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1 Psicologia da Educação PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO CURITIBA 2012 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE EDUCAÇÃO COORDENAÇÃO DE INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CURSO DE PEDAGOGIA MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL PROFª CLARA BRENER MINDAL PROFª TAMARA DA SILVEIRA VALENTE PROFª TANIA STOLZ 2 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR 3 Psicologia da Educação PRESIDÊNCIA DA REPÚBLCA Dilma Roussef MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Aloízio Mercadante UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL Diretor João Carlos Teatini de Souza Lima UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Reitor Zaki Akel Sobrinho Vice-Reitor Rogério Andrade Mulinari Pró-Reitora de Graduação - PROGRAD Maria Amélia Sabbag Zainko Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação - PRPPG Sérgio Scheer Pró-Reitora de Extensão e Cultura - PROEC Elenice Mara Matos Novak Pró-Reitora de Gestão de Pessoas - PROGEPE Laryssa Martins Born Pró-Reitor de Administração - PRA Paulo Roberto Rocha Krüger Pró-Reitora de Planejamento, Orçamento e Finanças - PROPLAN Lucia Regina Assumpção Montanhini Pró-Reitora de Assuntos Estudantis - PRAE Rita de Cássia Lopes SETOR DE EDUCAÇÃO Diretora Andrea do Rocio Caldas Vice-Diretora Deise Cristina de Lima Picanço Coordenador do Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental Américo Agostinho Rodrigues Walger Coordenador de Tutoria Lezyane Silviera Daniel Revisão Textual Altair Pivovar Coordenadora EaD - UFPR e UAB Marineli Joaquim Meier Coordenadora Adjunta UAB Gláucia Brito Coordenadora de Recursos Tecnológicos Sandramara Scandelari Kusano de Paula Soares Produção de Material Didático CIPEAD Coordenação de Integração de Políticas de Educação a Distância - CIPEAD Foto da capa - http://www.sxc.hu/photo/ 1191196 CIPEAD Fone: (41) 3310-2657 Coordenação do Curso de Pedagogia Fone:(41) 3360 5139 4 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR Contatos CIPEAD Praça Santos Andrade, 50 Térreo 80020-300 Curitiba PR Fone: (41) 3310-2657 e-mail: cipead@ufpr.br www.cipead.ufpr.br Setor de Educação Rua General Carneiro, 460 2º andar 80060-150 Curitiba PR Fone:(41) 3360 5141 3360 5139 e-mail:pedagogiaEAD@ufpr.br www.educacao.ufpr.br Foto da capa - http://www.sxc.hu/ photo/1191196 5 Psicologia da Educação APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Prezado Aluno, A Psicologia da Educação pode ser considerada como o campo científico que toma como objetivos a compreensão, a explicação, a previsão e a modificação dos fenômenos educativos. A Psicologia da Educação ganha identidade própria por volta do fim do século XIX e início do século XX em diversos países. Os conteúdos que a compõem surgem, por um lado, da aplicação dos conhecimentos e das explicações das diferentes correntes teóricas da Psicologia ao âmbito educacional, e, por outro lado, dos estudos específicos das diferentes situações educativas. Até meados da década de 50 do século XX, predominou a aplicação dos conhecimentos gerados pela Psicologia em consultórios terapêuticos e laboratórios universitários. Destacam-se, por exemplo, as tentativas de estender à escola os princípios e leis da aprendizagem elaborados com os resultados de estudos realizados em sua maioria com animais em laboratórios. Por volta da década de cinquenta, e principalmente em anos posteriores, essa visão da Psicologia da Educação como aplicação direta da Psicologia geral se modificou em função da compreensão das especificidades do espaço escolar. O ambiente escolar, os professores, os alunos e suas características e funcionamento passaram a ser objeto de estudos. Neste volume sobre Psicologia da Educação, você encontrará um pouco de Psicologia aplicada à educação e um pouco de pesquisa específica realizada na escola. Na Unidade 1 discutem-se alguns dos principais conceitos da teoria piagetiana do desenvolvimento cognitivo e suas implicações para a educação. Empreende-se nesta discussão um movimento que parte da ação pedagógica para a reflexão teórica. A Unidade 2 enfoca a teoria histórico-cultural de Vygotsky e sua importância na compreensão do papel da escola e do professor para o desenvolvimento psicológico humano. A Unidade 3 aborda as contribuições da teoria behaviorista para a educação. Após uma apresentação geral do que é o behaviorismo, são trabalhadas as principais ideias de dois dos maiores expoentes dessa corrente psicológica. Skinner e Bandura desenvolveram estudos sobre aprendizagem e formação de hábitos que apresentaram resultados extremamente úteis para os professores na sociedade atual. As diferenças entre aprendizagem por meio de reforços e por meio de punições, a formação de hábitos de estudo e a influência dos meios de comunicação sobre o comportamento 6 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR agressivo são temas discutidos nesta unidade. A Unidade 4 trata da contribuição de alguns conceitos básicos da psicanálise para o campo educacional. Optou-se por discutir o conceito de pulsão e a sua vinculação à sexualidade humana. Também abordam-se a relação entre a pulsão e os modos de defesa na latência e na adolescência, por entender-se que essa discussão auxilia os professores a conhecer o impacto da sexualidade, de acordo com os pressupostos freudianos, nos seus alunos. Profª Clara Brener Mindal Profª Tamara da Silveira Valente Profª Tania Stoltz 7 Psicologia da Educação PLANO DE ENSINO 1 DISCIPLINA PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO 2 CÓDIGO EDP- 036 3 CARGA HORÁRIA TOTAL 120 HORAS 3.1 CARGA HORÁRIA PRESENCIAL 3.1.1 Com Professor formador: 12 horas 3.1.2 Com o tutor presencial no Polo: 12 horas 3.2 CARGA HORÁRIA À DISTÂNCIA Noventa e seis (96) horas de estudos com orientação presencial e a distância dos tutores do polo presencial e/ou tutores da UFPR. Estes estudos incluem a participação em fóruns, chats e outros espaços virtuais. 4 EMENTA Histórico, conceito e objeto. Teoria do desenvolvimento psicológico do ser humano e suas implicações educacionais: perspectivas psicanalíticas e cognitivistas. Concepções teóricas contemporâneas sobre o processo de aprendizagem e suas implicações para a atividade docente: enfoques behaviorista, humanista e cognitivista. 8 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR 5 OBJETIVOS 5.1 OBJETIVO GERAL Promover a compreensão dos processos psicológicos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem e sua relação com o desenvolvimento humano, e das principais abordagens teóricas da Psicologia da Educação. 5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Reconhecer a importância do conhecimento científico sobre o processo de ensino e aprendizagem. Conhecer os postulados básicos das principais teorias contemporâneas acerca do processo de ensino e aprendizagem. Compreender as principais contribuições de teorias sobre o desenvolvimento psicológico para a aprendizagem escolar. Refletir sobre as possibilidades de aplicação à prática pedagógica dos postulados teóricos estudados sobre o papel do educador no processo de ensino e aprendizagem. 6 PROGRAMA UNIDADE 1 1 O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO 1.1 COMO AS PESSOAS APRENDEM, PARA PIAGET. 1.2 FATORES RESPONSÁVEIS PELO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO. 1.3 A CONSTRUÇÃO DAS ESTRUTURAS DO CONHECIMENTO. UNIDADE 2 2 A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY 2.1 O HOMEM COMO SER HISTÓRICO. 2.2 COMO AS PESSOAS APRENDEM? 9 Psicologia da Educação UNIDADE 3 3 CONTRIBUIÇÕES DO BEHAVIORISMOPARA A EDUCAÇÃO 3.1 O QUE É O BEHAVIORISMO? 3.2 PRIMEIRA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: COMPORTAMENTO REFLEXO E APRENDIZAGEM INSTRUMENTAL. 3.3 SEGUNDA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: CONDICIONAMENTO OPERANTE. 3.4 TERCEIRA GER AÇÃO DE BEHAVIORISTAS: APRENDIZAGEM SOCIAL DO COMPORTAMENTO. UNIDADE 4 4 CONTRIBUIÇÕES DE ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DA PSICANÁLISE PARA O CAMPO EDUCACIONAL. 7 ORIENTAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA 7.1 PROCEDIMENTOS PARA LEITURA E ANÁLISE DOS TEXTOS Para que você aproveite ao máximo o material teórico, indicamos os seguintes passos para sistematização e estudo. Na medida do possível, utilize-o habitualmente. Faça uma primeira leitura, buscando uma visão do conteúdo como um todo. Releia o texto, anotando palavras ou expressões desconhecidas, e sublinhe as ideias centrais. Leia novamente e procure entender a ideia principal, que pode estar explícita ou implícita no texto. Localize e compare as ideias entre si, procurando semelhanças ou diferenças. Interprete as ideias, tentando descobrir conclusões a que o autor chegou. Elabore uma síntese/resumo/apreciação crítica. 8 AVALIAÇÃO 8.1 Atividades presenciais com 75% de frequência (aula na UFPR e tutoria no polo). 8.2 Atividades e exercícios sobre os textos e materiais de apoio. 8.3 Atividades como fóruns, pesquisa, produção de textos e outras que o professor considerar. 8.4 Leituras complementares indicadas, com registro de análise crítica. 8.5 Exercícios de autoavaliação com produção de conhecimento. 8.6 Prova presencial ao término de pelo menos 75% das atividades realizadas. 