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GOMES, Marcella. A justica na etica a nicomacos

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4.3.4) Da Justiça 
A justiça é o valor cardeal de qualquer ordenamento jurídico. O Direito, 
enquanto sistema de normas de conduta que possibilita a convivência social, destaca-
se, no cenário contemporâneo, como o meio historicamente mais eficiente de 
composição das liberdades individuais na solução dos conflitos. Mesmo aqueles que 
atribuem este sucesso à coercibilidade das prescrições jurídicas garantida pelo 
monopólio da jurisdição pelo Estado, não podem se esquivar da apreciação do 
conteúdo das normas jurídicas. 
O caminhar da História descortina a elevação de valores, que garantem a 
existência do homem, considerada não apenas fisicamente, mas também em sua 
dimensão espiritual, ao centro irradiador do sistema jurídico. Desta forma, as normas 
que integram o ordenamento jurídico não o fazem estritamente do ponto de vista 
funcional do encerramento dos conflitos sociais, mas, enquanto, promovem a melhor 
solução, perante o tribunal da razão, para as disputas ocorridas no seio da sociedade. 
O Direito é, portanto, a elaboração e a aplicação racional do justo nas relações entre 
os seres livres e iguais. 
A Filosofia do Direito, responsável pela elucidação do fundamento último 
de inteligibilidade do Direito, dirige, em primeiro plano, o seu olhar à investigação da 
justiça1. 
Desta forma, o posicionamento aristotélico da justiça como a mais 
importante das virtudes éticas, dedicando-lhe todo o livro V da Ética a Nicômacos, capta 
a especial atenção dos jusfilósofos, por vezes maior até do que aquela que a filosofia 
“pura” lhe dispensa. 
 
1 Neste sentido afirma Kaufmann: “Toda a filosofia do direito deve – direta ou indiretamente – servir a missão 
de separar o direito do não direito/injustiça. Daí resultam as duas perguntas fundamentais da filosofia do 
direito: 1. O que é o direito correto? 2. Como reconhecemos ou realizamos o direito correto? Estas duas perguntas juntas 
conduzem à pergunta acerca da justiça como critério valorativo para o direito positivo e, como tal, à pergunta 
sobre a validade do direito.” (2002 (a), p. 57; 2002 (b), p. 41-42) 
Neste talante, em nossa exposição da justiça aristotélica, nos apoiaremos 
nas preciosas lições do Prof. Joaquim Carlos Salgado, que tanto se dedicou à 
elucidação da idéia de justiça imanente à história do pensamento ocidental. 
Feitos estes esclarecimentos, passemos à abordagem, seguindo o roteiro 
aristotélico, da virtude da justiça. 
De acordo com Aristóteles, diferentemente das demais virtudes éticas, à 
justiça contrapõe-se um único extremo vicioso, a injustiça. Entretanto, por tratar-se 
de virtude que se pratica em relação ao outro, a justiça estabelece-se como a mediania 
entre aquele que pratica a injustiça e aquele que a sofre, realizando, portanto, o 
equilíbrio, a igualdade entre dois sujeitos. 
A justiça é a única das virtudes éticas que se exerce na relação com o outro, 
ou seja, a consideração do justo não se refere à interioridade e individualidade da ação, 
mas se avalia pelas conseqüências do ato em suas implicações na esfera da alteridade, 
enfim, em seus reflexos na vida de outro ser racional e, portanto, igual ao agente. 
A este respeito, comenta Salgado: 
“A justiça é uma virtude que só se torna possível na dimensão do outro, 
enquanto igual ao sujeito que a pratica, vale dizer, na medida em que seja 
considerado como ser racional, ou ‘sujeito’. Essa alteridade da justiça é o 
que lhe dá o posto de maior nobreza dentre todas as virtudes e o que a faz 
uma virtude perfeita, pois ‘o que a possui pode executá-la em relação com 
o outro e não só consigo mesmo’ (1130 b)”. (1995, p. 38) 
Portanto, a justiça é critério de excelência das relações sociais. Mas como 
se define o ato justo? 
