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Leonardo Batista Quintino COMUNICAÇÃO E REPRESENTAÇÃO SOCIAL – os efeitos da TV Assembléia na performance e oratória dos deputados estaduais de Minas Gerais Belo Horizonte 2008 1 Leonardo Batista Quintino COMUNICAÇÃO E REPRESENTAÇÃO SOCIAL – os efeitos da TV Assembléia na performance e oratória dos deputados estaduais de Minas Gerais Monografia apresentada à Faculdade Estácio de Sá, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharelado em jornalismo. Orientadora: Hila Rodrigues Belo Horizonte 2008 2 Leonardo Batista Quintino COMUNICAÇÃO E REPRESENTAÇÃO SOCIAL – os efeitos da TV Assembléia na performance e oratória dos deputados estaduais de Minas Gerais Monografia apresentada à Faculdade Estácio de Sá, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharelado em jornalismo. Orientadora: Hila Rodrigues Aprovada em: Banca examinadora: ______________________________________________ Professora Hila Rodrigues – Orientadora ______________________________________________ Professor Gilvan Araújo 3 4 À minha família, meu tudo, minha vida. 5 Agradecimentos Agradeço à Faculdade Estácio de Sá pelos dois últimos anos de minha formação acadêmica. Na instituição, aprendi boa parte do que sei, adquiri experiência acadêmica e, sobretudo, de vida. Agradeço ao corpo docente do Curso de Comunicação/Jornalismo pela convivência, pelas oportunidades de debate, discussão, crescimento – e até pelas dores de cabeça. Agradeço também aos funcionários que nos “suportaram” e ajudaram durante o percurso. Agradeço à Rodrigo Barreto de Lucena, diretor da TVA; Lúcio Pérez, diretor de Comunicação Institucional da ALMG; e ao jornalista João Carlos Amaral, consultor de imagem e âncora plenário da ALMG; fundamentais para esse trabalho. Agradeço aos deputados que responderam aos questionários dessa pesquisa e aos demais que, indiretamente, colaboraram com ela, permitindo que eu os analisasse. Agradeço aos funcionários da ALMG que me acolheram e auxiliam no que foi preciso. Agradeço aos professores Cássio Martinho, Marcos Barreto, Piedra Magnani e Ricardo Figueiredo, que me ajudaram a dar os primeiros passos desse projeto. Meu agradecimento especial à grande “pessoa pequena” Hila Rodrigues, orientadora, jornalista apaixonada e grande mestre, sem a qual seria impossível a realização desse trabalho. Ela acompanhou as agruras dessa pesquisa, da minha vida atribulada e me incentivou em todos os momentos. Deu-me força quando foi preciso, foi dura quando necessário e sempre acreditou em minha capacidade. Fez só aumentar minha paixão pelo jornalismo. Agradeço aos grandes mestres, dos quais tive a honra de ser aluno: professores Alexandre Freire, Cássio Martinho, Célia Nonata, Helcira Lima, Júlio Buere, Luciana Oliveira, Maurilio Santigo e Ricardo Figueiredo. 6 Aos meus novos amigos de turma agradeço nas pessoas de: Jonatas Andrade, Margareth Almeida, Renan Damasceno e Maurício Ângelo, pelo nosso futuro. Aos meus velhos amigos, Aline Tavares, Caio Pacheco, Emmerson Maurilio, e Fernanda Silva, “pelos nossos sonhos”. Agradeço à minha família, sem a qual não poderia realizar tamanho feito. A meu pai, Quintino, que me deu carinho, amor e dedicou todos os seus esforços para que eu me formasse; à minha mãe, Marinalva, que me deu carinho, amor e suporte para poder estudar; à minha irmã, Danny, que foi companheira, amiga e conselheira em todos os momentos; à minha avó, Conceição, linda, meu xodó. À minha namorada, Daphne, amor da minha vida, imprescindível. 7 “Na vida a gente tem que aprender, desaprender e reaprender”. João Carlos Amaral, jornalista apaixonado pela profissão. 8 Resumo Este trabalho tem por objetivo principal a análise do comportamento dos deputados estaduais de Minas Gerais frente às câmeras da TV Assembléia. Trata-se de mostrar como a TV, com seu potencial de comunicação, afeta a performance e o discurso dos parlamentares no exercício de sua função. Examinou-se, assim, o tipo de relação estabelecida entre o deputado e seu eleitorado através da TVA. Tentou- se, ainda, evidenciar os processos pelos quais os deputados voltam suas ações para as câmeras quando estão em plenário – e não para os outros deputados e cidadãos presentes à Casa –, e os motivos que os levam a se comportar dessa maneira. A partir do exame desse comportamento, pretende-se verificar se a TV, na condição de meio de comunicação que agrega som e imagem, afeta a qualidade do mandato político, refletida, entre outros itens, na performance e no discurso dos parlamentares – os dois principais componentes em foco nessa pesquisa. Palavras-chave: comportamento, televisão, representação, performance, discurso 9 SUMÁRIO 1 - INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 10 2 – TELEVISÃO: imagem, revolução e interação .................................................. 13 2.1 - A representação ................................................................................................ 17 3 - A TV LEGISLATIVA E O EXERCÍCIO DO MANDATO ....................................... 22 3.1 – História: o caso da Lei do Cabo ....................................................................... 22 3.2 – A TV Câmara .................................................................................................... 25 3.3 – A TV Senado .................................................................................................... 26 3.4 – A TV Assembléia .............................................................................................. 27 4 - INSTRUMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................... 31 4.1 – TVA: a dinâmica interacional ............................................................................ 35 4.2 – Câmera, ação e desempenho do mandato parlamentar: elementos analíticos ........ 40 4.3 – Representar para a câmera .............................................................................. 42 4.4 – O efeito da performance ................................................................................... 43 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 46 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 49 ANEXO A – TVA E DESEMPENHO DO MANDATO ...............................................51 ANEXO B – RESPOSTAS DOS DEPUTADOS ........................................................ 52 ANEXO C – ANÁLISE EM CAMPO .......................................................................... 53 ANEXO D – ENTREVISTA LUCENA, DIRETOR DA TVA ....................................... 55 ANEXO E – ENTREVISTA JOÃO CARLOS AMARAL ............................................ 61 ANEXO F – ENTREVISTA LÚCIO PÉREZ ............................................................... 65 ANEXO G – FOTOS ................................................................................................. 69 10 Introdução Esse trabalho pretende mostrar como a TV, com seu potencial de comunicação, afeta a performance e o discurso dos parlamentares no exercício de sua função. Para isso, pretende evidenciar como deputados se comportam quando diante das câmeras da TV Assembléia – e os efeitos desse comportamento no desempenho do mandato. Parece pertinente, sob esse aspecto, examinar o tipo de relação estabelecida entre o deputado e seu eleitorado através da TVA. Para isso, tentou-se responder a três questões básicas: até que ponto o fato de ser “flagrado” pelas câmeras prometendo ações específicas, defendendo ou repudiando determinado tema compromete (ou favorece) o deputado do ponto de vista do eleitor? A TV, embora instrumento proporcionador da divulgação do trabalho do parlamentar, também funciona como instrumento de fiscalização do trabalho desse parlamentar? Como se dá esse processo? Tentou-se revelar, aqui, portanto, como os deputados voltam suas ações para as câmeras quando estão em plenário – e não para os outros deputados e cidadãos presentes à Casa –, e os motivos que os levam a se comportar dessa maneira. A partir do exame desse comportamento, pretende-se verificar se a TV, na condição de instrumento de comunicação que agrega som e imagem, afeta a qualidade do mandato político, refletida, entre outros itens, na performance e no discurso dos parlamentares – os dois principais componentes em foco nessa pesquisa. A análise foi feita a partir de ampla pesquisa bibliográfica sobre o processo de comunicação e sobre a televisão como veículo de informação. As obras consultadas trabalham o conceito de imagem e suas implicações no mundo real – algumas destacando episódios específicos que envolvem, por exemplo, TV e política. É o caso de Mario Sergio Conti (1999), que analisa a eleição do ex-presidente Fernando Collor sob grande influência da Rede Globo de Televisão, e de Ney Lima Figueiredo (1986), que aborda a derrota de Richard Nixon para John Kennedy na disputa pela presidência dos Estados Unidos, também sob enorme influência do veículo. Recorreu-se, ainda, a outros trabalhos e estudos acerca das TVs legislativas e dos fatores e contextos que marcaram o processo de criação desse tipo de canal. A pesquisa acabou evidenciando, durante o seu curso, que os parlamentares possuem a arte de representar diante das câmeras. Esse aspecto demandou consulta a outras obras, desta vez no campo da sociologia. Um autor fundamental 11 nesse processo foi o canadense Erving Goffman (2001), com sua abordagem das interações sociais na obra A Representação do Eu na Vida Cotidiana. Três entrevistas específicas foram fundamentais para esse trabalho. A primeira, com Rodrigo Barreto de Lucena, 44 anos, diretor de rádio e TV da ALMG, jornalista e há 11 anos na emissora; a segunda, com o diretor de comunicação institucional da ALMG e jornalista, Lúcio Perez, 46 anos e há 14 anos na instituição; e a terceira, embora não menos importante, com o jornalista João Carlos Amaral, consultor de imagem, âncora do plenário da ALMG e há 13 anos na instituição. As informações, observações, comentários e análises coletadas a partir da conversa com esses três profissionais foram essenciais ao exame das relações estabelecidas entre os parlamentares e a TVA. Paralelamente, trabalhou-se também com a aplicação de um questionário específico destinado aos 77 deputados da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, e com observação de campo – esta última para detectar e registrar as ações, gestos e tipos variados de oratória adotados pelos parlamentares diante das câmeras da TVA. O trabalho evidenciou a existência de grande influência da TV Assembléia na performance e no discurso dos parlamentares, que, de fato, voltam suas ações para as câmeras em busca de uma representação social eficaz, capaz de convencer os eleitores da eficiência de suas idéias e ações. Assim, a pesquisa demonstra claramente que existem intenções específicas por trás de cada termo, cada movimento, cada entonação de voz dos deputados – um fator que não chega a surpreender quando se considera a capacidade da TV de edificar e propagar as imagens, posturas e atitudes aceitas e aprovadas por uma determinada sociedade. Trata-se de um fenômeno que só confirma a análise empreendida por Goffman (2001). Segundo ele, quando um indivíduo representa um papel para outros, tende a incorporar em sua performance valores reconhecidos socialmente, de maneira que sua atuação seja eficiente. A pesquisa está estruturada em seis capítulos, incluindo esta introdução – o primeiro deles. O segundo traça um panorama histórico da televisão, suas implicações no campo do jornalismo e da política, além de abordar a idéia sociológica de representação social. O terceiro capítulo está focado no surgimento das TVs legislativas, entre elas, a TV Senado, TV Câmara e TV Assembléia de Minas, bem como na lei que possibilitou o surgimento desses canais legislativos. 12 Trata, ainda, de discorrer sobre aspectos levantados a partir das entrevistas com especialistas e parlamentares, revelando, com alguma ênfase, o ponto de vista dos deputados sobre a televisão. No quarto capítulo, é apresentado o objeto de pesquisa e a metodologia de análise, com um detalhamento dos métodos escolhidos para a coleta e análise dos dados. Ao quinto capítulo coube a análise dos resultados da pesquisa, fundamentada num cuidadoso exame da performance dos deputados diante das câmeras, bem como das representações empreendidas e do efeito dessa performance sobre o desempenho do deputado no exercício do seu mandato. Por fim, no sexto capítulo, apresentamos as considerações finais e a conclusão. 13 2 – Televisão: imagem, revolução e interação O ser humano luta desde os primórdios para criar meios de receber e passar adiante a informação e o conhecimento. Depois da descoberta da prensa no século XV, do telégrafo, do rádio, do telefone e do cinema no século XIX, a TV revolucionou o mundo das comunicações na virada desse século. As novidades tecnológicas se incorporavam a comunicação e os meios de informação se afirmavam. O homem na sua ânsia de vencer barreiras, no tempo e no espaço, os queria mais velozes e eficazes. É nesse processo que surge a televisão, com informação na sua forma mais dinâmica e universal: a imagem. (PATERNOSTRO, 2006, p. 20) Muito popular, já que abrange toda sociedade, a televisão é um meio de comunicação que transforma a vida das pessoas: “muda conceitos, forma opiniões, cria hábitos, inspira comportamentos, reduz distâncias, aproxima. É veículo de informação e entretenimento” (PATERNOSTRO, 2006, p.20). No Brasil, a TV ainda é um veículo muito recente, implantado pelo empresário Assis Chateaubriand. Desde o início de seu funcionamento no país, em 1950, a televisão brasileira, que herdou muitos valores do rádio, preocupou-se em veicular notícias. Contudo, a utilização da televisão como instrumento de informação, de maneira sistemática e organizada, é mais recenteainda. O primeiro telejornal transmitido em rede para todo país, o Jornal Nacional, da Rede Globo, é de 1969. Desde que passou a funcionar no Brasil, a TV é vista com um campo privilegiado para a difusão de idéias – uma concepção que ganhou força durante a ditadura militar, período em que o veículo experimentou grande desenvolvimento tecnológico. A partir de 1964, durante o regime militar, que a ingerência do Estado na indústria de televisão aumenta e muda de qualidade. As telecomunicações foram consideradas estratégicas na política de desenvolvimento e integração nacional do regime. Os militares investiram na infra-estrutura necessária à ampliação da abrangência da televisão e aumentaram seu poder de ingerência na programação (...). (HAMBURGER, 1998, p. 454) Na década de 1980, a televisão deu um salto graças à comunicação via satélite, fruto dos investimentos dos governos militares, e começou a ser transmitida por todo território nacional. A televisão “capta expressa e alimenta as angústias e 14 ambivalências” que caracterizam as mudanças sociais da época “se constituindo em veículo privilegiado da imaginação nacional” (HAMBURGER, 1988, p. 455). Na década de 1990, a relação das emissoras de televisão com o Estado mudou. A partir daí, a TV passou a ser um fator constituinte “de uma esfera pública cuja legitimidade está calcada [...] em mecanismos de mercado” (HAMBURGER, 1988, p.459). Trata-se de um contexto no qual, segundo a autora, os “indivíduos telespectadores se formam em consumidores antes mesmo de cidadãos e constituem a unidade de referência desse mercado televisivo” (idem, p. 459). São aspectos que evidenciam a capacidade da TV de captar, expressar e atualizar “representações de uma comunidade nacional imaginária” (HAMBURGER, idem, p.441), embora as informações veiculadas não sejam consensuais. O veículo usa um repertório comum por meio do qual telespectadores completamente diferentes posicionam-se e situam-se uns em relação aos outros. Segundo Hamburger, ao tornar esse repertório comum acessível a cidadãos diversos, a TV oferece a possibilidade de uma integração plena – integração essa que passa necessariamente por uma outra capacidade da TV, que é a de mobilizar, ao mesmo tempo, dois dos sentidos humanos mais importantes: a audição e a visão. Por meio da visão, o homem estabelece a maior parte das relações com o mundo e, como destaca Maciel (1995), “é através do olhar que as pessoas seduzem e são seduzidas. É através da relação olho-no-olho que se estabelece a verdade e a credibilidade entre as pessoas” (MACIEL, idem, p. 15). Na televisão, onde a imagem é, muitas vezes, a própria notícia, o telespectador é seduzido através do olho e passa a acreditar naquilo que vê na tela. Na avaliação de Maciel (1995), a relação estabelecida pelo olhar entre o fato que é mostrado na tela e o telespectador que recebe a informação é quase mágica. Trata-se de um fato diretamente relacionado à questão da credibilidade da TV e da notícia que ela veicula. Para alguns autores, a “entrega” das imagens capturadas pelas equipes de reportagem ao telespectador, em casa, é, muitas vezes, o suficiente para atestar o caráter de verdade de uma notícia. O ver da televisão é muito mais poderoso do que o contar dos outros veículos de comunicação. O telespectador pode duvidar do que lê num jornal ou do que ouve no rádio, mas dificilmente vai deixar de acreditar no que ele próprio viu. A imagem que fascina e prende a atenção das pessoas, aliada ao som envolvente e emocionante, muitas vezes mostrando ao vivo os acontecimentos mais importantes, transforma a televisão no veículo mais 15 poderoso que já foi inventado. (...) Embora texto e imagem devam sempre andar juntos, um complementando o outro, a imagem é mais forte que a palavra. É a imagem que permanece gravada no cérebro do telespectador depois que a notícia já foi esquecida (MACIEL, 1995, p.16-18). Na concepção de estudiosos como Bistane e Bacellar (2005), ao transmitir uma imagem, que é a representação do real, a televisão transforma o telespectador numa espécie de testemunha – até porque, como ressaltam as autoras, um fato só se transforma em realidade quando as pessoas tomam conhecimento dele. Se ninguém toma conhecimento, esse fato fica restrito ao universo no qual ocorreu. É desta forma, aliás, que os meios de comunicação interferem na forma por meio da qual cada indivíduo percebe a realidade. Para se ter uma idéia dessa interferência, é pertinente relembrar a discussão sobre a influência da televisão desencadeada pelo último debate entre o então candidato à Presidência da República pelo PRN e governador de Alagoas, Fernando Collor de Mello e o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva na eleição presidencial de 1989. A edição feita para o Jornal Nacional foi criticada por jornalistas, artistas e telespectadores porque teria, segundo Conti (1999), beneficiado Collor, já que mostrava o então governador derrotando o adversário no discurso por sucessivas vezes. No entanto, o material editado não correspondia ao que, de fato, havia ocorrido no debate, quando o candidato petista respondeu a todas as questões colocadas, contra-argumentando. A fala de Lula, contudo, foi “cortada”. Conti lembra que jornalistas envolvidos na edição do primeiro compacto do debate que foi ao ar no jornal Hoje – elogiado, inclusive, pelo diretor da Central Globo de Jornalismo, Armando Nogueira – e da versão do Jornal Nacional, além dos próprios dirigentes do PT e telespectadores consultados pelo instituto de pesquisas Vox Populi, acreditavam que Collor se saiu melhor. Contudo, na condensação do Jornal Nacional, Lula falou sete vezes e Collor, oito. No total Lula falou 2:22 minutos. Collor 3:34 minutos, ou seja, 1:12 minutos a mais que Lula. No resumo feito pelo Jornal Nacional, Collor foi o tempo todo sintético e enfático, enquanto Lula apareceu inseguro e trocando palavras. Porém, de acordo com Conti, é possível argumentar que a escolha das falas dos dois candidatos tentou refletir o conteúdo total do debate. “Mas é impossível argumentar que a escolha das falas dos dois candidatos tentou refletir o conteúdo total do debate de modo neutro e fiel: dar 1min12 a mais para Collor foi uma maneira clara de privilegiá-lo” (CONTI, 1999, p. 269). 