10 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR 11 Psicologia da Educação SUMÁRIO 1 O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO ........................................................................... 1.1 COMO AS PESSOAS APRENDEM, PARA PIAGET? ........................................................... 1.2 FATORES RESPONSÁVEIS PELO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO .......................... 1.3 A CONSTRUÇÃO DAS ESTRUTURAS DO CONHECIMENTO......................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 2 A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY ................................ 2.1 O HOMEM COMO SER HISTÓRICO .................................................................................. 2.2 COMO AS PESSOAS APRENDEM? ..................................................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 3 CONTRIBUIÇÕES DO BEHAVIORISMO PARA A EDUCAÇÃO .......................... 3.1 O QUE É BEHAVIORISMO? ................................................................................................. 3.2 PRIMEIRA GERAÇÃO DE BAHAVIORISTAS: COMPORTAMENTO REFLEXO OU RESPONDENTE E APRENDIZAGEM INSTRUMENTAL ........................................................... 3.2.1 Comportamento reflexo ou respondente: Pavlov ................................................................. 3.2.2 Aprendizagem instrumental: Thorndike ............................................................................... 3.3 SEGUNDA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: CONDICIONAMENTO OPERANTE ....... 3.3.1 O condicionamento operante: Skinner ................................................................................. 3.3.2 Aumentar ou manter um comportamento: reforços ............................................................ 3.3.3 Diminuir um comportamento: punição e extinção operante ................................................ 3.3.4 Modelagem e esquemas de reforçamento ............................................................................ 3.3.5 Implicações educacionais dos estudos de Skinner ............................................................... 3.4 TERCEIRA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: APRENDIZAGEM SOCIAL DO COMPORTAMENTO .................................................................................................................. 3.4.1 A Teoria da Aprendizagem Social de Bandura ..................................................................... 3.4.2 A Teoria Cognitivo-Social da Aprendizagem de Bandura ...................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 4 CONTRIBUIÇÕES DE ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DA PSICANÁLISE PARA O CAMPO EDUCACIONAL .................................................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 15 16 22 24 36 39 42 48 52 53 55 56 56 58 60 61 63 64 66 68 70 70 76 87 89 109 12 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR 13 Psicologia da Educação O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO UNIDADE 1 14 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR 15 Psicologia da Educação 1 O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO Um dos teóricos mais importantes do desenvolvimento psicológico é o biólogo e psicólogo suíço Jean Piaget (1886 - 1980). Sua teoria merece destaque por seu rigor científico, vasta produção científica e por suas implicações no campo da educação. Piaget desenvolveu inúmeras pesquisas em diferentes lugares do mundo, contando com o uso do método clínico (DELVAL, 2002). O construtivismo piagetiano entende o desenvolvimento psicológico humano a partir de construções que se estabelecem de um nível inferior a um nível superior e são desencadeadas pela interação do sujeito com o meio físico e social. A teoria de Piaget é construtivista porque ele e studa essas construções ou mudanças que ocor rem no desenvolvimento cognitivo ao longo da vida e os mecanismos que explicam essas transformações. A partir da década de 1960, com os estudos sobre a causalidade, a característica construtivista da teoria de Piaget começa a ficar mais marcante, porque ele passa a precisar melhor o papel do objeto no processo de construção do sujeito. FIGURA 1 - JEAN PIAGET FONTE: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean_Piaget.jpg 16 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR 1.1 Como as pessoas aprendem, para Piaget? Segunda-feira, 7h30 da manhã, aula de história na 8ª série A. O professor saúda os alunos. Pede para pegarem o caderno e copiarem o que está escrevendo no quadro. Os alunos reclamam. O professor diz que depois irá explicar tudo o que está no quadro. O professor começa a escrever compulsivamente no quadro, enchendo-o com tópicos referentes à Revolução Russa. Os alunos estão inquietos, mas o professor continua virado para a lousa. Depois de aproximadamente 20 minutos de cópia, o professor pára, senta-se à sua mesa, olha para a turma e espera cerca de 10 minutos até que os alunos terminem de copiar o texto. Os alunos estão agora em silêncio. O professor começa a explicar o que está no quadro. Repete as frases que já foram escritas, dando-lhes outra ordem. Por exemplo, quando está escrito 1905 Revolução popular contra o czar, acentua-se a crise social na Rússia, o professor fala: “Tinha uma crise social na Rússia em 1905, então ocorreu uma revolução popular contra o czar”. Um aluno levanta a mão. O professor ignora. O aluno chama o professor. O professor, impaciente, diz: “O que é Carlos? Já começa cedo... Não posso nem começar a explicar?”. O garoto se retrai, mas faz a pergunta. “Por que aRússia estava em crise, professor?”. O professor responde com má vontade: “Tinha uma revolução popular contra o czar e a crise na Rússia aumentou, entendeu?”. O aluno responde: “Não”. O professor: “Ai, Carlos! Tá difícil, heim?”. Fala olhando para a turma. A turma reage à provocação do professor: “É, Carlos, fica quieto, cala a boca. Deixa o professor explicar...”. O professor continua com a “explicação”... Depois de ter lido e repetido o que leu do quadro, pergunta: “Entenderam?”. Silêncio. “Ótimo”, diz o professor. Podem abrir o livro na página 17 e começar a responder a atividade 1 até a 3. O professor senta à sua mesa e espera, a qualquer momento, o barulho do sinal... O trecho citado demonstra uma típica rotina de escola. Mas será que essa rotina está contribuindo para que o aluno aprenda? O que Piaget nos fala sobre como as pessoas aprendem? Para Piaget (1958; 1964; 1974; 2003), tudo o que o aluno vai aprender depende de seu nível de desenvolvimento cognitivo. Esses níveis, estágios ou formas vão caracterizando as possibilidades de relação com o 17 Psicologia da Educação meio ambiente. A cada momento de seu desenvolvimento, o homem interpreta e resolve os problemas de sua realidade de maneira diferente. O desenvolvimento cognitivo começa quando nascemos; não está dado antes do nascimento. Isso significa que a nossa inteligência vai sendo construída lentamente a partir de nossa interação com o meio físico e social. É por isso que Piaget é INTERACIONISTA. A ação do aluno é aqui fundamental! Não a ação de cópia, mas a ação física ou mental sobre o conteúdo apresentado pelo professor. O aluno precisa fazer algo com o conteúdo que o professor apresenta. A perspectiva interacionista entende o processo de desenvolvimento humano a partir da interação com o meio físico e social. Nessa perspectiva, todas as funções humanas desenvolvem- se pela interação. O raciocínio, por exemplo, não se desenvolve sem a interação com um meio ambiente. Você sabia que a cognição, para Piaget, representa as diferentes atividades da mente humana? É isso mesmo! Memória, atenção, raciocínio, representação... são atividades da mente. O que o aluno vai fazer com o conteúdo apresentado pelo professor precisa ser primeiro assimilado e depois acomodado pelo aluno. ASSIMILAÇÃO e ACOMODAÇÃO são dois mecanismos complementares e indissociáveis que estão envolvidos no desenvolvimento e na aprendizagem do aluno (PIAGET, 1936; 1983). O desenvolvimento intelectual é o resultado de um equilíbrio progressivo entre assimilação e acomodação. Como isso se expressa na sala de aula? Primeiro, é necessário que o aluno integre a informação nova à estrutura de conhecimentos que possui. Os alunos sempre trazem uma série de conhecimentos fruto de sua interação com o meio físico e social. Ao mesmo tempo, têm também uma determinada capacidade de pensar sobre esses conhecimentos. Como fica isto então na atividade do aluno? Quando o aluno se esforça por entender o conteúdo apresentado pelo professor, vai primeiro interpretar o conteúdo novo tomando como referência a sua compreensão de mundo, os conhecimentos que já tem. Para interpretar o mundo, usamos o que já está disponível, e o que está 18 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR disponível já foi construído a partir de interações anteriores. A esse movimento denominamos de ASSIMILAÇÃO. A assimilação refere-se à incorporação de um dado novo à estrutura de conhecimento do sujeito. Ela sempre vem antes quando pensamos em um avanço. É por essa razão que nos surpreendemos muitas vezes com as colocações de nossos alunos que estão muito distantes daquilo que apresentamos a ele. Ele está tentando assimilar e, para