Neste ponto, o estagirita salienta a ambigüidade de sentido da palavra 
justiça. Quando nos referimos a alguém como justo, podemos estar ressaltando a 
conformidade de suas ações com as prescrições normativas vigentes ou àquele que 
percebe dos bens a parte que lhe é cabível e, portanto, adequada, nem mais, nem 
menos. À primeira ele denomina justiça universal; à segunda, justiça particular: 
“Os termos ‘justiça’ e ‘injustiça’ parecem ser ambíguos, mas em virtude da 
proximidade da homonímia, esta ambigüidade passa despercebida à 
observação e não é tão óbvia quanto seria se os sentidos fossem mais 
distantes um do outro [...] Verifiquemos, então, os diferentes caminhos 
pelos quais um homem pode ser dito injusto. Tanto aquele que descumpre 
a lei quanto o homem ganancioso e que promove a desigualdade são 
considerados homens injustos, portanto, tanto aquele que cumpre a lei 
quanto aquele que promove a igualdade, evidentemente, serão 
considerados justos. Os justos, então, são os obedientes à lei e os 
propiciadores da igualdade, e os injustos, os desobedientes da lei e os 
causadores da desigualdade.” (EN, V, 1, 1129 a 27 – 1129 b 1 - tradução 
nossa)2 
Comenta Ross: 
“Por ‘justo’ podemos entender: 1) o que é conforme à lei, ou 2) o que é 
imparcial e igual; estes dois sentidos definem, respectivamente, a justiça 
‘universal’ e a justiça ‘particular’. A primeira destas significações atribuimo-
la naturalmente à palavra ‘justo’; isto se explica pelo fato de que δικαιος 
significa originalmente ‘aquele que observa o costume ou a regra (δικε) em 
geral’. Em particular, αδικειν era o termo empregado no direito ático para 
designar toda infração à lei. Mais tarde, a justiça tende a identificar-se com 
retidão.” (1957, p. 298 - tradução nossa)3 
A justiça universal configura-se no cumprimento das leis (νοµοι)4 pelos 
cidadãos, ou seja, na conformidade da ação individual aos preceitos legais 
estabelecidos pelo poder competente designado pela comunidade social. Desta forma, 
justo é obedecer à lei e injusto contrariá-la5. 
É necessário ressaltar a importância concedida pelos gregos e, em especial 
por Aristóteles, à função das normas jurídicas. A convivência social é parte relevante 
do desenvolvimento humano e a imposição de iguais limites aos indivíduos em suas 
relações sociais, o único meio capaz de garantir a solidariedade social. 
 
2 Texto original: “Now ‘justice’ and ‘injustice’ seem to be ambiguous, but because the homonymy is close, it 
escapes notice and is not obvious as it is, comparatively, when the meanings are far apart [...] Let us then 
ascertain the different ways in which a man may be said to be unjust. Both the lawless man and the grasping 
and unequal man are thought to be unjust, so that evidently both the law-abiding and equal man will be just. 
The just, then, are the lawful and the equal, the unjust the unlawful and the unequal.” 
3 Texto original: “Por ‘justo’ podemos entender: 1) lo que es conforme a la ley, o 2) lo que es imparcial e igual; 
estos dos sentidos definen respectivamente la justicia ‘universal’ y la justicia ‘particular’. La primera de estas 
significaciones no la atribuimos naturalmente a la palabra ‘justo’; se explica en parte por el hecho de que 
δικαιος significa originalmente ‘el que observa la costumbre o la regla (δικη) en general’. En particular, 
αδικειν era el término empleado en el derecho ático para designar toda infracción a la ley. Más tarde, la justicia 
tiende a identificarse con rectitud.” 
4 A palavra νοµος4 contém além do sentido jurídico moderno, as normas em geral, portanto, abrange qualquer 
regramento da conduta humana existente, seja ele moral, social ou estritamente jurídico. Portanto, nos referimos 
aqui ao ordenamento das condutas humanas por meio de regras estabelecidas seja pelo costume seja pelo poder 
político legiferante. 
