Buscar

Currículo da escola de 1º grau falas e debates

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 135 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 135 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 135 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Presidente da República 
José Sarney 
Ministro da Educação 
Carlos SanfAnna 
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO 
Secretaria de Ensino Básico 
 
CURRÍCULO 
DA ESCOLA DE 
1º GRAU 
A P R E S E N T A Ç Ã O 
A Reunião Técnica Nacional realizada em Brasília de 17 a 
19 de maio de 1989, sobre a função social da escola e a função dos 
conteúdos significativos para o ensino de 1º grau, promovida pela 
Secretaria de Ensino Básico do Ministério da Educação - SDE/SEB -, 
representou um momento de debate, junto às secretarias estaduais e 
municipais de Educação das capitais, tendo em vista a formação.do 
cidadão brasileiro, numa sociedade democrática. 
Essa Reunião Técnica constituiu-se numa segunda etapa 
das atividades que vêm sendo desenvolvidas pela Secretaria, no sen-
tido de desencadear ações que viabilizem uma ampla discussão e re-
flexão com diretores, professores e especialistas, nas unidades fede-
radas. 
A participação de especialistas das diversas disciplinas do 
currículo contribuiu, de maneira significativa, para que o intercâmbio 
de ideias e os debates se centrassem, de maneira objetiva, em 
questões fundamentais. Desta forma, busca-se a aproximação da uni-
versidade brasileira com a educação básica. 
Este relatório reúne as sínteses das ideias gerais e espe-
cíficas de cada disciplina do currículo, discutidas na Reunião Técnica, 
que apoiarão a continuidade dos estudos e reflexões sobre os temas 
abordados. 
 
PROMOÇÃO: Secretaria de Ensino Básico 
Subsecretaria de Desenvolvimento Educacional 
Coordenadoria de Apoio Pedagógico ao Ensino de 1º Grau 
Prof- Lindóia Vinhas - Secretária/SEB Profª Odete P. 
Maciel - Subsecretária/SDE Profª Mércia Mª dos Santos - 
Coordenadora/CRS 
 
LISTAGEM DOS PARTICIPANTES 
CONSULTORES GENERALISTAS E ESPECIALISTAS 
- José Luiz Domingues UFGO/GO 
 
- Selma Garrido Pimenta USP/SP 
 
- Avani A. Xavier Lanza UFMG - Português 
 
- Nilza Eigenheer Bertoni UnB - Matemática 
 
- José Maria G. de Almeida UnB - Ciências 
 
- Terezinha Lopes Araújo UFMG - Ciências 
 
- Eloísa Mattos Hoffling Unicamp/SP - Estudos Sociais 
- Vera Lúcia Salazar Pessoa UFU/MG - Geografia 
 
A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA DE 1º GRAU -OS 
CONTEÚDOS SIGNIFICATIVOS 
Prof. José Luiz Domingues - UFGO 
I. INTRODUÇÃO 
1. Objetivo 
Meu objetivo, nesta exposição, com base numa reflexão 
sobre a nossa prática de currículo em nível de Secretaria de Educa-
ção, é iluminar retalhos de informações que, a meu ver, devem ser 
considerados na elaboração de uma proposta curricular (para não 
sermos como em 1971). Em outras palavras, apresentar fragmentos 
de discursos, de denúncias e de anúncios sobre o currículo do ensino 
de 1º grau, para que cada UF transforme-o em texto, no seu contexto. 
Tentarei, de forma esquemática, apresentar uma agenda 
de discussão a ser esgotada pelas UFs, dentro dos limites possíveis, 
antes de se iniciar o processo de reformulação/reconstrução do currí-
culo para o ensino de 1º grau, estimulado pelo art. 210 da atual 
Constituição federal. 
Os tópicos privilegiados são: 
• Sociedade brasileira contemporânea; 
• O que é isso chamado escola?; 
• Currículo: uma resposta possível; 
• Aprendendo com a história: os movimentos de refor-
mulação curricular. 
2. Conteúdos e forma da comunicação 
 
II. SOCIEDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA 
- 
O pano de fundo que concretamente sustenta a sociedade 
brasileira contemporânea pode ser delineado em rápidas pinceladas a partir 
de um conjunto de três forças: a tradição judaico-cristã, o modo de produção 
capitalista e os problemas contemporâneos. 
O Brasil está inserido no Mundo Ocidental, e, em decorrência, 
suas crenças básicas - valores, princípios de justiça, etc. -estão ancoradas na 
tradição judaico-cristã. Exemplos são vários, é possível destacar: 
- não há diferença de raça, sexo, cor, etc; 
- a dignidade de vida é um direito inalienável do homem; 
- o homem é um ser racional; 
- o direito de livre pensar; 
- a estrutura de família; 
- a relação do homem com a natureza. 
Em relação ao modo de produção, o Brasil é um país capitalista 
periférico, agravado pelos diferentes estágios de desenvolvimento do mesmo. 
Enquanto, no Norte, temos uma economia tipicamente extrativista, com todas 
as sequelas sociais da mesma, já, no Nordeste, vivemos um pré-capitalismo, 
com base mais no agrário, sendo a reforma agrária algo ainda a ser 
conquistada. Por sua vez, no Centro-Sul do País, o capitalismo na sua forma 
mais avançada - base nos serviços - vive, principalmente em alguns pontos, a 
modernidade típica das economias lentas deste final de século XX. 
Os interesses conflitantes de uma sociedade de classe são uma 
realidade no nosso cotidiano. De um lado temos o grupo he-qemônico lutando 
para continuar aumentando o capital e não acei- 
 
tando socializar o poder. De outro, a luta diária da classe trabalhadora para 
avançar na melhoria de sua qualidade de vida e na participação/intervenção 
nos diferentes níveis do poder (econômico, político...)- 
Evidentemente, o positivismo, como forma dominante da 
produção do conhecimento nas ciências sociais, é um fato, é o método 
científico por excelência. A neutralidade da ciência, a universalidade da 
teoria, a decomposição do todo em variáveis mensuráveis e controláveis, 
primazia do método sobre o objeto, são os fundamentos epistemológicos que 
dominaram, quase que exclusivamente, a história das ciências sociais no 
Brasil. 
Por fim, mas não o último, seria importante agendar nesta 
comunicação alguns exemplos da contemporaneidade dos nossos 
problemas - final do século XX: 
- Problema I - Economia: inflação, desemprego, multinacional 
fazem parte do nosso cotidiano, com a agravante de sermos uma economia 
periférica. 
- Problema II - Ecologia e poluição: agrotóxicos, Césio, 
vitalidade dos nossos rios estão presentes na qualidade de nossas vidas, 
com o agravante de uma baixa (para não dizer inexistente) consciência 
preservacionista/cooperativa na relação homem versus natureza. 
- Problema III - Ciência e tecnologia: informática, engenharia 
genética, energia solar. A revolução social, a partir da ciência e tecnologia, já 
bate as portas com o agravante de que continuamos morrendo de fome, de 
falta de higiene primária, de vermes na barriga... 
- Problema IV - Comunicação: Telefone (DDD, DDI...), TV (via 
satélite...) já são realidade para a maioria da população, po- 
 
rém não chegaram à escola. Nós, educadores, por termos medo de 
fazer o enfrentamento com os meios de comunicação de massa, dei-
xamos que eles exerçam, a cada dia, mais influência na formação do 
cidadão. 
- Problema V - Estilo de vida: As cidades cresceram e o 
País deixou de ser predominantemente rural para se urbanizar e em 
decorrência: o inchaço das cidades, a violência urbana, a pauperiza-
ção do homem. A família: o que é família? qual é o papel da mulher? o 
lugar da 3º idade no coletivo familiar? É cada vez maior o número de 
questões sobre a família ideal. 
III. O QUE É ISSO CHAMADO ESCOLA? 
Tentarei responder à questão buscando resposta na His-
tória. História entendida como a humanidade elaborando-se a si 
mesma. História como resgate do passado para iluminar o presente e 
nos auxiliar a projetar o futuro. 
Se jogarmos uma rede e pararmos no Egito Antigo, pas-
sando pela Grécia, por Roma, pela Idade Média... e chegarmos até os 
dias atuais, iremos encontrar alguns pontos comuns que nos permitem 
responder à questão, a saber: 
• instituição ligada ao poder/Estado; 
• objetivo - formar o cidadão -, definição que, apesar de 
pontualizada nos diferentes blocos históricos, se desvela sempre como 
o homem capaz de conservar e modernizar aquela sociedade; 
• Professores: funcionários (proletários) da superestrutu-ra; 
• Base curricular: instrução intelectual e aprendizagem 
do ofício. 
 