isso, tenta entender o novo a partir do velho conhecimento que possui. Piaget (1964) expressa que o desenvolvimento vem sempre antes da aprendizagem porque, para aprender, o sujeito precisa antes de tudo assimilar. Isso pela simples razão de que o desenvolvimento se dá em um processo e não é simplesmente um percurso de novos inícios e nem uma soma de informações. Ao assimilar, o sujeito começa a tornar um conhecimento significativo para ele, começa a incorporá-lo. No caso do aluno, ele interpreta e entende o conteúdo a partir das possibilidades cognitivas que tem. O fato de assimilar não garante ainda uma nova compreensão ou um avanço no desenvolvimento de sua inteligência. É preciso também acomodar. Aliás, a assimilação é sempre balanceada pela ACOMODAÇÃO no referencial piagetiano. A acomodação representa o ajuste ou mudança do sujeito às provocações do meio. No caso do aluno, por exemplo, ele modifica a sua maneira de pensar a partir de sua ação. Não é a cópia que caracteriza essa mudança, mas a transformação do sujeito a partir da provocação do meio. Assim, o meio provoca o sujeito, mas é o sujeito que age em resultado da provocação e integra a nova informação ao conjunto de conhecimentos que possui. Pode-se dizer, então, que, por melhor que seja o professor, é o aluno que aprende, porque precisa assimilar e acomodar. O equilíbrio entre assimilação e acomodação constitui o que Piaget chama de ADAPTAÇÃO. A adaptação é um processo ativo, dinâmico e contínuo, no qual a estrutura hereditária do organismo interage com o meio externo com vistas a reconstituir-se no sentido de um todo novo e significativo para o sujeito. Não tem nada a ver com passividade. No caso do exemplo apresentado no início, há a necessidade de interagir com os alunos durante a aula para solicitar deles a forma como entendem o que está sendo apresentado como conteúdo e provocá-los para ir mais adiante nessa construção. 19 Psicologia da Educação Se o aluno não tenta entender primeiro o novo conteúdo a partir dos conhecimentos que tem, estará simplesmente tentando decorar algo que não tem sentido para ele. Como resultado, logo esquecerá o que foi simplesmente memorizado sem compreensão. A situação de sala de aula descrita anteriormente não é a mais adequada para levar os alunos a interagir com conhecimentos, porque se apresenta como aula tão somente expositiva, exigindo muito pouco a atividade reflexiva do aluno. No exemplo, quando um dos alunos começa a integrar as informações trazidas pelo professor, sua curiosidade é impedida pelo professor e pelos colegas. Infelizmente, essa é uma situação que verificamos muito em sala de aula. Falta trazer o aluno para a discussão. Perguntar-lhe como está entendendo o conteúdo ou como o explica a partir de sua realidade. É preciso que o aluno confronte suas concepções com as apresentadas pelo professor. Perceba a diferença entre a forma como entende e a forma apresentada pelo professor para poder rever as suas concepções. Isso é solicitar a atividade do aluno. Uma noção piagetiana importante para o trabalho em sala de aula é a de CONFLITO COGNITIVO. O conflito cognitivo (PIAGET; GRÉCO, 1974) é interno ao aluno e significa a contradição entre a forma como o ele entende a realidade e o que está sendo apresentado pelo meio a que ele pertence. Não adianta o professor dizer que o que o aluno diz é o contrário do que está ensinando. É o aluno que precisa chegar a essa conclusão para poder avançar. O conflito cognitivo é condição para a mudança consciente, por isso a aula precisa ser dialogada. O aluno precisa ter voz na sala de aula. Despejar uma quantidade excessiva de informações sobre os alunos não leva a lugar nenhum, porque é preciso tempo para assimilar e acomodar. Uma vez acomodado, o material estará disponível para novas assimilações. É por isso que o processo de construção de conhecimentos no sujeito não tem fim e depende das assimilações e das acomodações que vaiconseguindo realizar. Por que o aluno não pode só acomodar? Porque a acomodação depende da incorporação prévia do conhecimento aos esquemas que o sujeito possui. Sem a assimilação anterior, tem-se sempre um novo começo, não um enriquecimento e ampliação do conhecimento anterior. Para Piaget, não há grandes saltos no desenvolvimento cognitivo. Ele se processa a partir de uma sequência que ocorre a partir de um nível imediatamente inferior. Esquema é a menor unidade do conhecimento. É aquilo que se generaliza 20 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR da ação e pode ser utilizado em outras construções. Um conjunto de esquemas dá origem a estruturas. O avanço no processo de construção tanto das estruturas do conhecimento como da realidade sempre vai do estágio sensório-motor e do pré-operatório ao operatório concreto e operatório formal. Essa sequência será descrita adiante. Na visão piagetiana, a adaptação e a organização constituem os invariantes funcionais do desenvolvimento cognitivo. São elas que permitem esse desenvolvimento. Por meio da organização, há a integração do que é adaptado a um sistema coerente. A adaptação e a organização se referem ao plano estrutural e ao plano funcional do desenvolvimento cognitivo. Para Piaget (1974a; 1974b; 1983a), o desenvolvimento cognitivo ocorre por meio da construção de estruturas do conhecimento que, por sua vez, compõem-se de esquemas práticos e conceptuais. As estruturas permitem entender a realidade e resolver problemas nessa realidade. Estruturas são sistemas de transformação, porque, no modelo piagetiano, é só pela atividade transformadora do sujeito que ele constrói sua inteligência e a sua realidade. Até agora, vimos que Piaget tem muito a dizer sobre como as pessoas se desenvolvem e aprendem. Vimos que a aprendizagem depende sempre do desenvolvimento. Piaget (1964; 1983a) se interessou pelo estudo do processo de desenvolvimento das estruturas do conhecimento. O desenvolvimento dessas estruturas está ligado à embriogênese, ao desenvolvimento do corpo e de todas as suas funções, que só se completa na adolescência. O desenvolvimento, assim como a aprendizagem, depende de dois processos: a assimilação e a acomodação. Ambos levarão a uma nova adaptação. Adaptação e organização são invariantes funcionais e estão presentes tanto na construção das estruturas do conhecimento como da realidade. Em sala de aula, é preciso estimular o pensamento dos alunos, dando-lhes voz para exteriorizá-lo e para apresentar outras perguntas que possam contribuir para a necessidade de rever conhecimentos e construir conhecimento novo. No exemplo apresentado no início desta unidade, observa-se que Carlos se interessa pelo conteúdo e quer ir além do apresentado pelo professor, ao que o professor responde com censura, exatamente o oposto do que faria o professor que se fundamenta nas ideias de Piaget. 21 Psicologia da Educação Na sala de aula, o conteúdo é o objeto do conhecimento. Ao ser instigado a pensar sobre esse conteúdo e, principalmente, ao atuar sobre ele, o sujeito está ativando a construção de sua inteligência que, para Piaget, pode ser entendida como construção das estruturas do conhecimento. Portanto, forma e conteúdo se relacionam nesse processo. A forma diz respeito às estruturas e o conteúdo ao funcionamento do sujeito em relação a um objeto específico e contando com suas estruturas. Mas as estruturas não são inatas, dependem, para a sua construção, da construção da realidade, a qual está impregnada de conteúdos. O que acabamos de dizer refere-se a uma das mais importantes contribuições de Piaget (1936; 1937): a de que a inteligência constrói-se paralelamente à construção da realidade. Ao conhecer o real por meio de suas ações, o sujeito está construindo ao mesmo tempo a sua inteligência. Agora se pode entender por que Piaget considera o processo de desenvolvimento da inteligência ou da cognição paralelamente ao processo de construção da realidade. O que isso significa? Significa que compreendemos a realidade na medida em que construímos a nossa inteligência. Assim entendemos por que a criança pequena entende a realidade de forma diferente da criança de oito anos e do adolescente. As estruturas estão em construção e permitem interpretar e resolver problemas da realidade. Dependendo das estruturas que são ativadas, a realidade é entendida de maneira ingênua e simples ou, ao contrário, em sua complexidade. Segundo Piaget, ao construir o objeto, o sujeito constrói a si mesmo. O que você entende por essa afirmativa? Segundo Piaget, a inteligência não nasce com a gente, ela se constrói lentamente a partir da interação com o meio. Como o professor pode contribuir nesse processo? 