5 Esta é a formulação da justiça legal, fixada, pela primeira vez, por Sócrates, da forma que nos relata Platão no 
Críton.Neste sentido, refere-se Salgado: 
“Na comunidade ética da polis, o justo pouco se diferenciava do legal ou 
da norma de direito positivo em geral, fosse ela costumeira ou legal, ou, 
ainda, do padrão de comportamento em geral. Consciente de que direito 
era a ordem ou a garantia da comunidade ética que se caracterizou na polis, 
o grego (pelo menos em alguns autores) reverenciava a lei ou o costume 
como algo de origem divina. A ordem é a lei e o governo da lei é preferível 
ao de qualquer cidadão, porque a lei é a razão sem apetites, dirá Aristóteles 
na Política. Onde existe a relação de um ser humano com outro ser humano 
– relação que é natural por ser o homem social por natureza – existirá a lei 
para ordenar essas relações, e onde há a ordem legal, surge a possibilidade 
da justiça e da injustiça.” (1995, p. 40-41) 
As regras jurídicas de uma comunidade são criadas para a promoção do 
equilíbrio social, para distribuírem eqüitativamente os bens da cidade e para solucionar 
da melhor maneira possível os conflitos entre os cidadãos. Ora, a fixação racional de 
regras de convivência social, garantidas pelo aparato estatal, retira seu conteúdo dos 
fatos sociais valorados pela comunidade. As leis visam ao interesse comum e, neste 
sentido, ordenam a prática de certos atos e proíbem a de outros, realizando todas as 
virtudes éticas e evitando todos os vícios. Desta forma, a justiça universal é o máximo 
da virtude, pois representa a prática efetiva de todas as outras virtudes, enfim, é a 
virtude perfeita. 
Quando nos comportamos de acordo com os preceitos legais, estamos 
realizando todas as ações virtuosas a um só tempo e, ademais, colaborando para o 
equilíbrio de toda a comunidade, pois só retiramos dos bens sociais aquilo que nos 
cabe e que nos foi atribuído pela lei. Vejamos o seguinte exemplo. Certa norma ordena 
que os cidadãos maiores de 18 anos sejam responsáveis pela defesa da cidade. Quando 
aqueles indivíduos obedecem ao comando legal, suas ações são ao mesmo tempo 
justas, pois em conformidade com a lei e porque contribuem para o bom 
funcionamento da cidade sem onerar mais uns que os outros, e corajosas, porque 
dominam o sentimento de medo diante das adversidades6. 
 
6 Cabe ressaltar, neste ponto, que para o direito não importa a motivação da ação, apenas a sua exterioridade 
em conformidade com o prescrito. Portanto, há aqui um descompasso entre a justiça universal e a realização 
do máximo da virtude, pois para o estagirita, só se é virtuoso quando se pratica a ação consciente de sua virtude 
e tendo-a como fim. Entretanto, mesmo que num primeiro momento, a conduta do indivíduo não seja motivada 
pela sua convicção da virtude dos comportamentos ordenados pela lei, a reiterada praxis pode promover a 
aquisição da virtude pela formação do hábito justo e, portanto, retificar a motivação do ato individual. A este 
respeito tornaremos quando expusermos o processo de formação da consciência da virtude em Aristóteles. 
 
Trazemos à colação os comentários de Ross, que elucidam nossa 
exposição: 
 “Aristóteles pensa que a lei deve controlar toda a vida humana e assegurar, 
senão a moralidade, posto que não pode fazer com que os homens ajam 
‘segundo o nobre motivo’, ao menos que as ações adequadas a todas as 
virtudes sejam praticadas; se a lei de um Estado particular garante este 
objetivo somente em parte é porque ela não mais do que um mero esboço 
do que a lei deve ser. A justiça neste sentido de obediência à lei é 
coextensiva com a virtude, mas os termos não têm significados idênticos; 
o termo ‘justiça’ refere-se ao caráter social implicado por toda virtude 
moral, enquanto o termo ‘virtude’ não destaca este caráter.” (1957, p. 298-
299 - tradução nossa)7 
É preciso ressaltar, entretanto, que para Aristóteles a lei não é estabelecida 
ao bel-prazer de seu criador. Como já dito, a lei criada pelos homens para regular seus 
comportamentos em sociedade obedece a certa finalidade, critério de sua validade e 
legitimidade. As leis são estabelecidas para a realização da excelência do homem, uma 
vez que a existência humana só é possível em comunidade. Assim, para que o homem 
possa atingir o melhor de si para si é necessária, além da prática das virtudes 
individuais éticas e dianoéticas, a perfeita regulação da convivência social. Portanto, a 
lei é o instrumento realizador da finalidade da ordem social, qual seja, o bem comum 
e não às conveniências particulares. 
