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PSIQUE DEPENDENCIA QUIMICA

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/escalaoficial
Ou acesse www.escala.com.br
A primeira pesquisa 
de experiência 
de quase morte 
baseada em 
testemunhos de 
inúmeras pessoas.
Um dia todos irão para algum lugar. 
Mas... para onde?
Nas bancas 
e livrarias!
anuncio_evidencias da vida apos a morte.indd 1 05/07/2017 11:13:24
editorial
Internação compulsória: 
entre a ética e a emergência
Gláucia Viola, editora
Se a ética não governar a razão, 
a razão desprezará a ética...
José Saramago 
O combate à dependência química é uma constante em nosso planeta e sempre que acontecem ações pú-blicas no Brasil que permeiam esse problema, reacende-se uma discussão antiga, que na verdade nunca FOI�SILENCIADA��/�FATO�DO�MOMENTO�OCORREU�NA�CONHECIDA�h#RACOLÊNDIAv��EM�3ÎO�0AULO��MAS�REmETE�UMA�SITUA¥ÎO�PRESENTE�EM�TODO�O�PAÓS��QUE�LEVANTA�QUESTÜES�AS�QUAIS�A�SOCIEDADE�COBRA�RESPOSTAS�DElNITIVAS��
O que deve ser feito com as inúmeras cracolândias espalhadas em todo território nacional? Como devem ser tra-
tados os dependentes químicos? A escolha governamental paulista incluiu, 
entre outras medidas, o pedido de autorização judicial para a realização 
das controversas internações compulsórias, que são formas legais para se 
internar uma pessoa mesmo contra sua vontade ou sob os seus protestos.
A Justiça do Estado de São Paulo chegou a autorizar o pedido do governo 
no dia 26 de maio último, revogando-o dois dias mais tarde. Em seguida, a 
equipe da prefeitura anunciou que contrataria serviço de ambulâncias, que 
lCARIA�RESPONSÉVEL�PELO�TRANSPORTE�DE�DEPENDENTES�QUÓMICOS�PARA�OS�LOCAIS��
nos quais seriam examinados por uma equipe multidisciplinar. Esse gru-
po, então, avaliaria a necessidade ou não da internação compulsória. Os 
PORTA
VOZES�DO�GOVERNO�SEMPRE�PROCURARAM�AlRMAR�QUE�TAL�PROCEDIMENTO�
seria aplicado, apenas, nos casos excepcionais, ou seja, não seriam regra, e 
para isso contariam com equipes multidisciplinares capazes de avaliar os 
quadros clínicos, com médicos, assistentes sociais, advogados, psicólogos, 
agentes de saúde e de segurança.
!CONTECE�QUE�A�SITUA¥ÎO��DE�FATO��Ï�POLÐMICA�E�AO�TRATAR�DESSA�TRISTE�E�DIFÓCIL�REALIDADE�Ï�NECESSÉRIO�EVITAR�QUE�SE�
CAIA�EM�ARMADILHAS�FÉCEIS�DE�RACIOCÓNIOS�SIMPLISTAS��ÌS�VEZES�ATÏ�RASTEIROS��E�ANÉLISES�CARREGADAS�DE�PAIXÎO��QUE��SEM�
dúvida, prejudicam a avaliação mais efetiva. O quadro é complexo e se torna ainda mais complicado na medida em 
QUE�SE�OBSERVA�O�CLAMOR�PÞBLICO�POR�A¥ÜES�RÉPIDAS�E�DElNITIVAS��ALIMENTADAS�PELA�ILUSÎO�DA�ERRADICA¥ÎO�DE�UM�DOS�
piores malefícios da sociedade moderna.
A ética provoca uma imediata rejeição à adoção de categorias que falem em nome das pessoas. Dessa forma, se 
NÎO�lCAREM�BEM�CLARAS�AS�CONSEQUÐNCIAS�DO�REDUCIONISMO��CARREGADAS�DE�VALORES�SOCIAIS��IDEOLØGICOS�E�CULTURAIS��
CORRE
SE�O�RISCO�DE�ESCOLHER�UM�CAMINHO�MARCADO�POR�UMA�PERIGOSA�AMBIVALÐNCIA��AlRMAM
SE�E��AO�MESMO�TEM-
po, negam-se a preocupação e o valor dos sujeitos. Na verdade, é fundamental que a sociedade discuta o tema. No 
ENTANTO��DEVE
SE�TER�SEMPRE�EM�MENTE�QUE�AS�INTERNA¥ÜES�PODEM�SER�NECESSÉRIAS�E�JUSTIlCADAS��SE�INDIVIDUALMENTE�
e profundamente analisadas. Pessoas que usam drogas cronicamente vivem em permanente estado de emergência, 
que, em tese, autoriza, de certa forma, medidas também emergenciais. Nesse momento surge outra armadilha, que 
Ï�A�COMBINA¥ÎO�DE�EMERGÐNCIAS��NAS�QUAIS�AS�A¥ÜES�PARA�ALIVIAR�MAL
ESTARES�ATRAPALHAM�UMA�REmEXÎO�MAIS�APURADA�
e efetiva a respeito do problema. A seção Dossiê desse número da Psique Ciência&Vida apresenta um amplo ma-
terial a respeito do assunto com o objetivo de elucidar a questão pelo olhar da Psicologia Social.