22 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR 1.2 FATORES RESPONSÁVEIS PELO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO Como aquilo que conseguimos aprender tem a ver com o nível de desenvolvimento cognitivo, é importante que o professor conheça o que Piaget (1958; 1964; 1965) indica como fatores responsáveis pelo desenvolvimento da inteligência. Piaget enumera quatro fatores fundamentais para essa construção: a maturação, a experiência física, a interação e transmissão social e o processo de equilibração. Todos são igualmente importantes, mas um integra os demais: o processo de equilibração. A maturação orgânica é uma condição de possibilidade do organismo de se desenvolver. Envolve o desenvolvimento neurofisiológico. Não pode ser entendida como único fator responsável pela inteligência, porque sem a experiência, a interação social e o processo de equilibração não há desenvolvimento cognitivo. No entanto, a maturação é indispensável, porque mesmo com a presença dos outros fatores, o não-desenvolvimento da maturação vai ser determinante é o que explica, por exemplo, o fato de um bebê não conseguir compreender álgebra linear. A experiência com objetos (ou experiência física) é outro fator fundamental na visão piagetiana. Para o desenvolvimento da inteligência, é indispensável a atuação sobre os objetos. Piaget distingue aqui dois tipos diferentes de experiência: a experiência física e a experiência lógico- matemática. A experiência física diz respeito à atuação sobre os objetos e o conhecimento de suas propriedades por meio da abstração física. Por exemplo, ao tocar em um objeto, podemos perceber que ele é gelado ou quente. Já a experiência lógico-matemática leva a um conhecimento a partir das coordenações de minhas ações e necessita de uma abstração reflexionante. A abstração reflexionante (PIAGET, 1977a; 1977b) é o resultado de um conhecimento advindo da coordenação das ações exercidas pelo sujeito sobre o objeto. Esse conhecimento não está no objeto, mas no sujeito que pensa. Por exemplo, o conhecimento de que há objetos mais quentes e objetos mais gelados do que outros não está no objeto, mas na mente do sujeito que pensa, e depende do estabelecimento de relações. A abstração reflexionante envolve o reflexionamento e a reflexão. O 23 Psicologia da Educação reflexionamento constrói em um plano superior o que foi construído no plano da ação. Já a reflexão refere-se a um reflexionamento de segundo grau ou a uma tematização em um plano superior do que foi construído por meio da coordenação das ações. A experiência, por si só, não explica o desenvolvimento, porque requer, para a sua compreensão, a maturação, além dos outros fatores. Mas a experiência é indispensável, porque sem ela não há o conhecimento de objetos. Por exemplo, a criança pequena pode fazer inúmeras experiências com diferentes objetos, mas o conhecimento que retiradelas corresponde ao nível de seu desenvolvimento intelectual, que envolve também a maturação, a interação e transmissão social e, sobretudo, o processo de equilibração. A interação e transmissão social dizem respeito à importância das interações com as outras pessoas e do conhecimento a que temos acesso a partir delas para o desenvolvimento da inteligência (PIAGET, 1958; 1965). Não é o único fator, porque mesmo interagindo com inúmeras pessoas e tendo acesso a toda sorte de conhecimentos, sem a maturação, por exemplo, o sujeito não irá entender o que está sendo dito e apresentado. Por outro lado, esse é um fator indispensável, porque mesmo tendo maturação, experiência e o processo de equilibração, o nível de desenvolvimento dependerá sempre do acesso a conhecimentos em um determinado meio social e cultural. Esse fator está relacionado a atrasos e acelerações no desenvolvimento. Contando apenas com a maturação, a experiência e a interação social, ainda não é possível explicar o desenvolvimento cognitivo para Piaget. Há a necessidade de um fator integrador, e este é o processo de equilibração. As construções que o sujeito vai fazendo ao longo de sua vida só são possíveis pelo processo de equilibração. Esse processo autorregulador do organismo permite a busca de um novo equilíbrio a partir de uma situação de desequilíbrio cognitivo. Ao longo de sua existência, o sujeito vai realizando inúmeras adaptações, que podem ser entendidas como estágios temporários de equilíbrio. Eles logo são contrabalançados por situações que representam desequilíbrios cognitivos, que podem ser entendidos como incompreensões, situações com as quais não sabemos lidar. O processo de equilibração representa esse percurso de equilíbrios e desequilíbrios em vários níveis. Ele integra os fatores de maturação, experiência e interação social e possibilita uma resposta do sujeito às diferentes situações da vida. Não é possível visualizar esse fator, de modo que, para entendê-lo, pode-se pensar no quanto, às vezes, lemos uma mesma obra e só muito tempo depois 24 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR entendemos seu real significado, por vezes em um contexto bem adverso ao da leitura de um livro. Outro exemplo é o da criança que tem significativo acesso à cultura e a um método adequado para a alfabetização, mas só depois das férias apresenta um surpreendente avanço em seu domínio da linguagem escrita. Conhecer os quatro fatores descritos nos permite entender a dinâmica entre desenvolvimento e aprendizagem na teoria piagetiana. Como é a evolução dessa dinâmica? É o que se discute na sequência. 1.3 A CONSTRUÇÃO DAS ESTRUTURAS DO CONHECIMENTO A partir da interação do sujeito com o meio físico e social, ocorre a construção das estruturas do conhecimento ou da inteligência. Piaget distingue quatro conjuntos de estruturas que se desenvolvem em movimento como o de uma espiral evolutiva (equilibração majorante): as sensório- motoras, as pré-operatórias, as operatórias concretas e as operatórias formais. Para Piaget (1994), inteligência e afetividade constroem-se paralelamente, assim como a moralidade. A equilibração majorante, ou o processo de desenvolvimento de uma nova forma de equilíbrio mais ampliada, explica a passagem de um conjunto de estruturas ao outro. Nessa ultrapassagem, o novo integra o que foi construído em um patamar inferior e o ultrapassa. No entanto, coexistem, também, formas próprias de estruturas mais elementares, podendo estas ser ativadas dependendo da situação. É o caso, por exemplo, do adulto que em determinada situação responde com características do operatório concreto ou do pré-operatório, quando já apresenta raciocínio operatório formal. As primeiras estruturas, as sensório-motoras, desenvolvem-se desde o nascimento. A assimilação ocorre a partir dos reflexos inatos, que o bebê utiliza para interagir com o meio. Os reflexos se prolongam, formando os primeiros esquemas, como o de sugar e o de agarrar. Estes se combinam por meio da ação interativa com o meio. Por exemplo, quando o bebê 25 Psicologia da Educação nasce, apresenta o reflexo de sugar que se adapta ao mamilo da mãe. Ao passar para a mamadeira, o bebê necessita fazer outra adaptação. Primeiro assimila o bico da mamadeira como se fosse o bico do seio e lentamente vai se acomodando ou se ajustando ao novo objeto por conhecer: o bico da mamadeira. Uma vez adaptado, o bebê utilizará esse conhecimento para novas adaptações, como quando inicia com a comida de colher. Primeiro assimila a colher como se fosse o bico da mamadeira e só lentamente vai se ajustando ou se acomodando ao seu formato. Assimilação e acomodação explicam desde o início os avanços do sujeito. A partir das ações do bebê, é construída a primeira noção de objeto permanente, de tempo, de espaço e de causalidade. Na construção dessa primeira forma de inteligência, a criança pequena se utiliza dos sentidos e de seus movimentos. No início não distingue o que diz respeito ao corpo dela e o que pertence ao meio, estando presa em uma espécie de egocentrismo físico. A inteligência sensório-motora, não-socializada, caracteriza-se por reflexos, instintos, primeiros hábitos, percepções diferenciadas e estruturas sensório-motoras. Já no domínio afetivo, encontramos a construção de sentimentos intraindividuais que acompanham todas as ações (tendências instintivas, emoções, prazeres e dores relacionados às percepções, sentimentos de agrado e desagrado), assim como regulações elementares, marcadas por sentimentos de êxito ou fracasso. Quanto ao desenvolvimento da moralidade, não há ainda noção de limites. A criança está em uma fase denominada de anomia: ausência de regras conscientes. As estruturas sensório-motoras são construídas do nascimento até aproximadamente dois anos e se caracterizam por uma inteligência prática, que se define pelo uso (PIAGET, 1936). Seguindo os fatores responsáveis pelo desenvolvimento cognitivo, na fase sensório-motora o bebê necessita interagir com diferentes objetos de cores, texturas, sons, gostos e formatos diferenciados. É preciso instigá-lo para experimentar novos movimentos e reconhecer os objetos a partir dos sentidos, porque é por esse canal que as primeiras construções cognitivas se estabelecem. Por outro lado, requer-se a interação significativa com um ou dois adultos que interajam mais próximos à criança e a iniciem no conhecimento dos objetos do mundo. A segurança do bebê depende desse contato mais próximo com algumas pessoas que se dediquem a ele de forma responsável e da existência de certas regularidades, como hora de comer, de dormir e de passear, entre outras. Essas regularidades do meio vão ser o precursor das futuras regras e normas. No plano estrutural, a inteligência prática, que pode 26 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR ser entendida como uma adaptação, se define por uma indiferenciação entre a assimilação e a acomodação. O que é assimilado o é no momento em que é acomodado e vice-versa. A lenta construção do segundo grupo de estruturas, as estruturas pré-operatórias, inicia-se em torno dos dois anos, com o aparecimento da