• Deve-se ressaltar que as três dimensões fundamentais 
da vida humana se encontram sempre por trás das atividades curri 
culares desenvolvidas na escola, na sua trajetória: Egito - dias de 
hoje. A ênfase numa ou noutra dimensão depende, em cada momen 
to, dos interesses da classe detentora do poder. 
As dimensões fundamentais da vida humana a que me re-
firo são: 
• Trabalho - a manipulação do meio físico e social, in-
cluindo nossa própria manipulação. Interesse técnico/controle orienta 
o fazer curricular; 
• Linguagem - a mediação da qual depende a transmis-
são institucionalizada da cultura. Neste caso, o interesse consen-
so/comunicação é que orienta o fazer curricular; 
• Poder - a criação e manutenção da sociedade particu-
lar/a tomada de posição em relação aos objetivos. O interesse eman-
cipador ou crítico é que dá sustentação ao fazer pedagógico. 
Dando um salto - e hoje? como responder ao novo da 
questão no Brasil? 
A leitura da história da escola em função do seu presente 
e dos seus compromissos políticos revela que o novo, hoje, no Brasil, 
está: 
1. A escola pública, pelo processo de expansão que 
passou, é o espaço privilegiado em que confluem conflitos, interesses 
antagónicos do Estado, aliados ao capital (reprodução), e do traba- 
dor (renovação) na formação do cidadão. 
2. A escola pública deve ser vista como: 
- um dos instrumentos de revitalização/transformação 
social - lutas, etc; 
 
- o espaço, por excelência, destinado à apropriação do 
conhecimento por parte das classes subalternas: co 
nhecimento este que lhe foi expropriado historicamente 
(mandar e dirigir quem manda). 
3. O professor da escola pública, pelo seu crescimento 
numérico, tornou impossível o controle total do seu trabalho pelo Estado. Isto 
coloca-o como uma das poucas forças culturais relativamente independente 
frente ao poder do capital e do Estado. Podemos ser juízes e orientadores do 
nosso o quê/como fazer? É uma questão que os professores devem explicitar 
e assumir. 
Sem reducionismo, sem ingenuidade, sem idealismo, mas 
realista, espero ter apontado para uma direção da resposta. Espero, nestes 
dias, reescrevermos coletivamente a resposta. 
IV. CURRÍCULO: UMA RESPOSTA POSSÍVEL 
Iniciaria este tópico por uma definição aproximativa do que eu 
chamo de currículo. 
Currículo é uma manifestação deliberada da cultura via escola, 
cuja essência consiste no entrelaçamento do desvelar da história do eu 
individual com o desvelar da história do eu coletivo. É um 
 
ir e vir. 
- do singular para o geral, 
- do fenômeno para a essência, 
- da realidade para a possibilidade. 
Uma proposta curricular gira em torno de três eixos: his-tórico-
social, epistemológico, cotidiano. 
A questão que se coloca em relação ao eixo histórico-so- 
cial é: qual o saber que emancipa? Em contraponto, qual é o saber 
 
que aliena? Já é hora de superarmos a polémica saber popular versus saber 
elaborado e analisarmos esta (falsa) polémica como faces de uma mesma 
moeda, na perspectiva de uma relação dialética entre ambas. As duas 
categorias a serem trabalhadas são o interesse cognitivo humano e o controle 
social. 
O eixo epistemológico resgata e coloca no hoje a historicidade 
dos componentes/conteúdos curriculares. É o assumir de que o 
conhecimento, nas suas diferentes formas, é temporal, tem um ritmo histórico 
no seu avanço que está imbricado no projeto de sociedade em que se insere. 
No entanto, estas reflexões não podem ser descoladas da função social dos 
componentes/conteúdos curriculares. Conteúdo é forma, é a categoria de 
análise/crítica por excelência. 
• O terceiro eixo, o cotidiano, dá-se 
quando o currículo transforma-se em ato. É o ponto de partida e o ponto de 
qualquer reformulação/reconstrução de currículo. É no cotidiano que se 
antecipa e se efetiva a história. Em outras palavras, é no momento em que o 
currículo se faz ação na sala de aula, que podemos ver a efetiva in-
tencionalidade da proposta, do agente pedagógico, do livro didático, do 
aluno... No comprometimento e na instrumentalização do professor está o x 
da questão. 
Antes de encerrar esse tópico, gostaria de deixar registrados 
três alertas: 
1. A penetração, cada vez maior, no currículo de escola 
pública do 19 grau, de todas as espécies de barbáries pedagógicas é uma 
realidade. 
2. O velho e carcomido paradigma curricular (técnico-li-near) 
hegemónico no Brasil, atualmente, chegou ao seu ponto máximo de 
exaustão. 
 
3. A crise indica a ocasião de renovação. De reconcep- 
 
tualizar o campo. Qual é o nosso compromisso e competência com esse 
desafio? 
V. APRENDENDO COM A HISTÓRIA: OS MOVIMENTOS DE RE-
FORMULAÇÃO CURRICULAR 
Se aprendemos muito nesses últimos 20 anos de movimento de 
currículo, não sei, mas alguns nós desta caminhada gostaria de apontar. 
Nó I - Equipe de currículo: A sua constituição, a presença de 
gratificações externas aos seus membros, a sua posição em nível de 
estrutura da Secretaria de Educação são problemas que merecem, não só, 
serem revisados, mas, também, ousarmos nas suas soluções. 
Nó II - Professores: vítimas e réus de uma tríplice aliança 
- (1ª) formação da América em relação à teoria e à prática pedagógi-co-social, 
(2ª) falta de condições mínimas para o exercício da profissão e (3ª) negação 
da sua participação, como sujeito e não como recurso, nos projetos de 
reformulação/reconstrução curricular. A solução, à medida que o nó se 
apresenta com tanta clareza, é fácil. Falta, porém, a vontade política do 
Estado. 
Nó III - Material didático (livro escolar): interferir nesta parte 
significativa da indústria cultural é não só ameaçador como frustrador. O 
embate companhias editoras versus equipes de currículos é algo que tem de 
ser assumido. Caso contrário, as companhias editoras é que continuarão a 
prescrever, a controlar e a avaliar o currículo nosso de todos os dias. Com 
raras exceções. 
Para finalizar, gostaria de deixar registrada a minha preo-
cupação com os programas de treinamentos desenvolvidos em diferentes 
UFs: o treinamento em cascata, que leva ao aniquilamento da proposta, e a 
fragmentação dos treinamentos, que levam à populari- 
14 
zação de custo e esforços, sem efeito algum na melhoria da qualidade de 
ensino. 
Comecemos a sonhar e 
ousemos a construir o futuro. 
A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA DE 1º GRAU -OS 
CONTEÚDOS SIGNIFICATIVOS 
Prof5 Selma Garrido Pimenta - USP 
Admitida a importância da escola como uma instância de lutas, 
articulada com a sociedade como um todo, na emancipação das camadas 
populares, a aprendizagem dos conteúdos socialmente elaborados coloca-se 
como a especificidade(l) da escola. 
Apesar de, na sociedade capitalista, a escola ser privilégio das 
camadas dominantes e trabalhar em seu favor, contraditoriamente a evolução 
do modo de produção capitalista requer, cada vez mais, que os trabalhadores 
tenham um mínimo de conhecimentos como condição da melhoria e da 
manutenção destes enquanto força 
(1) Quando se afirma que é especificidade da escola ensinar, não se quer di-
zer que lhe seja exclusivo. A ênfase na especificidade se faz historica-
mente necessária, porque dadas as diferentes concepções por que têm 
perpassado a prática dos educadores e as diferentes funções ideológicas 
que a escola tem desempenhado, o acirramento das posições que che-
gam a anular a existência da escola acaba por deixá-la sem função. O 
que significa, contraditoriamente, fazê-la cumprir uma função. Acentuar a 
especificidade significa aqui revê-la, rever a prática escolar no sentido de 
colocá-la a serviço da luta em favor das camadas populares. 
 
de trabalho. A noção de que as condições mutáveis de trabalho exigem uma 
populaçãotrabalhadora cada vez mais instruída, mais educada (...) é uma 
afirmação quase universalmente aceita na fala popular e académica (2). No 
entanto, tal instrução, tal educação, entendida no capitalismo como os 
conhecimentos básicos de leitura e escrita, ou seja, a iniciação nos 
diferentes instrumentos culturais, não visa diretamente ao desvelamento das 
condições de dominação, mas estes instrumentos são requisitos essenciais 
para isso. Nesse sentido, a cobrança pela generalização da escola, à medida 
que esta se tem mantido privilégio das camadas dominantes, entendida como 
instância da transmissão sistemática dos conhecimentos, mesmo condi-
cionada pela hegemonia das camadas dominantes, faz-se necessária na 
direção da luta pela apropriação coletiva dos conhecimentos. 
O contato e o acesso aos conhecimentos, aos conteúdos são 
requisitos necessários ao questionamento das relações de dominação, 
mesmo que não se vise diretamente a este questionamento, porque há, nos 
conteúdos de base, uma dimensão de criticidade, mesmo que estes não 
sejam diretamente críticos, porque são históricos e porque, ao serem 
trabalhados na relação entre sujeitos históricos, professores e alunos, são 
intermediados pelo ato de pensamento, de criatividade desses sujeitos 
históricos capazes de criar e de interferir na história, com seu pensar. 
Contudo, o acesso aos conhecimentos explícitos da dominação não é 
automático; requer a mediação dos profissionais da escola, que, na prática 
educativa, possibilitem aos alunos da classe dominada a compreensão crítica 
dos conhecimentos. O que coloca a necessidade de a escola organizar-se (ou 
reorganizar-se) para isto 
As camadas dominadas reivindicam a escola secundariamente 
em relação às lutas que lhes são prioritárias para a sobrevi- 
(2) Harray Braverman, Trabalho e capital monopolista - a degradação do tra-
balho no século XX, pp. 359. 
 
vencia: alimentação, habitação e saúde. A reivindicação da escola não 
assume o caráter de sobrevivência, mas de condição para superação 
do estado de sobrevivência. No entanto, ao defrontar-se com as 
barreiras que a escola lhes opõe por toda a sua organização - con-
teúdos desarticulados com a cultura de origem, portanto, inacessíveis, 
horários que dificultam a presença do aluno - fracassa. E este fracasso 
é justificado pelas camadas dominantes e aceito pelas camadas 
dominadas como incapacidade individual. 
A transformação dos mecanismos internos da escola, no 
sentido de colocá-la ao encontro das reais possibilidades das cama-
das populares, permitindo que permaneçam na escola, para elevarem 
o grau de consciência dos determinantes que as tornam dominadas, 
pela posse dos conhecimentos que a escola transmite, articulados 
com os interesses dominados, é uma função política da escola, que 
requer a capacidade dos educadores para reorganizarem a escola na 
direção da emancipação das camadas populares. 
Esta especificidade da educação escolar que aqui se 
afirma está assentada nos seguintes pressupostos: 
- a escola deve transmitir a todas as crianças os saberes 
que são investidos na vida cotidiana - não só os saberes fundamen 
tais (leitura, escrita e bases matemáticas), mas também os saberes 
tecnológicos, econômicos e jurídicos (fundamentos do mundo social 
adulto). Esse ensino deve ser diretamente articulado com a experiên 
cia social da criança; 
- a escola deve esforçar-se por dar a todas as crianças 
uma formação científica e tecnológica ligada à luta contra as fontes 
da desigualdade social; 
- a escola deve proceder à transmissão sistemática do 
saber não como um corpo de conhecimentos voltados para si mes- 
 