"OA�LEITURA�E�BOA�REmEXÎO�� 
'LÉUCIA�6IOLA
www.facebook.com/PortalEspacodoSaber
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editorial.indd 3 25/08/2017 12:29:12
www.portalespacodosaber.com.br
CAPA
sumário
35
28/08/2017 18:44:2
3
MATÉRIAS
ENTREVISTA
Tomás Bonomi e Bruno Espósito 
falam da atuação em casos graves 
que necessitam de uma elasticidade 
das linhas teóricas 
SEÇÕES
06 EM CAMPO
16 IN FOCO 
18 PSICOPOSITIVA
20 PSICOPEDAGOGIA
32 COACHING
34 LIVROS
50 CIBERPSICOLOGIA 
52 NEUROCIÊNCIA
54 RECURSOS HUMANOS
56 PERFIL 
64 DIVÃ LITERÁRIO
66 CINEMA
80 EM CONTATO
82 PSIQUIATRIA FORENSE
08
Pequenos imperadores 
domésticos
A falta de limites na educação das 
CRIAN¥AS�GERAM�DIl�CULDADE�EM�ASSIMILAR�
as regras sociais inerentes à convivência
A óptica sobre o feminino
A articulação da problemática 
das representações sociais 
acerca do que é ser mulher
Criação em conjunto 
O ser humano tem grande 
habilidade cerebral para 
criar sozinho e encontra ainda 
mais para criar em parceria
22
28
58
76
70
Angústia na pós-modernidade
!�SOCIEDADE�MUDOU�SEU�PERl�L�
e a Psicanálise busca alternativas 
para aliviar as dores e angústias 
nesse novo cenário
Discalculia e Acalculia
Os discalcúlicos tem problemas 
com o conhecimento matemático. 
Já os acalcúlicos perdem 
habilidades já consolidadas
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Internação compulsória 
e involuntária
Ações de combate à 
dependência química reabrem 
antigas discussões sobre como 
tratar essa situação complexa
sumario.indd 4 28/08/2017 18:56:22
www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 5
giro escala
NOVO INDIVÍDUO
REVISTA FILOSOFIA - EDIÇÃO 129
Em mais um importante artigo publi-
cado na edição 129 da revista &ILOSOl�A, 
os professores Marcelo Cesar Cavalcante, 
mestre em Letras Vernáculas, e Rita de 
Cássia Silva Soares, doutora em Lin-
guística, escrevem sobre os processos 
de argumentação e construção de cada 
cidadão. Para os acadêmicos, neste ce-
nário de total mudança e transformação 
socioeconômica mundial, em que os teó-
ricos da sociedade denominam a Era da 
Insegurança e da Incerteza, os elementos 
para a formação de um novo indivíduo, 
por meio da educação, vão ao encontro 
do preceito fundamental da Declaração 
dos Direitos Humanos que é o respeito à 
dignidade da pessoa humana.
“As relações interpessoais são rea-
lizadas por trocas simbólicas caracte-
rizadas pela linguagem. É por meio da 
linguagem verbal que as pessoas trocam 
informações, compartilham crenças, 
opiniões, conhecimentos, constroem 
sua identidade e também (re)conhecem 
a identidade do outro. A linguagem é o 
primeiro elemento de mudança que deve 
SE�CONl�GURAR��NOVA�REALIDADE�E�AO�NOVO�
PERl�L�DE�UM�SUJEITO�DE�DIREITOS�E�DEVERES��
responsável e cidadão ético. Essa nova 
CONl�GURA¥ÎO�DA�EDUCA¥ÎO�EXIGE�NÎO� SØ�
a formação de conhecimento e infor-
mação, mas também é mister o desen-
volvimento de processos formativos que 
levem à mudança de comportamentos, 
atitudes, mentalidade e valores dos dife-
RENTES�SUJEITOS�INCLUÓDOS�NO�PROCESSO�EDU
cativo”, descrevem no artigo idealizado 
especialmente para a capa desta edição.
DA ESPANHA PARA OS 
MOVIMENTOS SOCIAIS
REVISTA SOCIOLOGIA - EDIÇÃO 71
Para a maioria dos brasileiros, o 
NOME� 'UADALAJARA� REMETE� � CIDADE�
MEXICANA��SEDE�DE�CINCO�DOS�SEIS� JOGOS�
da épica campanha do tricampeonato 
mundial, quando Pelé, Rivellino, Tostão, 
Gerson, Jairzinho e outros craques bri-
lharam no gramado do estádio Jalisco. 