16 O caso Collor é bom exemplo do poder do marketing político e, sobretudo, do poder da televisão nesse processo, com todo o seu poder de representação simbólica, tantas vezes evidenciada de maneira especial durante as campanhas eleitorais. Nesses casos, fica claro que a eficácia da TV está na sua capacidade de unir a representação simbólica com as expectativas do eleitorado (FIGUEIREDO, 2004). O potencial simbólico não é, entretanto, o único elemento apreciado pelos estudiosos do marketing político quando o assunto é a televisão. Os recursos técnicos de alta qualidade tão próprios desse veículo reforçam esse potencial e fazem com que os políticos se tornem mais agradáveis na telinha. Não por acaso, os programas políticos na televisão têm se adaptado às características do meio, na tentativa de adequar a mensagem ao gosto dos telespectadores. Na prática, “este espaço permite ao cidadão comum participar indiretamente da campanha, pois os programas são feitos com o objetivo de despertar seu interesse e conquistar o seu voto” (FIGUEIREDO, 2004, p. 50). Bom exemplo desse fenômeno está na eleição de John Kennedy, em 1960, que concorria à presidência dos Estados Unidos contra Richard Nixon. Não são poucos os estudiosos que atribuem a vitória à TV. Tanto que, como ressalta Figueiredo (1986), uma comissão do Congresso norte-americano decidiu examinar o caso, “a fim de verificar até que ponto se aplicava a doutrina da liberdade de imprensa ao formidável veículo de propaganda queé a TV” (FIGUEIREDO, idem, p.83). Pesquisas divulgadas duas vezes por semana pelo Instituto Gallup, durante a campanha eleitoral, mostravam que a situação mudava minuto a minuto. “Uma coisa ficou patente: a decisiva influência da televisão” (FIGUEIREDO, idem, p. 83). Isso era evidente nas pesquisas, tanto que, quando um candidato fazia boa aparição na TV, inclinava-se para este a média da opinião pública. No debate decisivo, em 1960, o índice de telespectadores chegou a 70 milhões de pessoas. Mas Nixon levou a pior, porque não se apresentava bem no vídeo e não seguia as orientações de seus assessores de comunicação. Chegou a ponto, como lembra Figueiredo, de um colega de chapa advertir Nixon no sentido de melhorar a aparência, “de forma a desmanchar a imagem de assassino que vendia na televisão” (FIGUEIREDO, idem, p. 84). A eleição terminou com a apertada vitória de Kennedy com 34.221.463 votos, ou 49,7% do total, contra 34.108.582 votos, ou 49,6% dados a Nixon. A diferença mínima foi, portanto, de 0,1% (um décimo por cento) para Kennedy. Concluiu-se que 17 a oratória de cada candidato, tantas vezes veiculados pela TV, fizeram a diferença no momento da decisão. Ficou claro, portanto, a importância de se adequar a fala a cada momento, local e ocasião. O fenômeno televisivo que marcou a batalha eleitoral Kennedy versus Nixon coincide com a assimilação do potencial da TV pelos profissionais da Publicidade. Quando surgiu, a televisão era vista com certa timidez pelos anunciantes. Com o tempo – que trouxe o crescimento da produção do aparelho, a conseqüente redução dos preços e o aumento do número de pessoas com acesso ao equipamento, bem como a instalação de emissoras em vários estados – houve uma ampliação da área de penetração da TV. A partir daí, ela começa a atrair as agências de propaganda e os anunciantes. “Os anos 60 consolidam a TV no Brasil. Na disputa pelas verbas publicitárias, ela assume, definitivamente, o seu caráter comercial: começa a briga pela audiência” (PATERNOSTRO, 2006, p. 31). Vários estudos apontam, no entanto, para o caráter “elitizador” que marcou a história da TV durante muito tempo. A literatura registra que, até o início da década de 1990, a televisão era feita para a classe média. As classes D e E não eram consideradas consumidoras. Esse cenário mudou a partir do Plano Real, na década de 1990, após a eleição do então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O plano econômico aumentou o poder aquisitivo da população, que investiu de maneira especial na compra de eletrodomésticos. “Entre 1993 e 1996 foram vendidos mais de dez milhões de televisores e o número de casas com aparelhos aumentou em 5,5 milhões, segundo pesquisa do IBGE/PNAD” (BISTANE E BACELLAR, 2005, p.85). 2.1 - A representação Tanto o campo do Marketing Político quanto o da Publicidade evidenciam a capacidade da TV de construir e disseminar representações sociais, ou seja, de construir e disseminar as imagens e comportamentos aceitos e valorizados por uma determinada sociedade. A idéia de representação, aqui, está necessariamente ligada aos comportamentos performáticos e ao esforço das pessoas para construir imagens de si mesmas. Sob esse aspecto, pode ser útil recorrer à obra do sociólogo norte-americano Erving Goffman (2001), em um de seus trabalhos pioneiros, A Representação do Eu na Vida Cotidiana. 18 De acordo com Goffman, a autoconstrução se dá a partir do modo como alguém representa a si mesmo na presença do outro. O autor parte do pressuposto de que os indivíduos podem ser divididos em duas partes: o ator e o personagem. A expressividade do individuo (e, portanto, sua capacidade de dar impressão) parece envolver duas espécies radicalmente diferentes de atividade significativa: a expressão que ele transmite e a expressão que ele emite. [...] O indivíduo evidentemente transmite informação falsa intencionalmente por meio de ambos estes tipos de comunicação, o primeiro implicando em fraude, o segundo em dissimulação" (GOFFMAN, 2001, p. 12). É certo, contudo, que, para Goffman, as auto-encenações apresentadas pelos indivíduos nos lugares mais públicos dizem tanto a respeito deles mesmos quanto aquelas encarnadas no espaço da intimidade. Assim, qualquer dado sobre um determinado sujeito (identificado via encenação ou representação) contribui para a descoberta de qual é a situação desse sujeito num contexto específico. A informação a respeito do individuo serve para definir a situação, tornando os outros capazes de conhecer antecipadamente o que ele esperará deles e o que dele podem esperar. Assim informados, saberão qual a melhor maneira de agir para dele obter uma resposta desejada (GOFFMAN, 2001, p. 11) A noção de personagem trabalhada por Goffman parece bastante útil a essa pesquisa, na medida em que ela propõe um exame da forma pela qual os deputados estaduais de Minas Gerais se comportam diante das câmeras da TV Assembléia e, ao mesmo tempo, da maneira pela qual a presença imaginária do telespectador e a presença física de deputados, jornalistas e cidadãos, influencia as decisões e ações desses parlamentares. O sociólogo canadense afirma, por exemplo, que as pessoas estão sempre procurando representar personagens ideais, de forma que possam ser aceitas pela sociedade. Essas representações são, portanto, guiadas a partir da relação com o outro. Ao representar a si mesmo, um indivíduo mostra ao outro o comportamento que espera dele. Nesse sentido, a forma como X trata Y está baseada nas impressões que X tem de Y, construídas a partir das ações e reações de Y e X durante a interação. As performances também variam conforme o lugar e o contexto. Para marcar o lugar das interações, Goffman trabalhou com a noção de região. O sociólogo 19 afirma que as ações do ser humano situam-se em dois tipos de regiões: as de frente e as de fundo. As primeiras, também designadas como oficiais, abertas ou públicas, são aquelas que abrigam as representações mais aparentes. São nessas regiões que as personagens construídas intencionalmente atuam e onde se mostram mais preocupadas em controlar suas ações – que estão sob a supervisão de um olhar alheio, atento a qualquer descuido. Meniconi (2005) indica que já as regiões de fundo demarcam a intimidade e os lugares de maior privacidade. São espaços nos quais uma pessoa convive com um grupo seleto de indivíduos, diante dos quais não precisa se preocupar. É onde ela pode relaxar e agir naturalmente. Como destaca Meniconi (2005), é