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Caderno_Psicologia_Educacao

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Prévia do material em texto

1
Psicologia da Educação
PSICOLOGIA DA
EDUCAÇÃO
CURITIBA
2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE EDUCAÇÃO
COORDENAÇÃO DE INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS
DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
CURSO DE PEDAGOGIA
MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E
ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
PROFª CLARA BRENER MINDAL
PROFª TAMARA DA SILVEIRA VALENTE
PROFª TANIA STOLZ
2
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR
3
Psicologia da Educação
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLCA
Dilma Roussef
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Aloízio Mercadante
UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL
Diretor
João Carlos Teatini de Souza Lima
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Reitor
Zaki Akel Sobrinho
Vice-Reitor
Rogério Andrade Mulinari
Pró-Reitora de Graduação - PROGRAD
Maria Amélia Sabbag Zainko
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação -
PRPPG
Sérgio Scheer
Pró-Reitora de Extensão e Cultura - PROEC
Elenice Mara Matos Novak
Pró-Reitora de Gestão de Pessoas - PROGEPE
Laryssa Martins Born
Pró-Reitor de Administração - PRA
Paulo Roberto Rocha Krüger
Pró-Reitora de Planejamento, Orçamento e
Finanças - PROPLAN
Lucia Regina Assumpção Montanhini
Pró-Reitora de Assuntos Estudantis - PRAE
Rita de Cássia Lopes
SETOR DE EDUCAÇÃO
Diretora
Andrea do Rocio Caldas
Vice-Diretora
Deise Cristina de Lima Picanço
Coordenador do Curso de Pedagogia - Magistério da
Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino
Fundamental
Américo Agostinho Rodrigues Walger
Coordenador de Tutoria
Lezyane Silviera Daniel
Revisão Textual
Altair Pivovar
Coordenadora EaD - UFPR e UAB
Marineli Joaquim Meier
Coordenadora Adjunta UAB
Gláucia Brito
Coordenadora de Recursos Tecnológicos
Sandramara Scandelari Kusano de Paula Soares
Produção de Material Didático
CIPEAD
Coordenação de Integração de Políticas de
Educação a Distância - CIPEAD
Foto da capa - http://www.sxc.hu/photo/
1191196
CIPEAD
Fone: (41) 3310-2657
Coordenação do Curso de Pedagogia
Fone:(41) 3360 5139
4
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR
Contatos
CIPEAD
Praça Santos Andrade, 50 Térreo
80020-300 Curitiba PR
Fone: (41) 3310-2657
e-mail: cipead@ufpr.br
www.cipead.ufpr.br
Setor de Educação
Rua General Carneiro, 460 2º andar
80060-150 Curitiba PR
Fone:(41) 3360 5141 3360 5139
e-mail:pedagogiaEAD@ufpr.br
www.educacao.ufpr.br
Foto da capa - http://www.sxc.hu/
photo/1191196
5
Psicologia da Educação
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA
Prezado Aluno,
A Psicologia da Educação pode ser considerada como o campo científico que
toma como objetivos a compreensão, a explicação, a previsão e a modificação dos
fenômenos educativos. A Psicologia da Educação ganha identidade própria por volta
do fim do século XIX e início do século XX em diversos países. Os conteúdos que a
compõem surgem, por um lado, da aplicação dos conhecimentos e das explicações
das diferentes correntes teóricas da Psicologia ao âmbito educacional, e, por outro
lado, dos estudos específicos das diferentes situações educativas.
Até meados da década de 50 do século XX, predominou a aplicação dos
conhecimentos gerados pela Psicologia em consultórios terapêuticos e laboratórios
universitários. Destacam-se, por exemplo, as tentativas de estender à escola os
princípios e leis da aprendizagem elaborados com os resultados de estudos realizados
em sua maioria com animais em laboratórios.
Por volta da década de cinquenta, e principalmente em anos posteriores, essa visão
da Psicologia da Educação como aplicação direta da Psicologia geral se modificou em
função da compreensão das especificidades do espaço escolar. O ambiente escolar, os
professores, os alunos e suas características e funcionamento passaram a ser objeto de
estudos.
Neste volume sobre Psicologia da Educação, você encontrará um pouco de
Psicologia aplicada à educação e um pouco de pesquisa específica realizada na escola.
Na Unidade 1 discutem-se alguns dos principais conceitos da teoria piagetiana
do desenvolvimento cognitivo e suas implicações para a educação. Empreende-se
nesta discussão um movimento que parte da ação pedagógica para a reflexão teórica.
A Unidade 2 enfoca a teoria histórico-cultural de Vygotsky e sua importância na
compreensão do papel da escola e do professor para o desenvolvimento psicológico
humano. A Unidade 3 aborda as contribuições da teoria behaviorista para a educação.
Após uma apresentação geral do que é o behaviorismo, são trabalhadas as principais
ideias de dois dos maiores expoentes dessa corrente psicológica. Skinner e Bandura
desenvolveram estudos sobre aprendizagem e formação de hábitos que apresentaram
resultados extremamente úteis para os professores na sociedade atual. As diferenças
entre aprendizagem por meio de reforços e por meio de punições, a formação de
hábitos de estudo e a influência dos meios de comunicação sobre o comportamento
6
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR
agressivo são temas discutidos nesta unidade.
A Unidade 4 trata da contribuição de alguns conceitos básicos da psicanálise
para o campo educacional. Optou-se por discutir o conceito de pulsão e a sua
vinculação à sexualidade humana. Também abordam-se a relação entre a pulsão e os
modos de defesa na latência e na adolescência, por entender-se que essa discussão
auxilia os professores a conhecer o impacto da sexualidade, de acordo com os
pressupostos freudianos, nos seus alunos.
Profª Clara Brener Mindal
Profª Tamara da Silveira Valente
Profª Tania Stoltz
7
Psicologia da Educação
PLANO DE ENSINO
1 DISCIPLINA
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
2 CÓDIGO
EDP- 036
3 CARGA HORÁRIA TOTAL
120 HORAS
3.1 CARGA HORÁRIA PRESENCIAL
3.1.1 Com Professor formador: 12 horas
3.1.2 Com o tutor presencial no Polo: 12 horas
3.2 CARGA HORÁRIA À DISTÂNCIA
Noventa e seis (96) horas de estudos com orientação presencial e a distância dos tutores do polo
presencial e/ou tutores da UFPR. Estes estudos incluem a participação em fóruns, chats e outros
espaços virtuais.
4 EMENTA
Histórico, conceito e objeto. Teoria do desenvolvimento psicológico do ser humano e suas implicações
educacionais: perspectivas psicanalíticas e cognitivistas. Concepções teóricas contemporâneas sobre o
processo de aprendizagem e suas implicações para a atividade docente: enfoques behaviorista, humanista
e cognitivista.
8
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR
5 OBJETIVOS
5.1 OBJETIVO GERAL
Promover a compreensão dos processos psicológicos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem
e sua relação com o desenvolvimento humano, e das principais abordagens teóricas da Psicologia da
Educação.
5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Reconhecer a importância do conhecimento científico sobre o processo de ensino e aprendizagem.
Conhecer os postulados básicos das principais teorias contemporâneas acerca do processo de ensino
e aprendizagem.
Compreender as principais contribuições de teorias sobre o desenvolvimento psicológico para a
aprendizagem escolar.
Refletir sobre as possibilidades de aplicação à prática pedagógica dos postulados teóricos estudados
sobre o papel do educador no processo de ensino e aprendizagem.
6 PROGRAMA
UNIDADE 1
1 O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO
1.1 COMO AS PESSOAS APRENDEM, PARA PIAGET.
1.2 FATORES RESPONSÁVEIS PELO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO.
1.3 A CONSTRUÇÃO DAS ESTRUTURAS DO CONHECIMENTO.
UNIDADE 2
2 A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY
2.1 O HOMEM COMO SER HISTÓRICO.
2.2 COMO AS PESSOAS APRENDEM?
9
Psicologia da Educação
UNIDADE 3
3 CONTRIBUIÇÕES DO BEHAVIORISMOPARA A EDUCAÇÃO
3.1 O QUE É O BEHAVIORISMO?
3.2 PRIMEIRA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: COMPORTAMENTO REFLEXO E
APRENDIZAGEM INSTRUMENTAL.
3.3 SEGUNDA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: CONDICIONAMENTO OPERANTE.
3.4 TERCEIRA GER AÇÃO DE BEHAVIORISTAS: APRENDIZAGEM SOCIAL DO
COMPORTAMENTO.
UNIDADE 4
4 CONTRIBUIÇÕES DE ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DA PSICANÁLISE PARA
O CAMPO EDUCACIONAL.
7 ORIENTAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA
7.1 PROCEDIMENTOS PARA LEITURA E ANÁLISE DOS TEXTOS
Para que você aproveite ao máximo o material teórico, indicamos os seguintes passos para sistematização
e estudo. Na medida do possível, utilize-o habitualmente.