mos, mas utilizará o saber como necessidade para melhor compreensão dos 
problemas sociais; 
- a escola deve conceder a cultura humana como formação da 
personalidade social, e não como assimilação, pelos indivíduos, de conteúdos 
culturais que têm um valor em si. (3) 
A escola, enquanto instância que procede à mediação entre a 
criança e os modelos sociais adultos (4) pelo confronto entre eles, 
possibilitando-lhe um alargamento do seu próprio modelo social, é 
necessária. É através do contato imediato com o professor que se processa 
essa mediação. Pelo trabalho docente é que se dá o encontro formativo entre 
o aluno e a matéria do ensino. O trabalho docente é intencional, sistemático. 
O professor desempenha a função de mediação entre a criança e o mundo 
social adulto, possibilitando àquela o confronto entre ambos, que a criança vá 
adquirindo a capacidade de compreender e transformar os saberes. O núcleo 
do trabalho docente é o ensinar de modo que os alunos aprendam. 
A organização do trabalho escolar é, por sua vez, mediação 
entre o trabalho docente e a prática social global. Afirmar este caráter de 
mediação da organização escolar significa afirmar que ela não se justifica 
por si mesma, mas tem sua razão de ser nos efeitos que se prolongam para 
além dela e que persistem mesmo após a sua 
(3) Cf. Bernard Charlot, op. cit., p. 304 
(4) O uso das expressões criança e modelos sociais adultos tem por suposto 
a ênfase na educação básica, frequentada por crianças em idade escolar. No 
entanto, sabemos que a população escolar é composta também por adoles-
centes e adultos - seja nos cursos supletivos, universidades, cursos noturnos, 
etc. Por isto, entenda-se a escola enquanto mediação entre os sujeitos que 
compõem uma sociedade e o sistema de relações sociais vigentes nessa 
sociedade. 
 
cessação (...). O critério para se aferir o grau de democratização, 
atingida no interior da escola, deve ser buscado, pois, na prática so-
cial. (5) 
O núcleo da democratização da educação é, pois, a de-
mocratização do saber. De fato a democratização das relações inter-
nas da escola constitui-se em mediação para isso - o que não significa 
diminuir sua importância -, pelo contrário, admitir a democratização 
das relações internas como mediação para a democratização da 
educação significa considerá-la como condição sine qua non, porém 
não a única. As relações democráticas na escola, a participação nas 
decisões, o envolvimento da equipe de professores no.trabalho são 
mediações básicas do objetivo do trabalho docente - que é ensinar de 
modo a que os alunos aprendam -, mas não são suficientes nem 
exclusivas. (6) 
Portanto, opor a democratização do saber à democratiza-
ção das relações internas como pólos excludentes é um falso proble-
ma. Trata-se de reafirmar que o núcleo de trabalho docente é o ensi-no-
aprendizagem, enquanto mediação entre os indivíduos que compõem 
uma sociedade e os modelos sociais vigentes nessa sociedade - o 
que se faz pelo ensino crítico dos conteúdos. As relações demo-
cráticas de trabalho na escola favorecem a consecução deste núcleo. 
A participação dos professores na organização da escola, nos con-
teúdos a serem ensinados, nas suas formas de administração será tão 
mais efetivamente democrática à medida que estes dominarem os 
conteúdos e as metodologias dos seus campos específicos, bem co-
mo o seu significado social - pois só quem domina as suas especifi-
cidades numa perspectiva de totalidade (significado social da prática 
de cada um) é capaz de exercer a autonomia na reorganização da es- 
(5) Cf. Dermeval Saviani, Escola e democracia. 
(6) Cf. José Carlos Libâneo, Pedagogia crítico-social, didática e currículo in 
Anais do XVI Seminário Brasileiro de Tecnologia Educacional. 
 
cola, que melhor propicia a sua finalidade - democratização da sociedade 
pela democratização do saber. 
Que organização escolar favorece a consecução do objetivo de 
torná-la um instrumento de emancipação das camadas populares? 
A esta indagação a resposta imediata que se tem é que 
certamente não é a escola que aí está, pois esta há anos cumpre a função de 
expulsar os alunos provenientes das camadas médias e baixas quetêm tido 
acesso a ela pela ampliação quantitativa de vagas. A escola está organizada 
a partir do aluno ideal. Calcada no modelo da classe dominante, esta escola 
é a estruturada segundo o princípio da homogeneidade, que partindo de uma 
"suposta uniformidade das características de ingresso da população (...) tem 
de conformar-se com um critério de prioridade estatística, com base na qual 
definiu-se o aluno médio, isto é, dotado suficientemente das qualidades 
necessárias para aprender e só ter de reproduzir na saída a mesma 
variabilidade real das condições de entrada". (7) 
Este aluno sempre teve o acesso e a permanência à escola 
garantidos. Assim, do ponto de vista dos conteúdos de ensino, dosagem, 
ritmo, etc. das metodologias de ensino; do tipo de relação professor e aluno, 
aluno e escola, escola e pais, professores e técnicos, professores entre si; do 
ponto de vista da grade horária, distribuição das aulas na semana, horários, 
da sistemática de avaliação, aprovação, reforço, etc, a escola pública que aí 
está tem cumprido a função seletiva e de evasão que privilegia os já 
privilegiados. 
No entanto, à indagação feita - que organização escolar 
favorece a consecução do objetivo de torná-la um instrumento de 
(7) Roberto Maragliano et alii, Teoria da didática, pp. 26-27. 
 
emancipação das camadas populares - é preciso responder que é a partir da 
escola que está aí que é preciso construir-se a nova. Ou seja, a organização 
escolar que possibilitará a consecução do objetivo de emancipação das 
camadas populares será engendrada a partir das condições existentes, 
porque, entre outras razões, é na escola que aí está que encontramos 
elementos válidos que mostram possibilidades para o que deve ser a nova 
organização escolar. Em outras palavras, não se trata de conceber 
previamente um tipo de organização escolar ideal, mas de garimpar-se no 
existente os elementos que, fortalecidos, apontam para novas práticas, o que 
requer pesquisas, análises, observações e experimentação - conduzidas a 
partir da finalidade de colocar a escola com instância socializadora do saber 
para as camadas populares. A escola de massa deve ser estruturada 
segundo o princípio da diferença, que, atuando sobre uma população 
bastante diferenciada, permite elevar qualitativamente, na saída, a sua 
formação, possibilitando que todos saiam da escola no mesmo grau elevado. 
A organização do trabalho nesta escola "não pode ser artesanal 
(...); precisa delinear um novo perfil de competência coletiva no qual se 
expressa uma primeira forma de divisão técnica do trabalho, um uso mais 
equilibrado e racional dos recursos materiais do ensino, uma capacidade de 
programar, realizar e controlar a ação educacional. Aqui, situam-se as novas 
funções decorrentes da necessidade de oferecer apoios específicos, de 
compensar carências de ingresso, de acompanhar o desenvolvimento do 
currículo em suas mínimas fases, funções que devem ser consideradas como 
constitutivas do trabalho didático". (8) 
Em outras palavras, o trabalho docente é o núcleo primordial da 
educação escolar. Desta forma, a organização escolar que se deseja é 
aquela que melhor favoreça o trabalho docente. 
(8) Idem, ibidem, p. 27. 
 
A organização da escola compete aos profissionais do-
centes e não-docentes. Seria ingénuo advogar que o professor de sala 
de aula deva suprir todas as funções que estão fora da sala de aula, 
mas que nesta interferem - quer dizer, interferem no trabalho docente -
, o que não significa que este só atue na sala de aula. 
Assim as tarefas que são objeto de trabalho social coletivo 
dos profissionais da escola podem ser listadas como segue: 
a) seleção, distribuição e organização dos conteúdos a 
serem ensinados, considerados relevantes na prática social. Os con-
teúdos têm objetivos socio-políticos, por isso, têm de ser selecionados 
a partir da prática social, fazendo-se a crítica da prática existente, para 
que se construa uma prática social transformadora. 
Por essa razão, as fontes para a seleção dos conteúdos 
são: a natureza primária enquanto objeto de conhecimento, a natureza 
transformada pela ação dos homens (segunda natureza), as relações 
sociais e o conhecimento em si. Impõem-se como tarefa necessária, 
pois, a revisão dos conteúdos, cujos princípios norteadores devem ser 
a visão política da educação escolar como prática social situada numa 
sociedade de classe; o domínio dos conteúdos específicos pelos 
diferentes professores; o conhecimento e a constante identificação das 
possibilidades sócio-culturais individuais dos alunos; a articulação das 
matérias (dos conteúdos) do ensino. A revisão dos conteúdos se dá, 
pois, a partir do que é historicamente necessário (a transformação da 
situação de desigualdades sociais) articulado com o que é 
historicamente possível (a situação de desigualdades sociais). 
O trabalho de revisão dos conteúdos requer o concurso de 
todos os profissionais da escola. Para cada princípio de seleção e 
organização dos conteúdos acima expostos, é preciso que os profis-
sionais da educação escolar, partindo das condições existentes, to-
mem decisões e estabeleçam formas de suprir aquilo que inexiste: as 
condições de trabalho para a consecução do núcleo do trabalho do- 
 
cente, que é o ensino/aprendizagem. 
b) A complexidade da organização escolar requer o con-
curso de profissionais não-docentes, que tendo determinadas compe-
tências devem cuidar de tarefas relativas à articulação dos conteúdos; 
a composição de turmas homogéneas, heterogéneas e o que se fazer 
com cada uma; o acompanhamento didático-pedagógico aos 
professores em face de novos tipos de organização curricular, por 
exemplo. Ciclo básico; em face das questões metodológicas e de ar-
ticulação conteúdos/métodos; em face da avaliação que deve ser 
constantemente diagnostica, que requer conhecimentos técnicos es-
pecíficos; em face das dificuldades de aprendizagem que os alunos 
apresentam. Ainda é importante ressaltar que as decisões quanto a 
horários adequados às possibilidades dos alunos, dos períodos esco-
lares - quantos, como organizá-los, número de alunos em sala, a dis-
tribuição das matérias na semana, a combinação dos horários de es-
tudo e trabalho em aula e os horários de merenda e recreação de tal 
forma a possibilitar o aproveitamento máximo dos trabalhos escolares; 
os dias letivos - sua utilização favorável para ampliar as possibilidades 
de estudo e trabalho escolar, a atribuição de aulas e distribuição dos 
professores nas turmas de forma a propiciar a melhoria qualitativa do 
trabalho em aulas. Enfim, estas são questões administrativas que 
requerem a competência (não exclusiva, como anteriormente 
explicitado) do pedagogo, especialistas em educação. 
 !Seu trabalho, enquanto profissional da educação 
escolar, deve se configurar como de mediação entre a organização 
escolar e o trabalho docente de modo a garantir as condições 
favoráveis à consecução dos objetivos pedagógico-políticos da 
educação escolar. 
 