nas regiões de fundo que o indivíduo prepara sua atuação para as regiões de frente. Outro ponto ressaltado por Goffman, e enfatizado por Meniconi, é o fato de que, durante as representações, cada sujeito acaba apresentando determinadas características físicas e sociais que a priori já sinalizam aos seus interlocutores o papel que ele deverá encenar. Ou seja, a presença de determinados objetos e o fato de estar num dado ambiente influenciam a atuação desse personagem. A todo esse conjunto de dispositivos que ajuda a criar as representações, Goffman convencionou chamar de “fachada”: Será conveniente denominar de fachada a parte do desempenho do indivíduo que funciona regularmente de forma geral e fixa com o fim de definir a situação para os que observam a representação. Fachada, portanto, é o equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou inconscientemente empregado pelo indivíduo durante sua representação (GOFFMAN, apud MENICONI, 2005, p. 57). Na concepção de Goffman, portanto, as fachadas – estruturas fixas e pouco mutáveis – nada mais são que a encenação de papéis. Assim, dificilmente cria-se uma nova fachada, um novo papel; ao desenvolver uma performance, o indivíduo seleciona, na verdade, a representaçãoque mais lhe convém. E faz isso baseado em princípios, crenças e valores próprios. (...) as interações cotidianas (...) são decorrentes de inúmeros fatores relacionados às dinâmicas culturais, sociais e econômicas que perpassam a sociedade. (...) As representações, antes de tudo, encarnam valores, que estão longe de serem práticas fixas; valores são constantemente apreendidos e modificados pelos sujeitos que os tomam (MENICONI, 2005, p. 57). 20 Contudo, também é certo que, quando um indivíduo representa um papel para outros, tende a incorporar em sua performance valores reconhecidos socialmente, de maneira que sua atuação seja bem sucedida. E, como acentua Goffman, “ao encarnar esses valores em sua representação, ele faz com que estes se perpetuem na sociedade” (MENICONI, 2005, p.58). Portanto, os sujeitos agem, inicialmente, para defender seus próprios interesses, mas acabam executando seus papéis na sociedade, de modo a cooperar com os demais. Na maior parte das situações, as pessoas acabam por se mostrar como realmente são – ainda que, em algumas ocasiões, exagerem em suas performances. Nesse sentido, as performances dos indivíduos não são apenas a extensão da decisão individual dos atores; elas são criadas a partir do cruzamento de exigências do próprio papel e de sua projeção social, construída conjuntamente com os outros indivíduos. Por isso mesmo, apesar de agirem sempre tendo em vista o maior controle possível sobre suas respectivas performances, as pessoas estão sujeitas a imprevistos que escapam de seu controle. Segundo Goffman, isso ocorre porque “as representações põem em destaque uma decisiva discrepância entre nosso eu demasiado humano e nosso eu socializado” (GOFFMAN apud MENICONI, 2005, p. 61) Ainda sob esse aspecto, um outro ponto enfatizado por Goffman diz respeito à consciência que as pessoas têm da dificuldade enfrentada por cada indivíduo para sustentar o personagem que forja para o outro e para si mesmo. Por isso mesmo, as pessoas costumam buscar sinais reveladores da intimidade do outro – expressões das regiões de fundo, onde o indivíduo “baixa a guarda”. Desta forma, os pequenos detalhes que compõem as representações de um indivíduo – como os gestos, por exemplo – podem conferir maior credibilidade à performance desse indivíduo, mas também podem liquidá-la. “Além disso, mesmo que um ator consiga sustentar seu papel da forma que julga ser a mais conveniente, tal representação estará sempre à mercê das mais diversas interpretações do público” (MENICONI, 2005, p.61). Aqui, há, ainda, um outro aspecto acentuado por Meniconi: ela lembra que todo público tem, não raras vezes, a sensação de que pode estar diante de uma representação falsa e tomá-la como verdadeira. Na posição de membros de uma “platéia”, as pessoas têm, portanto, a consciência de que podem ser enganadas. Assim, estarão freqüentemente colocando em dúvida a veracidade das representações. Exatamente por isso, também estarão sempre em busca de algum 21 sinal – um gesto mal executado, por exemplo –, capaz de indicar a verdadeira natureza de uma performance. Considerando todos esses aspectos, o trabalho de pesquisa aqui proposto pretende examinar a influência da TV Assembléia – e do seu poder de disseminar diferentes representações – sobre a atuação dos parlamentares no exercício de sua função. 22 3 – A TV Legislativa e o exercício do mandato 3.1 – História: o caso da Lei do Cabo As TVs legislativas surgiram em 1995, a partir da criação da Lei de TV a cabo, n° 8.977/95. Negociada entre governo, empresários e sociedade, foi a primeira lei do setor de telecomunicações desde o Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962. Segundo Rosseto (2006) a história da regulamentação da Lei de TV a cabo foi construída com a participação da sociedade civil – o que fez com que ela ganhasse grande repercussão. O processo pode ser dividido em três atos. Num primeiro momento, entre 1970 e 1987, tentou-se implantar algo semelhante à lei do cabo em vigor hoje, mas sem qualquer amparo legal. Porém, como lembra Rosseto (2006), existia vontade popular e de movimentos pela democratização da comunicação de dar início ao processo de forma diferente. Nesse sentido, havia um projeto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, enviado ao Ministério das Comunicações, de montar uma estrutura de televisão segmentada na cidade Venâncio Aires, Rio Grande do Sul, com o objetivo de estudar a nova tecnologia de transmissão. Porém, o projeto foi barrado pelo Ministério das Comunicações e, nesse momento, ficou clara a intenção do governo de instalar o serviço sem qualquer discussão, de forma a não abrir espaço para concorrência. Em 1975 entidades culturais denunciaram o projeto secreto do Ministério das Comunicações, para implantação de um sistema de distribuição de sinais por cabos. O Ministério das Comunicações tentou, ainda, por dois anos, regularizar o serviço diretamente com a Presidência da República por decreto, sem submetê-lo ao congresso. Entretanto, o governo não aceitou o pedido e se comprometeu a fazê-lo somente com o apoio do Congresso. Paralelamente, segundo Rosseto, o mercado continuou se expandindo sem amparo legal até 1988. Num segundo momento, começavam a ser editados os primeiros textos legais para o serviço. Pode-se dizer que o primeiro amparo jurídico foi o decreto 95.744, de 23 de fevereiro de 1988, “que regulamentou, sem discussão pública, o chamado Serviço Especial de Televisão por Assinatura, lançando as bases da política para as tecnologias do UHF codificado e do satélite”. (ROSSETO, 2006, p. 4). No tocante à tecnologia a cabo, a portaria 143, de 21 de junho do mesmo ano, foi a primeira provisão legal firmada diretamente através do Ministério das Comunicações com o 23 nome de Serviço de Recepção de Sinais de TV via Satélite e sua Distribuição por Meios Físicos a Usuários. Um ano mais tarde, com o intuito de garantir mais segurança aos investidores do setor do cabo, o então ministro das Comunicações, Antonio Carlos Magalhães, editou a portaria 250, em substituição a 143, que instalou o serviço de Distribuição de Sinais de TV por Meios Físicos - DISTV –, que disciplinava a distribuição de sinais por meios físicos, sem a necessidade de utilização do espectro radioelétrico para chegar aos usuários1. Todavia, Rosseto lembra que o DISTV ainda não era a televisão a cabo como conhecemos hoje, e não durou muito para que fosse suspensa a distribuição de licenças para esse serviço, além de ser estabelecida, em junho de 1991 pela Secretaria Nacional de Comunicação2, outra portaria, a n° 051/91, transformando a DISTV em Serviço Especial de TV a Cabo. Contudo, essa portaria foi contestada durante uma audiência pública pelo Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações (FNDC), liderado pelas federações dos jornalistas, trabalhadores de rádio e televisão, artistas e técnicos em diversão e teatro. De acordo com Rosseto, o Fórum acreditava que a TV a cabo, como havia sido regulamentada, não dava possibilidade de disputa por licitação e excluía os órgãos públicos do direito de exploração. O Fórum defendia que esse serviço de distribuição por cabos fosse regulamentado da mesma forma que a radiodifusão, passando pelo Congresso e se transformando em lei e baseado nos conceitos de desestatização, reprivatização e controle público (ROSSETO, 2006, p. 5). A entidade encontrou o apoio do então deputado Tilden Santiago – hoje filiado ao PSB, mas que, à época, pertencia ao PT de Minas Gerais –, que apresentou o projeto de lei nº 2.120, em outubrode 1991. O projeto para implantação da transmissão a cabo também incluía os canais legislativos, educativos e de acesso público, além da criação de um Conselho de Cabodifusão. Nos idos de 1993 e 1994, o mercado se organizou em oligopólios. Esses anos foram marcados por novidades no que tange à questão da propriedade e da 1 ABTA – Associação Brasileira de TV por assinatura. Disponível em < http://www.abta.com.br/site/content/panorama/historico.php> Acesso em 25/11/2008. 