Faça uma primeira leitura, buscando uma visão do conteúdo como um todo.
Releia o texto, anotando palavras ou expressões desconhecidas, e sublinhe as ideias centrais.
Leia novamente e procure entender a ideia principal, que pode estar explícita ou implícita no texto.
Localize e compare as ideias entre si, procurando semelhanças ou diferenças.
Interprete as ideias, tentando descobrir conclusões a que o autor chegou.
Elabore uma síntese/resumo/apreciação crítica.
8 AVALIAÇÃO
8.1 Atividades presenciais com 75% de frequência (aula na UFPR e tutoria no polo).
8.2 Atividades e exercícios sobre os textos e materiais de apoio.
8.3 Atividades como fóruns, pesquisa, produção de textos e outras que o professor considerar.
8.4 Leituras complementares indicadas, com registro de análise crítica.
8.5 Exercícios de autoavaliação com produção de conhecimento.
8.6 Prova presencial ao término de pelo menos 75% das atividades realizadas.
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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR
11
Psicologia da Educação
SUMÁRIO
1 O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO ...........................................................................
1.1 COMO AS PESSOAS APRENDEM, PARA PIAGET? ...........................................................
1.2 FATORES RESPONSÁVEIS PELO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO ..........................
1.3 A CONSTRUÇÃO DAS ESTRUTURAS DO CONHECIMENTO.........................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................
2 A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY ................................
2.1 O HOMEM COMO SER HISTÓRICO ..................................................................................
2.2 COMO AS PESSOAS APRENDEM? .....................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................
3 CONTRIBUIÇÕES DO BEHAVIORISMO PARA A EDUCAÇÃO ..........................
3.1 O QUE É BEHAVIORISMO? .................................................................................................
3.2 PRIMEIRA GERAÇÃO DE BAHAVIORISTAS: COMPORTAMENTO REFLEXO OU
RESPONDENTE E APRENDIZAGEM INSTRUMENTAL ...........................................................
3.2.1 Comportamento reflexo ou respondente: Pavlov .................................................................
3.2.2 Aprendizagem instrumental: Thorndike ...............................................................................
3.3 SEGUNDA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: CONDICIONAMENTO OPERANTE .......
3.3.1 O condicionamento operante: Skinner .................................................................................
3.3.2 Aumentar ou manter um comportamento: reforços ............................................................
3.3.3 Diminuir um comportamento: punição e extinção operante ................................................
3.3.4 Modelagem e esquemas de reforçamento ............................................................................
3.3.5 Implicações educacionais dos estudos de Skinner ...............................................................
3.4 TERCEIRA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: APRENDIZAGEM SOCIAL DO
COMPORTAMENTO ..................................................................................................................
3.4.1 A Teoria da Aprendizagem Social de Bandura .....................................................................
3.4.2 A Teoria Cognitivo-Social da Aprendizagem de Bandura ......................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................
4 CONTRIBUIÇÕES DE ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DA PSICANÁLISE
PARA O CAMPO EDUCACIONAL ....................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................
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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR
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Psicologia da Educação
O CONSTRUTIVISMO
PIAGETIANO
UNIDADE 1
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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR
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Psicologia da Educação
1 O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO
Um dos teóricos mais importantes do desenvolvimento psicológico é
o biólogo e psicólogo suíço Jean Piaget (1886 - 1980). Sua teoria merece
destaque por seu rigor científico, vasta produção científica e por suas
implicações no campo da educação. Piaget desenvolveu inúmeras pesquisas
em diferentes lugares do mundo, contando com o uso do método clínico
(DELVAL, 2002). O construtivismo piagetiano entende o desenvolvimento
psicológico humano a partir de construções que se estabelecem de um
nível inferior a um nível superior e são desencadeadas pela interação do
sujeito com o meio físico e social. A teoria de Piaget é construtivista porque
ele e studa essas construções ou mudanças que ocor rem no
desenvolvimento cognitivo ao longo da vida e os mecanismos que explicam
essas transformações. A partir da década de 1960, com os estudos sobre
a causalidade, a característica construtivista da teoria de Piaget começa a
ficar mais marcante, porque ele passa a precisar melhor o papel do objeto
no processo de construção do sujeito.
FIGURA 1 - JEAN PIAGET
FONTE: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean_Piaget.jpg
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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR
1.1 Como as pessoas aprendem, para Piaget?
Segunda-feira, 7h30 da manhã, aula de história na 8ª série A. O professor
saúda os alunos. Pede para pegarem o caderno e copiarem o que está
escrevendo no quadro. Os alunos reclamam. O professor diz que depois
irá explicar tudo o que está no quadro. O professor começa a escrever
compulsivamente no quadro, enchendo-o com tópicos referentes à
Revolução Russa. Os alunos estão inquietos, mas o professor continua
virado para a lousa. Depois de aproximadamente 20 minutos de cópia, o
professor pára, senta-se à sua mesa, olha para a turma e espera cerca de
10 minutos até que os alunos terminem de copiar o texto. Os alunos estão
agora em silêncio. O professor começa a explicar o que está no quadro.
Repete as frases que já foram escritas, dando-lhes outra ordem. Por exemplo,
quando está escrito 1905 Revolução popular contra o czar, acentua-se a
crise social na Rússia, o professor fala: “Tinha uma crise social na Rússia
em 1905, então ocorreu uma revolução popular contra o czar”. Um aluno
levanta a mão. O professor ignora. O aluno chama o professor. O professor,
impaciente, diz: “O que é Carlos? Já começa cedo... Não posso nem começar
a explicar?”. O garoto se retrai, mas faz a pergunta. “Por que aRússia
estava em crise, professor?”. O professor responde com má vontade: “Tinha
uma revolução popular contra o czar e a crise na Rússia aumentou,
entendeu?”. O aluno responde: “Não”. O professor: “Ai, Carlos! Tá difícil,
heim?”. Fala olhando para a turma. A turma reage à provocação do
professor: “É, Carlos, fica quieto, cala a boca. Deixa o professor explicar...”.
O professor continua com a “explicação”... Depois de ter lido e repetido o
que leu do quadro, pergunta: “Entenderam?”. Silêncio. “Ótimo”, diz o
professor. Podem abrir o livro na página 17 e começar a responder a
atividade 1 até a 3. O professor senta à sua mesa e espera, a qualquer
momento, o barulho do sinal...
O trecho citado demonstra uma típica rotina de escola. Mas será que
essa rotina está contribuindo para que o aluno aprenda? O que Piaget nos
fala sobre como as pessoas aprendem?
Para Piaget (1958; 1964; 1974; 2003), tudo o que o aluno vai
aprender depende de seu nível de desenvolvimento cognitivo. Esses níveis,
estágios ou formas vão caracterizando as possibilidades de relação com o
17
Psicologia da Educação
meio ambiente. A cada momento de seu desenvolvimento, o homem
interpreta e resolve os problemas de sua realidade de maneira diferente.
O desenvolvimento cognitivo começa quando nascemos; não está
dado antes do nascimento. Isso significa que a nossa inteligência vai sendo
construída lentamente a partir de nossa interação com o meio físico e social.
É por isso que Piaget é INTERACIONISTA. A ação do aluno é aqui
fundamental! Não a ação de cópia, mas a ação física ou mental sobre o
conteúdo apresentado pelo professor. O aluno precisa fazer algo com o
conteúdo que o professor apresenta.
A perspectiva interacionista entende o processo de desenvolvimento humano a partir da
interação com o meio físico e social. Nessa perspectiva, todas as funções humanas desenvolvem-
se pela interação. O raciocínio, por exemplo, não se desenvolve sem a interação com um meio
ambiente.
Você sabia que a cognição, para Piaget, representa as diferentes
atividades da mente humana? É isso mesmo! Memória, atenção, raciocínio,
representação... são atividades da mente.
O que o aluno vai fazer com o conteúdo apresentado pelo professor
precisa ser primeiro assimilado e depois acomodado pelo aluno.
ASSIMILAÇÃO e ACOMODAÇÃO são dois mecanismos complementares
e indissociáveis que estão envolvidos no desenvolvimento e na aprendizagem
do aluno (PIAGET, 1936; 1983). O desenvolvimento intelectual é o
resultado de um equilíbrio progressivo entre assimilação e acomodação.
Como isso se expressa na sala de aula?
Primeiro, é necessário que o aluno integre a informação nova à
estrutura de conhecimentos que possui. Os alunos sempre trazem uma
série de conhecimentos fruto de sua interação com o meio físico e social.
Ao mesmo tempo, têm também uma determinada capacidade de pensar
sobre esses conhecimentos. Como fica isto então na atividade do aluno?
Quando o aluno se esforça por entender o conteúdo apresentado
pelo professor, vai primeiro interpretar o conteúdo novo tomando como
referência a sua compreensão de mundo, os conhecimentos que já tem.