Explicita Salgado: 
“A lei, contudo, não é o produto do arbítrio do legislador político. Tem o 
seu critério de validade: a lei natural que expressa a própria natureza da 
ordem política que é uma ordem natural destinada a realizar a autarkeia 
[auto-suficiência, o que se basta a si mesmo] do homem, que isolado não 
pode consegui-la. A lei que realiza essa finalidade do Estado, que se destina 
ao bem comum e não a interesses particulares (governantes ou grupos de 
governados) expressa a justiça, e agir em desacordo com o seu preceito é 
injustiça. Há, portanto, uma lei natural (ou direito natural), que é a lei que 
revela a natureza da comunidade política, o seu fim, pois que o Estado é 
uma realidade natural cujo telos é a autarkeia. Há um parentesco próximo 
entre razão, lei e igualdade. A razão é o comum a todos os homens, o igual. 
A lei é razão porque ‘é a instância impessoal e objetiva’ que impede o 
arbítrio e realiza a igualdade jurídica formal (tal como desenvolvida pelo 
Estado romano [a igualdade de todos perante a lei]). A justiça é, para 
 
7 Texto original: “Aristóteles piensa que la ley debe controlar toda la vida humana y asegurar, si no la moralidad, 
puesto que no puede hacer con que los hombres actúen ‘según el noble motivo’, al menos las acciones 
adecuadas a todas las virtudes son practicadas; si la ley de un Estado particular lo hace sólo en parte es porque 
ella no es más que un mero bosquejo de lo que la ley debe ser. La justicia en este sentido de obediencia a la ley 
es coextensiva con la virtud, pero los términos no tienen sin embargo significados idénticos; el término ‘justicia’ 
se refiere al carácter social implicado por toda virtud moral, mientras que el término ‘virtud’ no destaca este 
carácter.” 
Aristóteles, (...) a virtude que opera em definitivo a vinculação do político 
com o ético. A razão de ser dessa virtude é a comunidade, sem a qual não 
se poderá falar em justiça, porque esta, por sua vez, se destina ao bem da 
comunidade.” (1995, p. 41-42) 
Aquele que cumpre os preceitos legais é, portanto, o mais virtuoso dos 
homens, na medida em que sua praxis abrange as demais virtudes éticas e, em especial, 
a esfera do outro a ele igual, promovendo o bem de toda a comunidade. 
Neste sentido, expõe Aristóteles: 
“Esta forma de justiça [justiça universal] é a virtude completa, não 
absolutamente, mas na relação com os outros. E, por isso, a justiça é 
freqüentemente considerada como a maior das virtudes e ‘nem o raiar do 
dia nem o pôr do sol’ é tão maravilhoso quanto ela, e no provérbio ‘na 
justiça tudo está compreendido’. A justiça é a virtude completa em sentido 
total, porque é atualização de todas as virtudes. Ademais, aquele que a 
possui pode praticar todas as excelências em direção ao outro e não 
meramente para si mesmo; pois muitos homens podem exercer as virtudes 
em seus próprios assuntos, mas poucos são os que as praticam nas relações 
com os outros.” (EN, V, 1, 1129 b 26 – 35 - tradução nossa)8 
A justiça particular, por sua vez, informa-nos o sentido estrito de virtude 
ética do justo e, para destacá-la das demais, Aristóteles utiliza-se da argumentação 
contrária, ou seja, apóia-se no sentido específico do injusto para fazer sobressair o do 
justo. 