Assim, é possível redirecionar as funções deste profissio-
nal a partir das necessidades que a escola apresenta hoje no que se 
refere ao trabalho docente. Este trabalho se traduz numa organização 
didática que compreende os conteúdos, os métodos de ensino e a 
avaliação do ensino. Articular estes aos objetivos pedagógico-políti- 
 
cos da educação escolar é um trabalho que requer a contribuição de toda a 
equipe técnica da escola. 
A questão dos conteúdos coloca, a essa equipe, inúmeras 
tarefas. 
Em primeiro lugar, é preciso saber quais conteúdos estão sendo 
ensinados, analisá-los no todo da escola tentando apreender a sua trama 
para interpretá-los, juntamente com os professores e a supervisão 
pedagógica, no sentido de apreender o seu significado e a sua importância 
para a emancipação dos alunos. A análise dos conteúdospauta-se 
constantemente pela articulação destes com os objetivos pedagógico-
políticos. 
Um conjunto de aspectos precisa ser pesquisado no momento 
da análise dos conteúdos da escola: o que se pretende ensinar, quais os 
conteúdos propostos para as diferentes disciplinas e séries; identificar a 
sequência lógica dos conteúdos de uma série a outra, os pré-requisitos que 
estão sendo considerados, a articulação vertical e horizontal dos conteúdos; a 
quantidade. Com isto se está buscando identificar a proposta dos professores 
e da escola em relação aos conteúdos. 
Em segundo lugar, identificar os elementos definidores dos 
conteúdos: quem os define e como; a partir de quais referenciais são 
definidos; porque são definidos estes e não outros, qual o ponto de partida 
para a definição destes. Com isto se está buscando identificar o grau de 
consciência dos professores em relação aos conteúdos de suas disciplinas. 
En- terceiro lugar, verificar se os conteúdos ensinados le-vam 
em consideração a experiência dos alunos e o grau de conhecimento que já 
possuem. Se isto ocorre, verificar de que maneira a experiência do aluno é 
incorporada nos novos conteúdos propostos e se se tem avançado para além 
dela. Se isto não ocorre, quais as conse- 
 
sequências que se pode observar? Como se dá esta incorporação (ou não) 
nas diferentes disciplinas? Algumas disciplinas, por sua natureza, podem ser 
facilitadoras dessa incorporação. 
Um procedimento extremamente necessário para este terceiro 
aspecto é a busca do conhecimento da população que adentra a escola, sua 
cultura, seus valores, sua concepção de vida. O conhecimento da população 
poderia ser uma atividade que envolvesse professores, supervisores e 
orientadores, direção, para se definirem as diferentes formas possíveis 
(questionários, entrevistas, etc.) para o conhecimento da cultura dos alunos, 
enquanto membros de uma classe social, certamente diferente e 
desconhecida dos profissionais da escola. 
O conhecimento dessa cultura não se faz de uma vez, no início 
do ano, mas é um processo que precisa ir sendo paulatinamente 
sistematizado. Como tal, constituir-se-á num constante balizamento para a 
adequação dos conteúdos aos alunos, condição primeira para a 
aprendizagem efetiva. 
Neste conhecimento é importante ter presente as atitudes de 
preconceito que os profissionais possam vir a assumir, rotulando os alunos. É 
preciso evitar que isto ocorra. De nada adianta afirmar que o aluno é carente 
de alimentação. É preciso saber como ensinar o aluno, apesar dessa 
carência. 
A compreensão da população é um dos caminhos para 
apreender-se o aluno enquanto ser concreto, sua condição social e histórica 
que determina o seu modo de ser, de compreender, de aprender. Por outro 
lado, a captação da cultura do aluno, por-parte da equipe da escola, que se 
constitui numa verdadeira pesquisa-ação, é feita a partir da visão de mundo 
dos profissionais da escola, o que implica uma não-neutralidade nos 
aspectos a serem captados. "Cada momento empírico é repensado no 
confronto com outros momentos e a partir da reflexão crítica novos caminhos 
de investigação são traça- 
 
dos, que por sua vez levam ao reexame de todos os empíricos e análises 
feitas, ampliando sempre a compreensão e o âmbito do conhecimento". (9) 
A compreensão da população escolar implica, pois, uma 
atividade constante por parte dos profissionais da escola. 
Quanto ao aspecto de articulação dos conteúdos é de 
fundamental importância colocá-la como fator de melhoria da aprendizagem. 
Por isso trata-se de investigar se esta ocorre ou não e quais os critérios que a 
orientam. 
Trabalhar com e através dos conteúdos requer uma série de 
competências da equipe técnica, das quais algumas ela já possui, outras 
precisa adquirir. A decisão sobre estas parte da análise da situação real da 
escola, dos professores e demais profissionais que ali estão. Em qualquer 
caso, trabalhar os conteúdos na perspectiva da pedagogia crítico-social dos 
conteúdos requer que se tenha claro que: 
a) Trabalhar os conteúdos, por dentro, é reconhecer, a um só 
tempo, a limitação destes, na produção da igualdade social, e a possibilidade 
de que pela aquisição sólida dos conteúdos a escola pode contribuir para a 
diminuição das desigualdades sociais. A participação das mais amplas 
massas na escola leva consigo a tendência a afrouxar a disciplina, a provocar 
facilidades, o que contribui para diminuir as oportunidades das classes 
populares terem consciência das condições de sua opressão. (10) 
(9) Silvia T. M. Lane, "Consciência/alienação: a ideologia no nível individual" in 
Psicologia social, p. 46. (10) Cf. António Gramsci, Os intelectuais e a 
organização da cultura, p. 139. Excertos do livro O pedagogo na escola 
pública, de Selma Garrido Pimenta, Edição Loyola, SP, 1988. 
 
b) Trabalhar os conteúdos não significa, em hipótese alguma, 
que a equipe técnica deva ter o conhecimento específico de todos os ramos 
do saber nem tão pouco retirar do professor a decisão sobre os conteúdos 
específicos a serem ensinados. Significa, sim, colocar à disposição do 
professor a contribuição de uma pedagogia que conduza mais eficientemente 
à democratização do ensino. "Se a escola é objetivamente selecionadora e 
marginalizadora das crianças pobres, a prática docente também o é (...), os 
milhares de alunos que ano a ano repetem e abandonam a escola foram 
alunos de alguém." Os professores têm, pois, importância fundamental. A 
equipe técnica pode estabelecer junto com os professores a estrutura básica 
dos conteúdos que a escola precisa garantir aos alunos. Nessa estrutura, 
estarão presentes os mínimos de conteúdos desejáveis para se considerar a 
escola como de boa qualidade. O estabelecimento dessa estrutura básica 
possibilita a discussão sobre a articulação desejável, além de estabelecer os 
parâmetros para a avaliação. 
c) O trabalho da equipe técnica da escola é de assessoria ao 
processo ensino-aprendizagem, desenvolvido na relação professor--aluno. 
Requer, portanto, o conhecimento não apenas dos alunos, mas também das 
condições concretas, pessoais e profissionais dos professores. Este 
conhecimento implica a compreensão de que professor e a equipe técnica 
têm tarefas direfentes, numa luta comum. 
Em síntese, o trabalho pedagógico com os conteúdos colocará 
em discussão constante os princípios que estão norteando a seleção, a 
ordenação e a organização dos conteúdos articulados aos objetivos 
pedagógico-políticos da educação escolar, articulados por sua vez aos 
conteúdos culturais amplos. 
 
 
D E B A T E 
Profª Eloísa 
Gostaria que a Prof- Selma Garrido esclarecesse melhor seu 
posicionamento quando afirma: "A escola pública está com muitos problemas, 
mas nunca esteve tão bem como agora". 
Profª Selma 
No momento em que nós, educadores brasileiros, nos de-
bruçamos nos estudos, nas pesquisas, na prática, enfim, fazemos críticas 
sobre a educação no nosso país, quase que criamos um certo 
pessimismo em relação à escola pública, quando, enfaticamente, dizemos 
que a escola pública é de má qualidade, a escola pública é precária. Quase 
que admitimos que a escola particular, em contrapartida, é de boa qualidade, 
é ótima. Estou aqui fazendo uma provocação, nesta questão, porque admito 
que a escola pública está precária em todos os aspectos: precária de 
quadros, de funcionamento, de prédios, de formas de trabalhar com os seus 
alunos, no nível de apropriação dos conhecimentos do aluno. 
Não vou entrar aqui na consideração da escola particular. 
Devemos ter a clareza de que as condições culturais partem dos alunos que 
frequentam as escolas particulares e que, talvez, seja a maior responsável por 
uma maior apropriação do conhecimento do que o próprio funcionamento da 
escola particular; e levando ainda em consideração as múltiplasescolas 
particulares que trabalham em sala de aula, às vezes, com 120 alunos, eu 
pergunto: que qualidade é esta? Como está se dando esta apropriação do 
conhecimento da escola particular e em que direção esta apropriação está 
ocorrendo? 
Voltando à questão da escola pública, eu concordo com 
 