Entretanto, na Espanha, localizado na 
Província de Castilla-La Mancha, 
EXISTE� UM� PEQUENO� E� ANTIGO�MUNI
cípio homônimo, fundado pelos árabes 
por volta dos 
séculos VIII e IX. Provinciana e reli-
giosa, é terra natal de pintores, escritores 
E�DA� LÓDER� SOCIALISTA�0URIl�CACIØN�#AUSA
pié.�É também nesse lugar que nasceu 
uma das principais intelectuais do mo-
mento – a socióloga e professora Esther 
3OLANO�'ALLEGO��$E�ESTILO�l�RME�NAS�AR
gumentações e gentil na fala, Esther é in-
m�UENCIADORA�NO�UNIVERSO�DA�CIBERPOLÓTICA�e também dos movimentos sociais.
Esther rumou aos 19 anos para Madri. 
.A�CAPITAL��INICIOU�UMA�ASCENDENTE�TRAJE
tória acadêmica na Universidad Complu-
tense, tornando-se graduada, mestra e 
doutora em Ciências Sociais. A pesquisa-
dora parecia ter o destino traçado: embar-
car rumo ao nosso país. Aqui ela faria a 
sua história – e também a História, sendo 
pesquisadora e participante ativa dos mo-
vimentos que abalam o Brasil desde 2013. 
Lecionou na Universidade Federal de 
Uberlândia (UFU) e atualmente é profes-
sora de Relações Internacionais da Uni-
versidade Federal de São Paulo (Unifesp). 
Coautora de um livro sobre o movimento 
Black Bloc, Esther não foge à luta. Colo-
ca suas ideias sem rodeios ou teorizações 
inócuas. “Temer no Planalto, Gilmar no 
STF, Joesley em Nova York. 
Rafael Braga na cadeia”, escreveu 
certa vez no Facebook. Entrevista com-
pleta na edição 71 da revista 3OCIOLOGIA.
ESTHER SOLANO FALA SOBRE A DINÂMICA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL
www.portalespacodosaber.com.br
Em sala de aula: Discutir sobre uma escola sem partido pode?
Nova ordem 
urbana
A problemática 
das migrações 
na História 
e na atualidade
Tão irreal e 
verdadeiro
Os caminhos com 
que a narrativa 
fantástica permeia 
e constrói a 
realidade
As mudanças 
do PSB
Da esquerda 
democrática ao 
centro pragmático
Desenvolver 
e planejar 
a economia 
no Brasil
As tentativas 
de Lula e
Dilma sob um 
olhar teórico
O que é 
propriamente 
religioso?
Artigo debate 
necessidade de 
novas definições 
conceituais
Convivendo com a 
INCERTEZA
COMO AS CIÊNCIAS 
SOCIAIS LIDAM COM 
A IMPERMANÊNCIA 
DAS COISAS E SEUS 
DESDOBRAMENTOS 
EM NOSSO DIA A DIA
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6 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br
em campo 
INTELIGÊNCIA MÚLTIPLA
As habilidades cognitivas são positiva-
mente relacionadas, o que permite aos 
pesquisadores resumir as habilidades 
das pessoas em uma ampla gama de do-
mínios como um fator, conhecido como 
“g” ou “inteligência geral”. Em um novo 
estudo, cientistas comparam diferen-
tes explicações propostas para o fator 
“g” e, após testes com 785 adolescen-
tes, propõem que este ocorre de acordo 
com o desenvolvimento dos indivíduos, 
em um processo chamado de mutualis-
mo, no qual as habilidades cognitivas se 
ajudam ao longo do amadurecimento. 
Melhores habilidades de raciocínio, por 
exemplo, permitem que os indivíduos 
melhorem seu vocabulário com mais 
rapidez – e melhores vocabulários es-
tão associados a uma melhoria na capa-
cidade de raciocínio. O achado favore-
cerá novas pesquisas de novos metódos 
educacionais e a lida com diversos dis-
túrbios que possam afetar a “inteligên-
cia geral”.
PARA SABER MAIS
Rogier A. Kievit, Ulman Lindenberger, 
Ian M. Goodyer, Peter B. Jones, Peter 
Fonagy, Edward T. Bullmore, Raymond 
J. Dolan. Mutualistic coupling between 
vocabulary and reasoning supports cog-
nitive development during late adoles-
cence and early adulthood. Psychological 
Science, 2017; 095679761771078.
por Jussara Goyano
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S:
 1
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RF
LINGUAGEM
E PERFORMANCE
LÍNGUA ESTRANGEIRA INFLUENCIA 
TOMADA DE DECISÕES. MAS DE QUE FORMA? 
Um estudo da Universidade de Chicago com a participação de cientistas de 
DIFERENTES�NACIONALIDADES�FOI�ALÏM�DAS�PESQUISAS�ANTERIORES�QUE�VERIl�CARAM�COMO�
O�USO�DE�UMA�SEGUNDA�LÓNGUA�AFETA�A�NOSSA�COGNI¥ÎO��1UE�ISSO�INm�UENCIA�A�NOSSA�
tomada de decisões eles já sabiam. A atenção dos pesquisadores voltou-se, então, 
ao nosso desempenho emocional sob processamento do idioma estrangeiro em 
um momento de escolha. 