Para interpretar o mundo, usamos o que já está disponível, e o que está
18
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR
disponível já foi construído a partir de interações anteriores. A esse
movimento denominamos de ASSIMILAÇÃO. A assimilação refere-se à
incorporação de um dado novo à estrutura de conhecimento do sujeito.
Ela sempre vem antes quando pensamos em um avanço. É por essa razão
que nos surpreendemos muitas vezes com as colocações de nossos alunos
que estão muito distantes daquilo que apresentamos a ele. Ele está tentando
assimilar e, para isso, tenta entender o novo a partir do velho conhecimento
que possui.
Piaget (1964) expressa que o desenvolvimento vem sempre antes da
aprendizagem porque, para aprender, o sujeito precisa antes de tudo
assimilar. Isso pela simples razão de que o desenvolvimento se dá em um
processo e não é simplesmente um percurso de novos inícios e nem uma
soma de informações. Ao assimilar, o sujeito começa a tornar um
conhecimento significativo para ele, começa a incorporá-lo. No caso do
aluno, ele interpreta e entende o conteúdo a partir das possibilidades
cognitivas que tem.
O fato de assimilar não garante ainda uma nova compreensão ou um
avanço no desenvolvimento de sua inteligência. É preciso também acomodar.
Aliás, a assimilação é sempre balanceada pela ACOMODAÇÃO no
referencial piagetiano. A acomodação representa o ajuste ou mudança do
sujeito às provocações do meio. No caso do aluno, por exemplo, ele modifica
a sua maneira de pensar a partir de sua ação. Não é a cópia que caracteriza
essa mudança, mas a transformação do sujeito a partir da provocação do
meio.
Assim, o meio provoca o sujeito, mas é o sujeito que age em resultado
da provocação e integra a nova informação ao conjunto de conhecimentos
que possui. Pode-se dizer, então, que, por melhor que seja o professor, é o
aluno que aprende, porque precisa assimilar e acomodar.
O equilíbrio entre assimilação e acomodação constitui o que Piaget
chama de ADAPTAÇÃO. A adaptação é um processo ativo, dinâmico e
contínuo, no qual a estrutura hereditária do organismo interage com o meio
externo com vistas a reconstituir-se no sentido de um todo novo e significativo
para o sujeito. Não tem nada a ver com passividade. No caso do exemplo
apresentado no início, há a necessidade de interagir com os alunos durante
a aula para solicitar deles a forma como entendem o que está sendo
apresentado como conteúdo e provocá-los para ir mais adiante nessa
construção.
19
Psicologia da Educação
Se o aluno não tenta entender primeiro o novo conteúdo a partir dos
conhecimentos que tem, estará simplesmente tentando decorar algo que
não tem sentido para ele. Como resultado, logo esquecerá o que foi
simplesmente memorizado sem compreensão. A situação de sala de aula
descrita anteriormente não é a mais adequada para levar os alunos a interagir
com conhecimentos, porque se apresenta como aula tão somente expositiva,
exigindo muito pouco a atividade reflexiva do aluno. No exemplo, quando
um dos alunos começa a integrar as informações trazidas pelo professor,
sua curiosidade é impedida pelo professor e pelos colegas. Infelizmente,
essa é uma situação que verificamos muito em sala de aula. Falta trazer o
aluno para a discussão. Perguntar-lhe como está entendendo o conteúdo
ou como o explica a partir de sua realidade. É preciso que o aluno confronte
suas concepções com as apresentadas pelo professor. Perceba a diferença
entre a forma como entende e a forma apresentada pelo professor para
poder rever as suas concepções. Isso é solicitar a atividade do aluno.
Uma noção piagetiana importante para o trabalho em sala de aula é a
de CONFLITO COGNITIVO.
O conflito cognitivo (PIAGET; GRÉCO, 1974) é interno ao aluno e
significa a contradição entre a forma como o ele entende a realidade e o que
está sendo apresentado pelo meio a que ele pertence. Não adianta o
professor dizer que o que o aluno diz é o contrário do que está ensinando.
É o aluno que precisa chegar a essa conclusão para poder avançar.
O conflito cognitivo é condição para a mudança consciente, por isso
a aula precisa ser dialogada. O aluno precisa ter voz na sala de aula. Despejar
uma quantidade excessiva de informações sobre os alunos não leva a lugar
nenhum, porque é preciso tempo para assimilar e acomodar. Uma vez
acomodado, o material estará disponível para novas assimilações. É por
isso que o processo de construção de conhecimentos no sujeito não tem
fim e depende das assimilações e das acomodações que vaiconseguindo
realizar.
Por que o aluno não pode só acomodar? Porque a acomodação
depende da incorporação prévia do conhecimento aos esquemas que o
sujeito possui. Sem a assimilação anterior, tem-se sempre um novo começo,
não um enriquecimento e ampliação do conhecimento anterior. Para Piaget,
não há grandes saltos no desenvolvimento cognitivo. Ele se processa a partir
de uma sequência que ocorre a partir de um nível imediatamente inferior.
Esquema é a menor unidade do conhecimento. É aquilo que se generaliza
20
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR
da ação e pode ser utilizado em outras construções. Um conjunto de
esquemas dá origem a estruturas. O avanço no processo de construção
tanto das estruturas do conhecimento como da realidade sempre vai do
estágio sensório-motor e do pré-operatório ao operatório concreto e
operatório formal. Essa sequência será descrita adiante.
Na visão piagetiana, a adaptação e a organização constituem os
invariantes funcionais do desenvolvimento cognitivo. São elas que permitem
esse desenvolvimento. Por meio da organização, há a integração do que é
adaptado a um sistema coerente. A adaptação e a organização se referem
ao plano estrutural e ao plano funcional do desenvolvimento cognitivo.
Para Piaget (1974a; 1974b; 1983a), o desenvolvimento cognitivo
ocorre por meio da construção de estruturas do conhecimento que, por
sua vez, compõem-se de esquemas práticos e conceptuais. As estruturas
permitem entender a realidade e resolver problemas nessa realidade.
Estruturas são sistemas de transformação, porque, no modelo piagetiano, é
só pela atividade transformadora do sujeito que ele constrói sua inteligência
e a sua realidade.
Até agora, vimos que Piaget tem muito a dizer sobre como as pessoas
se desenvolvem e aprendem. Vimos que a aprendizagem depende sempre
do desenvolvimento. Piaget (1964; 1983a) se interessou pelo estudo do
processo de desenvolvimento das estruturas do conhecimento. O
desenvolvimento dessas estruturas está ligado à embriogênese, ao
desenvolvimento do corpo e de todas as suas funções, que só se completa
na adolescência. O desenvolvimento, assim como a aprendizagem, depende
de dois processos: a assimilação e a acomodação. Ambos levarão a uma
nova adaptação. Adaptação e organização são invariantes funcionais e estão
presentes tanto na construção das estruturas do conhecimento como da
realidade. Em sala de aula, é preciso estimular o pensamento dos alunos,
dando-lhes voz para exteriorizá-lo e para apresentar outras perguntas que
possam contribuir para a necessidade de rever conhecimentos e construir
conhecimento novo. No exemplo apresentado no início desta unidade,
observa-se que Carlos se interessa pelo conteúdo e quer ir além do
apresentado pelo professor, ao que o professor responde com censura,
exatamente o oposto do que faria o professor que se fundamenta nas ideias
de Piaget.
21
Psicologia da Educação
Na sala de aula, o conteúdo é o objeto do conhecimento. Ao ser
instigado a pensar sobre esse conteúdo e, principalmente, ao atuar sobre
ele, o sujeito está ativando a construção de sua inteligência que, para Piaget,
pode ser entendida como construção das estruturas do conhecimento.
Portanto, forma e conteúdo se relacionam nesse processo. A forma diz
respeito às estruturas e o conteúdo ao funcionamento do sujeito em relação
a um objeto específico e contando com suas estruturas. Mas as estruturas
não são inatas, dependem, para a sua construção, da construção da
realidade, a qual está impregnada de conteúdos.
O que acabamos de dizer refere-se a uma das mais importantes
contribuições de Piaget (1936; 1937): a de que a inteligência constrói-se
paralelamente à construção da realidade. Ao conhecer o real por meio de
suas ações, o sujeito está construindo ao mesmo tempo a sua inteligência.
Agora se pode entender por que Piaget considera o processo de
desenvolvimento da inteligência ou da cognição paralelamente ao processo
de construção da realidade. O que isso significa? Significa que
compreendemos a realidade na medida em que construímos a nossa
inteligência. Assim entendemos por que a criança pequena entende a
realidade de forma diferente da criança de oito anos e do adolescente. As
estruturas estão em construção e permitem interpretar e resolver problemas
da realidade. Dependendo das estruturas que são ativadas, a realidade é
entendida de maneira ingênua e simples ou, ao contrário, em sua
complexidade.
Segundo Piaget, ao construir o objeto, o sujeito constrói a si mesmo. O que você entende por
essa afirmativa?