esta precariedade e acho que temos muito a fazer em relação a esta 
questão. No entanto, quando eu disse que, deixando de lado o sau-
dosismo, a escola antiga é que era boa e que a de hoje está ruim, a 
escola pública de antigamente tinha, nos seus bancos, a parcela da 
população privilegiada, ou seja, a quantidade de escolas públicas era 
tão restrita que os alunos que as frequentavam eram os alunos 
egressos, originários das famílias das camadas dominantes da aristo-
cracia, numa época da oligarquia rural, depois urbana, etc. 
Quando dizemos, saudosamente, que a escola pública de 
antigamente era boa, nós estamos falando da escola privilegiada; 
quando eu estou chamando atenção para esta nova qualidade da es-
cola pública que temos, eu estou trazendo, com toda a força, a am-
pliação quantitativa de alunos da escola pública e o acesso das ca-
madas que, até então, estavam fora do acesso à escola pública. As 
camadas pobres da população, da classe baixa, trouxeram para den-
tro da escola a exigência de que a escola se modifique, o que ainda 
não está acontecendo, porque nós não deixamos nossos padrões an-
tigos; o modelo de aluno que nós temos na cabeça é o modelo que 
veio de uma família de classe média ou média alta. É nesse sentido 
que estou afirmando que a escola pública brasileira nunca foi tão boa 
como está, no sentido de que a população está colocando desafios 
para essa transformação que se faz necessária. 
Eu só queria lembrar, ainda, que essa ampliação quanti-
tativa não foi uma benesse do Estado, como nós temos visto em al-
gumas interpretações na história da educação brasileira, mas ela foi a 
resultante da mobilização popular. De um lado, pegando a década de 
30, o período do Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas, vamos 
ter a formação de grandes concentrações urbanas. Junto com isso, um 
avanço do capitalismo industrial urbano, em algumas regiões, um 
capitalismo que requer que o trabalhador tenha, no mínimo, o domínio 
das habilidades básicas da leitura e da escrita. De outro lado, não dá 
para esquecer a luta e a contribuição do Movimento dos Pioneiros da 
Educação. Tudo isso conjuminando com o poder político 
 
da época, calcado num nacionalismo e num populismo, respondendo, 
portanto, aos interesses de reivindicação da população e aos interesses do 
empresariado industrial que começava a se formar. 
Com relação à população urbana que foi se urbanizando, há aí 
uma contribuição muito grande de pesquisadores recentes mostrando como 
os movimentos sociais foram importantes para a reivindicação da escola. A 
escola era uma forma de se conseguir trabalho, no mínimo. 
Como decorrência desses fatores, historicamente colocados, é 
que nós temos hoje, na escola, uma massa de população que requer uma 
outra qualidade de escola. 
A escola pública está com uma nova qualidade. Quando se fala 
que ela está ruim, nós estamos com um modelo antigo na nossa cabeça. 
Representante da SEC - Acre 
Diante das colocações que foram feitas e que para nós todos 
não é mais novidade, é o nosso dia-a-dia, quando falamos: a escola é 
instrumento do poder dominante; os filhos da classe média já vêm 
alfabetizados; e o da classe baixa têm dificuldades pelas condições sócio-
econômicas; os professores não estão capacitados e, muitas vezes, não são 
habilitados, nós temos até a certeza de que somos nós, professores, que 
estamos reprovados. Na maioria das vezes, é também uma questão muito 
séria a dos estados pobres, como os do Norte e do Nordeste, pelo 
desrespeito que o poder central tem com a educação. No momento do 
repasse dos nossos recursos, não há realmente esse respeito; fazemos os 
nossos planejamentos dentro das nossas melhores intenções, e esses 
recursos são repassados, muitas vezes, no final do ano, nos impossibilitando 
de fazer um trabalho que nós planejamos. 
 
Esse respeito é preciso que exista por parte do poder central; 
não se pode fazer educação sem recursos; esses devera ser liberados em 
tempo hábil, quando as nossas redes de ensino estabelecem o ingresso do 
alunado na escola. 
Representante da SEMEC - Belém 
Participar desses encontros é sempre um momento importante. 
Eu estava me sentindo uma pessoa perdida no deserto. Eu também achava 
que nós estávamos numa época, num período muito bom; que a educação 
pública está num período muito bom. Eu me sinto, realmente, muito triste 
quando eu pego o meu contracheque, mas nós não podemos partir para uma 
análise da situação da escola fora da realidade social, e a escola brasileira 
nunca esteve tão presente nas discurssões e na elaboração de propostas 
como hoje em dia. 
Eu só me levantei para dizer que eu não estou mais me 
sentindo sozinha. Eu tinha e tenho convicção de que, quando um pai de 
aluno cobra por que não está havendo aula ou seu filho vai e volta, eu digo: 
você tem razão, mas eu procuro colocar porque não está havendo aula, o 
que nós estamos tentando conseguir, o que nós estamos tentando mostrar. 
A colocação que foi feita de que a escola brasileira está 
atravessando os seus melhores momentos vai ao encontro do que nós 
tentamos, principalmente, quando um estado como o Estado do Pará, que é 
um estado imenso, muito grande, com problemas, inclusive, para se 
conseguir a mesma linguagem, é um estado com várias culturas, mas onde 
se vê a educação sendo tratada com a sociedade. Vamos tratar de uma 
maneira a reivindicar melhoras para a população do Pará. Então, a educação 
brasileira, no meu ponto de vista, atravessa os seus melhores momentos. 
 
Representante da SEC - Bahia 
Concordo plenamente que a escola pública brasileira vai muito 
bem quanto ao acesso da classe proletária à escola, principalmente quando 
se vê as comunidades se mobilizando para fazer as suas próprias escolas, as 
escolas comunitárias que, às vezes, não permitem interferência do Estado 
nesses projetos pedagógicos. Eles preferem os currículos que eles mesmos 
orientam e têm as suas propostas pedagógicas específicas. Então, eu vejo 
um enriquecimento muito grande para nós. 
O que está nos faltando para que as nossas escolas públicas 
sejam totalmente de qualidade são as condições pedagógicas para que a 
educação funcione: capacitação, maior conhecimento do conteúdo pelo 
professor e avaliação constante. A nossa dificuldade maior está em conseguir 
maior e mais apoio para que se desenvolva nossa proposta. Não podemos 
ficar de braços cruzados esperando que as coisas aconteçam, mas buscar 
saídas. 
Profª Selma 
Quero deixar muito claro que esta qualidade a que me referi tem 
tudo a ver com o fato de que o acesso das camadas majoritárias da 
população à escola está trazendo, no dizer do Prof. José Luiz, conflito de 
classe para dentro da escola; é nessa perspectiva que eu digo que ela é 
qualitativamente melhor. Vamos tomar cuidado para não sairmos daqui 
felizes e contentes pensando que está tudo bem; não é isso, por favor. Não 
senti isso na sua colocação, mas quero deixar bem grifado que há muito o 
que se fazer, na perspectiva de que a escola pública será de total qualidade 
quando ela conseguir garantir o acesso aos conhecimentos desveladores da 
desigualdade social à totalidade dos alunos que têm acesso a ela e quando 
conseguir ampliar, ainda mais, esse acesso à totalidade da população 
brasileira. Aí é que eu vou dizer que ela é totalmente de qualidade. 
 
Profª Avani 
Os pontos aqui abordados são fundamentais. É, também, borri 
recordar e tentar buscar novos caminhos para continuar a luta para superar 
os problemas. 
Queria destacar um aspecto da falada Prof9 Selma que 
considero também muito importante. É importante que haja um espaço para 
discussões conjuntas entre professores/supervisor. O professor, muitas 
vezes, é um solitário ou necessita de alguma orientação específica do 
supervisor. Esse momento de discussão, de trabalho em conjunto é 
riquíssimo; é o momento em que o professor vai se ocupar da sala dele; que 
o professor pára um pouco para pensar o que ele está fazendo na sala de 
aula; por que ele está fazendo o que está fazendo; por que abordou tal 
assunto desta forma, etc, porque, nesta roda-viva, ele não tem tempo para 
discutir com colegas e trocar ideias. Essas discussões, esse trabalho em 
conjunto, estas horas em conjunto devem fazer parte do dia-a-dia da escola. 
Representante da SEC - Pernambuco 
Eu não senti na exposição qual seria o trato específico do 
conhecimento do ponto de vista da Psicogênese, como é que se dá o 
pensamento lógico do aluno; o conhecimento como uma representação do 
real do pensamento do aluno. O aluno tem uma representação real quer ele 
tenha ou não acesso ao conhecimento. 
Como vocês colocam esta questão para garantir uma 
apresentação do real mais aproximada no trato do conhecimento, do ponto 
de vista da produção de um novo conhecimento? Seria, de fato, a 
transmissão desse conhecimento, talvez do ponto de vista mais histórico, 
mais contemporâneo, mais ainda de novo trato epistemológico? 
 
Prof. José Luiz 
Eu acho que esta dicotomia do pensamento popular, do saber 
popular e do saber erudito são faces de uma mesma moeda. Elas têm uma 
relação dialética que ambos são arbitrários em termos de relação ao 
conhecimento mútuo: tanto o saber erudito como o popular. 
A experiência que a Universidade Federal de Pernambuco vem 
desenvolvendo em Psicologia - Psicogenética - mostra que a criança sempre 
descobre uma lógica, uma razão para explicar o que faz; ela cria um 
instrumental que tem; ela confronta como ela cria e como é o arbítrio cultural 
que ela vai ter de romper, quer dizer, não cabe essa diferença entre um e 
outro. Eu trabalharia, dialeticamente, os dois, isto é, se um é o ponto de 
partida, o saber erudito passa a ser o saber popular com o passar do tempo, 
à medida que o conhecimento foi avançado. 
Em termos de um enfoque epistemológico - durante muito 
tempo houve uma má ou péssima interpretação de Piaget, em termos de 
Psicogênese, etapa evolutiva, etc. -, eu acredito que, em alguns pontos, 
houve avanços, principalmente, com a influência de psicólogos socialistas. 
Representante da SEMEC - Belo Horizonte 
Eu só quero pegar um gancho da fala da Prof9 Selma. Ela 
afirma que há necessidade de a escola ensinar de forma que o aluno 
aprenda, e isto influi na transformação da escola que aí está. 
Eu só queria lembrar que esta escola deve ser transformada do 
ponto de vista de instituição, ou seja, da estrutura da escola, da forma de 
estrutura, sua organização, etc. 
 