No experimento realizado, voluntários deveriam decidir se hipoteticamente ma-
tariam um indivíduo empurrando-o em frente de um trem para salvar outros cinco 
sujeitos, enquanto se comunicavam em sua língua nativa ou em um segundo idioma 
NO�QUAL�FOSSEM�m�UENTES��!QUELES�QUE�SE�COMUNICAVAM�EM�LÓNGUA�ESTRANGEIRA�SE�MOS
TRARAM�MUITO�MAIS�DISPOSTOS�A�SACRIl�CAR�APENAS�UM�DO�QUE�AQUELES�QUE�USARAM�SEU�
idioma nativo. Mais importante: eles não hesitaram em decidir por aquela morte.
A conclusão inicial foi a de que, frente a dilemas cruciais como esse, o uso da 
língua estrangeira favoreceria uma decisão mais utilitária. Como essa decisão se liga 
A�NOSSAS�EMO¥ÜES�E�ACABA�BENEl�CIANDO�UM�MAIOR�NÞMERO�DE�PESSOAS�EM�PROL�DA�
vida foi a grande questão a se investigar.
Na visão dos pesquisadores, porém, o que parecia ser uma escolha centrada 
meramente na lógica do bem comum poderia também ser o uso da língua afetando 
nossa capacidade de prever cenários de forma mais emocional, ou nossa deliberação 
baseada em tabus de nossa própria cultura, espécie de memória afetiva de certa for-
ma ligada a nossa língua nativa.
Os cientistas testaram, então, outras hipóteses para saber se a decisão toma-
da envolvia mesmo tal lógica ou outros pontos críticos. Voluntários bilíngues, 
escolhidos de maneira a criar a mesma combinação de idiomas frente às várias 
situações apresentadas, continuavam sempre tomando a decisão mais utilitária. 
Mas suas motivações não eram exatamente o bem geral, mostrando que uma 
maior propensão à quebra de tabus culturais (no caso, matar ou ferir alguém) era 
o que estava em jogo. 
Os voluntários eram favorecidos 
pelo uso de uma língua que os distan-
ciasse de suas raízes e dos valores cul-
turais ligados a esse tipo de situação, 
oferecendo o gatilho lógico e emocional 
que ocasionaria a decisão mais utilitária. 
Resta saber, agora, se tal esquema pre-
valece também em cenários reais.
PARA SABER MAIS
Sayuri Hayakawa, David Tannen-
baum, Albert Costa, Joanna D. Corey, 
Boaz Keysar. Thinking more or feeling 
less? Explaining the foreign-language 
effect on moral judgment. Psychological 
Science, 2017.
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psique ciência&vida 7www.portalespacodosaber.com.br
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DIFERENÇAS 
ENTRE GÊNEROS
MULHERES TÊM CÉREBROS MAIS 
ATIVOS QUE OS DOS HOMENS
-AIS� DE� ��� MIL� EXAMES� DE� INEUROIMAGENS� lZERAM�
parte de estudo publicado recentemente no Journal of 
Alzheimer’s Disease, mostrando que os cérebros das mu-
LHERES� SÎO� SIGNIlCATIVAMENTE� MAIS� ATIVOS� EM� MUITAS�
áreas do que os dos homens, especialmente no córtex 
pré-frontal, envolvido com foco e controle de impulsos, 
e na região límbica, ligada ao humor e à ansiedade. Os 
centros visuais e de coordenação do cérebro, no entanto, 
são mais ativos nos homens.
As imagens eram tanto de pacientes saudáveis como 
daqueles com trauma cerebral, distúrbios bipolares, do 
humor, esquizofrenia / distúrbios psicóticos e transtorno 
DE�DÏlCIT�DE�ATEN¥ÎO�E�HIPERATIVIDADE��4$!(	��5M�TOTAL�
de 128 regiões do cérebro foram analisadas sob a realiza-
ção de tarefas que exigiam concentração.
Compreender diferenças entre as atividades cerebrais 
de homens e mulheres lança luz a distúrbios que afetam 
os homens e as mulhe-
res de forma diferente. 
As mulheres têm taxas 
SIGNIlCATIVAMENTE�MAIS�
altas de Alzheimer, de-
pressão, e distúrbios de 
ansiedade, enquanto 
os homens têm mais 
TDAH e problemas re-
lacionados a conduta e 
encarceramento.
Segundo cientistas, 
OS�ACHADOS�EM�RELA¥ÎO�AO�AUMENTO�DO�mUXO�SANGUÓNEO�
do córtex pré-frontal nas mulheres podem explicar por 
que as mulheres tendem a apresentar maior empatia, in-
TUI¥ÎO��COLABORA¥ÎO�E�AUTOCONTROLE��/�AUMENTO�DO�mUXO�
sanguíneo nas áreas límbicas do cérebro das mulheres 
explicaria, em parte, por que elas são mais vulneráveis 
à ansiedade, depressão, insônia e distúrbios alimentares.