Segundo Piaget, a inteligência não nasce com a gente, ela se constrói lentamente a partir da interação
com o meio.
Como o professor pode contribuir nesse processo?
22
Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR
1.2 FATORES RESPONSÁVEIS PELO DESENVOLVIMENTO
COGNITIVO
Como aquilo que conseguimos aprender tem a ver com o nível de
desenvolvimento cognitivo, é importante que o professor conheça o que
Piaget (1958; 1964; 1965) indica como fatores responsáveis pelo
desenvolvimento da inteligência.
Piaget enumera quatro fatores fundamentais para essa construção: a
maturação, a experiência física, a interação e transmissão social e o processo
de equilibração. Todos são igualmente importantes, mas um integra os
demais: o processo de equilibração.
A maturação orgânica é uma condição de possibilidade do organismo
de se desenvolver. Envolve o desenvolvimento neurofisiológico. Não pode
ser entendida como único fator responsável pela inteligência, porque sem a
experiência, a interação social e o processo de equilibração não há
desenvolvimento cognitivo. No entanto, a maturação é indispensável, porque
mesmo com a presença dos outros fatores, o não-desenvolvimento da
maturação vai ser determinante é o que explica, por exemplo, o fato de um
bebê não conseguir compreender álgebra linear.
A experiência com objetos (ou experiência física) é outro fator
fundamental na visão piagetiana. Para o desenvolvimento da inteligência, é
indispensável a atuação sobre os objetos. Piaget distingue aqui dois tipos
diferentes de experiência: a experiência física e a experiência lógico-
matemática. A experiência física diz respeito à atuação sobre os objetos e o
conhecimento de suas propriedades por meio da abstração física. Por
exemplo, ao tocar em um objeto, podemos perceber que ele é gelado ou
quente. Já a experiência lógico-matemática leva a um conhecimento a partir
das coordenações de minhas ações e necessita de uma abstração
reflexionante. A abstração reflexionante (PIAGET, 1977a; 1977b) é o
resultado de um conhecimento advindo da coordenação das ações exercidas
pelo sujeito sobre o objeto. Esse conhecimento não está no objeto, mas no
sujeito que pensa. Por exemplo, o conhecimento de que há objetos mais
quentes e objetos mais gelados do que outros não está no objeto, mas na
mente do sujeito que pensa, e depende do estabelecimento de relações. A
abstração reflexionante envolve o reflexionamento e a reflexão. O
23
Psicologia da Educação
reflexionamento constrói em um plano superior o que foi construído no
plano da ação. Já a reflexão refere-se a um reflexionamento de segundo
grau ou a uma tematização em um plano superior do que foi construído por
meio da coordenação das ações. A experiência, por si só, não explica o
desenvolvimento, porque requer, para a sua compreensão, a maturação,
além dos outros fatores. Mas a experiência é indispensável, porque sem ela
não há o conhecimento de objetos. Por exemplo, a criança pequena pode
fazer inúmeras experiências com diferentes objetos, mas o conhecimento
que retiradelas corresponde ao nível de seu desenvolvimento intelectual,
que envolve também a maturação, a interação e transmissão social e,
sobretudo, o processo de equilibração.
A interação e transmissão social dizem respeito à importância das
interações com as outras pessoas e do conhecimento a que temos acesso a
partir delas para o desenvolvimento da inteligência (PIAGET, 1958; 1965).
Não é o único fator, porque mesmo interagindo com inúmeras pessoas e
tendo acesso a toda sorte de conhecimentos, sem a maturação, por exemplo,
o sujeito não irá entender o que está sendo dito e apresentado. Por outro
lado, esse é um fator indispensável, porque mesmo tendo maturação,
experiência e o processo de equilibração, o nível de desenvolvimento
dependerá sempre do acesso a conhecimentos em um determinado meio
social e cultural. Esse fator está relacionado a atrasos e acelerações no
desenvolvimento.
Contando apenas com a maturação, a experiência e a interação social,
ainda não é possível explicar o desenvolvimento cognitivo para Piaget. Há a
necessidade de um fator integrador, e este é o processo de equilibração. As
construções que o sujeito vai fazendo ao longo de sua vida só são possíveis
pelo processo de equilibração. Esse processo autorregulador do organismo
permite a busca de um novo equilíbrio a partir de uma situação de
desequilíbrio cognitivo. Ao longo de sua existência, o sujeito vai realizando
inúmeras adaptações, que podem ser entendidas como estágios temporários
de equilíbrio. Eles logo são contrabalançados por situações que representam
desequilíbrios cognitivos, que podem ser entendidos como incompreensões,
situações com as quais não sabemos lidar. O processo de equilibração
representa esse percurso de equilíbrios e desequilíbrios em vários níveis.
Ele integra os fatores de maturação, experiência e interação social e possibilita
uma resposta do sujeito às diferentes situações da vida. Não é possível
visualizar esse fator, de modo que, para entendê-lo, pode-se pensar no
quanto, às vezes, lemos uma mesma obra e só muito tempo depois
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entendemos seu real significado, por vezes em um contexto bem adverso
ao da leitura de um livro. Outro exemplo é o da criança que tem significativo
acesso à cultura e a um método adequado para a alfabetização, mas só
depois das férias apresenta um surpreendente avanço em seu domínio da
linguagem escrita. Conhecer os quatro fatores descritos nos permite entender
a dinâmica entre desenvolvimento e aprendizagem na teoria piagetiana.
Como é a evolução dessa dinâmica?
É o que se discute na sequência.
1.3 A CONSTRUÇÃO DAS ESTRUTURAS DO CONHECIMENTO
A partir da interação do sujeito com o meio físico e social, ocorre a
construção das estruturas do conhecimento ou da inteligência. Piaget
distingue quatro conjuntos de estruturas que se desenvolvem em movimento
como o de uma espiral evolutiva (equilibração majorante): as sensório-
motoras, as pré-operatórias, as operatórias concretas e as operatórias formais.
Para Piaget (1994), inteligência e afetividade constroem-se paralelamente,
assim como a moralidade. A equilibração majorante, ou o processo de
desenvolvimento de uma nova forma de equilíbrio mais ampliada, explica a
passagem de um conjunto de estruturas ao outro. Nessa ultrapassagem, o
novo integra o que foi construído em um patamar inferior e o ultrapassa.
No entanto, coexistem, também, formas próprias de estruturas mais
elementares, podendo estas ser ativadas dependendo da situação. É o caso,
por exemplo, do adulto que em determinada situação responde com
características do operatório concreto ou do pré-operatório, quando já
apresenta raciocínio operatório formal.
As primeiras estruturas, as sensório-motoras, desenvolvem-se desde
o nascimento. A assimilação ocorre a partir dos reflexos inatos, que o bebê
utiliza para interagir com o meio. Os reflexos se prolongam, formando os
primeiros esquemas, como o de sugar e o de agarrar. Estes se combinam
por meio da ação interativa com o meio. Por exemplo, quando o bebê
25
Psicologia da Educação
nasce, apresenta o reflexo de sugar que se adapta ao mamilo da mãe. Ao
passar para a mamadeira, o bebê necessita fazer outra adaptação. Primeiro
assimila o bico da mamadeira como se fosse o bico do seio e lentamente vai se
acomodando ou se ajustando ao novo objeto por conhecer: o bico da
mamadeira. Uma vez adaptado, o bebê utilizará esse conhecimento para novas
adaptações, como quando inicia com a comida de colher. Primeiro assimila a
colher como se fosse o bico da mamadeira e só lentamente vai se ajustando ou
se acomodando ao seu formato.
Assimilação e acomodação explicam desde o início os avanços do sujeito.
A partir das ações do bebê, é construída a primeira noção de objeto
permanente, de tempo, de espaço e de causalidade. Na construção dessa
primeira forma de inteligência, a criança pequena se utiliza dos sentidos e de
seus movimentos. No início não distingue o que diz respeito ao corpo dela e o
que pertence ao meio, estando presa em uma espécie de egocentrismo físico.
A inteligência sensório-motora, não-socializada, caracteriza-se por
reflexos, instintos, primeiros hábitos, percepções diferenciadas e estruturas
sensório-motoras. Já no domínio afetivo, encontramos a construção de
sentimentos intraindividuais que acompanham todas as ações (tendências
instintivas, emoções, prazeres e dores relacionados às percepções, sentimentos
de agrado e desagrado), assim como regulações elementares, marcadas por
sentimentos de êxito ou fracasso. Quanto ao desenvolvimento da moralidade,
não há ainda noção de limites. A criança está em uma fase denominada de
anomia: ausência de regras conscientes. As estruturas sensório-motoras são
construídas do nascimento até aproximadamente dois anos e se caracterizam
por uma inteligência prática, que se define pelo uso (PIAGET, 1936).