capacidade de representação simbólica. Mas o que isso significa? Significa que as ações do sensório-motor podem ser agora interiorizadas. É por isso que podemos dizer que o estágio pré-operatório pode ser entendido como o de uma inteligência prática interiorizada e não-reversível. É o início do pensamento na criança e da inteligência verbal. A capacidade de representação se expressa na linguagem, no jogo simbólico, na imitação, no sonho, no desenho, na imagem mental. A criançaé agora capaz de retomar o que foi feito em outra ocasião. Um fato importante é o aparecimento da linguagem. Com a linguagem, amplia-se a capacidade de interação e comunicação, levando à possibilidade de exteriorização da vida interior e, assim, de corrigir ações futuras. A criança já antecipa o que vai fazer. Muitas características correspondem a esse período de 2 a 7 anos, aproximadamente (PIAGET, 1937; 1978). Uma das principais características é o egocentrismo psíquico ou tendência a relacionar tudo ao seu próprio ponto de vista, como se fosse o centro do universo, juntamente com os outros homens. Tudo o que foi criado, foi criado para o homem, expressão de um antropocentrismo. É por essa razão que a criança se imagina até dominando os fenômenos da natureza. Por exemplo, se desejar que chova, vai chover. Essa característica leva a uma incapacidade de se colocar no lugar do outro e de entendê-lo como tendo desejos e necessidades diferentes dos seus. A criança quer a proximidade de outra, mas tem dificuldade em desenvolver um trabalho conjunto ou integrar a ideia do outro à sua própria construção. É o que se observa nas crianças menores: estão juntas, brincam juntas, mas cada uma da sua maneira. Esse egocentrismo vai apresentar diferentes manifestações, como o artificialismo, quando a criança crê que os homens criaram os fenômenos naturais. Pensa, por exemplo, que as montanhas e as árvores foram criadas pelos homens. Outra manifestação do egocentrismo infantil é o animismo. Com ele, a criança dá vida humana a animais, a objetos e a outros seres. Por isso se encanta com estórias em que plantas têm sentimentos humanos, animais falam e objetos podem sentir dor, prazer, como ela própria. 27 Psicologia da Educação O realismo é mais uma característica do egocentrismo infantil. A criança tem dificuldade em entender que retratos, palavras, sonhos e sentimentos indicam apenas um ponto de vista; ela acredita que existam objetivamente. Acredita, por exemplo, que os nomes são parte da coisa nomeada e quanto maior for a palavra, maior será o objeto que nomeia. O raciocínio da criança pré-operatória não se baseia na lógica, mas na proximidade dos fatos. A criança imagina uma relação causal entre fatos que ocorram juntos. Por exemplo, o carro anda porque tem estrada ou porque foi tocada a buzina. A essa característica Piaget denomina raciocínio sincrético. Uma das mais importantes características do pré-operatório é o jogo simbólico, onde se observa um predomínio da assimilação sobre a acomodação. No jogo simbólico ou no jogo do faz-de-conta, a criança se utiliza de um significante para dar-lhe outro significado. Por exemplo, um objeto pode representar outra coisa, para além de seu significado coletivo: uma pedra pode ser um carro, a criança pode ser um super-herói ou uma fada e assim por diante. O jogo simbólico é uma das principais características do desenvolvimento infantil, porque, por meio da imaginação e da criatividade, a criança cria um mundo novo ainda não experimentado por ela, mas movido por seus desejos. Para brincar de faz-de-conta, é necessária uma inteligência representativa que antecede a racionalidade e que permite a relação entre significantes e significados. É por isso que dizemos que há um predomínio da assimilação, porque mais ênfase é dada à incorporação do dado novo aos esquemas e estruturas do sujeito e menos à acomodação ou ajuste do sujeito à realidade. Outra característica importante do pré-operatório é a imitação. A capacidade de imitação implica uma retomada do que foi feito pela ação, mas ainda não há a incorporação do que é imitado ao repertório do sujeito, possibilitando generalizações. A criança imita por imitar. Por isso, Piaget entende a imitação como um predomínio da acomodação ou ajuste do sujeito ao objeto sobre a assimilação. A imitação também é uma manifestação da capacidade humana de representação que antecede a operação (ação mental reversível), essência do conhecimento para Piaget. Assim, na inteligência pré-operatória já há a necessária diferenciação entre a assimilação e a acomodação, mas ainda não há o seu equilíbrio. Ora há o predomínio da assimilação, como no jogo simbólico, ora há o predomínio da acomodação, como na imitação. Ambos 28 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR preparam o aparecimento da operação. Tanto o jogo simbólico como a imitação devem ser estimulados no período pré-operatório. E isso de diferentes maneiras: trabalho com linguagens, desenho, teatro, brincadeira de faz-de-conta, jogos, música, dança e brincadeira livre. É importante que a criança crie seu enredo a partir de suas necessidades. Essas atividades estarão relacionadas ao desenvolvimento de outro conjunto de estruturas: as estruturas operatórias concretas. O jogo simbólico e a imitação são as principais atividades do pré-operatório, e devem ser estimuladas. A criança está se apropriando lentamente de sua realidade basicamente a partir dessas atividades nesse período. Nelas, retoma mentalmente tudo o que foi praticado na ação prática, consistindo em uma inteligência representativa. Devemos, enquanto educadores, solicitar de inúmeras formas essa capacidade de representação: contar estórias, representá- las, imaginar outros personagens, outros desfechos da estória, dançar, fazer teatro, desenho, música, pintura, escultura, brincar com a linguagem, com trava-línguas e muitas outras atividades podem estar contribuindo para o desenvolvimento da inteligência da criança nesse período (STOLTZ, 2008, p. 33) No aspecto afetivo, a criança pré-operatória manifesta sentimentos interindividuais construídos a partir do intercâmbio afetivo entre as pessoas e para além dos sentimentos ligados ao próprio sujeito (STOLTZ, 2007). Esses se manifestam por afetos intuitivos que se expressam por sentimentos sociais elementares, com expressão dos primeiros sentimentos morais. A moral que se estabelece durante o período pré-operatório é uma moral heterônoma, onde o certo e errado são dados por uma autoridade externa ao sujeito. A moral heterônoma antecede a moral autônoma, que possibilita ao sujeito determinar os caminhos de sua formação por si mesmo (PIAGET, 1977; STOLTZ, 2006). Na moral heterônoma, os sentimentos morais da criança refletem a vontade do adulto significativo. A moral heterônoma (ou moral da obediência) estabelece como critério de bem e mal a vontade dos adultos (PIAGET, 1977). Há, portanto, a necessidade de o educador não abusar de sua autoridade. A relação entre o adulto e a criança deve sempre considerar o diálogo e o respeito para que contribua na superação da moral heterônoma e para a construção da moral autônoma. A educação deve fomentar as relações entre as crianças, promovendo o conhecimento e o intercâmbio entre elas. A estimulação da cooperação entre iguais, por meio do trabalho em pequenos grupos, auxilia na diminuição da coação externa e no aumento da autonomia. 29 Psicologia da Educação No perríodo pré-operatório, a criança é capaz de pré-conceitos (por exemplo, um representante da classe é tomado como a classe inteira). Próximo dos 2 anos, a criança tende a acreditar, por exemplo, que o cachorro que vê é o mesmo que viu em outro local bem distante. Após os 4 anos iniciam-se conceitos intuitivos, que reconhecem classes pela semelhança, mas não contando, ainda, com argumentos lógicos. As classificações das crianças pré-operatórias de mais idade são baseadas, geralmente, em um só critério. Há a dificuldade de considerar mais de um critério, como, por exemplo, ao separar triângulos vermelhos e de três lados iguais (equiláteros). É preciso estimular o pensamento da criança para a organizaçãode diferentes classificações e relações, preparando-a para o advento das operações. O que falta à criança pré-operatória? Falta a capacidade de estabelecer relações a partir de uma lógica racional. Essa criança apresenta-se, na linguagem piagetiana, como não-conservante e marcada por um pensamento não-reversível. A conservação é a necessidade lógica de consideração de certos atributos nas diferentes transformações de um objeto. Por exemplo, se tomamos duas quantidades iguais de massa de modelar e modelamos uma em formato de bola e a outra em formato de salsicha, pode até parecer que na salsicha tem mais massa, mas na realidade a sua quantidade não se altera pela mudança na forma. A criança pré-operatória tem muita dificuldade em atividades como essa, porque o seu raciocínio está preso à sua percepção imediata, ao imediatamente visível e perceptível. Por isso ela é não- conservante. Outro exemplo que poderíamos citar aqui é o do copo de leite. Se despejarmos uma mesma quantidade em dois copos iguais e depois mantivermos um copo com a mesma quantidade e despejarmos o conteúdo do outro em um copo de formato diferente, a criança acredita que muda a quantidade de líquido para beber, só porque