PARA SABER MAIS 
Daniel G. Amen,Manuel Trujillo, David Keator, De-
rek V. Taylor, Kristen Willeumier, Somayeh Meysami, 
Cyrus A. Raji. Gender-based cerebral perfusion differen-
ces in 46,034 functional neuroimaging scans. Journal of 
Alzheimer’s Disease, n. 1, 2017
AR
Q
UI
VO
 P
ES
SO
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Jussara Goyano é jornalista e coach certificada 
pelo Instituto de Psicologia Positiva (IPPC). 
Atua com foco em performance e bem-estar. 
Estudou Medicina Comportamental na Unifesp. 
E-mail: atendimento@jussaragoyano.com
DIETA CONTRA O 
ENVELHECIMENTO
INGERIR POUCAS CALORIAS 
GARANTE A MANUTENÇÃO 
DO RITMO CIRCADIANO E RETARDA 
O ENVELHECIMENTO EM RATOS
Comer menos e mais adequadamente parece ser receita de 
longevidade e juventude segundo pesquisa realizada com ratos 
e publicada recentemente na revista Cell. No estudo, conduzido 
por pesquisadores do Centro de Epigenética e Metabolismo da 
5NIVERSIDADE�DA�#ALIFØRNIA��O�MECANISMO�QUE�INmUENCIA�O�RITMO�
circadiano – ou o relógio biológico do corpo – é esmiuçado. É 
afetado pelo metabolismo da energia dentro das células, que, por 
sua vez, é afetado pelo o envelhecimento dos animais e pela dieta 
a que são submetidos.
A equipe envolvida testou um mesmo grupo de camundon-
gos aos 6 meses e aos 18 meses, extraindo amostras de tecido 
de seu fígado, órgão que atua como a interface entre nutrição e 
distribuição de energia no organismo. As células mais antigas 
PROCESSAVAM�A�ENERGIA�DE�FORMA�INElCIENTE�E�O�RITMO�CIRCADIANO�
do indivíduo era alterado.
No entanto, em um segundo grupo de ratos idosos que re-
ceberam uma dieta com 30% menos calorias por seis meses, o 
processamento de energia nas células não foi alterado. Segundo 
os cientistas envolvidos, a situação pode ser extrapolada para o 
organismo humano e deve guiar estudos adicionais envolvendo 
pessoas para corroborar tais achados em nível celular.
PARA SABER MAIS
Guiomar Solanas et al. Aged stem cells reprogram their daily 
rhythmic functions to adapt to stress. Cell, v. 170, n. 4, p. 678, 2017.
em_campo_paginaimpar.indd 7 25/08/2017 15:42:24
8 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br
Lucas Vasques é jornalista e colabora nesta publicação.
Tomás Bonomi e Bruno Espósito fazem parte de uma 
geração de psicanalistas da era pós-escolástica, ou seja, 
se dedicam a uma leitura rigorosa de Freud e de outros 
psicanalistas sem se prender a uma única linha teórica
Trajetórias semelhantes unem Tomás Bo-nomi e Bruno Espósito. Ambos, ao lado do colega Bruno Mangolini, comandam o conexoesclinicas.com.br. Logo na apresen-
TA¥ÎO�DO�BLOG��Ï�POSSÓVEL�OBSERVAR�A�DEl�NI¥ÎO�DO�TRA
balho por eles desenvolvido e um pouco da visão que 
têm sobre o universo da psique humana.
“A clínica é como a subjetividade, não pode ser 
apreendida isoladamente, ambas existem a partir 
de suas ligações, seus elos, nexos e sentidos. Além 
disso, são feitas através de uma inclinação a algo, 
de um debruçar-se interessado. Suas condições de 
apreensão ocorrem essencialmente nas intersec-
ções com o campo familiar, político, social, eco-
nômico e institucional. É entre essas forças que a 
clínica e a subjetividade se fazem, conectando os 
ELEMENTOS�DISPERSOS�E�CONl�GURANDO�UMA�ZONA�CO
MUM�v�#OM�ESSA�l�LOSOl�A�DE�ATUA¥ÎO��ELES�CRIARAM�
o blog, no intuito de estabelecer conexões com as 
pessoas que lidam com as variadas formas da sub-
jetividade humana. 
Bonomi é psicanalista, psicólogo formado na 
PUC-SP e acompanhante terapêutico. Mestre em 
Psicologia Clínica (PUC-SP), com capacitação em 
Psicoterapia no Instituto de Psiquiatria do Hospital 
das Clínicas. Atende crianças, adolescentes e adultos 
em consultório particular e faz parte da equipe de 
acompanhamento terapêutico do Instituto A Casa. 