Seguindo os fatores responsáveis pelo desenvolvimento cognitivo, na
fase sensório-motora o bebê necessita interagir com diferentes objetos de cores,
texturas, sons, gostos e formatos diferenciados. É preciso instigá-lo para
experimentar novos movimentos e reconhecer os objetos a partir dos sentidos,
porque é por esse canal que as primeiras construções cognitivas se
estabelecem. Por outro lado, requer-se a interação significativa com um ou
dois adultos que interajam mais próximos à criança e a iniciem no conhecimento
dos objetos do mundo. A segurança do bebê depende desse contato mais
próximo com algumas pessoas que se dediquem a ele de forma responsável e
da existência de certas regularidades, como hora de comer, de dormir e de
passear, entre outras. Essas regularidades do meio vão ser o precursor das
futuras regras e normas. No plano estrutural, a inteligência prática, que pode
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ser entendida como uma adaptação, se define por uma indiferenciação entre
a assimilação e a acomodação. O que é assimilado o é no momento em que
é acomodado e vice-versa.
A lenta construção do segundo grupo de estruturas, as estruturas
pré-operatórias, inicia-se em torno dos dois anos, com o aparecimento da
capacidade de representação simbólica. Mas o que isso significa? Significa
que as ações do sensório-motor podem ser agora interiorizadas. É por isso
que podemos dizer que o estágio pré-operatório pode ser entendido como
o de uma inteligência prática interiorizada e não-reversível. É o início do
pensamento na criança e da inteligência verbal.
A capacidade de representação se expressa na linguagem, no jogo
simbólico, na imitação, no sonho, no desenho, na imagem mental. A criançaé agora capaz de retomar o que foi feito em outra ocasião. Um fato importante
é o aparecimento da linguagem. Com a linguagem, amplia-se a capacidade
de interação e comunicação, levando à possibilidade de exteriorização da
vida interior e, assim, de corrigir ações futuras. A criança já antecipa o que
vai fazer.
Muitas características correspondem a esse período de 2 a 7 anos,
aproximadamente (PIAGET, 1937; 1978). Uma das principais características
é o egocentrismo psíquico ou tendência a relacionar tudo ao seu próprio
ponto de vista, como se fosse o centro do universo, juntamente com os
outros homens. Tudo o que foi criado, foi criado para o homem, expressão
de um antropocentrismo. É por essa razão que a criança se imagina até
dominando os fenômenos da natureza. Por exemplo, se desejar que chova,
vai chover. Essa característica leva a uma incapacidade de se colocar no
lugar do outro e de entendê-lo como tendo desejos e necessidades diferentes
dos seus. A criança quer a proximidade de outra, mas tem dificuldade em
desenvolver um trabalho conjunto ou integrar a ideia do outro à sua própria
construção. É o que se observa nas crianças menores: estão juntas, brincam
juntas, mas cada uma da sua maneira. Esse egocentrismo vai apresentar
diferentes manifestações, como o artificialismo, quando a criança crê que
os homens criaram os fenômenos naturais. Pensa, por exemplo, que as
montanhas e as árvores foram criadas pelos homens.
Outra manifestação do egocentrismo infantil é o animismo. Com ele,
a criança dá vida humana a animais, a objetos e a outros seres. Por isso se
encanta com estórias em que plantas têm sentimentos humanos, animais
falam e objetos podem sentir dor, prazer, como ela própria.
27
Psicologia da Educação
O realismo é mais uma característica do egocentrismo infantil. A
criança tem dificuldade em entender que retratos, palavras, sonhos e
sentimentos indicam apenas um ponto de vista; ela acredita que existam
objetivamente. Acredita, por exemplo, que os nomes são parte da coisa
nomeada e quanto maior for a palavra, maior será o objeto que nomeia.
O raciocínio da criança pré-operatória não se baseia na lógica, mas
na proximidade dos fatos. A criança imagina uma relação causal entre fatos
que ocorram juntos. Por exemplo, o carro anda porque tem estrada ou
porque foi tocada a buzina. A essa característica Piaget denomina raciocínio
sincrético.
Uma das mais importantes características do pré-operatório é o jogo
simbólico, onde se observa um predomínio da assimilação sobre a
acomodação. No jogo simbólico ou no jogo do faz-de-conta, a criança se
utiliza de um significante para dar-lhe outro significado. Por exemplo, um
objeto pode representar outra coisa, para além de seu significado coletivo:
uma pedra pode ser um carro, a criança pode ser um super-herói ou uma
fada e assim por diante. O jogo simbólico é uma das principais características
do desenvolvimento infantil, porque, por meio da imaginação e da
criatividade, a criança cria um mundo novo ainda não experimentado por
ela, mas movido por seus desejos. Para brincar de faz-de-conta, é necessária
uma inteligência representativa que antecede a racionalidade e que permite
a relação entre significantes e significados. É por isso que dizemos que há
um predomínio da assimilação, porque mais ênfase é dada à incorporação
do dado novo aos esquemas e estruturas do sujeito e menos à acomodação
ou ajuste do sujeito à realidade.
Outra característica importante do pré-operatório é a imitação. A
capacidade de imitação implica uma retomada do que foi feito pela ação,
mas ainda não há a incorporação do que é imitado ao repertório do sujeito,
possibilitando generalizações. A criança imita por imitar. Por isso, Piaget
entende a imitação como um predomínio da acomodação ou ajuste do
sujeito ao objeto sobre a assimilação.
A imitação também é uma manifestação da capacidade humana de
representação que antecede a operação (ação mental reversível), essência
do conhecimento para Piaget. Assim, na inteligência pré-operatória já há a
necessária diferenciação entre a assimilação e a acomodação, mas ainda
não há o seu equilíbrio. Ora há o predomínio da assimilação, como no jogo
simbólico, ora há o predomínio da acomodação, como na imitação. Ambos
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preparam o aparecimento da operação.
Tanto o jogo simbólico como a imitação devem ser estimulados no
período pré-operatório. E isso de diferentes maneiras: trabalho com
linguagens, desenho, teatro, brincadeira de faz-de-conta, jogos, música, dança
e brincadeira livre. É importante que a criança crie seu enredo a partir de
suas necessidades. Essas atividades estarão relacionadas ao desenvolvimento
de outro conjunto de estruturas: as estruturas operatórias concretas.
O jogo simbólico e a imitação são as principais
atividades do pré-operatório, e devem ser estimuladas. A
criança está se apropriando lentamente de sua realidade
basicamente a partir dessas atividades nesse período. Nelas,
retoma mentalmente tudo o que foi praticado na ação prática,
consistindo em uma inteligência representativa. Devemos,
enquanto educadores, solicitar de inúmeras formas essa
capacidade de representação: contar estórias, representá-
las, imaginar outros personagens, outros desfechos da
estória, dançar, fazer teatro, desenho, música, pintura,
escultura, brincar com a linguagem, com trava-línguas e
muitas outras atividades podem estar contribuindo para o
desenvolvimento da inteligência da criança nesse período
(STOLTZ, 2008, p. 33)
No aspecto afetivo, a criança pré-operatória manifesta sentimentos
interindividuais construídos a partir do intercâmbio afetivo entre as pessoas
e para além dos sentimentos ligados ao próprio sujeito (STOLTZ, 2007).
Esses se manifestam por afetos intuitivos que se expressam por sentimentos
sociais elementares, com expressão dos primeiros sentimentos morais. A
moral que se estabelece durante o período pré-operatório é uma moral
heterônoma, onde o certo e errado são dados por uma autoridade externa
ao sujeito. A moral heterônoma antecede a moral autônoma, que possibilita
ao sujeito determinar os caminhos de sua formação por si mesmo (PIAGET,
1977; STOLTZ, 2006).
Na moral heterônoma, os sentimentos morais da criança refletem a
vontade do adulto significativo. A moral heterônoma (ou moral da obediência)
estabelece como critério de bem e mal a vontade dos adultos (PIAGET, 1977).
Há, portanto, a necessidade de o educador não abusar de sua autoridade. A
relação entre o adulto e a criança deve sempre considerar o diálogo e o respeito
para que contribua na superação da moral heterônoma e para a construção
da moral autônoma. A educação deve fomentar as relações entre as crianças,
promovendo o conhecimento e o intercâmbio entre elas. A estimulação da
cooperação entre iguais, por meio do trabalho em pequenos grupos, auxilia
na diminuição da coação externa e no aumento da autonomia.
29
Psicologia da Educação
No perríodo pré-operatório, a criança é capaz de pré-conceitos (por
exemplo, um representante da classe é tomado como a classe inteira).
Próximo dos 2 anos, a criança tende a acreditar, por exemplo, que o
cachorro que vê é o mesmo que viu em outro local bem distante. Após os
4 anos iniciam-se conceitos intuitivos, que reconhecem classes pela
semelhança, mas não contando, ainda, com argumentos lógicos. As
classificações das crianças pré-operatórias de mais idade são baseadas,
geralmente, em um só critério. Há a dificuldade de considerar mais de um
critério, como, por exemplo, ao separar triângulos vermelhos e de três lados
iguais (equiláteros). É preciso estimular o pensamento da criança para a
organizaçãode diferentes classificações e relações, preparando-a para o
advento das operações.