Segundo o estagirita, todos osvícios são atos injustos no sentido legal de 
infrações às leis, mas, em especial, são caracterizados quanto ao meio de que são 
excessos. Em outras palavras, o ato injusto stricto sensu se verifica quando a prática de 
atos contrários à lei é motivada pelo prazer proporcionado pelo ganho excessivo que 
advém da ação ilícita. 
Exemplifiquemos. O adultério é imputado ao vício da concupiscência; a 
deserção, à covardia; a agressão, à cólera. Todos são atos injustos, pois contrários à 
lei, mas são, também, vícios em relação às demais virtudes éticas. Entretanto, quando 
uma pessoa pratica estes mesmos atos para obter proveito de bens que não lhe são 
 
8 Texto original: “This form of justice then is complete excellence – not absolutely, but in relation to others. 
And therefore justice is often thought to be the greatest of excellences and ‘neither evening nor morning star’ 
is so wonderful, and proverbially ‘in justice is every comprehended’. And it is complete excellence in its fullest 
sense, because it is the actual exercise of complete excellence. It is complete because who possesses it can 
exercise all excellence towards other too and not merely by himself; for many men can exercise excellence in 
their own affairs, but not in their relations to excellence.” 
atribuídos, sua ação é qualificada de injusta no sentido específico do vício de querer 
mais do que aquilo a que tem direito, no sentido de iniqüidade9. Portanto, tudo o que 
é iníquo é ilegal, ou seja, tudo o que é injusto em particular o é universalmente, mas 
nem tudo o que é ilegal é iníquo, pois nem todas as ações de desobediência à lei 
caracterizam o vício do injusto; podem ser outros vícios. 
Comenta Ross: 
 “O homem que ‘não é justo’ neste sentido [justiça particular] é aquele que 
toma mais do que lhe corresponde das coisas que, ainda que boas em si 
mesmas, não o são sempre para uma pessoa particular, por exemplo os 
bens exteriores como a riqueza e as honras. O homem que foge na batalha 
ou que se enfurece pode ser chamado injusto no sentido amplo da palavra, 
mas não ganancioso. A cobiça é evidentemente um vício particular que 
deve ser diferenciado dos outros, e é a este vício ao que em particular se 
aplica o nome de ‘injustiça’.” (1957, p. 299 - tradução nossa)10 
A justiça particular, portanto, consiste na justa medida com a qual 
repartimos os bens da cidade entre os indivíduos. É mediania por excelência, é 
proporção e igualdade em si mesma e se divide em duas espécies: a justiça na 
distribuição dos bens consagrados na constituição da cidade entre os cidadãos e a 
justiça reparadora nas relações particulares entre os homens. 
Diz Aristóteles: 
“Da justiça particular e daquele que é justo em sentido correspondente, 
uma espécie é aquela que se manifesta na distribuição das honras, das 
riquezas ou de outras coisas que podem ser divididas entre aqueles que 
têm participação na constituição da cidade (neste caso é possível que um 
homem tenha porção igual ou desigual à de outro), outra espécie é aquela 
que faz a retificação das partes nas transações. Desta última, há dois tipos: 
das transações, algumas são voluntárias, outras, involuntárias – voluntárias 
são as transações tais quais a venda, a compra, o empréstimo de dinheiro 
 
9A palavra grega utilizada para denominar o injusto particular é pleonexia (piλεονεξια). Vlastos esclarece o 
sentido do vocábulo grego: “Como piλεονεξια significa ‘possuir em excesso’, i.e., mais do que lhe é devido (‘o 
que pertence a alguém), ter ‘aquilo que pertence a outros’ seria cometer piλεονεξια, e ‘ser privado do que é 
seu’, sofrê-la.” (1981, p. 119-120 - tradução nossa) O conceito é comum aos filósofos gregos, entretanto, em 
Aristóteles adquire sentido ético-jurídico, na medida em que, para ele, a lei é que estabelece o que pertence a 
cada um: “a justiça é a virtude por meio da qual todos usufruem de suas próprias posses de acordo com a lei; 
seu oposto é a injustiça, por meio da qual os homens usufruem das posses de outros em desrespeito à lei.” 