Atuou por seis meses na Clínica Le Courtil, na Bélgi-
ca, junto a adolescentes com psicopatologias graves.
Espósito também é psicólogo formado na PUC-SP 
e especialista em Saúde Mental pelo Departamento de 
Medicina Preventiva e Social da Unicamp. Atuou no 
campo da saúde mental pública e privada, tratando de 
pacientes com transtorno mental grave e seus familia-
res, por meio de diferentes estratégias de atendimento 
(psicoterapia individual, grupos terapêuticos, terapia 
de família etc.). Psicanalista, formado pelo Institu-
to Sedes Sapientiae, atualmente atua em consultório 
particular, em especial com crianças, adolescentes e 
adultos, e como psicólogo no Centro de Referência da 
Infância e da Adolescência (Cria-Unifesp).
UMA NOVA
PROPOSTA
TOMÁS BONOMI E BRUNO ESPÓSITO
Por Lucas Vasques
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Bonomi e Espósito atuam 
como psicanalistas não só 
no setting do consultório, 
mas também em casos 
graves que necessitam de 
uma elasticidade da técnica
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10 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br
de maioria das pessoas) teria conhecimen-
to das leis e optaria ou não por obedecê-
-las, sabendo dos riscos que corre e, muitas 
vezes, acompanhados do sentimento de 
culpa. Dentro dessa estrutura haveria uma 
INl�NIDADE�DE�DINÊMICAS�DE�RELA¥ÎO�COM�A�
lei, desde aqueles que, para se organizar 
mentalmente, necessitam ter uma vida 
inteira baseada no seguimento de toda e 
qualquer lei, passando pelas pessoas que, 
PARA�SE�Al�RMAR��PRECISAM�IR�CONTRA�AS�LEIS��
ou até mesmo os indivíduos que tentam 
MODIl�CAR�AS�LEIS�AO�SEU�FAVOR��0ARA�,ACAN��
na estrutura perversa, a relação dos sujei-
tos com a lei residiria em uma dinâmica 
regida pela ótica do gozo. Tais indivíduos 
viveriam sobre a égide das leis, mas, con-
trariamente aos neuróticos, teriam prazer 
e não medo ou culpa ao transgredi-las. 
Aqui temos que tomar cuidado para não 
cairmos em formas simplistas, como dizer 
que na estrutura perversa os indivíduos se-
riam sujeitos sem caráter, “monstros sem 
coração”. Há uma grande complexidade 
nessa temática, e o que gostaria de dizer é 
que a forma como são vivenciados prazer 
e dor nesses indivíduos ainda levanta mui-
tos enigmas para diversas áreas do conhe-
cimento. Uma referência interessante para 
O�LEITOR�QUE�SE�INTERESSA�PELO�TEMA��O�l�L
me Ninfomaníaca, de Lars Von Trier (2013). 
Por último, queria falar um pouco sobre a 
estrutura psicótica. Aqui também residem 
grandes polêmicas no que concerne às 
relações com a lei, justamente pelo fato 
de que nesses casos uma concepção de 
lei mais ampla que estamos utilizando se 
confunde e se entranha com as leis jurí-
dicas stricto sensu. Nessa estrutura psíqui-
ca, quando alguém se encontra em um 
episódio psicótico, isto é, com vivências 
delirantes e alucinatórias, tal sujeito não 
compartilha da mesma realidade que to-
dos. Sendo assim, nesses casos a discussão 
sobre a noção de responsabilidade perante 
as leis torna-se muito difícil e complexa.
DO PONTO DE VISTA DA PSICANÁLISE, VOCÊ 
ACREDITA NA CHAMADA CONSTITUIÇÃO SUB-
JETIVA DO BEBÊ, NA QUAL O PAI É RESPONSÁ-
VEL POR UMA RUPTURA NA RELAÇÃO DUAL IMAG
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S:
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EM UM DE SEUS ARTIGOS, VOCÊ DIZ QUE NA 
PSICOLOGIA E NA PSICANÁLISE EXISTEM MUI-
TOS ESTUDOS QUE RELACIONAM AS CATEGO-
RIAS PSICOPATOLÓGICAS COM A LEI, COMO 
POR EXEMPLO A RELAÇÃO DA PERVERSÃO 
COM A TRANSGRESSÃO, OS ATOS TRANSGRES-
SIVOS NA ADOLESCÊNCIA E A IMPUTABILIDA-
DE DOS ESQUIZOFRÊNICOS DIANTE DA LEI. 
PODE DETALHAR MAIS ESSA RELAÇÃO?