O que falta à criança pré-operatória? Falta a capacidade de estabelecer
relações a partir de uma lógica racional. Essa criança apresenta-se, na
linguagem piagetiana, como não-conservante e marcada por um pensamento
não-reversível. A conservação é a necessidade lógica de consideração de
certos atributos nas diferentes transformações de um objeto. Por exemplo,
se tomamos duas quantidades iguais de massa de modelar e modelamos
uma em formato de bola e a outra em formato de salsicha, pode até parecer
que na salsicha tem mais massa, mas na realidade a sua quantidade não se
altera pela mudança na forma. A criança pré-operatória tem muita dificuldade
em atividades como essa, porque o seu raciocínio está preso à sua percepção
imediata, ao imediatamente visível e perceptível. Por isso ela é não-
conservante. Outro exemplo que poderíamos citar aqui é o do copo de
leite. Se despejarmos uma mesma quantidade em dois copos iguais e depois
mantivermos um copo com a mesma quantidade e despejarmos o conteúdo
do outro em um copo de formato diferente, a criança acredita que muda a
quantidade de líquido para beber, só porque o nível de leite no copo de
formato diferente é outro.
FIGURA 2
FONTE: http://www.sxc.hu/photo/1194108
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O pensamento não-reversível da criança pré-operatória é fácil de ser
reconhecido. Ela não consegue retornar mentalmente ao ponto de partida
de uma transformação de um objeto.
Por exemplo, na transformação da massa de modelar, a criança não
consegue apresentar mentalmente como argumento da conservação de
quantidade de massa a reflexão de que era uma bola antes de se tornar
salsicha e, por isso, a quantidade só poderia ser a mesma. Reversibilidade
e conservação são as características do pensamento racional, que só se
apresentam no operatório concreto. Aqui, no pré-operatório, ocorre a
preparação para o aparecimento da operação, que é justamente a
capacidade de retornar mentalmente ao ponto de partida e de se apropriar
do processo de transformação. Operar é transformar. Como educadores,
podemos contribuir para o desenvolvimento da capacidade de operar ao
solicitar a atividade do aluno voltada à reflexão sobre o processo de
transformação que levou a dado conhecimento.
As estruturas operatórias concretas desenvolvem-se a partir das pré-
operatórias e acrescentam a reversibilidade à inteligência interiorizada pré-
operatória (PIAGET; SZEMINSKA, 1941).
Aproximadamente dos 7 anos até em torno dos 12 anos, a criança é
capaz de operar em sua realidade concreta a partir da lógica das classes e
das relações. Conservação e reversibilidade são as suas principais
características. Por exemplo, quando descobre que errou ao realizar uma
operação, é capaz de rever todo o processo realizado para identificar o
erro e refazer o percurso, seguindo dos resultados aos meios. A conservação
permite à criança entender conceitos como, por exemplo, o de fruta, cuja
essência envolve várias frutas de formatos bem diversos, como a jaca e a
pitanga. A primeira conservação é a de substância, depois surge a
conservação de peso e, por fim, a conservação de volume.
A capacidade da criança de estabelecer relações lógicas permite-lhe
a coordenação de pontos de vista diferentes, diferentemente do
egocentrismo intelectual e social ou da centração em si mesma do período
pré-operatório.
No período operatório concreto, a criança consegue coordenar
diferentes pontos de vista e integrá-los de modo lógico e coerente (PIAGET,
2003). Mas a capacidade de reflexão se manifesta a partir de situações
concretas. Essa capacidade de pensar antes de agir, considerar vários pontos
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Psicologia da Educação
de vista, lembrar o passado e antecipar o futuro aparece considerando a
história de interações vividas pela criança, não ainda no plano hipotético-
dedutivo. Como educadores, podemos também estimulá-la a pensar baseada
em hipóteses.
Tudo aquilo que a criança não conseguia fazer no período pré-
operatório passa a ser agora possível, como formar o conhecimento de
número, estabelecer sequências de ideias e eventos, estabelecer relações
de causa e efeito.
No que diz respeito ao domínio afetivo, observa-se no operatório
concreto o aumento de uma autonomia na ação em relação ao adulto, levando
a criança a organizar os seus próprios valores morais. Surgem, assim,
sentimentos morais autônomos, com intervenção da vontade nos dilemas
entre o dever e o prazer, por exemplo. As crianças são capazes de elaborar
as suas próprias regras. Com a descentração, o grupo vai crescendo em
importância para a criança, e satisfaz, cada vez mais, suas necessidades de
afeto. No final do período operatório concreto, a criança pode vir a se
contrapor frontalmente ao adulto.
A capacidade de cooperar, a partir da diminuição do egocentrismo,
possibilita a integração e coordenação de novas ideias às ideias próprias.
Surgem sentimentos morais, como o respeito mútuo, a honestidade e a
justiça, que consideram a intenção da ação e não o seu resultado. Por
exemplo, ao manchar uma toalha de mesa sem querer, a criança não acha
que deva ser punida (PIAGET, 1977).
A construção das estruturas operatório-formais amplia a capacidade
das operações concretas. As operatório-formais começam a aparecer no
início da adolescência, com o término da construção das estruturas
concretas, em torno de 11 e 12 anos. Aqui o adolescente é capaz de exercer
as operações mentalmente, sem necessitar do concreto, subordinando o
real ao mundo dos possíveis. As construções podem agora partir do
pensamento hipotético-dedutivo e basear-se em proposições. Esse é o
pensamento que guia o cientista na elaboração de uma nova teoria. As
estruturas operatório-formais permitem inúmeras construções e são as
últimas que se desenvolvem no sujeito a partir da interação com o meio.
Há, portanto, fechamento no plano estrutural e ilimitadas possibilidades de
construção no plano funcional. Essas estruturas indicam o mais elevado
nível de desenvolvimento cognitivo do adolescente e do adulto. Por exemplo,
ao abordar um problema, o sujeito varia cada vez uma das variáveis implicadas
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FIGURA 3
FONTE: http://www.sxc.hu/photo/1200271
na sua causa, mantendo outras variáveis constantes, no sentido de verificar
a influência da variável manipulada na produção de um resultado (PIAGET,
1970).
O grupo matemático INRC, representando identidade, negação,
reciprocidade e correlação, é o que caracteriza melhor as possibilidades de
combinação que o pensamento operatório formal é capaz de realizar.
Por que muitos adolescentes e adultos não apresentam características
do pensamento operatório formal? Trabalhando com adultos e adolescentes,
verificamos que nem sempre seu raciocínio indica características do
pensamento do cientista. Na verdade, ao lado de raciocínios operatório-
formais coexistem raciocínios mais simples, baseados em características de
estruturas inferiores, como concretas, pré-operatórias ou até sensório-
motoras. Como se explica isso?
Piaget elaborou uma epistemologia e a denominou de epistemologia
genética, que significa estudo do conhecimento a partir de sua gênese. Ele
estava preocupado em saber como se dá o desenvolvimento da inteligência
no sujeito. Chegou à conclusão de que o mais alto nível de desenvolvimento
das estruturas do conhecimento é o formal, que pode ser generalizado aos
mais diferentes domínios. Em tese, a possibilidade de manifestação em um
campo abre a possibilidade de manifestaçãoem todos os outros. Mas, no
plano do funcionamento psicológico, da resolução de problemas da realidade,
vemos que isso não se dá de imediato, automaticamente. A exteriorização
do pensamento formal depende das interações do sujeito com os diferentes
domínios e do tipo de interação nesses domínios.
33
Psicologia da Educação
Piaget diz (1970) que é possível que o pensamento formal se manifeste
apenas nos domínios em que o sujeito interaja mais e exerça a sua profissão
ou especialidade. Em tese, dadas as condições do meio para o
desenvolvimento dessas estruturas, elas iniciariam seu desenvolvimento no
início da adolescência. O mais importante a ser observado, como professor,
é a sequência do desenvolvimento dessas estruturas, mais do que a idade
de seu aparecimento. Essa sequência inicia pela ação, passa pela
representação e chega à operação concreta e formal. Nesse sentido,
acreditamos ser importante obedecer a essa sequência no trabalho com
um novo domínio de conteúdos em sala de aula, porque o pensamento
operatório-formal exige construções anteriores para o seu aparecimento.
Por exemplo, temos que partir verificando indícios do conteúdo novo no
contexto social e cultural vivido pelo sujeito, para que ele possa ser percebido
como significativo no plano sensível. Na sequência, levarmos o sujeito a
representar o que entende por aquele conteúdo e depois a estabelecer
relações com outros objetos de conhecimento vinculados, primeiro, ao seu
mundo concreto e, depois, ao plano das ideias. Essa sequência aponta para
a reconstrução das estruturas em um domínio específico.