o nível de leite no copo de formato diferente é outro. FIGURA 2 FONTE: http://www.sxc.hu/photo/1194108 30 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR O pensamento não-reversível da criança pré-operatória é fácil de ser reconhecido. Ela não consegue retornar mentalmente ao ponto de partida de uma transformação de um objeto. Por exemplo, na transformação da massa de modelar, a criança não consegue apresentar mentalmente como argumento da conservação de quantidade de massa a reflexão de que era uma bola antes de se tornar salsicha e, por isso, a quantidade só poderia ser a mesma. Reversibilidade e conservação são as características do pensamento racional, que só se apresentam no operatório concreto. Aqui, no pré-operatório, ocorre a preparação para o aparecimento da operação, que é justamente a capacidade de retornar mentalmente ao ponto de partida e de se apropriar do processo de transformação. Operar é transformar. Como educadores, podemos contribuir para o desenvolvimento da capacidade de operar ao solicitar a atividade do aluno voltada à reflexão sobre o processo de transformação que levou a dado conhecimento. As estruturas operatórias concretas desenvolvem-se a partir das pré- operatórias e acrescentam a reversibilidade à inteligência interiorizada pré- operatória (PIAGET; SZEMINSKA, 1941). Aproximadamente dos 7 anos até em torno dos 12 anos, a criança é capaz de operar em sua realidade concreta a partir da lógica das classes e das relações. Conservação e reversibilidade são as suas principais características. Por exemplo, quando descobre que errou ao realizar uma operação, é capaz de rever todo o processo realizado para identificar o erro e refazer o percurso, seguindo dos resultados aos meios. A conservação permite à criança entender conceitos como, por exemplo, o de fruta, cuja essência envolve várias frutas de formatos bem diversos, como a jaca e a pitanga. A primeira conservação é a de substância, depois surge a conservação de peso e, por fim, a conservação de volume. A capacidade da criança de estabelecer relações lógicas permite-lhe a coordenação de pontos de vista diferentes, diferentemente do egocentrismo intelectual e social ou da centração em si mesma do período pré-operatório. No período operatório concreto, a criança consegue coordenar diferentes pontos de vista e integrá-los de modo lógico e coerente (PIAGET, 2003). Mas a capacidade de reflexão se manifesta a partir de situações concretas. Essa capacidade de pensar antes de agir, considerar vários pontos 31 Psicologia da Educação de vista, lembrar o passado e antecipar o futuro aparece considerando a história de interações vividas pela criança, não ainda no plano hipotético- dedutivo. Como educadores, podemos também estimulá-la a pensar baseada em hipóteses. Tudo aquilo que a criança não conseguia fazer no período pré- operatório passa a ser agora possível, como formar o conhecimento de número, estabelecer sequências de ideias e eventos, estabelecer relações de causa e efeito. No que diz respeito ao domínio afetivo, observa-se no operatório concreto o aumento de uma autonomia na ação em relação ao adulto, levando a criança a organizar os seus próprios valores morais. Surgem, assim, sentimentos morais autônomos, com intervenção da vontade nos dilemas entre o dever e o prazer, por exemplo. As crianças são capazes de elaborar as suas próprias regras. Com a descentração, o grupo vai crescendo em importância para a criança, e satisfaz, cada vez mais, suas necessidades de afeto. No final do período operatório concreto, a criança pode vir a se contrapor frontalmente ao adulto. A capacidade de cooperar, a partir da diminuição do egocentrismo, possibilita a integração e coordenação de novas ideias às ideias próprias. Surgem sentimentos morais, como o respeito mútuo, a honestidade e a justiça, que consideram a intenção da ação e não o seu resultado. Por exemplo, ao manchar uma toalha de mesa sem querer, a criança não acha que deva ser punida (PIAGET, 1977). A construção das estruturas operatório-formais amplia a capacidade das operações concretas. As operatório-formais começam a aparecer no início da adolescência, com o término da construção das estruturas concretas, em torno de 11 e 12 anos. Aqui o adolescente é capaz de exercer as operações mentalmente, sem necessitar do concreto, subordinando o real ao mundo dos possíveis. As construções podem agora partir do pensamento hipotético-dedutivo e basear-se em proposições. Esse é o pensamento que guia o cientista na elaboração de uma nova teoria. As estruturas operatório-formais permitem inúmeras construções e são as últimas que se desenvolvem no sujeito a partir da interação com o meio. Há, portanto, fechamento no plano estrutural e ilimitadas possibilidades de construção no plano funcional. Essas estruturas indicam o mais elevado nível de desenvolvimento cognitivo do adolescente e do adulto. Por exemplo, ao abordar um problema, o sujeito varia cada vez uma das variáveis implicadas 32 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR FIGURA 3 FONTE: http://www.sxc.hu/photo/1200271 na sua causa, mantendo outras variáveis constantes, no sentido de verificar a influência da variável manipulada na produção de um resultado (PIAGET, 1970). O grupo matemático INRC, representando identidade, negação, reciprocidade e correlação, é o que caracteriza melhor as possibilidades de combinação que o pensamento operatório formal é capaz de realizar. Por que muitos adolescentes e adultos não apresentam características do pensamento operatório formal? Trabalhando com adultos e adolescentes, verificamos que nem sempre seu raciocínio indica características do pensamento do cientista. Na verdade, ao lado de raciocínios operatório- formais coexistem raciocínios mais simples, baseados em características de estruturas inferiores, como concretas, pré-operatórias ou até sensório- motoras. Como se explica isso? Piaget elaborou uma epistemologia e a denominou de epistemologia genética, que significa estudo do conhecimento a partir de sua gênese. Ele estava preocupado em saber como se dá o desenvolvimento da inteligência no sujeito. Chegou à conclusão de que o mais alto nível de desenvolvimento das estruturas do conhecimento é o formal, que pode ser generalizado aos mais diferentes domínios. Em tese, a possibilidade de manifestação em um campo abre a possibilidade de manifestaçãoem todos os outros. Mas, no plano do funcionamento psicológico, da resolução de problemas da realidade, vemos que isso não se dá de imediato, automaticamente. A exteriorização do pensamento formal depende das interações do sujeito com os diferentes domínios e do tipo de interação nesses domínios. 33 Psicologia da Educação Piaget diz (1970) que é possível que o pensamento formal se manifeste apenas nos domínios em que o sujeito interaja mais e exerça a sua profissão ou especialidade. Em tese, dadas as condições do meio para o desenvolvimento dessas estruturas, elas iniciariam seu desenvolvimento no início da adolescência. O mais importante a ser observado, como professor, é a sequência do desenvolvimento dessas estruturas, mais do que a idade de seu aparecimento. Essa sequência inicia pela ação, passa pela representação e chega à operação concreta e formal. Nesse sentido, acreditamos ser importante obedecer a essa sequência no trabalho com um novo domínio de conteúdos em sala de aula, porque o pensamento operatório-formal exige construções anteriores para o seu aparecimento. Por exemplo, temos que partir verificando indícios do conteúdo novo no contexto social e cultural vivido pelo sujeito, para que ele possa ser percebido como significativo no plano sensível. Na sequência, levarmos o sujeito a representar o que entende por aquele conteúdo e depois a estabelecer relações com outros objetos de conhecimento vinculados, primeiro, ao seu mundo concreto e, depois, ao plano das ideias. Essa sequência aponta para a reconstrução das estruturas em um domínio específico. Como fica o desenvolvimento da afetividade desse adolescente? A partir das operações formais, sentimentos interindividuais se combinam com sentimentos envolvendo ideais coletivos. O adolescente é capaz de lidar com conceitos como liberdade, justiça, solidariedade etc. No início da adolescência observa-se a retomada de uma espécie de egocentrismo, que coloca o adolescente como centro de atenções. O adolescente vive conflitos. Deseja tornar-se independente em relação ao adulto, mas ainda depende dele. Próximo à idade adulta, começa a eleger um conjunto de regras e de valores pelos quais vive e se mantém leal. Ocorre a afirmação da vontade. A capacidade de realizar abstrações e generalizações o leva a fazer deduções de simples hipóteses e a lutar por elas. A autonomia moral e intelectual só é possível a partir do operatório formal. Segundo Piaget, esse é o objetivo da educação. No plano estrutural, essa autonomia A evolução da inteligência e da afetividade está na descentração do indivíduo, que se inicia no operatório concreto. No que se refere à afetividade, é a partir do contato com o outro que o sujeito constrói os primeiros sentimentos interindividuais, para além dos sentimentos restritos ao próprio sujeito. Para Piaget (1977), quanto maior o autoritarismo do meio, maior a vigência de egocentrismo e impedimento do desenvolvimento da autonomia, 