BONOMI: Um dos pontos estruturantes da 
teoria psicanalítica refere-se à concep-
¥ÎO�DO�SUJEITO�COMO�UM�SER�EM�CONm�ITO��
Aliás, essa concepção de Freud rompeuradicalmente com o pensamento hege-
MÙNICO� DA� ÏPOCA� �l�M� DO� SÏCULO� 8)8� E�
COME¥O�DO�88	��QUE�CONCEBIA�O�INDIVÓDUO�
como fruto da razão na esteira da tradi-
ção iluminista. Mas do que se trata esse 
CONm�ITO��0ARA�&REUD��O� SER�HUMANO� TERIA�
em sua essência o imperativo de satisfazer 
todas as suas necessidades mais primi-
tivas, seria, grosso modo, um modelo de 
satisfação análogo ao dos animais. Para 
conseguir viver em sociedade, o ser hu-
mano teve que se organizar de maneira a 
encontrar alguma forma de artifício que 
mediasse as relações. As leis foram, por-
tanto, condição necessária para a existên-
cia da raça humana enquanto civilização 
e, como lei fundamental, Freud nomeia a 
INTERDI¥ÎO�AO�INCESTO��/�CONm�ITO�INERENTE�Ì�
espécie humana residiria entre a necessi-
dade que temos de realizar nossos desejos 
e as leis que nos impedem disso, mas que, 
sem elas, viveríamos em uma situação de 
As leis foram condição 
necessária para a 
existência da raça 
HUMANA��/�CONm�ITO�
residiria entre a 
necessidade que temos de 
realizar nossos desejos e 
as leis que nos impedem 
disso, mas que, sem elas, 
viveríamos em uma 
situação de barbárie 
barbárie – pré-civilizatória. A partir dessa 
ontogenia da espécie humana, a Psicaná-
lise irá se debruçar de diversas maneiras 
sobre as relações das leis com a subjetivi-
dade. Jacques Lacan foi um dos psicana-
listas que produziram os trabalhos mais 
expressivos sobre essa temática. Uma das 
maiores contribuições de Lacan refere-se 
à formulação de categorias psicopatológi-
cas a partir do referencial das estruturas 
psíquicas divididas em neurótica, perversa 
e psicótica. Para Lacan, uma das formas 
encontradas para diferenciar as estruturas 
psíquicas reside na relação que os sujeitos 
têm com a lei. O sujeito neurótico (a gran-
A primeira realização do bebê é a 
formação de uma unidade narcísica, 
o que faz com que ele consiga uma 
primeira distinção entre eu e o outro
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de fatores até a concretização de um qua-
dro de dependência. Digo moralista, pois, 
QUANDO�AlRMAMOS�QUE�UM�JOGO�POSSA�LEVAR�
a um caminho sem volta, estamos dando 
toda a potência a um objeto e excluindo a 
parte do indivíduo na questão. E não faltam 
DISCURSOS� E� NARRATIVAS� AlRMANDO� QUE� SE�
um adolescente joga muito um simulador 
de guerras ele será levado a comprar uma 
arma e sair atirando nas pessoas. Simples-
MENTE�NÎO�HÉ�NENHUMA�PESQUISA� CIENTÓl-
ca que comprove isso. Contudo, sabemos 
que um jovem que realmente joga diversas 
horas todos os dias, associado a quadros 
depressivos, em que suas relações inter-
pessoais são muito frágeis e/ou violentas, 
de modo que os jogos são sua única fonte 
de prazer e de contato afetivo, tal situação 
poderá gerar uma confusão entre o real e 
o virtual. São situações raras, mas existem. 
No entanto, ressalto mais uma vez que não 
foram os jogos, por si só, que causaram tal 
cenário. Um fenômeno mais comum diz 
respeito aos jovens que se refugiam de situ-
ações que lhes causam ansiedade e medo, 
jogando videogame ou navegando na inter-
net. Ao jogar, encontramos uma segurança 
que não temos na realidade. Não é raro en-
contrar adolescentes que preferem estar em 
CASA�JOGANDO�DO�QUE�ENFRENTAR�OS�DESAlOS�
que as relações sociais lhes impõem.
EM CONTRAPARTIDA, OS JOGOS PODEM FUN-
CIONAR COMO ESPAÇOS OPORTUNOS PARA O 
JOVEM “ENSAIAR” OS DESAFIOS QUE ENFREN-
TARÁ AO LONGO DA VIDA, ESTIMULAR SUA 
CRIATIVIDADE E ATÉ DESENVOLVER SUA CA-
PACIDADE DE COOPERAÇÃO?
BONOMI: Sim! Nos jogos, experimentamos 
emoções que, normalmente, não conhe-
cemos no dia a dia. Como nas brincadei-
ras de faz de conta, vivemos através de 
personagens (avatares) situações fantás-
ticas que podem estimular a criativida-
de. Algumas pesquisas feitas com jogos 
digitais apontam para um considerável 
desenvolvimento do pensamento através 
da solução de enigmas e a gestão de di-
versas tarefas ao mesmo tempo, além do 
estímulo do trabalho em grupo por meio 
dos modos multiplayer.
MÃE-BEBÊ, O QUE REPRESENTARIA A ORIGEM 
DO PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO DAS LEIS?
