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AULA 02 - A Concepção de Indivíduo Segundo Kierkegaard

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437 
 
Anais do VII Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar (2011) 
A Concepção de Indivíduo Segundo Kierkegaard 
 
Valdinei Caes* 
 
 
RESUMO 
O objetivo da nossa pesquisa é o entendimento acerca da concepção de indivíduo em 
Kierkegaard. O indivíduo é uma categoria cara à filosofia kierkegaardiana e, ao mesmo tempo, 
complexa. Segundo o filósofo dinamarquês, o indivíduo está sempre em situações limítrofes na 
existência, o que representa que há um processo de individualização. Não há um conceito 
fechado e acabado de indivíduo, mas sim uma concepção, que por sua vez, é dinâmica em sua 
natureza. Para tratarmos dessa questão, teremos como referência as seguintes obras: Temor e 
Tremor e o Ponto de Vista Explicativo da Minha Obra como Escritor, onde há duas notas que 
tratam especificamente sobre <<o Indivíduo>>, as quais, outrossim, vamos ter como alicerces 
da nossa pesquisa. Dentre outras, teremos como base a obra Indivíduo e Comunidade na 
Filosofia de Kierkegaard de Marcio Gimenes de Paula, que reflete com grande sutileza acerca 
desta temática fundamental no pensamento de Kierkegaard. 
PALAVRAS-CHAVE: concepção, indivíduo, limítrofe e processo de individualização. 
 
 
 
Introdução 
 
 A categoria indivíduo é um elemento essencial na filosofia de Kierkegaard. O próprio 
pensador afirma que: “Para mim, não pessoalmente, mas como pensador, essa questão do 
singular é a mais decisiva” (apud DE PUALA, 2009a, p. 52). É a partir dessa categoria que o 
filósofo nórdico desenvolve seu pensamento. A defesa do indivíduo ressalta sua crítica à 
comunidade, ao aglomerado, em oposição ao processo de individualização. 
 
*
 Pós-graduando em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). E-mail: 
filcaes@yahoo.com.br. 
438 
 
Anais do VII Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar (2011) 
 Na filosofia do pensador de Copenhague, o indivíduo não é posto em evidência por 
acaso. O contexto dinamarquês, no qual o referido filósofo viveu, exaltava o que era público. O 
geral sobrepunha-se ao singular. 
 Em termos de religião, Estado e Igreja estavam plenamente unidos. Kierkegaard 
diagnosticou, nesse contexto, a superioridade da exterioridade sobre a interioridade. Assim 
sendo, tornar-se cristão não passava pela decisão e adesão, mas por questões geográficas. 
“Deus do céu, e os Estados dizem-se cristãos” (KIERKEGAARD, 1986a, p. 101). Para o 
dinamarquês, é inadmissível o indivíduo se constituir a partir daquilo que o Estado lhe impõe. 
“Tal imposição é inaceitável, pois tira a possibilidade de decisão do indivíduo, transferindo-a 
para o Estado e à geografia” (DE PAULA, 2009b, p. 48). Ao aceitar a superioridade da 
exterioridade sobre a subjetividade, sem a possibilidade de escolha, estaríamos diante de um 
conceito e não de uma concepção de indivíduo. O conceito, por natureza, fecha-se em si, mas a 
concepção é dinâmica em sua natureza. 
 O conceito se constrói em movimento inverso à concepção. O primeiro é imposição de 
fora, e é para todos. O segundo, ao contrário, parte do interior, portanto, é próprio do singular, 
é decisão, é possibilidade. A concepção de indivíduo, segundo Kierkegaard, subsiste porque na 
interioridade reside a possibilidade. “A possibilidade é, por conseguinte, a mais pesada de todas 
as categorias [...] Na possibilidade tudo é igualmente possível...” (KIERKEGAARD, 2010a, p. 164). 
 O indivíduo kierkegaardiano se constitui a partir do processo de individualização. Ele 
não nasce pronto, entrementes, no transcorrer da existência, “torna-se o que é” (cf. DE PAULA, 
2009c, p. 104), não por influência alheia, mas por decisão própria. O indivíduo passa pelo 
processo do tornar-se o que se é. Para isso é preciso decisão, escolha; é necessário se assumir. 
Em Kierkegaard “o existir como indivíduo e a consciência desse existir chegaram a ser [...] 
condição absoluta da filosofia e até sua única razão de ser” (KIERKEGAARD, 1979, VI). 
 
