas que fixem as relações mútuas no trabalho, os direitos e os deveres de cada um.
Em regime capitalista, a norma era o poder do patrão, do director. No capitalismo de Estado, é o poder
ainda maior do Chefe supremo, do governo central. Na sociedade nova, pelo contrário, todos os
produtores são livres e iguais. O campo económico, o campo do trabalho assiste a uma metamorfose
comparável àquela que a ascensão da burguesia provocou no campo político, nestes últimos séculos.
Quando o reinado do monarca absoluto foi substituído pelo poder dos cidadãos, isso de modo nenhum
significou uma substituição do arbitrário do autocrata pelo arbitrário de qualquer outro indivíduo.
Significava que as leis, conformes com a vontade geral, passavam a fixar os direitos e os deveres. Do
mesmo modo, no campo do trabalho, a autoridade do patrão desaparece em proveito de regras elaboradas
em comum, que visam fixar os direitos e os deveres sociais, tanto em matéria de produção como de
consumo. E os conselhos operários terão como primeira missão formulá-los. Não é uma tarefa árdua, nem
uma questão que exija estudos intermináveis, ou que origine divergências graves. Estas regras germinarão
naturalmente na consciência de cada trabalhador, uma vez que constituem a base natural da sociedade
nova: cada um tem o dever de participar na produção segundo as suas forças e as suas capacidades, cada
um tem direito a uma parte proporcional do produto colectivo.
Como avaliar a quantidade de trabalho efectuada e a quantidade de produtos que cabe a cada um? Numa
sociedade em que a produção vai directamente para o consumo, não existe nem mercado para trocar os
produtos, nem valor, enquanto expressão do trabalho cristalizado nesses produtos, que se estabelece
automaticamente, pelo processo da compra e da venda. O trabalho despendido na produção tem por isso
de ser avaliado de uma maneira directa, pelo número de horas de trabalho. Os serviços de gestão calculam
a quantidade de horas de trabalho cristalizadas em cada elemento ou quantidade unitária de um produto,
bem como a quantidade de horas de trabalho fornecidas por cada trabalhador. Fazem-se depois as médias,
tanto em relação ao conjunto de operários de uma determinada fábrica como ao conjunto das fábricas da
mesma categoria; desaparecem assim as variações devidas a factores individuais e podem comparar-se os
diversos resultados.
No inicio do período de transição, quando é necessário reconstruir uma economia arruinada, o problema
essencial consiste em pôr a funcionar o aparelho de produção, para assegurar a existência imediata da
população. É muito possível que, nestas condições, se continue a repartir uniformemente os géneros
alimentares, como sempre se faz em tempo de guerra ou de fomes. Mas é mais provável que, nesta fase de
reconstrução, em que todas as forças disponíveis se devem empenhar a fundo e, mais do que isso, em que
os novos princípios morais do trabalho comum vão tomando forma de uma maneira gradual, o direito ao
consumo esteja ligado ao desempenho de qualquer trabalho. O velho ditado popular «quem não trabalha
não come» exprime um sentido instintivo da justiça. Isto significa sem dúvida ver no trabalho aquilo que
ele é na realidade: o fundamento da existência humana. Mas isto também significa que, a partir desse
momento, a exploração capitalista desapareceu, que acabou a apropriação dos frutos do trabalho de
outrém por uma classe ociosa, em virtude dos seus títulosde propriedade.
Evidentemente que isto não significa que a totalidade da produção passará a ser repartida pelos produtores
proporcionalmente ao número de horas de trabalho fornecido por cada um deles ou, por outras palavras,
que todos os operários irão receber sob a forma de produtos o equivalente exacto das horas de trabalho
que forneceram. Com efeito, uma parte muito grande do trabalho tem de ser consagrada à propriedade
comum, tem de servir para aperfeiçoar e para aumentar o aparelho de produção. No regimen capitalista,
uma certa quantidade de mais-valia era utilizada para este fim. O capitalista tinha de empregar uma parte
do seu lucro, acumulado sob a forma de capital adicional, a inovar, a aumentar e a modernizar o
equipamento técnico; ao fazê-lo, era movido pela necessidade de fazer frente a concorrência. Deste modo,
o progresso técnico era inseparável das formas de explorarão. Na nova forma de produção, este progresso
passa a ser um assunto que diz respeito à colectividade dos trabalhadores. Se por um lado, antes de tudo o
mais, têm de assegurar a sua existência imediata, por outro a parte mais exaltante da actividade consiste
em edificar as bases da produção futura. Têm de fixar qual a proporção do trabalho global que será
aplicada na preparação de máquinas e de instrumentos aperfeiçoados, na investigação e na
experimentação com o fim de facilitar o trabalho e no melhoramento da produção.
Além disso, será necessário dedicar uma parte do tempo de trabalho global a actividades não produtivas,
mas socialmente necessárias: a administração geral, o ensino, os serviços de saúde. As crianças e as
pessoas idosas terão direito a uma parte da produção, sem participarem nela. O mesmo sucederá a pessoas
incapazes de trabalhar entre as quais, nos primeiros tempos, se contarão grande número de farrapos
humanos herdados do capitalismo. É provável que, regra geral, sejam os elementos mais jovens da
população adulta quem tem seu cargo efectuar o trabalho produtivo; ou, por outras palavras, este deverá
ser efectuado por todos, neste período da vida em que os desejos e capacidade de acção se encontram no
nível mais alto. Com o rápido progresso da produção do trabalho, a parte da existência dedicada a
produzir os artigos necessários à vida irá diminuindo permanentemente, enquanto uma parte cada vez
maior da existência poderá vir a ser dedicada a outros fins e a outras actividades.