2 Durante o governo de Fernando Collor de Mello o Ministério das Comunicações foi transformado na Secretaria Nacional de Comunicação – SNC, subordinada ao Ministério da Infra-Estrutura. 24 programação, porém sem grande evolução do ponto de vista da legislação. O ano de 1993, especificamente, foi marcado pela criação de uma representação empresarial forte no mercado. “Em decorrência da entrada definitiva no negócio de TV paga das grandes empresas das Organizações Globo, a recém-criada Multicanal e o Grupo Abril, no final do ano nasceu a Associação Brasileira de Televisão por Assinatura” (ROSSETO, 2006, p. 5). Já num terceiro momento desse processo, que começou em 1995, o mercado brasileiro de televisão paga registrou, segundo Rosseto, o maior crescimento de número de assinantes da sua história: passou de 250 mil para 1 milhão, em dois anos. Entretanto, o grande marco dessa fase do desenvolvimento do mercado foi a aprovação da Lei 8.977/95, em 6 de janeiro, a chamada Lei do Cabo. É a única lei que rege o sistema de TV por assinatura e regulamenta a tecnologia do cabo. O fato não foi apenas um marco para o mercado. Foi, sobretudo, um grande exemplo de trabalho legislativo para a história da política brasileira, pois, na concepção de Rosseto, traduziu em lei um processo que contou com a participação ativa não só do empresariado, mas também da sociedade civil. Rosseto acredita, ainda, que, após as reordenações do mercado ocorridas em 1993 e 1994, iniciou-se um período mais ou menos definido e com um quadro regulatório mais seguro para o cidadão. A lei 8.977/95 diz que a televisão a cabo é um serviço de telecomunicações, orientado pelas noções de rede única, rede pública e participação da sociedade. Na avaliação de estudiosos como Rosseto, não por acaso a disponibilização de 30% dos canais permanentes para terceiros, sem ligação com a operadora, é considerada um grande avanço. Ainda conforme a lei, o serviço de TV a cabo só pode ser explorado mediante concessão. O texto define que uma operadora pode distribuir sinais televisivos próprios ou de terceiros, através de redes; que uma programadora está encarregada da produção e/ou fornecimento de programas; que a rede de transporte é de responsabilidade das concessionárias de telecomunicações e que as redes locais pertencem às operadoras. O texto permite, ainda, o overbuilding – a existência de mais de uma rede de cabos em uma mesma localidade. Contudo, o maior avanço na lei talvez tenha sido o estabelecimento dos canais de acesso público. São três legislativos: um para o Senado Federal, outro para a Câmara dos Deputados e um terceiro, que deve ser partilhado entre as 25 Assembléias Legislativas e as Câmaras de Vereadores. Os demais canais foram subdividos numa estrutura educativo-cultural, para ser usado pelos órgãos que lidam com educação e cultura nos municípios e nos governos estaduais e federal. Há também um canal universitário, que fica sob a responsabilidade das universidades localizadas na área de prestação do serviço, além de um canal comunitário, de uso livre e gratuito por qualquer entidade sem fins lucrativos. Outros dois canais foram reservados para uso em caráter eventual, como transmissão de assembléias sindicais. Em 1997 foi sancionada a Lei Geral de Telecomunicações, nº 9.472/97, que, entre outros serviços, regula o DTH (abreviatura do termo inglês Direct to home, transmissão por satélite) e o MMDS (Serviço de Distribuição Multiponto Multicanal, tecnologia de telecomunicações sem fio), ratificando que ambos devem ser outorgados simplificadamente, sem prazo determinado e mediante autorização. De acordo com Rosseto, o texto foi aprovado praticamente sem discussão, num período de três meses, apoiado na idéia de que a lógica de mercado acarreta desenvolvimento. Esse texto jurídico em grande parte substitui o Código Brasileiro de Telecomunicações. “Diferentemente da Lei do Cabo, segundo a qual 51% do capital das operadoras deve estar sob controle de brasileiros natos, a Lei Geral não estabelece limites ao capital estrangeiro” (ROSSETO, 2006, p. 6). A única mudança na TV a cabo, desde então, foi a inclusão de um canal destinado ao Supremo Tribunal Federal em 2002. Depois disso, como lembra Rosseto, nada mais se produziu, relatou ou discutiu sobre a regulamentação do setor. 3.2 – A TV Câmara A TV Câmara, canal aberto de televisão da Câmara dos Deputados, foi criada em 20 de janeiro de 1998, com o intuito de transmitir as discussões e votações do Plenário e das comissões, “dando maior transparência à rede de elaboração das leis que regem o dia-a-dia da sociedade”3. As sessões do Plenário são exibidas ao vivo e a TV conta com equipes de jornalismo que acompanham os trabalhos das comissões permanentes, Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), seminários e qualquer manifestação de interesse público. “A linguagem recebe especial atenção, para traduzir ao telespectador o 3 TV CÂMARA. Disponível em <http://www2.camara.gov.br/tv> Acesso em 28/10/2008. 26 processo legislativo e tornar a notícia e a informação claras e acessíveis”4. O canal tem telejornais diários que mostram os bastidores e detalham assuntos importantes do dia – caso da inserções intituladas Câmara Hoje e Primeira Página, além dos flashes ao vivo do Câmara Agora e a revista eletrônica semanal Panorama. Há ainda programas temáticos e de debates, que tentam ampliar a visão do telespectador, facilitando sua tomada de posição. São eles: Expressão Nacional, Personalidade, Mulheres no Parlamento, Brasil em Debate, Participação Popular, Palavra Aberta, Comitê de Imprensa e Ver TV. A TV Câmara cobre 100% do território nacional, com sinal disponível em redes abertas e por assinatura. Via parabólica, operadoras de TV a cabo ou, no Distrito Federal, em UHF, a programação está no ar 24 horas por dia. 3.3 – A TV Senado A TV Senado é anterior à TV Câmara: foi criada no dia 5 de fevereiro de 1996. Inicialmente, era transmitida apenas para assinantes de TV a cabo. Hoje, contudo, o canal pode ser sintonizado em todo território brasileiro. “As transmissões simultâneas alcançam, pelo menos, as 8 milhões de antenas parabólicas instaladas no país e os mais de quatro milhões de televisores com TV por assinatura”5. O canal faz a cobertura de todas as sessões plenárias do Senado Federal e da Câmara, além de reuniões das comissões permanentes, comissões parlamentares de inquérito, comissões especiais e comissões mistas, formadas por senadores e deputados, com imagens disponibilizadas também para as emissoras comerciais, em tempo real, via satélite. Quando não são exibidas ao vivo, as reuniões das comissões são gravadas e programadas para serem veiculadas nos intervalos que se seguem na programação do mesmo dia ou dos dias seguintes. De acordo com informações do site do Senado, a cobertura institucional resulta em diversos tipos de programas: transmissões ao vivo, íntegras de reuniões pré-gravadas, entrevistas e produção de especiais e programas jornalísticos. Há espaço, inclusive, para o campo cultural, com destaque para a música. Atualmente, há pelo menos três espaços fixos na programação reservados para os programasmusicais: no Espaço Cultural, são veiculadas apresentações de música popular e 4 TV CÂMARA. Disponível em <http://www2.camara.gov.br/tv> Acesso em 28/10/2008. 5 TV SENADO. Disponível em <http://www.senado.gov.br/tv> Acesso em 28/10/2008. 27 erudita. O programa Quem tem medo da música clássica? é, segundo o site do Senado, “um dos maiores sucessos de público da TV Senado, é recordista em telefonemas e mensagens recebidas”6. Já no programa Conversa de Músico, são apresentadas entrevistas e curiosidades sobre instrumentos, grandes compositores e sobre o que pensam os profissionais dessa área. Ainda como parte da programação cultural, o canal apresenta o programa Leituras, dedicado à análise e à divulgação da literatura brasileira, com entrevistas e apresentação de obras lançadas no Brasil. Nos Especiais da TV Senado, são retratados ainda temas históricos e turísticos, além de programas educativos, que versam sobre a saúde, por exemplo. São documentários, debates e entrevistas sobre diversos assuntos. Entretanto, o forte da programação é mesmo a atividade legislativa. Os noticiários Jornal do Senado e Senado Agora, agregados aos boletins Aconteceu no Senado, explicam a atuação dos senadores e esclarecem os trabalhos desta Casa legislativa, detalhando o processo de tramitação de propostas que mudam o dia-a- dia dos cidadãos. “Ao longo do dia, vídeos institucionais explicam a estrutura interna do Senado. É possível conhecer, por exemplo, o trabalho da Secretaria Geral da Mesa, da Biblioteca ou da própria Secretaria de Comunicação Social”7. 3.4 – A TV Assembléia Poucos eleitores mineiros sabem que a Assembléia Legislativa de Minas Gerais foi, na verdade, a pioneira na criação de um canal do Poder Legislativo. A TV Assembléia de Minas (TVA) foi a primeira emissora legislativa criada após a publicação da Lei do Cabo. Aos 30 dias do mês de novembro de 1995 – portanto, antes da TV Câmara e da TV Senado – entrou em operação no canal 40, em Belo Horizonte, hoje canal 11. A idéia era facilitar o acompanhamento dos trabalhos da instituição e dos parlamentares pelos cidadãos. No primeiro ano, eram transmitidas duas horas e meia de programação, contendo basicamente reprises de reuniões do Plenário da Assembléia. No ano seguinte, a TVA cresce e passa a exibir 12 horas de programação, apresentando os primeiros programas gravados e editados. Já em 2007 essa 6 TV SENADO. Disponível em <http://www.senado.gov.br/tv> Acesso em 28/10/2008. 