(Retórica, I, 9, 1366 b 9 – 11) 
10 Texto original: “El hombre que es ‘no justo’ en este sentido [justiça particular] es el hombre que toma más 
de lo que le corresponde de cosas que, aunque buenas en sí mismas, no lo son siempre para una persona 
particular, por ejemplo los bienes exteriores como la riqueza y los honores. El hombre que huye en la batalla o 
que se enoja puede ser llamado injusto en el sentido amplio de la palabra, pero no codicioso; la codicia es 
evidentemente un vicio particular que debe ser distinguido de los otros, y es a este vicio al que más en particular 
se aplica el nombre de ‘injusticia’.” 
a juros, a fiança, o depósito, o aluguel (elas são chamadas voluntárias 
porque a origem destas transações é voluntária), das involuntárias algumas 
são clandestinas, tais como o furto, o adultério, o envenenamento, o 
lenocínio, incitar a revolta de escravos, difamação, o falso testemunho, e 
outras são violentas, tais como agressão física, o seqüestro, o homicídio, o 
roubo, a mutilação, o estupro, os insultos.” (EN, V, 2, 1130 b 30 – 1131 a 
9 - tradução nossa)11 
Para facilitar a exposição das espécies do justo particular, elaboramos um 
quadro que as organiza. 
 
No que tange à distribuição dos bens da cidade entre os particulares, o 
justo é a proporcionalidade adequada de bens em relação aos méritos individuais. Mais 
ou menos bens devem ser distribuídos de acordo com o maior ou menor mérito dos 
cidadãos. Entre os iguais, quantidades semelhantes de bens devem ser atribuídas, 
realizando a igualdade comutativa; entre os desiguais, quantidades diversas, realizando a 
igualdade distributiva, de forma a estabelecer entre todos os indivíduos daquela 
 
11 Texto original: “Of particular justice and that which is just in the corresponding sense, one kind is that which 
is manifested in distribuction of honour or money or the other things that fall to be divided among those who 
have a share in the constitution (for in these it is possible for one man to have a share either unequal or equal 
to that of another), and another kind is that which plays a rectifying part in transactions. Of this there are two 
divisions; of transactions some are voluntary and others involuntary – voluntary such transactions as sale, 
purchase, usury, pledging, lending, depositing, letting (they are called voluntary because the origin of these 
transactions is voluntary), while of the involuntary some are clandestine, such as theft, adultery, poisoning, 
procuring, enticement of slaves, assassination, false witness, and others are violent, such as assault, 
imprisonment, murder, robbery with violence, mutilation, abuse, insult.” 
comunidade o equilíbrio. Caracteriza-se, portanto, como o justo distributivo, pois atribui 
a cada indivíduo a adequada porção dos bens da cidade em função de seus méritos12. 
É, enfim, o justo público que se estabelece na relação de subordinação entre 
governantes e governados e se verifica pela correta repartição dos bens da cidade. 
Nas relações particulares, sejam elas voluntárias ou involuntárias, o justo 
se caracteriza pelo meio termo estabelecido entre as perdas e os ganhos que advém 
dos vínculos formados, ou seja, pela correção do equilíbrio rompido. Trata-se da 
justiça privada, ou seja, aquela que se estabelece na relação de coordenação entre os 
indivíduos iguais que se vinculam como sujeitos de direitos e deveres frente às leis da 
polis. 
As relações voluntárias são aquelas em que o vínculo formado entre os 
indivíduos é desejado por eles, como no caso da compra e venda, da locação, dos 
empréstimos e outros mais. Quando não há correspondência entre os bens e serviçostrocados entre os indivíduos, um terceiro, eqüidistante entre as partes, iguais perante 
a lei, é chamado a restabelecer o equilíbrio rompido entre elas, subtraindo de um o 
excedente auferido e restituindo-o ao outro, retornando-as ao estado anterior de 
igualdade. 
O terceiro é o aplicador da lei, o juiz, aquele que diante do conflito de 
interesses, informa-se das circunstâncias em que tal desequilíbrio ocorreu e aplica a 
ele as disposições gerais da norma, de forma a igualar em concreto as partes em litígio. 