A organização social da produção baseia-se numa boa gestão, através de estatísticas e de dados
contabilizáveis. Estatísticas relativas ao consumo dos diferentes bens, estatísticas sobre a capacidade das
empresas industriais, das máquinas, da terra, das minas, dos meios de transporte, estatísticas sobre a
população e os recursos das cidades, das regiões, dos países, - tudo isto representa, em colunas bem
ordenadas de dados numéricos, a base do processo económico. No regime capitalista, já se conheciam
estatísticas relativas a certas actividades económicas, mas continuavam a ser imperfeitas, devido à falta de
coesão entre os homens do negócio privado e às suas visões limitadas. A aplicação dessas estatísticas era
limitada. Mas, agora, são o ponto de partida da organização da produção. Para produzir a quantidade de
bens adequada, é necessário conhecer as quantidades utilizadas ou necessárias. Simultaneamente, estas
estatísticas, resultado numérico condensado do inventário do processo de produção, resumo global da
contabilidade, expressam a marcha do desenvolvimento.
A contabilidade geral, que diz respeito e engloba as administrações das diferentes empresas, reúne-as a
todas num quadro de evolução económica da sociedade. A diferentes níveis, regista o processo total da
transformação da matéria, acompanhando esta desde a extracção das matérias-primas, seguindo-a nas
diversas fábricas onde é trabalhada até se transformar em produtos terminados, prontos a serem
consumidos. Reunindo num todo os resultados das empresas do mesmo tipo que cooperam, compara a
eficácia destas, estabelece a média das horas de trabalho necessárias e dirige a atenção para as
possibilidades de progresso. Uma vez organizada a produção, a administração passa a ser tarefa,
relativamente simples, de uma rede de escritórios de contabilidade, ligados uns aos outros. Cada empresa,
cada grupo de empresas ligadas, cada ramo da produção, cada cidade ou região terá o seu centro
administrativo para reunir, analisar e discutir os números da produção e do consumo, e para Ihes dar uma
forma clara e de fácil exame. Graças ao trabalho combinado desses centros, a base material da vida
transforma-se num processo dominado pelo intelecto. O processo de produção é patenteado à vista de
todos, sob a forma de uma imagem numérica simples e inteligível. É nesse momento que a humanidade
contempla e controla a sua própria vida. Aquilo que os operários e os seus conselhos decidem e
planificam numa colaboração organizada surge com clareza, traduzido nos números da contabilidade.
Porque estes resultados estão permanentemente diante dos olhos de cada operário, a direcção da produção
social pelos próprios produtores pode finalmente ser realizada.
Esta organização da vida económica é inteiramente diference das formas de organização existentes em
regime capitalista; é mais perfeita e mais simples. As complicações e dificuldades da organização do
capitalismo, a que tiveram de se consagrar tantos grandes homens de negócios de génio tão elogiado,
estão ligadas às lutas mútuas, a essa guerra capitalista que exige tanta arte e tantos sacrifícios para
dominar ou aniquilar os concorrentes. Tudo isso irá desaparecer. A simplicidade do objectivo a atingir,
que é satisfazer as necessidades vitais da humanidade, faz com que toda a estrutura seja simples e directa.
Em principio, administrar grandes quantidades não é mais difícil ou mais complicado do que administrar
pequenas quantidades; basta acrescentar alguns zeros aos números. A diversidade rica e multifacetada das
necessidades e dos desejos, que pouco menor é em pequenos grupos de pessoas do que em grandes
massas, pode ser satisfeita mais fácil e completamente, devido precisamente à natureza massiva destas
necessidades.
A função e a importância de que se revestem os serviços de estatística e de contabilidade pública no seio
de uma dada sociedade dependem do carácter desta sociedade. Desde sempre que a gestão financeira do
Estado constituiu necessariamente uma atribuição do governo central e os funcionários deste, que eram
incumbidos desta missão, estavam estreitamente submetidos aos reis e aos outros poderosos da terra. Na
era do capitalismo moderno, em que a produção está sujeita a uma organização social omnipotente, os que
detêm em mãos a administração central passam de facto a ser os senhores principais da economia e
transformam-se gradualmente em burocracia dirigente. Na Rússia, por exemplo, a revolução de 1917
provocou uma expansão industrial acelerada. Os operários afluíram em massa as fábricas novas mas,
ainda imbuídos de uma ignorância crassa, própria da vida rural, foram incapazes de obstar aos progressos
da burocracia que, nesse momento, se constituía em nova classe dominante. Na Alemanha de 1933,
quando um partido submetido a uma disciplina de ferro conquistou o poder de Estado e dele fez um órgão
de administração central a ele devotado, assumiu simultaneamente a organização de todas as forças do
capitalismo.
A situação modifica-se radicalmente quando os operários organizam a produção na qualidade de donos do
seu trabalho e de produtores livres. Determinadas pessoas têm a seu cargo a contabilidade pública, tal
como outras são metalúrgicos ou padeiros. Os trabalhadores do serviço de estatística nem são senhores
nem servos. De modo nenhum são funcionários

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