 
 
 
 
439 
 
Anais do VII Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar (2011) 
Desenvolvimento 
 
“A questão do indivíduo é decisiva entre todas” 
 (KIEKREGAARD, 1986b, p. 105). 
 
 Kierkegaard aborda uma temática antiga, porém numa perspectiva nova. A questão do 
indivíduo já surgira na antiguidade. “A palavra indivíduo possui duas origens: em grego, se diz 
atomon e, na língua latina, individuum. Em ambos os idiomas, o significado aproxima-se de algo 
que possui uma unidade originária e singular” (DE PAULA, 2009d, p. 39). Passando também pelo 
idioma dinamarquês, o indivíduo, o único, o singular, se diz en Enkelt, que traduzido para o 
idioma inglês é sinônimo de single - singular. “O autor dinamarquês enfatiza o indivíduo e sua 
subjetividade em meio a uma sociedade de massas” (DE PAULA, 2009e, p. 33). 
 O indivíduo kiekegaardiano, em tese, é o único, é o singular que sente a vida pulsar em 
si, durante seu existir. Nesse sentido, “a cada indivíduo na geração [...], basta o seu tormento” 
(KIERKEGAARD, 2010b, p. 09). Etimologicamente, a categoria indivíduo expressa singularidade. 
Diante disso, uma indagação se impõe: Como se constitui o homem que Kierkegaard denomina 
de “o Indivíduo”? (KIIERKEGAARD, 1986c, p. 96). No processo do tornar-se o que se é, o que se 
evidencia é que “en Enkelt” (KIERKEGAARD, 2010c, p. 09) “está mais relacionado àquele 
indivíduo que se assume existencialmente” (DE PAULA, 2009e, p. 140). 
 Quando o indivíduo se assume existencialmente, há a anulação da multidão, que é a 
mentira. A consciência do indivíduo torna-se seu próprio guia. Não se permite conduzir apenas 
pelo impulso. O que o conduz é “a decisão” (KIERKEGAARD, 2010d, p. 10). Vale ressaltar que, a 
decisão é algo particular do indivíduo, que se assume existencialmente. Nessa circunstância, o 
singular permite vir à tona sua particularidade. “A cada indivíduo na geração, tal como a cada 
dia, basta seu tormento” (KIERKEGAARD, 2010e, p. 09). Cabe a cada indivíduo assumir-se. 
Enquanto não houver isso, não acorrerá o primeiro passo no processo de individualização. 
 O processo de individualização, uma vez iniciado, coloca o indivíduo na “atmosfera das 
suas condições limítrofes” (VIESENTEINER, 2011a, p. 01). A atmosfera, segundo Kierkegaard, 
caracteriza uma condição tal, que ninguém, além do indivíduo, na sua mais íntima 
singularidade, consegue avaliar a condição na qual ele se encontra inserido. Os anteparos 
moralizantes estão suspensos. A condição limítrofe põe o indivíduo numa circunstância tão 
440 
 