34 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR característica do indivíduo descentrado. Quanto mais autônomo o sujeito, maior é a sua capacidade de articular o pensamento próprio ao pensamento do outro, sem se submeter a ele. Por isso a capacidade de socialização do adolescente e do adulto saudável é, em tese, maior. Piaget delega aos pedagogos a tarefa de verificação da cooperação como processo educativo. Stoltz (2007), Guimarães e Parrat-Dayan (2007) e Stoltz (2008) propõem a interação social cooperativa que estimule o processo de tomada de consciência de noções específicas. “A interação deve estimular a reflexão sobre a reversibilidade física e mental envolvendo atividades relativas a pessoas e atividades relativas a outros objetos” (STOLTZ, 2007, p. 34). Esse movimento implica um processo dinâmico do fazer ao compreender e vice-versa. Uma distinção importante relativa à aprendizagem é entre aprendizagem em sentido lato e aprendizagem em sentido estrito (PIAGET; GRÉCO, 1974). A aprendizagem em sentido estrito está relacionada a uma situação específica, a uma experiência, a um treino e leva a um conhecimento limitado, restrito àquele conteúdo. Esse tipo de aprendizagem tende a enfatizar os aspectos figurativos do pensamento imitação, percepção, memória, imagem mental e permite o conhecimento de estados, não de transformações. Já a aprendizagem em sentido lato confunde-se com o próprio desenvolvimento, vai estar relacionada aos aspectos operativos do conhecimento, ligados às transformações. Os aspectos operat ivos explicam o processo de transformação que levou a dado conhecimento. Piaget expressa que o que deve ser enfatizado na educação são os aspectos operativos ou o pensar sobre as transformações e não sobre os estados. O conhecimento figurativo leva apenas a uma memorização sem compreensão que logo é esquecida. Como podemos contribuir para o favorecimento da aprendizagem lato sensu? Solicitando sempre relações entre conhecimentos e a atividade do aluno. Por outro lado, podemos apresentar problemas que necessitem do conhecimento científico e ativem a capacidade do aluno de pensar nas relações de sua realidade com o conhecimento, que o levem a pensar de forma ativa e crítica sobre aquele conhecimento científico (STOLTZ, 2008, p. 278). A aprendizagem está, assim, subordinada ao processo geral de equilibração e ao nível de desenvolvimento cognitivo (PIAGET, 1983a). O que ensinar e como ensinar depende do conhecimento do aluno, das suas características e de suas possibilidades de assimilar e acomodar. O trabalho do educador deve ser o de estimular a capacidade do aluno por meio de 35 Psicologia da Educação situações desafiadoras, contando com diferentes materiais e conhecimentos. A curiosidade deve ser o motor de novas construções. Situações-problema desenvolvidas em pequenos grupos e relacionadas ao contexto social e cultural do aluno podem contribuir para o desencadeamento de novas construções cognitivas e afetivas. Mais importante do que pedir ao aluno respostas, a tarefa do educador, baseado em Piaget, consiste em levá-lo a desenvolver novas perguntas. Por isso o ensino pode ser caracterizado como envolvendo uma experimentação ativa. Como você avalia a situação de sala de aula apresetnada no início deste capítulo? Discuta-a tomando como referência o objetivo da educação para Piaget e sua teoria sobre desenvolvimento e aprendizagem. 36 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR REFERÊNCIAS DELVAL, J. Introdução à prática do método clínico: descobrindo o pensamento das crianças. Porto Alegre: Artmed, 2002. GUIMARÃES, S. R. K.; STOLTZ, T. (Orgs.). Tomada de consciência e conhecimento metacognitivo. Curitiba: UFPR, 2008. PIAGET, J. A epistemologia genética. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. _____. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo, sonho, imagem e representação. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. _____. Cognitive development in children: development and learning. Journal of Research in Science Teaching. v. 2, n. 3, 1964, p. 176186. _____. Estudos sociológicos. Rio de Janeiro: Forense, 1965. _____. La naissance de l’intelligence chez l’enfant. Neuchâtel: Delachaux et Niestlé, 1936. _____. La construction du réel chez l’enfant. 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PIAGET, J.; SZEMINSKA, A. La genèse du nombre chez l’enfant. Neuchatel: Delachaux et Niestlé, 1941. STOLTZ, T. As perspectivas construtivista e histórico-cultural na educação escolar. Curitiba: IBPEX, 2008. _____. Interação social na família e desenvolvimento de crianças de cinco e seis anos. In: SCHMIDT, M. A.; STOLTZ, T. (Orgs.). Educação cidadania e inclusão social. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2006. _____. O problema das relações entre afetividade e inteligência. In: DINIS, N. F.; BERTUCCI, L. M. (Orgs.). Múltiplas faces do educar: processos de aprendizagem, educação e saúde, formação docente. Curitiba: UFPR, 2007. STOLTZ, T.; PARRAT-DAYAN, S. Educação e inclusão social: uma leitura possível a partir de Piaget. In: GUÉRIOS, E.; STOLTZ, T. (Orgs.). Educação, inclusão e exclusão social: contribuições para o debate. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2007. 38 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR 39 Psicologia da Educação A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY UNIDADE 2 40 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR 41 Psicologia da Educação 2 A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY Entre os teóricos que são referência hoje na questão da aprendizagem, está Lev S. Vygotsky (18961934). Vygotsky nasceu na Rússia e, em sua breve existência, deixou uma teoria em construção que pretende a superação dos reducionismos mecanicistas e idealistas. A base dessa orientação teórica está no marxismo e no ideário da Revolução Russa de 1917. Vygotsky, assim como Luria e Leontiev, via o homem como ser ativo, resultado de suas interações no contexto social e cultural. Por essa razão é um teórico interacionista. Suas obras foram proibidas na própria Rússia entre 1936 e 1956, por motivos políticos. No Brasil, a influência do pensamento de Vygotsky começa a crescer a partir da década de 1980, principalmente nas áreas da Educação, Psicologia do Desenvolvimento e Psicologia Social. Sua abordagem teórica é também conhecida na Educação e na Psicologia como sociointeracionista ou sócio-histórica. FIGURA 4:: LEV SEMENOVICH VYGOTSKY 42 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR 2.1 O HOMEM COMO SER HISTÓRICO Lúcia voltou para casa desanimada. Havia dado quatro aulas seguidas, estava exausta. Na verdade, o que a incomodava era o desrespeito e a falta de consideração dos alunos daquela escola. Tinha aplicado avaliação em uma das turmas. Ficou horrorizada com o resultado. Era como se não tivesse dado dois meses de aula sobre aquele assunto. E ainda teve que escutar de uma adolescente: “Não sei por que perder o meu tempo vindo para esta escola. Não está me ensinando nada...”. O pior era que Lúcia estava vendo que não ensinava nada... Mas, afinal, a escola é importante? Ninguém melhor do que Vygotsky para responder a essa questão. Vygotsky (RATNER, 1995; VAN DER VEER; VALSINER, 1999) entende o homem como se constituindo em um processo histórico, síntese de múltiplas determinações. O que significa isso? Significa que o que o homem vai aprender e desenvolver depende do que for possibilitado a ele conhecer. O humano não está anteriormente dado. É o resultado das interações que o homem vai estabelecendo em um contexto social e cultural bem específico. E mais, essa humanidade do homem está em evolução, o que significa que os instrumentos e a rede de relações sociais que possibilitam o acesso ao conhecimento hoje certamente será outra amanhã e levará a diferente desenvolvimento humano. Vygotsky responderia com muita clareza à situação da professora Lúcia. Se a escola não funciona, não é por culpa dos alunos. É a escola que precisa rever urgentemente o seu papel e a sua forma de atuação. Na perspectiva de Vygotsky (1991; 1994) e Vygotsky e Luria (1996), aprendizagem gera desenvolvimento. Se os alunos não aprendem, estão perdendo em termos de desenvolvimento. Para muitos, a escola é o único espaço de acesso ao saber elaborado, aquele que foi socialmente construído e historicamente acumulado para ser apropriado pelas gerações mais novas. Para que ter acesso ao saber elaborado ou científico? Para desenvolver uma visão crítica da realidade, para não ser explorado. Para ter consciência de direitos e deveres e conseguir viver a sua cidadania. Vygotsky vai mais longe. Para ele, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, aquelas que nos distinguem como seres humanos, só se realizam pelo acesso ao saber elaborado ou o conhecimento científico. Essas funções psicológicas superiores que distinguem o homem de outros animais são o pensamento abstrato, o comportamento intencional, a memorização ativa, a atenção voluntária, a linguagem e a afetividade propriamente humana, entre outras. 