Ora, na medida em que a lei realiza a igualdade de todos os cidadãos pela adequada 
distribuição dos bens da cidade, quando este equilíbrio é desfeito pelas trocas 
desproporcionais ocorridas nas relações particulares, a própria lei fixa um mecanismo 
de correção destas desigualdades, que restabelece a proporção correta entre os 
cidadãos e realiza o justo comutativo. 
 
12 A distribuição dos bens de acordo com os méritos dos cidadãos suscita o problema do critério de verificação 
do mérito de cada um. Aristóteles procura solucionar a questão dizendo que o mérito se caracteriza pelo esforço 
de cada indivíduo e que, portanto, em qualquer sistema de governo, desde que se realize o interesse da 
comunidade, a justiça pode se efetivar em todas as suas espécies, ainda que ponha em relevo a República como 
a melhor forma de governo. 
É importante ressaltar, neste ponto, a percepção de Aristóteles quanto ao 
processo de trocas que se estabelece na sociedade. Segundo ele, as trocas se fazem 
entre objetos diferentes, produzidos por pessoas diversas e que recebem diferentes 
valorações no seio da comunidade. Desta forma, a moeda se impõe como mediadora, 
possibilitando a quantificação do comércio. 
Afirma o estagirita: 
“Deste modo, agindo o dinheiro como uma medida, ele torna os bens 
comensuráveis e os equipara entre si; pois nem haveria associação se não 
houvesse troca, nem troca se não houvesse um critério de igualdade, nem 
igualdade se não houvesse comensurabilidade.” (EN, V, 5, 1133b 15-18) 
As relações involuntárias são aquelas em que os vínculos formados entre os 
indivíduos não são desejados por ambos os lados, como ocorre nos furtos e adultérios 
em que o sujeito que pratica o injusto age clandestinamente – relações involuntárias 
sub-reptícias – ou nos homicídios e agressões físicas e morais, em que o sujeito que 
pratica a injustiça age com violência – relações involuntárias violentas. 
Nestes casos, o juiz aplica ao sujeito ativo da injustiça – aquele que age 
com a intenção de causar um dano qualquer a outrem – a adequada sanção; e, ao 
sujeito passivo, o correto ressarcimento pelo dano sofrido, concedendo-lhe uma 
reparação ou compensação a posteriori, realizando o justo reparativo ou corretivo. 
A justiça corretiva, seja nas relações involuntárias sub-reptícias, seja nas 
violentas, é aritmética, pois considera os particulares em sua igualdade perante a lei, 
impessoal, que se destina ao cumprimento de todos da mesma forma. Ademais, a 
reparação promovida pelo juiz é proporcional e não absoluta. Não se realiza a justiça 
pela prática de um mal correspondente ao dano sofrido. A justiça não comporta o 
injusto. Aristóteles rompe com a regra do ‘olho por olho, dente por dente’. Aquele 
que age como causa eficiente de um dano indevidamente provocado a outrem, recebe 
a punição legalmente prevista, e aquele que sofre o injusto, a correta reparação ou 
compensação e, deste modo, é restabelecido o equilíbrio rompido entre as partes. 
A justiça aristotélica é, pois, a virtude que realiza a igualdade entre os 
sujeitos da polis, tanto formal, de todos os destinatários perante a lei13, quanto material, 
na atribuição proporcional dos bens da cidade aos cidadãos e na aplicação da lei que 
visa restabelecer o equilíbrio rompido nas relações dos particulares entre si. Ademais, 
a própria virtude é em si mediania entre o injusto e a retribuição absoluta dos males 
sofridos, pois não justo é pretender mais bens e menos males do que o outro. 