Anais do VII Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar (2011) 
distinta, que nem mesmo ele, após vivenciá-la, será capaz de mensurá-la. “A condição limítrofe 
é aquela em que o conhecimento humano já não tem mais nenhuma segurança de si e o 
próprio pensamento perde o controle sobre ela, de modo que, nessas regiões fronteiriças, o 
pensamento conceitual se torna impotente” (VIESENTEINER, 2011b, 01). 
 É sob essa condição limítrofe-atmosférica inapreensível que se encontra o ápice da 
concepção de indivíduo em Kierkegaard. O indivíduo kierkegaardiano é a superação da 
multidão. “O cristianismo jamais admitiu dar a cada indivíduo singular (enkelte individ) o 
privilégio de poder iniciar da capo, num sentido exterior. Todo indivíduo começa dentro de um 
contexto histórico, e as consequências da natureza continuam valer como sempre” 
(KIERKEGAARD, 2010f, p. 79). O homem nasce em meio àmassa. Cabe a ele escolher 
permanecer nela ou buscar sua autenticidade, que passa pelo encontro com o ‘totalmente 
outro’. Pois, “o essencial da conduta de um homem é a decisão” (DE PAULA, 2009f, p. 66). Ao 
homem, na posteridade de seu surgimento lhe é concedida a possibilidade de assumir sua 
condição, mas como indivíduo singular, porque a multidão também se assume, mas enquanto 
objetivo comum. A massa é consequência conjunta da exterioridade. O indivíduo é resultado de 
sua interioridade, ou melhor, de sua subjetividade. “'A subjetividade é a verdade' [...], afirma-se 
(também) que o que existe realmente não é o conceito de indivíduo, e sim o indivíduo 
concreto, vivendo aqui e agora, decidindo sua própria existência” (LE BLANC, 2003, p. 01). 
Kierkegaard louva a originalidade do indivíduo, a singularidade. Não se pode ser singular apenas 
repetindo o que outros já fizeram, é preciso originalidade, é preciso assumir-se. 
 É nesse sentido que o indivíduo para Kierkegaard torna-se uma categoria 
eminentemente cristã. Por esse motivo é necessário indagar se é possível se tornar um 
indivíduo sem se tornar cristão, segundo Kierkegaard? 
 
No seu entender, o importante não é a igualdade entre os homens, mas a 
afirmação da individualidade cristã. Nesse sentido, ele afirma o eu-mesmo 
individual como humano absoluto, isto é, como indivíduo. Na visão 
kierkegaardiana, o homem é um indivíduo diante de Deus (e não do seu 
egoísmo) e, para tanto, ele deve imitar a Cristo (DE PAULA, 2009g, p. 29). 
 
 
441 
 
Anais do VII Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar (2011) 
 De acordo com Márcio Gimenes de Paula, o indivíduo para Kierkegaard atinge sua mais 
alta expressão quando se depara perante Deus. O indivíduo depara-se com Deus quando, em 
seu interior, O reverencia. “Tornar-se este único, que todos podem ser, é querer aceitar a ajuda 
de Deus” (KIEREKGAARD, 1986d, p. 98). É preciso querer tornar-se indivíduo, mas também é 
preciso aceitar a intervenção de Deus. Se não houver a aceitação da ajuda não haverá a 
intervenção. Deus não pode ferir a liberdade humana. Deus pode tudo, mas não pode tentar 
contra o livre arbítrio do homem. 
Em Kierkegaard, na gênese da concepção de indivíduo encontra-se uma dura crítica à 
cultura da época, no que diz respeito ao cristianismo luterano. O cristão não se torna cristão 
por opção própria, mas por imposição do Estado. “O cristianismo parece ter se tornado, 
segundo o pensador de Copenhague, uma imposição estatal” (DE PAULA, 2009h, p. 48). 
Kierkegaard não pensa o indivíduo em submissão ao Estado. O indivíduo kierkegaardiano está 
sempre buscando sua autenticidade, ou seja, a presença do totalmente Outro: Deus. Dessa 
forma, percebemos que há em Kierkegaard o homem que somente se torna um indivíduo 
autêntico se for responsável perante Deus. Diante de Deus, não há multidão; existe apenas o 
indivíduo e o que ele é em si. 
 Diante disso, podemos trazer à tona o exemplo de Abraão, expressão elevada da 
concepção de indivíduo. Ao receber o anúncio do arauto de Deus, pedindo-lhe o sacrifício do 
filho amado, Isaac, no silêncio, isto é, em sua interioridade, toma consigo o filho e se põe a 
caminho, rumo ao local indicado. “Caminharam em silêncio durante três dias” (KIERKEGAARD, 
1979, p. 114). 
 As grandes decisões que o homem faz na esfera da existência passam em primeiro 
lugar pela “interioridade [que] reside na subjetividade” (DE PAULA, 2009i, p. 44). Uma decisão 
que não passa pelos meandros da subjetividade não pode ser considerada uma grande escolha, 
e não faz parte do indivíduo. É imposição exterior. O indivíduo em Kierkegaard pressupõe, 
antes de qualquer coisa, o conhecimento do valor da subjetividade. É na subjetividade que, em 
primeiro lugar, acontece a decisão. Para o filósofo dinamarquês “devíamos aceitar que as 
decisões são individuais e particulares, e que se chaga a elas mediante um conflito interior...” 
(PAPINEAU, 2009a, p. 154). 
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Anais do VII Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar (2011) 
 É sob essa atmosfera que Abraão se coloca à caminho. É no silêncio que ocorre a 
decisão. É no “silêncio [...] que o Indivíduo toma consciência de sua união com a divindade” 
(apud DE PAULA, 2009, 106). Por essa razão, interioridade, subjetividade e silêncio tornam-se 
elementos essenciais na dinâmica do processo de individualização. O indivíduo “jamais deve 
trocar o silêncio da sua interioridade pela publicidade, sob pena de desobedecer a Deus” (DE 
PAULA, 2009j, p. 67). O silêncio revela a interioridade, e a interioridade apresenta a 
incomensurabilidade. O segundo não subsiste sem primeiro, pois na interioridade da 
singularidade reside o incomensurável. Todavia, por que Abraão preferiu caminhar no silêncio, 
sem comunicar a ninguém o que estava prestes a fazer? Isso explicita que a decisão é sempre 
do indivíduo, nunca de seus semelhantes. A vida está cobrando uma decisão do indivíduo. 
Assim como a cada dia basta seu tormento, para cada indivíduo cabe as suas escolhas. A 
escolha é sempre do indivíduo. O autêntico indivíduo não permite que outrem escolha por ele. 
A decisão é sempre do “eu-único individual” (DE PAULA, 2009k, p. 26). 
 Para o pensador dinamarquês, o eu: 
 