Prof. José Luiz 
Eu gostaria de fazer uma pequena colocação em relação à 
qualidade do ensino da escola pública. Eu concordo com a Prof-Selma 
quando diz que as camadas populares, estando dentro da escola, 
estabelecem conflitos de classe - não dá mais para mascarar esta situação. 
Eu gostaria de deixar uma preocupação com o pessoal da Secretaria da 
Educação - existem várias experiências nos estados em que a comunidade 
da camada de baixa renda está organizando escolas comunitárias à revelia 
do poder central, em forma de cooperativas, etc. Será que é este o caminho? 
Representante da SEMEC - Fortaleza 
Eu gostaria de retomar alguns pontos como a afirmativa de que 
a escola pública está melhor hoje. Eu estive fazendo uma pesquisa, em 
Fortaleza, e constatei que só está em escola pública quem não pode pagar. 
Logo, não acho vantagem o proletário estar lá. A Profª Selma falou em 
condições de trabalho - concordo. Nós temos de ver a educação de uma 
maneira global. Hoje, estamos tratando aqui o problema do currículo, mas 
não podemos deixar de ver as condições de trabalho de uma maneira global. 
Se atacarmos só o problema do currículo, não vamos resolver muito, porque, 
inclusive, eu considero o currículo a parte sagrada dentro da educação e a 
parte administrativa tratada como a parte profana, mas uma depende da 
outra. Para a educação funcionar, tem de estar presente o profano e o 
sagrado. O Prof. José Luiz falou sobre a escolha do livro didático; nós, no 
Ceará, gostaríamos de receber o livro didático bom ou ruim, atendendo 
muito bem à educação ou não atendendo, ou alguma coisa que pudéssemos 
entregar nas mãos dos alunos para trabalhar e trabalhar criticamente - o livro 
didático ruim é bom também, mas nem isso temos. É muito bom que se trate 
aqui, hoje, do currículo, mas, também, que se trate da distribuição da 
merenda escolar, do livro didático e de tudo o que a escola precise para 
funcionar melhor, para que, globalmente, se possa orquestrar melhor as 
condições de traba- 
 
1ho para uma melhor aprendizagem do aluno. 
Representante da SEC Paraíba - impossível a transcrição 
Prof9 Selma 
Achei de extrema felicidade a intervenção da colega da 
Paraíba sobre educação popular. Você está vendo o popular dentro da 
escola pública, e eu gostaria de me reportar a este ponto. O popular 
não é um segmento que está à parte, está na escola pública e tem de 
estar cada vez mais. Então, reportando a esta tese, eu estou enfati-
zando o compromisso que o Estado brasileiro tem de ter com a edu-
cação. Eu não sou contra, não estou fechada a examinar experiências 
de comunidades, mas, historicamente, neste país, neste momento, 
sobretudo após a promulgação da Constituição, e como ficou assen-
tado a questão das verbas públicas para as chamadas escolas comu-
nitárias, eu tenho um receio muito grande que se desvincule a res-
ponsabilidade primeira do Estado de oferecer escola e, como alterna-
tiva, que o privado se manifeste. Por isso, sou contra a escola privada, 
comunitária, ou que nome ela tenha, mas eu defendo a ideia de que a 
garantia do acesso à escolaridade seja colocada, assumida e 
comprometida pelo Estado. 
Neste sentido, a minha preocupação também vai ao en-
contro do que o Prof. José Luiz colocou: que é de nós não termos um 
saber regional versus um saber mais amplo - essa oposição também 
precisa ser cuidada. A desvinculação da escola comunitária do Estado, 
por exemplo, eu acho que favoreceria este tipo de coisa. É bom 
aprofundar e eu queria dizer que você colocou, com muita felicidade, 
aquele aspecto de que o popular está dentro da escola, da escola pú-
blica. Se não tem escola pública em quantidade suficiente, nós temos 
de brigar para tê-la e se não tem em condições melhores, a nossa luta 
vale para que elas funcionem melhor. Por aí é que eu coloquei a 
questão das condições de trabalho da escola. 
 
Nesse sentido, fazendo um gancho com a nossa colega 
de Fortaleza-, eu diria que a nossa especificidade aqui no encontro é 
discutir o currículo, mas eu penso que ficou suficientemente claro que 
o currículo, sobretudo pela exposição do Prof. José Luiz, não pode ser 
desvinculado de questões mais amplas e, ao mesmo tempo, nós te-
mos de trabalhar as questões específicas do currículo até como con-
dição de modificar as condições mais amplas - esta coisa está em-
bricada; é porque nós estamos aqui pensando nos conteúdos signifi-
cativos; na parte da tarde, estamos falando em transformação mais 
ampla, não dá para fazer uma dissociação. Esta clareza se faz ne-
cessária. 
Um último ponto que eu deixei de colocar na minha inter-
ferência inicial é que nós temos uma realidade educacional escolar em 
que a criança da população economicamente baixa não está com o 
acesso garantido ainda que o Estado resolvesse abrir vagas em 
quantidade suficiente porque aí tem questão estrutural que nos escapa 
de imediato, mas se pode interferir nela,que é para a criança a 
questão da educação escolar. Embora ela e a família valorizem a 
educação escolar, a escola é vista como: ou ela trabalha ou ela estu-
da, ou seja, nós vivemos uma realidade num país que tem os contor-
nos do capitalismo, onde o acesso à escola não está assegurado 
também, porque a questão da sobrevivência não está garantida. 
Então, apesar de a Constituição dizer que é proibido o 
trabalho do menor, ele trabalha, e, às vezes, o seu subemprego é 
condição de manutenção da família. Esta é uma questão mais ampla 
que não se pode fechar os olhos; eu, como educadora, não tenho o 
poder de transformar esta situação estrutural. Talvez eu tivesse se 
houvesse uma outra profissão que pudesse mexer mais diretamente 
com isso, mas o fato é que eu não tenho; indiretamente eu tenho en-
quanto profissional da escola. Enquanto profissional de escola, eu 
posso organizar o funcionamento da escola, de forma que o aluno 
aprenda, apesar de ter de trabalhar. Não adianta ficar atirando pedra 
no trabalho dele. Foi isso que eu quis dizer quando eu falei da orga- 
 
nização da escola. Que organização? A organização tem de ser aquela que 
melhor propicie a democratização do saber, mais do que a democratização 
das relações; eu tenho de discutir a democratização das relações que vão 
passar por consumo, eleição... Essa discussão é importante porque é 
condição para a democratização do saber. 
A FUNÇÃO DOS CONTEÚDOS DE LÍNGUA PORTUGUESA NA 
FORMAÇÃO DO CIDADÃO BRASILEIRO 
Prof- Avani Xavier Lanza - UFMG 
Refletir sobre a função dos conteúdos de Língua Portuguesa, 
na formação do cidadão brasileiro, exige retomar alguns aspectos relativos ao 
contexto em que esse cidadão se insere. 
A caracterização desse contexto contribuirá para o levan-
tamento de aspectos básicos a serem considerados no âmbito do papel a ser 
conferido ao processo de ensino/aprendizagem da língua, tendo em vista a 
formação do cidadão. 
Assim, é fundamental lembrar que o nosso país caracteriza-se 
por apresentar diferenças sociais e econômicas que refletem as diferenças 
nas possibilidades tanto de acesso aos bens culturais quanto de participação 
política. 
Cada brasileiro, como ser social que faz parte de um grupo, tem 
consigo as marcas caracterizadoras desse grupo, que o diferenciam dos 
demais. 
Logo, a busca de recursos que permitam novas conquistas, 
mais condições de participação política e cultural, maiores facilidades de 
reivindicações na sociedade, visando à superação das contradições sociais, 
deve ser acionada em diferentes instâncias, princi- 
 
palmente no âmbito educacional. 
A escola, ao lidar com essas diferenças sócio-culturais de seus 
alunos, deve contribuir para viabilizar a transformação social, através da 
superação das desigualdades. 
Qual seria, então, na escola, o papel do ensino da língua para 
essa superação? 
Acredita-se que a aprendizagem da língua permite uma 
ampliação das possibilidades de o indivíduo ter acesso aos bens culturais, 
assim como a conquista de participação política na sociedade, 
principalmente, no processo de democratização. 
No caminhar desse processo de democratização, a leitura surge 
como um instrumento fundamental, quando vista como: "(1) uma habilidade 
humana que permite o acesso do povo aos bens culturais já produzidos e 
registrados pela escrita e, portanto, como um meio de conhecimento e crítica 
dos fatos históricos, científicos, literários e (2) como um dos meios mais 
práticos, ao lado da palavra oral, de que o povo pode lançar mão, a fim de 
comunicar e fazer valer as suas ideias, interesses e aspirações". (SILVA, 
1983). Logo, não só o acesso à leitura e à escrita, mas também a aquisição e 
o domínio desses processos devem constituir-se em metas prioritárias da 
escola de 1º grau. 
Para que a realização desses processos ocorra com mais 
sucesso, torna-se necessário que a escola tenha consciência de que a 
clientela por ela atendida domina variedades linguísticas que, normalmente, 
diferenciam-se da usada e exigida pela escola. Dessa forma, cabe à 
instituição escolar partir das variedades linguísticas apresentadas por seus 
alunos, para trabalhar a aprendizagem da variedade culta. 
Ao oferecer e garantir essa aprendizagem, a escola estará 
atendendo à finalidade base do ensino de Língua Portuguesa - 
 