7 TV SENADO. Disponível em <http://www.senado.gov.br/tv> Acesso em 28/10/2008 28 tendência de crescimento se firmou e a emissora passou a ter uma grade básica de programas – muitos produzidos em estúdio, como os debates e entrevistas especiais. Em pouco mais de um ano, em 1998, a TVA chega a todas as regiões do Estado, através do satélite Brasilsat B3. A partir daí são transmitidas 17 horas de programação diária. A grade contava com documentários e programas nas áreas do direito, da política e da cultura. Ainda naquele ano, a TVA faz sua primeira grande cobertura das eleições, “iniciando um projeto que a transforma em referência no jornalismo político”8. Já em 1999, o canal aumenta sua grade de programas e passa a ter 18 horas diárias. A essa altura, estava consolidado o processo de expansão para o interior do Estado. A partir de 2000, a TVA se consolida como canal legislativo. Nesse ano a emissora fez uma grande cobertura das eleições, o que se repete em 2002 e permanece até os dias de hoje. O sinal da TVA chega atualmente em 237 cidades9 mineiras via satélite (o sinal pode ser captado por antenas parabólicas) e por cabo. Pela internet, pode ser acessada em qualquer lugar do mundo pelo endereço eletrônico: http://www.almg.gov.br. A programação é constituída basicamente de transmissão ao vivo, no Plenário, ou seja, das veiculações das reuniões ordinárias realizadas às terças, quartas e quintas-feiras (com início sempre às 14 horas), e, eventualmente, das reuniões extraordinárias, em dias e horários alternados às reuniões ordinárias. Também fazem parte da grade as reuniões destinadas a debates, realizadas sempre às segundas-feiras, às 20 horas, e às sextas-feiras, às 9 horas, além das reuniões especiais para homenagens e comemorações de datas festivas. Nessa grade, o Plenário da casa tem prioridade de exibição ao vivo na TVA. Todas essas reuniões são públicas e podem ser acompanhadas das galerias (lugares reservados ao público para assistir às sessões) por qualquer cidadão. Segundo Lucena10 nunca foi realizada pesquisa especifica para medir a audiência da TVA. Ele explica que é muito difícil aferir isso, pois, na capital, a TV só pode ser sintonizada por assinante de TV a cabo. O sinal é aberto em algumas 8 TV ASSEMBLÉIA. Disponível em <http://www.almg.gov.br/index.asp?diretorio=tvalmg&arquivo=tv_historia> Acesso em 08/11/2008. 9 TV ASSEMBLÉIA. Disponível em < http://www.almg.gov.br/index.asp?diretorio=tvalmg&arquivo=tv_sintonia> Acesso em 25/11/2008. 10 LUCENA, Rodrigo Barreto de. Diretor de rádio e TV da ALMG. Entrevista concedida em outubro de 2008. Ver anexo D. 29 cidades do interior e aguarda autorização do Congresso para ser aberto em Belo Horizonte. Lucena lembra que essa audiência é muito qualificada, já que, se perguntados, esses telespectadores sabem identificar os programas, a programação e o que eles gostam ou aprovam. “Aí os resultados são muito significativos, favoráveis para a TV”, diz ele. A emissora avalia o perfil dos telespectadores da TVA por meio de pesquisas. Esse perfil, entretanto, varia muito de região para região e conforme a maneira pela qual o sinal é captado. Segundo Lucena, o público que tem acesso à programação pela TV a cabo é diferente daquele que a assiste pela TV aberta. Há ainda o fator da localização desse público: o público de uma cidade grande costuma divergir sob vários aspectos do público de uma cidade pequena. Dito de outra forma, o público é essencialmente heterogêneo, principalmente quando o sinal da TV é aberto. Seja qual for o público, contudo, as possibilidades de interação da TVA com as pessoas que garantem a sua audiência estão centradas no correio eletrônico. O processo se dá geralmente por e-mail. Segundo Lucena, o telespectador pode até ligar, mas a emissora não divulga esse canal, uma vez que ainda não possui estrutura adequada para atender a todos por esse meio. 30 4 – Instrumentos metodológicos No regime democrático, o Poder Legislativo é o responsável pela representação popular e é nele que se encontra espaço para as negociações políticas e manifestações sociais do país. Além disso, o Parlamento se propõe a dar voz ao povo. Nesse sentido, é importante conhecer a estrutura, abrangência e eficácia da TVA – principal veículo de comunicação da ALMG. O canal foi criado para democratizar e ampliar o acesso ao cotidiano do Poder Legislativo, dando mais transparência às atividades dos deputados e facilitando o acompanhamento dos trabalhos legislativos pela sociedade. É fato, contudo, que os parlamentares, como qualquer pessoa que se vê diante das câmeras de uma TV, estabelecem uma relação com o veículo que, não raras vezes, resulta na representação – não no sentido pejorativo, ligado, por exemplo, à dissimulação, mas no sentido social proposto por Erving Goffman (2001), para quem a representação faz parte das interações sociais, podendo facilitar o processo de comunicação e contribuir para a redução da áreade conflito. Este trabalho mostra como os deputados voltam suas ações para as câmeras quando estão em plenário – e não apenas para os outros deputados e cidadãos presentes –, e os motivos que os levam a se comportar dessa maneira. A partir do exame desse comportamento, pretende verificar se a TV, com seu potencial de comunicação, afeta a qualidade do mandato político, tantas vezes refletida na performance e no discurso dos parlamentares no exercício de sua função – os dois principais elementos aqui analisados. Parece pertinente, sob esse aspecto, examinar o tipo de relação estabelecida entre o deputado e seu eleitorado através da TVA. Para isso, tentou-se responder a três questões básicas, que parecem relevantes: o fato de prometer, defender ou repudiar determinado tema ou ação em frente às câmeras compromete o parlamentar do ponto de vista do eleitor? A TV, embora instrumento proporcionador da divulgação do trabalho do parlamentar, também funciona como instrumento de fiscalização do trabalho desse parlamentar? Como se dá esse processo? Para tentar entender essa dinâmica entre os parlamentares e a TVA, foi empreendida ampla pesquisa bibliográfica sobre a história da comunicação, assim como a história da televisão no Brasil, do ponto de vista técnico, mas também político. Recorreu-se, ainda, aos manuais de redação e estilo em TV, bem como a 31 obras que trabalham o conceito de imagem e suas implicações na televisão. Episódios específicos, que envolvem TV e política, foram reexaminados: caso da eleição do ex-presidente Fernando Collor sob grande influência da Rede Globo de Televisão, como apontam vários estudiosos, com destaque para Mario Sergio Conti (1999), e do ex-presidente norte-americano Richard Nixon, que perdeu as eleições para John Kennedy, também sob a influência do veículo, como registra o estudo clássico de Ney Lima Figueiredo (1986). A pesquisa também inclui dados coletados em obras e em entrevistas sobre a história das TVs legislativas, com destaque para o processo que possibilitou a existência desse tipo de canal. Para entender o fator representação, foi de fundamental importância o estudo das interações sociais, o que se deu a partir da leitura da obra do sociólogo canadense, Erving Goffman (2001), A Representação do Eu na Vida Cotidiana. Num segundo momento, recorreu-se a entrevistas específicas com três personagens considerados essenciais à análise aqui pretendida. Trata-se de Rodrigo Barreto de Lucena, 44 anos, diretor de rádio e TV da ALMG, jornalista e há 11 anos na emissora; o diretor de comunicação institucional da ALMG e jornalista, Lúcio Perez, 46 anos e há 14 anos na instituição; e João Carlos Amaral, jornalista, consultor de imagem, âncora do plenário da ALMG e há 13 anos na instituição. Optou-se pela entrevista semi-estruturada – um dos modelos apresentados por Tim May (2004), na obra Pesquisa Social: Questões, métodos e processos –, na qual “as perguntas são normalmente especificadas, mas o entrevistador está mais livre para ir além das respostas” (MAY, 2004, p. 148). Esse tipo de método permite ao entrevistador buscar mais esclarecimentos ou maior elaboração das respostas por parte do entrevistado, além de possibilitar o registro de informação qualitativa sobre o assunto abordado. Como ressalta May, esse tipo de entrevista permite, ainda, que as pessoas respondam em seus próprios termos, fornecendo ao pesquisador uma boa estrutura de comparabilidade. O terceiro passo – concentrado na tentativa de avaliar se a TVA pode ser útil ao desempenho de um mandato – constituiu-se na construção de um quadro com algumas categorias de análise centradas no cruzamento de dois fatores-chave: de um lado, os elementos que, a rigor, seriam capazes de assegurar a um parlamentar um mandato positivo. De outro, a capacidade ou não do canal legislativo de proporcionar esses elementos (ver ANEXO A). Para a indagação “O que garante um 32 bom mandato?” foram pontuados, aleatoriamente11, os seguintes itens: Recursos Financeiros (orçamento); pessoas qualificadas na equipe (gabinete); bom trânsito na imprensa; divulgação do trabalho na mídia; contato com o eleitorado; prestação de contas ao eleitorado; bom diálogo com outros parlamentares e representantes dos governos (municipal, estadual