Como fica o desenvolvimento da afetividade desse adolescente? A
partir das operações formais, sentimentos interindividuais se combinam com
sentimentos envolvendo ideais coletivos. O adolescente é capaz de lidar
com conceitos como liberdade, justiça, solidariedade etc.
No início da adolescência observa-se a retomada de uma espécie de
egocentrismo, que coloca o adolescente como centro de atenções. O
adolescente vive conflitos. Deseja tornar-se independente em relação ao
adulto, mas ainda depende dele. Próximo à idade adulta, começa a eleger
um conjunto de regras e de valores pelos quais vive e se mantém leal. Ocorre
a afirmação da vontade. A capacidade de realizar abstrações e generalizações
o leva a fazer deduções de simples hipóteses e a lutar por elas. A autonomia
moral e intelectual só é possível a partir do operatório formal. Segundo
Piaget, esse é o objetivo da educação. No plano estrutural, essa autonomia
A evolução da inteligência e da afetividade está na descentração do
indivíduo, que se inicia no operatório concreto. No que se refere à afetividade,
é a partir do contato com o outro que o sujeito constrói os primeiros
sentimentos interindividuais, para além dos sentimentos restritos ao próprio
sujeito. Para Piaget (1977), quanto maior o autoritarismo do meio, maior a
vigência de egocentrismo e impedimento do desenvolvimento da autonomia,
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característica do indivíduo descentrado. Quanto mais autônomo o sujeito,
maior é a sua capacidade de articular o pensamento próprio ao pensamento
do outro, sem se submeter a ele. Por isso a capacidade de socialização do
adolescente e do adulto saudável é, em tese, maior.
Piaget delega aos pedagogos a tarefa de verificação da cooperação
como processo educativo. Stoltz (2007), Guimarães e Parrat-Dayan (2007)
e Stoltz (2008) propõem a interação social cooperativa que estimule o
processo de tomada de consciência de noções específicas. “A interação
deve estimular a reflexão sobre a reversibilidade física e mental envolvendo
atividades relativas a pessoas e atividades relativas a outros objetos”
(STOLTZ, 2007, p. 34). Esse movimento implica um processo dinâmico
do fazer ao compreender e vice-versa.
Uma distinção importante relativa à aprendizagem é entre
aprendizagem em sentido lato e aprendizagem em sentido estrito (PIAGET;
GRÉCO, 1974).
A aprendizagem em sentido estrito está relacionada a uma
situação específica, a uma experiência, a um treino e leva a
um conhecimento limitado, restrito àquele conteúdo. Esse
tipo de aprendizagem tende a enfatizar os aspectos
figurativos do pensamento imitação, percepção, memória,
imagem mental e permite o conhecimento de estados,
não de transformações.
Já a aprendizagem em sentido lato confunde-se com o
próprio desenvolvimento, vai estar relacionada aos aspectos
operativos do conhecimento, ligados às transformações.
Os aspectos operat ivos explicam o processo de
transformação que levou a dado conhecimento.
Piaget expressa que o que deve ser enfatizado na educação
são os aspectos operativos ou o pensar sobre as
transformações e não sobre os estados. O conhecimento
figurativo leva apenas a uma memorização sem
compreensão que logo é esquecida.
Como podemos contribuir para o favorecimento da
aprendizagem lato sensu? Solicitando sempre relações entre
conhecimentos e a atividade do aluno. Por outro lado,
podemos apresentar problemas que necessitem do
conhecimento científico e ativem a capacidade do aluno de
pensar nas relações de sua realidade com o conhecimento,
que o levem a pensar de forma ativa e crítica sobre aquele
conhecimento científico (STOLTZ, 2008, p. 278).
A aprendizagem está, assim, subordinada ao processo geral de
equilibração e ao nível de desenvolvimento cognitivo (PIAGET, 1983a). O
que ensinar e como ensinar depende do conhecimento do aluno, das suas
características e de suas possibilidades de assimilar e acomodar. O trabalho
do educador deve ser o de estimular a capacidade do aluno por meio de
35
Psicologia da Educação
situações desafiadoras, contando com diferentes materiais e conhecimentos.
A curiosidade deve ser o motor de novas construções. Situações-problema
desenvolvidas em pequenos grupos e relacionadas ao contexto social e
cultural do aluno podem contribuir para o desencadeamento de novas
construções cognitivas e afetivas. Mais importante do que pedir ao aluno
respostas, a tarefa do educador, baseado em Piaget, consiste em levá-lo a
desenvolver novas perguntas. Por isso o ensino pode ser caracterizado como
envolvendo uma experimentação ativa.
Como você avalia a situação de sala de aula apresetnada no início deste capítulo?
Discuta-a tomando como referência o objetivo da educação para Piaget e sua teoria sobre
desenvolvimento e aprendizagem.
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REFERÊNCIAS
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Psicologia da Educação
A PSICOLOGIA
HISTÓRICO-CULTURAL
DE VYGOTSKY
UNIDADE 2
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Psicologia da Educação
2 A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY
Entre os teóricos que são referência hoje na questão da aprendizagem,
está Lev S. Vygotsky (18961934). Vygotsky nasceu na Rússia e, em sua
breve existência, deixou uma teoria em construção que pretende a superação
dos reducionismos mecanicistas e idealistas. A base dessa orientação teórica
está no marxismo e no ideário da Revolução Russa de 1917. Vygotsky,
assim como Luria e Leontiev, via o homem como ser ativo, resultado de
suas interações no contexto social e cultural. Por essa razão é um teórico
interacionista. Suas obras foram proibidas na própria Rússia entre 1936 e
1956, por motivos políticos. No Brasil, a influência do pensamento de
Vygotsky começa a crescer a partir da década de 1980, principalmente
nas áreas da Educação, Psicologia do Desenvolvimento e Psicologia Social.
Sua abordagem teórica é também conhecida na Educação e na Psicologia
como sociointeracionista ou sócio-histórica.
FIGURA 4:: LEV SEMENOVICH VYGOTSKY
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2.1 O HOMEM COMO SER HISTÓRICO
Lúcia voltou para casa desanimada. Havia dado quatro aulas seguidas,
estava exausta. Na verdade, o que a incomodava era o desrespeito e a falta
de consideração dos alunos daquela escola. Tinha aplicado avaliação em
uma das turmas. Ficou horrorizada com o resultado. Era como se não tivesse
dado dois meses de aula sobre aquele assunto. E ainda teve que escutar de
uma adolescente: “Não sei por que perder o meu tempo vindo para esta
escola. Não está me ensinando nada...”. O pior era que Lúcia estava vendo
que não ensinava nada...
Mas, afinal, a escola é importante? Ninguém melhor do que Vygotsky
para responder a essa questão. Vygotsky (RATNER, 1995; VAN DER VEER;
VALSINER, 1999) entende o homem como se constituindo em um processo
histórico, síntese de múltiplas determinações. O que significa isso? Significa
que o que o homem vai aprender e desenvolver depende do que for
possibilitado a ele conhecer. O humano não está anteriormente dado. É o
resultado das interações que o homem vai estabelecendo em um contexto
social e cultural bem específico. E mais, essa humanidade do homem está
em evolução, o que significa que os instrumentos e a rede de relações sociais
que possibilitam o acesso ao conhecimento hoje certamente será outra
amanhã e levará a diferente desenvolvimento humano. Vygotsky responderia
com muita clareza à situação da professora Lúcia. Se a escola não funciona,
não é por culpa dos alunos. É a escola que precisa rever urgentemente o seu
papel e a sua forma de atuação.
Na perspectiva de Vygotsky (1991; 1994) e Vygotsky e Luria (1996),
aprendizagem gera desenvolvimento. Se os alunos não aprendem, estão
perdendo em termos de desenvolvimento. Para muitos, a escola é o único
espaço de acesso ao saber elaborado, aquele que foi socialmente construído
e historicamente acumulado para ser apropriado pelas gerações mais novas.
Para que ter acesso ao saber elaborado ou científico? Para desenvolver uma
visão crítica da realidade, para não ser explorado. Para ter consciência de
direitos e deveres e conseguir viver a sua cidadania. Vygotsky vai mais longe.
Para ele, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, aquelas
que nos distinguem como seres humanos, só se realizam pelo acesso ao
saber elaborado ou o conhecimento científico. Essas funções psicológicas
superiores que distinguem o homem de outros animais são o pensamento
abstrato, o comportamento intencional, a memorização ativa, a atenção
voluntária, a linguagem e a afetividade propriamente humana, entre outras.
43
Psicologia da Educação
Essas funções estão em evidente oposição com a de outro grupo de funções,
as funções psicológicas inferiores, que partilhamos com os outros animais:
sensações, atenção involuntária, memória involuntária e reações emocionais
básicas, entre outras.