É uma relação que não se estabelece com qualquer coisa de alheio a si, mas 
consigo própria. Mais e melhor do que na relação propriamente dita, ele 
consiste no orientar-se dessa relação para a própria interioridade. O eu não é a 
relação em si, mas sim o seu voltar-se sobre si própria, o conhecimento que ela 
tem de si própria depois de estabelecida. 
 
 
O indivíduo encontra-se perenemente no invólucro da circunstância existencial. Assim sendo, 
não podemos afirmar que Kierkegaard cria um conceito de indivíduo, mas traz à realidade um 
primado inusitado, ou seja, a concepção de indivíduo que, ao mesmo tempo em que se revela, 
não se deixa conhecer quem é, porque é o singular, o indivíduo. O indivíduo que se apresenta 
gradativamente no processo de individualização é o mesmo que se oculta. O Abraão que se 
coloca a caminho é o mesmo que permanece em silêncio. 
 O indivíduo não é simplesmente o que se apresenta, mas é isso também. Kierkegaard 
não considera como indivíduo o ser que se apresenta aos sentidos. Não! Indivíduo é aquele que 
se coloca no processo do vir a ser, ou seja, do “tornar-se (...) único” (KIEKEGAARD, 1986e, p. 
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Anais do VII Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar (2011) 
98). Esse é o indivíduo. Está “ao alcance de cada um tornar-se o que é, um Indivíduo; 
absolutamente ninguém está excluído de o ser, exceto quem se exclui a si próprio, tornando-se 
multidão” (KIEKEGAARD, 1986f, p. 102). 
 A multidão é incapaz de compreender o indivíduo. “Suspiro quando vejo que, 
diversamente da Antiguidade em que ignorava relativamente o arrependimento, a multidão é o 
ser todo poderoso, mas absolutamente privado de arrependimento, que se chama: ninguém” 
(KIERKEGAARD, 1986g, p. 101). 
 O processo de ser tornar indivíduo é um projeto para toda a vida. Não é uma tarefa 
que rapidamente se conclui. É uma tarefa, mas uma tarefa que se estende por toda a vida. Em 
outros termos, é um processo; e como tal, não permite que alguém seja delegado ou 
incumbido para fazer isso por outrem. Ao homem cabe a responsabilidade de se auto incluir no 
processo de individualização. Essa tarefa é própria e particular de cada um. Não há a 
possibilidade de ordenar ou implorar para que outro realize essa tarefa, por mais que haja 
cumplicidade ao extremo entre dois seres. Cabe a cada um fazê-la por si e para si. O processo 
de individualização requer a sua stemning1própria. Por isso, acaba se tornando sumamente um 
processo antagônico àmultidão. 
 A cada um é reservada a possibilidade de se tornar indivíduo por si mesmo. Essa é uma 
tarefa que pressupõe arte. O homem é responsável para se tornar aquilo que ele é em 
potência: “individuum” (KIERKEGAARD, 2010g, p. 30). Tornar indivíduo “é um ser capaz 
[Kunnem], uma arte [Kunst], uma tarefa e arte prática, cuja prática às vezes exige as vidas de 
seus praticantes” (GOUVÊA, 2009a, p. 371). Nesse sentido, nascemos humanos e, se quisermos 
e com arte, podemos nos tornar o denominado indivíduo singular. 
 Ao perscrutarmos a concepção de indivíduo em Kierkegaard, observamos que há um 
processo de individualização e que este processo, gradativamente, vai se evidenciando. O 
homem não nasce indivíduo, mas pode se tornar um, desde que assume o processo de 
 