promover o domínio da língua padrão culta - e, consequentemente, estará 
preparando o cidadão para viver e atuar na sociedade. 
Para se atingir essa finalidade básica, o ensino da Língua 
Portuguesa no 1º grau deve ser prático, crítico e criativo. 
A prática, o uso da língua é uma maneira de fazer com que o 
aluno "a domine e a maneje melhor e se sinta senhor dela, não seu servo 
humilhado e inseguro" (LUFT, 1985). 
Sentindo-se dono de seu discurso, o aluno poderá "crescer, 
desenvolver o espírito crítico e expressar toda sua criatividade" (LUFT, 1985), 
ampliando seus conhecimentos e adquirindo domínio da língua padrão culta e 
percebendo ainda que, na escola, se valoriza e respeita tanto sua 
individualidade quanto o seu contexto de origem. 
Essa prática da língua na escola pode desenvolver-se no 1º 
grau, levando-se em consideração alguns pontos como: 
No conjunto destas abordagens sobre a função dos conteúdos 
de Português na formação do cidadão brasileiro, a problemática da 
alfabetização, mais uma vez, tem um destaque acentuado. Para que o 
indivíduo domine a língua padrão culta, é imprescindível que ele se alfabetize. 
E, no desenrolar do processo de alfabetização, na escola, é fundamental que 
ocorra "uma articulação e integração dos estudos e pesquisas a respeito de 
suas diferentes facetas" (SOARES, 1985), ou seja, as suas perspectivas 
psicológica, psicolinguística, so-cio-lingúística e propriamente linguística. 
Essa articulação suscita uma retomada e um aprofundamento dos estudos e 
reflexões sobre a prática de alfabetização que a escola vem desenvolvendo, 
com uma clientela que apresenta características específicas e variadas. 
Ao lado das preocupações com o processo de alfabetização 
propriamente dito, desponta também, como imprescindível, uma análise 
crítica do trabalho desenvolvido no tradicional período prepa- 
 
ratório para a aprendizagem da leitura e da escrita. 
Isto porque da forma como ele ocorre, sua contribuição tem sido 
no sentido de eliminar a priori, do acesso à alfabetização, as crianças 
consideradas sem prontidão para essa aprendizagem. So-nega-se assim, 
logo ao início do ano letivo, "não só um direito que ele (o indivíduo) possui, 
como também a possibilidade de adquirir mais um instrumento de luta (...)". 
(LANZA, 1988). 
Alterando-se essa prática, é possível que as "manifestações 
diferentes passem a ser consideradas não como um meio de definir o destino 
dos alunos, ãs vezes dramaticamente, na escola, mas como importantes 
aquisições que eles trazem consigo e que deverão ser cognitivamente 
estimuladas". (LANZA, 1988). 
Somente atuando no sentido de não acentuar diferenças ou 
tomá-las como motivo para discriminação e seletividade, a escola e, nela, o 
trabalho em Língua Portuguesa poderão contribuir positivamente para a 
formação do verdadeiro cidadão brasileiro. 
 
LINGUA PORTUGUESA NO ENSINO DE 1º GRAU 
 
Objetivos Gerais Áreas de Atuação — Aspectos Fundamentais Obje-
tivo 
Aspectos a 
serem 
 
Ia a 4a
5ª a 8ª Leitura Produção de Análise 
.Básico. considerados Textos Linguística 
o 
cu
lta
 
diferenças 
sócio-culturais 
no país 
variedades 
linguísticas 
realidade 
sócio-cultu-ral 
do aluno 
entendi-
mento da es-
crita como 
forma de in-
terlocução à 
distância, no 
tempo e no es-
paço, de tal 
modo que a 
criança perceba 
seu valor e sua 
função social, 
no meio 
ambiente e 
fora dele. 
. constituição 
do falante e 
do autorde 
textos orais e 
escritos que 
respondem ás 
necessidades 
de expressão 
do aluno e 
que apresen-
tem estrutura, 
coesão e coe-
rência inter-
nas que não 
dificultem sua 
interpre- 
. acesso a tex-
tos diferen-
ciados e em 
uso na socie-
dade. 
leitura — 
momento de 
ver e sentir a 
gramática. 
. produção de 
textos simi-
lares aos em 
circulação na 
sociedade. 
. produção de 
textos -
momento de 
aplicação dos 
mecanismos ou 
regras da 
gramática de 
uso. 
ampliação 
da gramática 
interiorizada 
através dos 
elementos da 
Língua-padrão 
culta. 
r a
os
 a
lu
no
s 
o 
do
m
ín
io
 d
a 
lin
gu
a-
pa
dr
ã 
leitura re-
flexiva cons-
ciente e crí-
tica (percep-
ção de valo-
res, conceitos e 
preconceitos 
da sociedade 
nos textos e 
nos demais 
meios de 
comunicação). 
. produção de 
textos com-
prometidos com 
as reais 
necessidades 
do aluno evi-
tando-se si-
tuações arti-
ficiais. 
considera-
ção do saber 
linguístico do 
aluno to-
mando-o 
como ponto de 
partida 
para análises e 
novas aqui-
sições lin-
guísticas. 
Po
ss
ib
ilit
a 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 desenvolvi-
mento do es-
pírito crítico 
prática da 
língua 
instrumen-
talização do 
aluno 
. entendimento 
de que a es-
crita, para 
permitir a in-
terlocução à 
distància.obe-
dece a uma 
convenção or-
tográfica de 
que cada usu-
ário não pode 
ser árbitro, 
mas que é ne-
cessáriodomi-
nar para não 
prejudicar o 
objetivo pre- 
. constituição 
do ouvinte e do 
leitor capaz 
de dar uma 
interpretação 
dos textos 
que ouve e 
lê, embora não 
se exija que 
tal interpretação 
apresente alto 
grau de 
profundidade de 
análise original 
do texto lido. 
. incentivação e 
aceitação de 
diferentes 
interpretações 
dos textos e 
acréscimo da 
sugestão de ou-
tras possibili-
dades. 
. possibilita-
cão de diver-
gência do 
conflito e re-
beldia. 
utilização 
dos recursos 
e dos meca-
nismos que a 
língua oferece. 
. produção de 
textos para se 
exprimir dia-
logando, de-
batendo, es-
crevendo ex-
periências. 
conheci- -
mento da 
gramática de 
uso — domínio 
de habilidades 
comunicativas 
necessárias ao 
domínio do 
padrão culto. 
 
 LlNGUA PORTUGUESA NO ENSINO DE 1º GRAU 
Obje-
tivo
Objetivos Gerais Áreas de Atuação — Aspectos Fundamentais 
 
 
Aspectos a 
serem 
considerados 
 5a a 8a Leitura Produção de 
Textos 
Análise 
Linguística 
lln
gu
a-
pa
dr
ão
 c
ul
ta
 
 cípuo 
da existência 
da própria 
escrita, 
 questiona-
mentos, tra-
balho. reela-
boração, dis-
cussão e aná-
lise dos textos.
. formação de 
estruturas 
mensais, rela-
cionar pensa-
mento, formar 
a visão própria 
do mundo, tra-
tar crit ica 
menteclichés, 
ideias, etc. 
. trabalho de 
análise lin-
guística vi-
sando aos as-
pectos relativos 
a: ortografia, 
pontuação, 
concordância 
verbal e nominal, 
vocabulário, 
construção de 
frases, pará-
grafos e texto. 
P
os
si
bi
lit
ar
 a
os
 a
lu
no
s 
o 
do
m
ín
io
 d
a 
 . criação 
do gosto da 
leitura, 
mediante o 
convívio 
constante 
com obras 
da literatura 
infantil. 
. criação do 
gosto da lei-
tura mediante 
convívio com 
obras juvenis 
ou não 
especialmente 
brasileiras. 
. possibilidade 
de contato com 
textos 
informativos. 
formativos e 
literários. 
. respeito ao 
nível de aqui-
sição da lei-
tura do aluno — 
oferta de 
desafios. 
trabalho 
com textos 
narrativos, 
descritivos e 
dissertativos. 
respeito e 
análise da 
produção de 
textos tendo 
em vista os 
níveis, a área 
estrutural e a 
área instru-
mental. 
comparação 
entre diferentes 
variedades 
linguísticas e 
diferentes es-
truturas tex-
tuais, frasais ou 
vocabulares. 
que possibilitará 
o alcance da 
expressão na 
língua culta. 
utilização de 
textos tanto 
dos alunos 
quanto literários e 
em uso na 
sociedade para 
análise lin-
guística. 
 
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 
- DISTRITO FEDERAL. Ministério da Educação e Cultura. Diretrizes para o 
aperfeiçoamento do ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa. 
Relatório conclusivo. Brasília, 1986. 
- LANZA, Avani A. X. Fracasso escolar e alfabetização: uma crítica ao pe- 
ríodo preparatório. Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas 
Gerais. Faculdade de Educação, 1988 (Dissertação de Mestrado). 
- LUFT, Celso P. Língua e liberdade: por uma nova concepção da língua 
materna e seu ensino. Porto Alegre, LBPM, 1985. 
- MINAS GERAIS. Secretaria de Estado da Educação. Programa de língua e 
literatura. Belo Horizonte, 1986. 
- SILVA, Ezequiel T. Leitura & realidade brasileira. Porto Alegre, Mercado 
Aberto, 1983. 
- SOARES, Magda. As muitas facetas da alfabetização. Cadernos de Pes- 
quisa, São Paulo, Fundação Carlos Chagas (52): 25-33; fev., 
1985. 
D E B A T E 
Profª Selma 
Vou fazer algumas colocações com o objetivo de explicitar a 
contribuição do ensino da Língua Portuguesa para a função social da escola. 
Eu gostaria que você explicitasse um pouco mais claramente 
esses três objetivos que você coloca como objetivos gerais: o 
desenvolvimento do espírito crítico no ensino da Língua Portuguesa; o que é 
o criativo, o aspecto de criação em Língua Portuguesa e o que é a 
instrumentalização ou o prático, ou melhor, o prático, o crítico, o criativo. 
 