Segundo Vygotsky:
o aprendizado geralmente precede o desenvolvimento. A
criança adquire certos hábitos e habilidades numa área
específica, antes de aprender a aplicá-los consciente e
deliberadamente. Nunca há um paralelismo completo entre
o curso do aprendizado e o desenvolvimento das funções
correspondentes (VYGOTSKY, 1998, p. 126).
Seguindo a ideia de que aprendizagem gera desenvolvimento, o fato
de uma pessoa ter seu desenvolvimento restrito explica-se pelo tipo de
aprendizagem que desencadeou em seu contexto social e cultural. Isso
significa que somos muito mais responsáveis uns pelos outros do que
pensamos. O que o outro vai desenvolver tem íntima relação com o que o
contexto lhe possibilitou aprender. As funções psicológicas superiores
precisam estar antes no contexto, externas ao sujeito, para que este possa
se apropriar delas mediante aprendizado. Tudo se passa, para Vygotsky
(1994), do externo para o interno, das relações entre as pessoas para as
relações com o próprio sujeito, dos processos interpsíquicos ou intermentais
para os processos intrapsíquicos ou intramentais. “Chamamos de
internalização a reconstrução interna de uma operação externa”
(VYGOTSKY, 1994, p. 74).
E o que permite essa passagem do externo para o interno ao próprio
sujeito? O processo de internalização ou a passagem do interpsíquico para
o intrapsíquico. Mas o sujeito é ativo nesse processo. Esse processo envolve
uma transformação do sujeito a partir de sua negociação com a cultura.
Isso significa que o sujeito também influencia o contexto, mas essa capacidade
foi desenvolvida nele por um contexto social e cultural.
Essa origem social e cultural do homem encontra seus fundamentos
na visão do materialismo histórico dialético (MOLL, 1996; OLIVEIRA,
1997; VAN DER VEER; VALSINER, 1999). O conceito principal aqui é o
conceito marxista de trabalho. O trabalho é entendido como atividade
especificamente humana que transforma a natureza e, ao transformá-la,
modifica o sujeito. Nessa transformação da natureza, o homemse vale de
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instrumentos e das relações com outros homens. Atividade e linguagem,
entendidas dentro de um contexto histórico e cultural, são as categorias
vygotskyanas que explicam o processo de aprendizagem e desenvolvimento.
Sendo assim, é a própria vida que determina a consciência e não o inverso.
Dentro dessa concepção, tem-se ainda uma visão essencialmente dinâmica
do desenvolvimento. Tudo está em permanente movimento e transformação.
No desenvolvimento do homem, a relação que era imediata para a
satisfação de necessidades tornou-se mediada, isto é, passou a ser ampliada
pela intervenção de um elemento na relação homemmundo. Pela
necessidade de atuar sobre a natureza para garantir a sua sobrevivência, o
homem foi desenvolvendo instrumentos para aprimorar essa relação. Por
exemplo, o machado permite que o homem derrube árvores e possa
construir casas com elas. Da mesma forma, a linguagem permitiu incrementar
as relações entre os homens e a própria evolução humana.
A possibilidade da linguagem racional e a possibilidade de
desenvolvimento da atividade propriamente humana de trabalho, contando
com seu planejamento e execução, determinaram a melhor satisfação das
necessidades básicas e a criação de novas necessidades que, por sua vez,
exigiram novos instrumentos e novos conhecimentos em um movimento de
desenvolvimento da humanização do homem. Os homens são os únicos
animais que fazem uso racional de instrumentos enquanto mediadores de
sua relação com o mundo. Esta é uma das principais ideias de Vygotsky
(2000): a de que a relação homem-mundo é mediada.
Essa mediação conta com instrumentos físicos (por exemplo, caneta,
serrote, papel, computador, etc.) e instrumentos psicológicos (linguagem
como sistema de signos) que vão possibilitar a transformação do contexto e
do próprio homem. Por isso a educação é fundamental. A educação vai
iniciar a criança nos conhecimentos que a humanidade já construiu, para
que ela parta destes para ir mais além e crie outros conhecimentos. A escola
também vai permitir o conhecimento e apropriação de diferentes
instrumentos, fundamentais para o viver em sociedade. Entre a criança e o
mundo há uma cultura que fala deste mundo para ela. Ter acesso ou não a
este conhecimento implica em ser incluído ou excluído da sociedade.
A mediação vai significar o mundo para a criança. Essa significação é
o ponto de partida para a criação de sentidos. Os sentidos envolvem a
nossa relação com os significados, que são coletivos. Os significados são o
resultado da atividade de um determinado grupo cultural. Por exemplo, o
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Psicologia da Educação
significado de ser rico ou pobre em nossa sociedade capitalista. Os sentidos
representam a nossa relação com esse significado: o que é ser rico ou pobre
para mim. O sentido depende do contexto e de vivências afetivas.
A mediação da cultura vai determinar que o desenvolvimento do
homem, de biológico, passe a ser sócio-histórico, ou seja, de acordo com as
interações realizadas em um contexto social e cultural específico. No homem,
a relação homemmundo é mediada por sistemas simbólicos. E é essa
mediação que faz com que o homem esteja em um processo de
transformação. Para Vygotsky (1996), há uma base biológica para absorver
e tornar próprias essas transformações: o cérebro. Esse órgão do corpo
humano é suficientemente plástico para adaptar-se a mudanças.
Segundo Vygotsky, o processo de internalização envolve uma série
de transformações. O fundamento do que somos está no processo de
internalização. Vygotsky (1994, p. 75) entende essas transformações a partir
do uso de sistemas de signos e da mudança de atividade:
a) Uma operação que inicialmente representa uma atividade externa
é reconstruída e começa a ocorrer internamente. É de particular
importância para o desenvolvimento dos processos mentais superiores
a transformação da atividade que utiliza signos, cuja história e
características são ilustradas pelo desenvolvimento da inteligência
prática, da atenção voluntária e da memória.
b) Um processo interpessoal é transformado num processo
intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança
aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível
individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológico), e, depois, no
interior da criança (intrapsicológico). Isso se aplica igualmente para a
atenção voluntária, para a memória lógica e para a formação de
conceitos. Todas as funções superiores originam-se das relações reais
entre indivíduos humanos.
c) A transformação de um processo interpessoal num processo
intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos
ao longo do desenvolvimento. O processo, sendo transformado,
continua a existir e a mudar como uma forma externa de atividade
por um longo período de tempo, antes de internalizar-se
definitivamente. Para muitas funções, o estágio de signos externos
dura para sempre, ou seja, é o estágio final do desenvolvimento. Outras
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funções vão além no seu desenvolvimento, tornando-se gradualmente
funções interiores. Entretanto, elas somente adquirem o caráter de
processos internos como resultado de um desenvolvimento
prolongado. Sua transferência para dentro está ligada a mudanças
nas leis que governam sua atividade; elas são incorporadas em um
novo sistema com suas próprias leis.
Linguagem e atividade possibilitaram e possibilitam, assim, o
desenvolvimento propriamente humano. Os animais também têm uma
linguagem, mas não uma linguagem racional que possibilite acesso e
transmissão de cultura. É uma linguagem usada basicamente para alívio de
tensão e contato psicológico com outros membros do grupo. Os animais
fazem um uso pré-intelectual da linguagem, porque ela não tem nesse caso
a função de signo. Os animais irracionais também apresentam uma atividade,
mas ela não é planejada como no trabalho humano. É uma atividade que
também se vale de instrumentos como mediadores, revelando uma espécie
de inteligência prática. Na inteligência prática, que se manifesta na criança
pequena e nos animais superiores, há a capacidade de solução de problemas
e de alteração do ambiente para conseguir determinados fins. Mas esse
modo de funcionamento intelectual é independente da linguagem, indicando
uma fase pré-verbal de desenvolvimento do pensamento.
Em um determinado momento do desenvolvimento da espécie (ou
filogenético), o pensamento se torna verbal e a linguagem se torna racional.
Esse é o momento em que o biológico se transforma em sócio-histórico. A
história de cada um (ontogênese) retoma a história da espécie. Tornamo-
nos humanos ao interagir com seres humanos e pela apropriação dos modos
culturalmente instituídos de intercâmbio e produção. As trocas que
estabelecemos com o outro vão desencadear processos nesse outro. Dito
de outro modo: se considerarmos uma criança criada em um sítio afastado
e cujos pais são analfabetos e trabalhadores do campo, o aprendizado e
desenvolvimento dessa criança terá as marcas desse contexto. Uma criança
que nunca teve a oportunidade de pegar em um lápis para rabiscar ou
desenhar vai apresentar um desenvolvimento diferenciado em relação à
criança que desde bebê rabisca e tem acesso múltiplo aos bens da cultura.
Por isso a escola é fundamental. Não para excluir a criança que no 1º ano
não sabe nem segurar um lápis. Mas para possibilitar a ela o aprendizado
dessa habilidade e muito mais. “A internalização das atividades socialmente
enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico
da psicologia

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