1 “A atmosfera é o mais individual, o mais fugaz e incompreensível no pensamento mesmo, aquilo ao que não se 
apreende e o que deve se suprimir caso se pretenda torná-lo compreensível”. Cf. VIESENTEINER, J. L. Kierkegaard: 
pensamento e existência como paixão. 2011 (Prelo). Além disso, de acordo com Álvaro L. M. Valls, a Stimmung, em 
alemão ou Stemning em dinamarquês, exprime um estado de ânimo, uma realidade interior. Em outros termos, é 
uma totalidade inapreensível ao pensamento. 
444 
 
Anais do VII Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar (2011) 
individualização. O homem só se torna um “indivíduo autêntico se ele for responsável perante 
Deus” (GOUVÊA, 2009b, 371). O tornar-se é possibilidade. 
 Ressaltamos que Kierkegaard não apresenta um conceito de indivíduo. O indivíduo, 
segundo o dinamarquês, não é um ser distante da realidade, ao contrário, é aquele chafurdado 
na realidade, no mundo, em prol de suas escolhas, defronte ao Absoluto, na singularidade, 
sentindo o peso do existir. O indivíduo não é um conceito, mas uma realidade que sente a vida 
pulsar em si. 
 Kierkegaard não cria por acaso a concepção de indivíduo. O pano de fundo presente 
enfatiza a oposição a Hegel, pois este “defendia que os direitos do indivíduo derivam do Estado” 
(GOUVÊA, 2009c, p, 371). Para Kierkegaard, não há indivíduo perante o Estado. Diante do 
Estado o indivíduo deixa de ser o que de fato é para se tornar aquilo que os outros fazem dele. 
O indivíduo é aquilo que ele é, mesmo quando não deseja ser. “Por outras palavras, cada um 
pode ser este único, e Deus o ajudará” (KIEREKEGAARD, 1986h, p. 97). 
 
 
Conclusão 
 
 Para Kierkegaard o homem é um individuum. O indivíduo é o singular, o eu, que 
afirma: “O importante é descobrir uma verdade que seja verdade para mim, encontrar uma 
ideia pela qual eu possa viver e morrer” (apud PAPINEAU, 2009b, p. 155). Essa razão pela qual 
ele vive o distancia dos anteparos moralizantes. A arte de viver é própria a cada ser. Em 
Kierkegaard, não há uma receita que faz com que o homem se torne um indivíduo. “Existir é 
uma arte” (ALMEIDA; VALLS, 2007, p. 54). O que há é a existência e o querer se ‘tornar-se 
único’, na medida em que o homem coloca no processo de individualização. Para ingressar 
nesse processo é preciso assumir-se. 
 O pano fundo da construção da concepção de indivíduo em Kierkegaard tem como 
objetivo fazer uma dura crítica à cultura massificante do século XIX, em Copenhague, em 
relação ao conceito de cristão. “Na concepção de Clímacus, o cristianismo é um assumir-se 
445 
 