Profº Avani 
A questão do desenvolvimento crítico deve permear o trabalho 
da escola, em todas as áreas. Para que haja esse desenvolvimento crítico, é 
fundamental que o indivíduo entenda, primeiro, o seu próprio contexto, as 
suas questões, para que, a partir desse entendimento, tenha acesso ao 
conhecimento, sem que a escola o sonegue. Os conhecimentos que o aluno 
traz, incorporados a outros que ele vai ampliar na escola, ele os extrapola 
numa tentativa de conhecer melhor e interpretar a sua realidade. 
Dessa forma, ele terá condições de desenvolver esse espírito 
crítico e, ao desenvolvê-lo, em termos de Língua Portuguesa, o espírito 
crítico vai ser quase um instrumento que o ajudará a manifestar essa crítica e 
a produzir, também, textos, falas orais, em que tenha oportunidade de expor 
este momento crítico. O desenvolvimento do espírito crítico contribui para que 
o aluno enxergue um pouco além da aparência, como as coisas estão sendo 
apresentadas. Por exemplo, em Língua Portuguesa, quando se trabalha um 
texto, está se desenvolvendo uma leitura mais aprofundada e, talvez, 
caminhando para uma leitura mais crítica, ou seja, tentar enxergar nas 
entrelinhas do texto, nas entrelinhas das propagandas das novelas. 
A contribuição da Língua Portuguesa é aguçar o aluno a indicar 
diferentes formas de comunicação com que terá contato no dia-a-dia dentro 
da escola. Revendo as próprias estórias em quadrinhos, que são leituras a 
que o aluno tem acesso na escola, dentro de um desenvolvimento do espírito 
crítico, fazê-lo ver o que representa o quadrinho, articular, por exemplo, o Tio 
Patinhas numa sociedade capitalista, o que representa o Pato Donald, os 
sobrinhos, etc. 
A contribuição da Língua Portuguesa, no desenvolvimento 
crítico, é ajudar o aluno a enxergar um pouco mais, a ler nas entrelinhas e, 
talvez, a produzir as suas questões, as suas ideiasde forma coerente e clara. 
 
Profª Selma 
Eu perguntaria se essa explicitação do crítico é especificidade 
do ensino de Língua Portuguesa? Há uma especificidade da Língua 
Portuguesa? 
Profª Avani 
Eu acredito que não é específico da Língua Portuguesa, mas a 
Língua Portuguesa teria, dentro da sua especificidade, esse momento de 
leitura, de ler através do texto, de enxergar o texto, e isso enriqueceria a 
questão das outras áreas. A linguagem permeia o trabalho de todas as outras 
áreas e, muitas vezes, a falta de compreensão de outra área pode estar 
sendo comprometida por causa da qualidade de interpretação de texto, da 
produção escrita dos alunos. A criatividade em Língua Portuguesa é muito 
discutida. Só o fato de o aluno ter espaço para se manifestar, a forma como 
ele estrutura sua fala, a forma como ele se manifesta tem toda uma 
criatividade. Eu vejo o criativo, em termos da língua, na palavra que o aluno 
coloca no papel, num desenho, numa argumentação ou até numa opinião que 
ele possa dar. Há, também, uma discussão muito grande em termos da 
utilização de modelos na linguagem: a criatividade do aluno seria tolhida se 
ele criasse outros textos em cima de modelos. Na minha opinião, os modelos 
sempre estiveram em todas as situações de vida, como ponto de partida para 
se avançar. 
O prático é a questão da língua como uso, como prática; é o 
falar do dia-a-dia, é fazer esse espaço existir num trabalho de Língua 
Portuguesa e captar dessa linguagem um linguajar prático. 
Aproveitar esse linguajar e trabalhar esse linguajar. Há no 
prático duas leituras: uma leitura é partir da linguagem usual, prática, do dia-
a-dia do aluno; é a questão do uso prático, dentro da escola, de certas 
situações que facilitaria o trabalho; a outra leitura é o 
 
prático utilizado em textos funcionais como bilhetes, cartas, avisos... 
ProfªSelma 
Da forma como você explicita estes três aspectos a serem 
considerados e quando você fala de reprodução de textos e faz referência à 
presença das diferentes variedades linguísticas dos alunos, como ponto de 
partida para se chegar a uma variável padrão, a língua culta, neste processo, 
sobretudo, da forma como você define a criatividade, seria correto fazer a 
interpretação de que o ensino da língua estaria calcado numa crença, no 
espontaneísmo, ou seja, a produção vem de dentro para fora? 
Profª Avani 
Como ponto de partida, sim. Uma vez que o aluno tenha 
internalizado uma gramática própria, ele colocaria essa gramática própria em 
função da espontaneidade de sua manifestação na produção do texto. Esse 
espontaneísmo, entendido como um ponto de partida, como um espaço, 
como um momento que a escola dá para obter a naturalidade de expor as 
coisas como se pensa e como se sente. 
Prof. José Luiz 
Primeiro, eu gostaria de parabenizar a Profª Avani pelo enfoque 
dado à sua fala. Você foi bastante feliz em colocar o Português como ler, 
escrever, ouvir e falar. E vou mais além, eu só consigo participar como 
cidadão na sociedade quando eu consigo sair da minha consciência singular 
e entrar na minha consciência de homem e ser genérico. Nada mais 
importante do que, na área de Português, você trabalhar a obra literária como 
você propõe desde o início. E bastante significativa esta colocação. 
 
meu ver, é fundamental. A leitura deve ser uma atividade solidária e 
não solitária. E muito frequente na escola, por exemplo, o professor 
mandar o aluno ler. Leia o livro tal que no dia tal vou fazer uma prova. 
O professor tem de ler o livro, tem de discutir com o aluno e, depois, 
poderá optar por um dos muitos mecanismos de avaliação. Nós 
estamos fazendo uma experiência, e que a Prof- Selma colocou hoje 
pela manhã, sobre a relação escola versus universidade. 
No Rio de Janeiro, nós temos um convênio assinado entre 
a UFRJ e o projeto da Favelada Maré e nós trabalhamos com as 
escolas da rede municipal. O que nós propomos ao professor de Por-
tuguês é a aplicação de uma técnica que consiste em retirar uma 
palavra de modo que a pessoa só pode encaixar aquela palavra. Po-
de-se fazer com toda a estrutura da língua portuguesa, como, por 
exemplo, se se vai trabalhar na área de vocabulário, eu dou um exer-
cício assim. Na... de 60, os Beatles estouraram em todas as paradas. 
Qual é a única palavra que pode aparecer aqui? década. Todos acer-
taram. Introduza uma vogal na palavra de modo que o número de sí-
labas não aumente. Damos para a criança a palavra a..la. O aluno vai 
falar a vogal que vai colocar - u. Qual a noção gramatical que estamos 
querendo passar para ele? Ditongo. Mas no meu enunciado não existe 
a palavra ditongo; está vendo como se faz com a terminologia 
embutida. 
Profª Avani 
Eu gostaria de completar o seguinte: é fundamental a lei-
tura deste material. O grupo de especialistas na área apresentou su-
gestões muito importantes, inclusive, com sugestões até para o 2º 
grau. Com relação às questões sobre o como ensinar, eu faço algu-
mas restrições. Eu tenho muito medo de que esse como ensinar se 
caracterize como receita. A forma de ensinar deve ser buscada não só 
por nós, especialistas, mas fazer com que o professor sinta neces-
sidade de refletir sobre o que ele está fazendo e como ele poderia 
 
buscar uma outra forma de fazer. Este como fazer tem de vir de uma busca. 
Profª Selma 
Eu gostaria de fazer um complemento. Quanto a estas 
observações da Profª Avani, eu considero de maior importância quando ela 
chama a atenção para o que eu vou chamar de pesquisa do cotidiano. A 
referência que ela faz ao trabalho do cotidiano da escola de 1º grau e do 
trabalho que ela nos apresenta aqui é muito o fruto desta pesquisa do 
cotidiano. Isto é fundamental, é algo que nós estamos precisando 
desenvolver mais fortemente em nossas escolas. 
O complemento que eu gostaria de fazer nesta questão, que de 
certa forma está totalmente amarrada à reflexão que eu fiz pela manhã, diz 
respeito à questão conteúdo e forma. Eu disse e reafirmo que a fonte da 
transmissão de conteúdos tem de ser o momento histórico em que nós 
estamos vivendo considerando os três aspec-tos: a natureza, a natureza 
transformada pelos homens e as relações sociais. No nível de cada 
disciplina, é preciso que, dentro das especificidades, ela traduza, na sua área 
de conhecimento, como contribui, como trabalha, como traduz em 
instrumentos didáticos/pedagógicos a sua contribuição. 
Neste ponto, é que eu gostaria de chamar atenção da questão 
para a relação conteúdo versus método versus objetivo. Eu não posso 
pensar método de trabalho desconectado de conteúdos que, por sua vez, 
tem de estar conectado aos objetivos, se quisermos a finalidade da disciplina. 
Dizendo de outra forma, cada área do conhecimento tem um método de 
apropriação e de produção do conhecimento. Por exemplo, na Língua 
Portuguesa, certamente é diferente do método da produção do conhecimento 
da Matemática. Isso configura, epistemologicamente, a diferença entre as 
áreas do conhecimento. Agora, há uma questão que é embricada a esta que 
é o método do ensino. O método do ensino ou o método da difusão do conhe- 
 
cimento tem de estar diretamente vinculado ao método da apropriação do 
conhecimento de cada uma das áreas. Essa vinculação me parece ser 
fundamental. Quando nós colocamos o terceiro, elemento que é o objetivo, 
então, não dá mesmo para fazer a separação entre essas três coisas. 
Eu vou me permitir colocar como um exemplo o que eu ouvi de 
uma professora no seu trabalho cotidiano - uma professora que trabalha na 4ª 
série do 1º grau e é professora polivalente - portanto, ensina Português, 
Matemática, História, Geografia... numa escola que é próxima a uma favela, 
em Niterói, Rio de Janeiro. Um dos seus objetivos, dentro da Língua 
Portuguesa, é a ampliação do vocabulário. Ela constatou que todos os alunos 
tinham

Outros materiais