43 Psicologia da Educação Essas funções estão em evidente oposição com a de outro grupo de funções, as funções psicológicas inferiores, que partilhamos com os outros animais: sensações, atenção involuntária, memória involuntária e reações emocionais básicas, entre outras. Segundo Vygotsky: o aprendizado geralmente precede o desenvolvimento. A criança adquire certos hábitos e habilidades numa área específica, antes de aprender a aplicá-los consciente e deliberadamente. Nunca há um paralelismo completo entre o curso do aprendizado e o desenvolvimento das funções correspondentes (VYGOTSKY, 1998, p. 126). Seguindo a ideia de que aprendizagem gera desenvolvimento, o fato de uma pessoa ter seu desenvolvimento restrito explica-se pelo tipo de aprendizagem que desencadeou em seu contexto social e cultural. Isso significa que somos muito mais responsáveis uns pelos outros do que pensamos. O que o outro vai desenvolver tem íntima relação com o que o contexto lhe possibilitou aprender. As funções psicológicas superiores precisam estar antes no contexto, externas ao sujeito, para que este possa se apropriar delas mediante aprendizado. Tudo se passa, para Vygotsky (1994), do externo para o interno, das relações entre as pessoas para as relações com o próprio sujeito, dos processos interpsíquicos ou intermentais para os processos intrapsíquicos ou intramentais. “Chamamos de internalização a reconstrução interna de uma operação externa” (VYGOTSKY, 1994, p. 74). E o que permite essa passagem do externo para o interno ao próprio sujeito? O processo de internalização ou a passagem do interpsíquico para o intrapsíquico. Mas o sujeito é ativo nesse processo. Esse processo envolve uma transformação do sujeito a partir de sua negociação com a cultura. Isso significa que o sujeito também influencia o contexto, mas essa capacidade foi desenvolvida nele por um contexto social e cultural. Essa origem social e cultural do homem encontra seus fundamentos na visão do materialismo histórico dialético (MOLL, 1996; OLIVEIRA, 1997; VAN DER VEER; VALSINER, 1999). O conceito principal aqui é o conceito marxista de trabalho. O trabalho é entendido como atividade especificamente humana que transforma a natureza e, ao transformá-la, modifica o sujeito. Nessa transformação da natureza, o homemse vale de 44 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR instrumentos e das relações com outros homens. Atividade e linguagem, entendidas dentro de um contexto histórico e cultural, são as categorias vygotskyanas que explicam o processo de aprendizagem e desenvolvimento. Sendo assim, é a própria vida que determina a consciência e não o inverso. Dentro dessa concepção, tem-se ainda uma visão essencialmente dinâmica do desenvolvimento. Tudo está em permanente movimento e transformação. No desenvolvimento do homem, a relação que era imediata para a satisfação de necessidades tornou-se mediada, isto é, passou a ser ampliada pela intervenção de um elemento na relação homemmundo. Pela necessidade de atuar sobre a natureza para garantir a sua sobrevivência, o homem foi desenvolvendo instrumentos para aprimorar essa relação. Por exemplo, o machado permite que o homem derrube árvores e possa construir casas com elas. Da mesma forma, a linguagem permitiu incrementar as relações entre os homens e a própria evolução humana. A possibilidade da linguagem racional e a possibilidade de desenvolvimento da atividade propriamente humana de trabalho, contando com seu planejamento e execução, determinaram a melhor satisfação das necessidades básicas e a criação de novas necessidades que, por sua vez, exigiram novos instrumentos e novos conhecimentos em um movimento de desenvolvimento da humanização do homem. Os homens são os únicos animais que fazem uso racional de instrumentos enquanto mediadores de sua relação com o mundo. Esta é uma das principais ideias de Vygotsky (2000): a de que a relação homem-mundo é mediada. Essa mediação conta com instrumentos físicos (por exemplo, caneta, serrote, papel, computador, etc.) e instrumentos psicológicos (linguagem como sistema de signos) que vão possibilitar a transformação do contexto e do próprio homem. Por isso a educação é fundamental. A educação vai iniciar a criança nos conhecimentos que a humanidade já construiu, para que ela parta destes para ir mais além e crie outros conhecimentos. A escola também vai permitir o conhecimento e apropriação de diferentes instrumentos, fundamentais para o viver em sociedade. Entre a criança e o mundo há uma cultura que fala deste mundo para ela. Ter acesso ou não a este conhecimento implica em ser incluído ou excluído da sociedade. A mediação vai significar o mundo para a criança. Essa significação é o ponto de partida para a criação de sentidos. Os sentidos envolvem a nossa relação com os significados, que são coletivos. Os significados são o resultado da atividade de um determinado grupo cultural. Por exemplo, o 45 Psicologia da Educação significado de ser rico ou pobre em nossa sociedade capitalista. Os sentidos representam a nossa relação com esse significado: o que é ser rico ou pobre para mim. O sentido depende do contexto e de vivências afetivas. A mediação da cultura vai determinar que o desenvolvimento do homem, de biológico, passe a ser sócio-histórico, ou seja, de acordo com as interações realizadas em um contexto social e cultural específico. No homem, a relação homemmundo é mediada por sistemas simbólicos. E é essa mediação que faz com que o homem esteja em um processo de transformação. Para Vygotsky (1996), há uma base biológica para absorver e tornar próprias essas transformações: o cérebro. Esse órgão do corpo humano é suficientemente plástico para adaptar-se a mudanças. Segundo Vygotsky, o processo de internalização envolve uma série de transformações. O fundamento do que somos está no processo de internalização. Vygotsky (1994, p. 75) entende essas transformações a partir do uso de sistemas de signos e da mudança de atividade: a) Uma operação que inicialmente representa uma atividade externa é reconstruída e começa a ocorrer internamente. É de particular importância para o desenvolvimento dos processos mentais superiores a transformação da atividade que utiliza signos, cuja história e características são ilustradas pelo desenvolvimento da inteligência prática, da atenção voluntária e da memória. b) Um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológico), e, depois, no interior da criança (intrapsicológico). Isso se aplica igualmente para a atenção voluntária, para a memória lógica e para a formação de conceitos. Todas as funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos. c) A transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento. O processo, sendo transformado, continua a existir e a mudar como uma forma externa de atividade por um longo período de tempo, antes de internalizar-se definitivamente. Para muitas funções, o estágio de signos externos dura para sempre, ou seja, é o estágio final do desenvolvimento. Outras 46 Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR funções vão além no seu desenvolvimento, tornando-se gradualmente funções interiores. Entretanto, elas somente adquirem o caráter de processos internos como resultado de um desenvolvimento prolongado. Sua transferência para dentro está ligada a mudanças nas leis que governam sua atividade; elas são incorporadas em um novo sistema com suas próprias leis. Linguagem e atividade possibilitaram e possibilitam, assim, o desenvolvimento propriamente humano. Os animais também têm uma linguagem, mas não uma linguagem racional que possibilite acesso e transmissão de cultura. É uma linguagem usada basicamente para alívio de tensão e contato psicológico com outros membros do grupo. Os animais fazem um uso pré-intelectual da linguagem, porque ela não tem nesse caso a função de signo. Os animais irracionais também apresentam uma atividade, mas ela não é planejada como no trabalho humano. É uma atividade que também se vale de instrumentos como mediadores, revelando uma espécie de inteligência prática. Na inteligência prática, que se manifesta na criança pequena e nos animais superiores, há a capacidade de solução de problemas e de alteração do ambiente para conseguir determinados fins. Mas esse modo de funcionamento intelectual é independente da linguagem, indicando uma fase pré-verbal de desenvolvimento do pensamento. Em um determinado momento do desenvolvimento da espécie (ou filogenético), o pensamento se torna verbal e a linguagem se torna racional. Esse é o momento em que o biológico se transforma em sócio-histórico. A história de cada um (ontogênese) retoma a história da espécie. Tornamo- nos humanos ao interagir com seres humanos e pela apropriação dos modos culturalmente instituídos de intercâmbio e produção. As trocas que estabelecemos com o outro vão desencadear processos nesse outro. Dito de outro modo: se considerarmos uma criança criada em um sítio afastado e cujos pais são analfabetos e trabalhadores do campo, o aprendizado e desenvolvimento dessa criança terá as marcas desse contexto. Uma criança que nunca teve a oportunidade de pegar em um lápis para rabiscar ou desenhar vai apresentar um desenvolvimento diferenciado em relação à criança que desde bebê rabisca e tem acesso múltiplo aos bens da cultura. Por isso a escola é fundamental. Não para excluir a criança que no 1º ano não sabe nem segurar um lápis. Mas para possibilitar a ela o aprendizado dessa habilidade e muito mais. “A internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia
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