Salgado corrobora nossas ilações: 
“É em Aristóteles que o conceito de igualdade é trabalhado com esmero 
ao definir a justiça, visto que para ele, sua essência se identifica com o igual 
(ισον). O elemento igualdade na justiça aristotélica aparece em três 
momentos: a) na ação considerada em si mesma: a justiça é o termo médio 
entre o injusto e o justiceiro, a carência e o excesso; b) no objeto da ação: 
neste caso, a igualdade aparece na atribuição do bem: injusta é a ação que 
se pratica no sentido de receber mais bem do que o outro (...) c) tudo isso, 
porém, no pressuposto de uma igualdade fundamental: o ser humano na 
justiça universal e o cidadão na justiça particular. A virtude que leva em 
consideração o outro como o igual e cujas ações se determinam por essa 
igualdade é a justiça.” (1995, p. 46-47) 
Cabe, ainda, ressaltar que a prática de um ato justo ou injusto pressupõe a 
vontade daquele que age. A lei define o justo e o injusto, mas a praxis do justo ou do 
injusto só se realiza na medida em que o sujeito da ação dirige o seu querer para o 
vício ou a virtude. Só comete o injusto aquele que quer obter proveito de outrem ou 
quer causar dano ao outro. 
Neste sentido, acrescenta Salgado: 
“E mais: do ponto de vista do agente, a moralidade do seu ato não se mede 
ainda pela simples voluntariedade da ação, mas pela premeditação ou 
escolha deliberada. Se não houve essa reflexão prévia para a execução do 
ato, pode ser o ato injusto, mas não o seu autor, pois que não agiu com 
perversidade. Em resumo: algumas ações causam danos que não foram 
previstos (infortúnio); outras prevêem o resultado, porém sem maldade 
(erro); outras ocorrem com o conhecimento do agente (voluntárias), mas 
sem perversidade; finalmente, outras ações são premeditadas, o que 
significa que se elegem os meios próprios para alcançar os resultados 
previamente conhecidos. Nesse caso, não só o ato como o seu autor 
 
13 É preciso ressaltar, neste ponto, que a igualdade universal de Aristóteles comporta certa desigualdade em 
virtude de sua concepção ideológica escravocrata. Segundo o estagirita, comenta Salgado, “livre não é o ser 
humano em geral, dotado da diferença específica, a racionalidade. A divisão da sociedade entre livres e escravos 
não procede das convenções, mas da própria natureza, visto que o escravo é inferior ao senhor (...)” (1995, p. 
51). 
reputam-se injustos ou justos, conforme causem danos ou bem ao outro.” 
(1995, p. 40) 
Portanto, caberá ao aplicador a adequação dos preceitos abstratos da lei, 
que caracterizam o justo e o injusto, às circunstâncias particulares em que se 
circunscreve a ação, e a apuração do grau de intencionalidade do agente, para que se 
realize in concreto a justiça; ou seja, a eqüidade (εpiιεικεια), o momento de efetivação da 
justiça na realidade dos indivíduos da polis. 
Mais uma vez, são indispensáveis as observações de Salgado: 
“De outro lado, a justiça expressa pela lei positiva é uma justiça abstrata, 
já que a lei tem de prevenir casos futuros, sem consideração das 
particularidades que envolvem cada fato, podendo, com isso, sua aplicação 
mecânica não corresponder à justiça. Daí a eqüidade para a correção da 
aspereza da lei (...) Esta [a eqüidade] é suscitada pelas circunstâncias 
particulares do caso. Entretanto, tanto a fonte inspiradora da lei como a 
do ato de eqüidade que dirime um caso concreto são uma e a mesma: a 
igualdade que deve ser realizada entre os indivíduos, pois quem pratica a 
eqüidade age como agiria o legislador na mesma situação. Justo é, 
finalmente, na concepção aristotélica, ‘o que observa a lei e a igualdade’, 
ou o que é conforme a lei e a eqüidade.” (1995, p. 44)Munidos destes pressupostos teóricos seremos capazes de explicitar a 
interação entre hábito, virtude e razão que se faz por meio do justo na formação da 
consciência ética do indivíduo. Preliminarmente, entretanto, em respeito à coerência 
do sistema ético aristotélico, discorreremos ainda sobre o prazer – decorrência da 
ação – e a eudaimonia – objetivo a ser alcançado pelo indivíduo por meio da ação 
virtuosa.

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