e federal); boa equipe de comunicação; boa imagem pessoal. Paralelamente, foi elaborado um questionário específico para os 77 deputados da Assembléia Legislativa de Minas Gerais. O material, encaminhado a todos os parlamentares, é constituído de perguntas também fundamentadas na concepção de May (2004) sobre esse método de pesquisa. Optou-se, desta vez, pela entrevista estruturada. Nessa modalidade, a mesma pergunta é feita a cada pessoa da mesma maneira, “de modo que quaisquer diferenças entre as respostas são consideradas reais e não resultado da situação da entrevista” (MAY, idem, p. 146). Assim, segundo o pesquisador, o papel do entrevistador é neutro, já que as regras para conduzir essas entrevistas são a padronização. May considera que esse método também permite a comparabilidade entre as respostas, uma vez que baseia- se em uma estrutura uniforme. Tabulamos as respostas dos deputados num quadro analítico (ver ANEXO B), que considera todos os pontos abordados pelo questionário: o potencial da TVA; a importância da TVA; o zelo pela imagem pessoal; a percepção da reação do eleitor; a percepção do retorno dos cidadãos; a avaliação do retorno (positivo ou negativo); a existência ou não de eventuais riscos à imagem; a percepção de estar sendo fiscalizado ou não por meio da TVA; divergência de comportamento antes e depois do advento da TVA; e os efeitos da TVA na maneira de ser e de agir como parlamentar. Embora o questionário aplicado aos deputados possua questões abertas, dicotômicas, de múltipla escolha e de estimação12, optou-se, aqui, pela restrição das respostas ao sim e ao não, de maneira a simplificar a tabulação para a análise. Assim, se um deputado, ao dar sua resposta, demonstrou uma avaliação pelo menos “mediana” do tema abordado (portanto, uma resposta que pode ser 11 Os parâmetros foram escolhidos aleatoriamente, considerando a experiência política acumulada pelo autor, que convive no meio político há 09 anos, tendo sido, inclusive, candidato a vereador pelo PL nas eleições municipais de 2004 e pelo PHS nas eleições de 2008. 12 Segundo Lakatos e Marconi, as perguntas de estimação ou avaliação são aquelas que permitem “emitir um julgamento através de uma escala de vários graus de intensidade para um mesmo item” (1999, p. 105) 33 considerada mais ou menos positiva, mas nunca negativa), optou-se pela inserção da opção “sim” no quadro analítico. Em contrapartida, as respostas entendidas como avaliação negativa resultaram na inserção do “não”. Em ambos os casos, contudo, a opção pelo sim ou pelo não foi influenciada pelas respostas dadas pelo parlamentar nas questões abertas. Outro instrumento de pesquisa foi a observação dos parlamentares (das ações, gestos e oratória) diante das câmeras da TVA, realizada nos dias 19 e 20 de novembro de 200813. Tal instrumento se fez necessário diante da percepção de que um deputado trabalha, concomitantemente, com pelo menos três “enquadramentos interacionais” (MENICONI, 2005, p. 4) enquanto discursa no plenário: as interações com outros deputados; com as pessoas nas galerias, visitantes que têm livre acesso para assistir às sessões plenárias; e com o público telespectador. Assim, procurou- se examinar, aqui, a performance dos deputados em frente às câmeras da TVA em três momentos: a) o discurso na tribuna; b) interação com outros parlamentares; c) interação com público e galerias. Para empreender essa análise, parâmetros específicos deobservação foram adotados: (1) gestos (naturais ou teatrais?); (2) vocabulário (simples ou rebuscado?); (3) tom de voz (normal ou teatral?); (4) conteúdo (comenta o que é de interesse de quem? A partir daí, defende ou ataca?); (5) interação com outros deputados (normal ou teatral?); (6) assunto da reunião; (7) Situação do plenário (cheio, vazio ou quase vazio); (8) fase do discurso14 (nas reuniões discursos podem ser feitos em três momentos: na fase de oradores, num aparte15 ou no fim da reunião, usando o artigo 7016); (9) observações. 13 Os dados e o quadro analítico estão no ANEXO C. 14 Na ordem do dia há reuniões ordinárias e, eventualmente, reuniões extraordinárias. As reuniões são dividas em duas partes e cada uma delas subdivida em duas fases. A primeira fase da primeira parte é chamada de Expediente e dura 15 minutos. Aqui, ocorrem a leitura e a aprovação da ata da reunião anterior, além da leitura da correspondência. A segunda parte, chamada de Grande Expediente, tem duração de uma hora, quando são feitas apresentações de proposições e discursos dos oradores inscritos. Já na segunda parte, a primeira fase pode durar até uma hora e serve para comunicações da presidência e apreciação de pareceres e requerimentos. A segunda fase pode durar até duas horas e 15 minutos, quando são discutidos e votados os projetos de lei. 15 Ocasião em que um deputado pede a palavra durante o discurso de outro deputado na tribuna. 16 Artigo 70 - Segundo o artigo 70 do Regimento Interno, será facultado ao líder, em caráter excepcional, usar da palavra pelo tempo que o Presidente da Assembléia prefixar, a fim de tratar de assunto relevante e urgente ou responder a crítica dirigida à Bancada ou ao Bloco Parlamentar a que pertença. O parágrafo 1° estipula que, quando o líder não puder ocupar a tribuna, poderá transferir a palavra a um dos seus vice-líderes ou a qualquer de seus liderados. O parágrafo 2° determina que a palavra somente será concedida, em ambas as fases da Ordem do Dia, depois de discutidas ou votadas as matérias nelas constantes. Em suma, é um artifício que os deputados usam para falar depois da chamada da fase dos oradores, ao final da votação. 34 4.1 – TVA: a dinâmica interacional Mesmo antes de 1995, ano de inauguração da TVA, a Assembléia Legislativa de Minas Gerais já guardava alguma afinidade com os processos de gravação para TV. Na época, era produzido o Assembléia Informa, um boletim de dois minutos veiculado na mídia. Assim, já havia alguma experiência por parte dos deputados, pois eles sabiam que determinadas reuniões estavam sendo filmadas. A partir daí, o comportamento adotado pelos parlamentares começava a se modificar. Rodrigo Barreto de Lucena, jornalista, diretor de Rádio e TV da ALMG e há 15 anos na Casa, conta que as reuniões transcorriam de forma diferente antes do advento das câmeras. “Eu me recordo de muitas reuniões: de como era a postura, de ver deputado, por exemplo, mais relaxado na mesa, grupinhos conversando – situações que hoje são evitadas na presença da TV. Com a TV, eles se cuidam um pouco mais, inclusive na forma de se expressar”17, diz. João Carlos Amaral, jornalista, consultor de imagem e âncora da TVA há 13 anos, concorda: “É claro que a TV altera o comportamento de todos nós. Você sabe que está captando som e imagem para milhares de pessoas ou para um segmento específico”18. Antes do início das transmissões da TVA, o deputado discursava na tribuna e sua fala apenas entrava nos anais da ALMG, além de ser publicada no Diário do Oficial. Esporadicamente, os discursos ganhavam alguma divulgação na mídia. Hoje, além de entrar nos anais da Casa, a cobertura dos trabalhos dos parlamentares pela TVA é constante. É possível ver os deputados constantemente no plenário e nas comissões cujas reuniões são transmitidas ao vivo e repetidas em horários alternativos. Hoje os parlamentares chegam ao interior antes de chegarem fisicamente. Eles chegam pela TV. Isso é um novo universo que exige de cada ator, de cada participante, nós como âncoras, repórteres, analistas, comentaristas e também dos parlamentes, novos procedimentos, posturas, gestos, roupas, entender que a câmera é o olho do telespectador. Falar para a lente da câmera para olhar no olho de quem está em casa assistindo (AMARAL, 2008, anexo E) 17 LUCENA, Rodrigo Barreto de. Diretor de rádio e TV da ALMG. Entrevista concedida em outubro de 2008, ver anexo D 18 AMARAL, João Carlos. Jornalista, consultor de imagem e âncora do plenário da ALMG. Entrevista concedida em outubro de 2008, ver anexo E 35 Essa revolução na comunicação entre o parlamento e a população alterou, segundo Amaral, o comportamento não só dos deputados, mas também dos profissionais que cobrem a Casa Legislativa. O comportamento no plenário hoje é adequado às necessidades impostas pelo veículo. Para Amaral, a TVA é uma ferramenta importante no exercício da democracia, uma vez que todo o movimento nos plenários e nas comissões é transmitido ao vivo e sem edição. Lúcio Pérez, jornalista, diretor de comunicação institucional da ALMG e há 14 anos na instituição, também acredita que a TVA provocou grandes mudanças no parlamento. Para ele, num primeiro cenário, o trabalho das comissões permanentes ganhou mais importância, mais presença dos parlamentares e mais participação de convidados com a emissora, uma vez que tudo é filmado. Num segundo cenário, segundo Pérez, a participação dos deputados na tribuna para fazer pronunciamentos ou revelar posicionamentos durante o processo de votação também foi valorizada. Para o diretor de comunicação, esse é um aspecto extremamente importante, uma vez que, “por causa da visibilidade que a TV começou a dar às atividades do Legislativo, os deputados, internamente, passaram a dar mais importância à qualidade dos trabalhos das comissões e do plenário”19. Para Pérez, a introdução da TVA no cotidiano dos deputados modificou um conjunto de hábitos. Eles passaram a dar mais importância à aparência, às roupas e ao modo de se expressarem. Essa percepção e as mudanças decorrentes dessa percepção se deram gradualmente. “Os deputados que perceberam isso mais rapidamente começaram a se preparar melhor para falar para uma câmera de TV, a procurar ocupar mais a tribuna para aparecer mais, a usar um terno que não atrapalhe a imagem na TV” (PÉREZ, 2008, anexo F). A preocupação com a TV hoje é tamanha que, quando um há uma reunião no interior, por exemplo, ela só começa com a presença da equipe da emissora. Outro exemplo, segundo Perez, é que, há 14 anos, poucos eram os deputados que tinham um assessor de imprensa contratado. Hoje isso mudou radicalmente e uma ampla maioria tem. “Essa é a questão da imagem do deputado: cada vez mais, ele tem consciência que a imagem pesa muito na vida política junto ao eleitorado e nas cidades”, afirma Perez, em entrevista. 