Anais do VII Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar (2011) 
enquanto cristão. Ter nascido numa pátria cristã...” (DE PAULA, 2009l, p. 48) não, 
necessariamente implica na vivência do que é de fato ser cristão. Em outros termos, não é o 
suficiente para se colocar no seguimento a Cristo e imitá-lo, é preciso bem mais do que 
delimitação geográfica para segui-lo, é preciso escolher, é preciso decidir segui-lo por si mesmo. 
Não há indivíduo sem a escolha por tornar-se um. Tornar-se indivíduo passa pela possibilidade 
do vir a ser um indivíduo. 
 
Na possibilidade tudo é igualmente possível, e aquele que, em verdade, foi 
educado pela possibilidade entendeu aquela que o apavora tão bem quanto 
aquela que lhe sorri. Quando, pois, um tal sujeito conclui a escola da 
possibilidade e sabe, melhor que uma criança no seu ABC, que não se pode 
exigir absolutamente nada da vida, e que o horrível, perdição, aniquilamento 
moram na porta ao lado de qualquer homem” (KIEKEGAARD, 2010h, p. 164). 
 
 
A cada homem ‘é igualmente tudo possível’. Portanto, torna-te naquilo que és: um indivíduo, 
sem exigir absolutamente nada da vida, a não ser de ti mesmo, no transcorrer da existência. 
 
 
 Referências bibliográficas 
 
ALMEIDA, Jorge Miranda de; Alvaro L. M. Valls. Kierkegaard. Rio de janeiro: Zahar, 2007. 
VALLS, Álvaro Luiz Montenegro. Do Desespero Silencioso ao Elogio do Amor Desinteressado. 
Porto Alegre: Escritos, 2004. 
DE PAUA, Marcio Gimenes de. Subjetividade e Objetividade em Kierkegaard. São Paulo: 
Annablume, 2009. 
_________, Marcio Gimenes de. Indivíduo e Comunidade da Filosofia de Kierkegaard. São 
Paulo: Paulus e Mackenzie, 2009. 
FERRAGO, France. Compreender Kierkegaard. Trad. Ephraim F. Alves. Rio de janeiro: Vozes, 
2006. 
446 
 
Anais do VII Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar (2011) 
GARDINER, Patrick. Kierkegaard. Trad. Antônio Carlos Vilela. São Paulo: Edições Loyola, 2010. 
GOUVÊA, Ricardo Quadros. Paixão pelo Paradoxo: uma introdução a Kierkegaard. São Paulo: 
Fonte Editorial, 2006. 
KIERKEGAARD, Søren Aabye. O Conceito de Angústia. Trad. Álvaro L. M. Valls. Petrópolis: Vozes; 
São Paulo: Editora Universidade São Francisco, 2010. 
______________, Søren Aabye. Ponto de Vista Explicativo de Minha Obra Como Escritor. Trad. 
João Gama. Ed. 70. São Paulo: Martins Fontes, 1986. 
______________, Søren Aabye. Tremor e Temor. São Paulo: Hemus, 2008. 
______________, Søren Aabye. Diário de um Sedutor; Temor e Tremor; O Desespero Humano. 
Trad.: Carlos Grifo, Maria J. Marinho; Adolfo C. Monteiro. In. Pensadores. São Paulo: Abril 
Cultural: 1979. 
LE BLANC, Charles. Kierkegaard. Trad.: Marina Appenzeller. São Paulo: Estação liberdade, 2003. 
PAPINEAU, David. Filosofia: grandes pensadores, principais fundamentos e escolhas filosóficas. 
Trad.: Maria da A. Rodrigues; Eliana Rocha. São Paulo: Publifolha, 2009. 
VIESENTEINER. Jorge Luiz. Kierkegaard: pensamento e existência como paixão. 2011 (Prelo).

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