19 PEREZ, Lúcio. Jornalista e diretor de comunicação institucional da ALMG. Entrevista concedida em outubro de 2008, ver anexo F. 36 De acordo com Lucena, atualmente muitos deputados sabem aproveitar bem o potencial da TVA. Por isso mesmo, eles se preparam, fazem cursos e buscam alternativas para melhorar seus respectivos desempenhos no veículo. Embora alguns deputados invistam menos na própria imagem que outros, eles são unânimes ao afirmar que a TVA tem grande potencial e importância. Sávio Souza Cruz deputado estadual eleito pela primeira vez em 1999 pelo PSB e hoje no PMDB, acredita que o potencial da TVA deveria ser ampliado e acha positivo que as pessoas, através da emissora, tenham oportunidadede conferir se o trabalho dos deputados nos quais votaram corresponde à expectativa delas. Padre João, deputado estadual eleito pelo PT em 2003 e 2007, afirma que a TVA aprimora o exercício da cidadania e dá transparência aos trabalhos. Já o deputado João Leite, eleito pelo PSDB pela primeira vez em 1995, ano de fundação da TVA, gostaria que a TVA fosse mais assistida, de forma que os cidadãos fiscalizassem ainda mais o trabalho dos deputados. Nesse sentido, ele ressalta a importância desse canal para o eleitor que deseja checar se os parlamentares realmente cumprem o papel que lhes cabe num regime democrático. Jayro Lessa eleito pelo PFL (atual DEM) em 2003 e reeleito em 2007, acredita que a TVA é um importante canal de comunicação, tanto para o parlamentar quanto para o cidadão, ainda que o canal não tenha grande audiência e ainda que a cultura de participar da política ainda não tenha se disseminado de forma eficaz. Eleito pela primeira vez em 1987 pelo PP e atualmente no PDT, o deputado Sebastião Helvécio afirma que a TVA ajuda “na formação do ideário coletivo do Legislativo, na medida em que informa e forma consciência do papel representativo na democracia”20. Já o deputado Getúlio Neiva, eleito pelo PMDB em 2007, acredita que o veículo oferece chance de expor as idéias e de defender os interesses do povo de forma transparente. Segundo ele, “a imagem não mente”. Também atenta aos interesses da população, Elisa Costa (PT) afirma que a TVA é um canal quase exclusivo de comunicação entre os deputados e a população. “Muitas vezes o deputado, como no caso de Minas Gerais, quando é de oposição ao governo do Estado, nem aparece nos jornais locais”, afirma ela. Lucena acredita que cada deputado carrega um determinado senso midiático em sua cultura – maior ou menor, dependendo da história pessoal e do jeito de fazer política de cada um. Deputados que trabalham nos bastidores, com partidos, com comunidades, com as cidades do interior, outros agentes políticos, que se dedicam 20 Todas as falas de deputados foram retiradas do questionário respondidos pelos parlamentares. 37 ao trabalho essencialmente comunitário, não são, segundo Lucena, deputados de muita expressão de mídia. Por outro lado, há aqueles de talento especial para usufruir da mídia. O diretor da TVA conta que, certa vez, um deputado, observando a desenvoltura com a qual alguns parlamentares de legendas progressistas lidavam com a mídia, perguntou a ele: “Olha eu estava querendo arrumar um jeito, soluções para a gente participar mais da TV, porque o que a gente percebe é que o pessoal do PT, que foi um pessoal basicamente criado em cima de palanque, de carro de som, têm mais facilidade para essa coisa de televisão e nós não temos”21. A julgar pelo relato acima, tudo indica que os próprios deputados percebiam as diferenças entre si no que se refere à cultura midiática. É fato, contudo, que isso independe de partidos ou plataformas políticas. Segundo Lucena, muitos deputados hoje conhecem profundamente as técnicas de edição de TV. “Tem deputado que fala até com a pausa para facilitar a edição”, conta ele, em entrevista. Mesmo com o domínio das técnicas, os deputados ainda têm que lidar com a particularidade das transmissões ao vivo. Eventualmente, os parlamentares têm que se posicionar a favor de um projeto que pode não ser tão popular, mas que talvez seja de interesse do governo, por exemplo. “Temos um volume de transmissões ao vivo muito grande e, ali, aparecem as verdades e as mentiras. Diante disso, elas servem tanto para o bem quanto para o mal”, afirma Lucena. Outro importante elemento característico da TVA é possibilidade de fiscalização que ela proporciona. Lucena acredita que essa fiscalização existe por parte do eleitor, embora não considere o processo simples. Para fiscalizar de forma eficaz por meio da emissora, o cidadão teria que acompanhar todas as comissões, observar o envolvimento do deputado, as posições manifestadas por ele sobre determinado projeto, como ele defende uma idéia e não uma outra, como se posiciona em relação à política nacional, se ele pertence à oposição ou à situação em relação ao governo, o que está fazendo, o que está apoiando. “São inúmeras informações que o eleitor precisaria estar acompanhando para conseguir fazer essa avaliação”, avalia o diretor da TVA. Por outro lado, Lucena acredita que o eleitor que acompanha as transmissões ao vivo é capaz de perceber elementos muito importantes para essa fiscalização. Pode observar, entre outros itens, o posicionamento do parlamentar: se ele está defendo ou não uma posição que 21 LUCENA, Rodrigo Barreto de. Diretor de rádio e TV da ALMG. Entrevista concedida em outubro de 2008, ver anexoD 38 outrora tenha criticado, por exemplo. “As transmissões são absolutamente transparentes, não tem nenhum efeito de corte, de censura, de absolutamente nada”, argumenta. Alguns deputados, no entanto, não se sentem fiscalizados. Ao responder à pergunta V.Exa. se sente (ou já se sentiu) fiscalizado pela TVA?, oito dos dez deputados estaduais que se dispuseram a responder os questionários aplicados, responderam não. Já os deputados Jayro Lessa e Sávio Souza Cruz afirmaram que se sentem fiscalizados. Lessa diz que a TVA expõe o trabalho dos parlamentares e que isso “também é um tipo de cobrança, uma maneira de fiscalizar e de prestar contas das ações do legislativo”. Cruz, por sua vez, afirma que é “expectativa de todo deputado que isso aconteça. Acompanhar, fiscalizar o mandato de quem se elegeu é direito e dever do cidadão”. Questionados sobre a adoção, por parte dos parlamentares, de comportamentos distintos antes e depois do advento da TVA, os deputados divergem bastante. Dos dez parlamentares que se manifestaram, quatro responderam que sim, que novos comportamentos foram adotados em função da TVA, contra cinco que responderam que não. Um deles preferiu não responder. Quando a pergunta é se o contato com a TVA provoca mudanças em seu “jeito de ser”, também não há consenso, embora exista uma ligeira vantagem para o conjunto daqueles que disseram não: são seis respostas negativas e quatro positivas. Apenas Elisa Costa e Sebastião Helvécio foram coerentes ao dar resposta positiva aos dois últimos questionamentos. Elisa Costa, por exemplo, lembra que não havia exposição, ao vivo, do que ocorria nas reuniões do Plenário e das comissões e que a TV exigiu do deputado um preparo para que o telespectador compreenda o que se quer dizer ali. “É inegável que a exposição ao vivo de um deputado, mostrando a declaração dele e seu posicionamento perante assuntos de interesse dos cidadãos, exige uma postura diferente de antigamente”, diz ela, em entrevista. Sebastião Helvécio, por sua vez, argumenta que “a exposição pública demanda maior cuidado no preparo de pareceres, de forma que eles possam ser compreendidos pela mídia”. Nesse sentido, o deputado acredita que é importante tentar, sempre que possível, “pedagogizar o sentido técnico de um parecer, com o objetivo de aproximar o telespectador da construção do processo legislativo”. Os deputados Délio Malheiros (PV), Jayro Lessa (DEM), João Leite (PSDB) e Sávio Souza Cruz (PMDB) responderam não aos dois questionamentos. Délio 39 Malheiros afirma que as atividades parlamentares sempre foram de conhecimento público. “Sou a mesma pessoa por onde quer que eu ande”, assegura, em resposta. João Leite também acredita que os deputados não mudaram o comportamento depois que surgiu a TVA. Ressalta, contudo, que “alguns deles possuem mais atenção e rigor no falar, outros procuram falar mais do que o habitual, para ficarem mais expostos aos telespectadores”. A exemplo de Malheiros,
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