BONOMI: Para a Psicanálise, ao nascermos 
não chegamos ao mundo com uma uni-
dade do eu já constituída. Este seria um 
processo complexo que passaria por algu-
mas etapas. Em poucas palavras, diria que 
inicialmente há o momento em que o bebê 
não se percebe como um indivíduo, sendo 
assim sua mãe e/ou cuidador principal é 
vivenciado como sua extensão. A primeira 
realização do bebê seria o estabelecimento 
de uma unidade narcísica delimitada por 
seu corpo, assim conseguiria haver uma 
primeira distinção entre eu e o outro. Mes-
mo essa distinção tendo sido realizada, o 
bebê vivencia o mundo não mais como sua 
extensão, mas ainda como se fosse o centro 
de tudo. Para o bebê, sua mãe existiria ex-
clusivamente para a função de satisfazer os 
seus desejos, obedecendo à fórmula choro 
igual a leite. Nesse sentido é que o pai seria 
o responsável pela ruptura da relação dual 
MÎE
BEB��.A�VERDADE��PRElRO�PENSAR�EM�
uma função paterna, ou seja, qualquer que 
seja a pessoa que intercede nessa relação 
dual e imprima ao bebê uma primeira mar-
ca de interdição: sua mãe não existe só para 
você. Esse momento seria fundamental no 
desenvolvimento do psiquismo, quando o 
bebê passa a vivenciar limites/leis que lhe 
foram impostos de fora e passa a ter que 
lidar com o fato de que ele não é tudo para 
o outro. Nesse sentido, uma primeira de 
muitas experiências de castração.
OUTRO TEMA ABORDADO COM PROFUNDI-
DADE POR VOCÊ DENTRO DA PSICANÁLISE É 
A QUESTÃO DOS JOGOS ELETRÔNICOS E SEUS 
EFEITOS, ESPECIALMENTE ENTRE OS JOVENS. 
COMO RESUMIRIA O CONCEITO DE HIPER-
-REALIDADE, NO QUAL SÃO CRIADAS CÓPIAS 
PERFEITAS DE SITUAÇÕES E CONTEXTOS, QUE 
ACABAM SUBSTITUINDO A VIDA REAL?
BONOMI: O hiper-real diz respeito a uma 
realidade que seria mais do que o real. Ex-
plico-me: na hiper-realidade, com a ajuda 
da tecnologia, os espaços e objetos são neu-
rolinguisticamente programados de modo 
que você possa se sentir na vida tal como ela 
é, quando, na verdade, está imerso em uma 
ilusão. Daí ser uma característica própria 
desse conceito uma confusão entre real e 
imaginário. De acordo com Baudrillard, um 
dos teóricos mais importantes sobre essa te-
mática, a hiper-realidade diria respeito a um 
mundo cópia, um mundo do pragmatismo 
das coisas, um mundo sem ilusões. 
OS JOGOS ELETRÔNICOS, EM SEU ATUAL NÍ-
VEL DE DESENVOLVIMENTO, EXTRAEM CADA 
VEZ MAIS SEUS CENÁRIOS E SITUAÇÕES DA 
NOSSA PRÓPRIA VIDA COTIDIANA. MAS DE 
FORMA MAXIMIZADA, TENTANDO TORNAR 
ESSAS SITUAÇÕES MAIS “APETITOSAS” DO 
QUE A REALIDADE, PROVOCANDO UM EFEI-
TO DE SEDUÇÃO EM QUEM JOGA E ATÉ UM 
AFASTAMENTO DA REALIDADE. OS JOGOS DE 
HOJE PODEM LANÇAR OS JOGADORES EM UM 
CAMINHO SEM VOLTA DO HIPER-REAL? 
BONOMI: Não, os jogos por si só não têm 
a potência de lançar os jogadores em um 
caminho sem volta. Para mim, esse é um 
pensamento ingênuo ou um tanto moralis-
TA��3ERIA�O�MESMO�QUE�AlRMAR�QUE�O�ÉLCOOL�
e as drogas são causadores da dependência 
química e do alcoolismo, quando, na verda-
de, sabemos que tais fenômenos são bastan-
te complexos e que envolvem ampla gama IMA
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Para a Psicanálise, 
ao nascermos não 
chegamos ao mundo 
com uma unidade 
do eu já constituída. 
Este seria um processo 
complexo que passaria 
por algumas etapas. 
Inicialmente o bebê não 
se percebe como um 
indivíduo, sendo assim 
sua mãe é vivenciada 
como sua extensão
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O sujeito neurótico 
(a grande maioria 
das pessoas) teria 
conhecimento das leis 
e optaria ou não por 
obedecê-las,sabendo dos 
riscos que corre e, muitas 
vezes, acompanhados 
do sentimento de culpa
Para Lacan, na 
estrutura perversa, a 
relação dos sujeitos com a 
lei residiria na dinâmica 
regida pela ótica do gozo. 
Tais indivíduos viveriam 
sobre a égide das leis, 
mas, contrariamente 
aos neuróticos, teriam 
prazer e não medo 
ao transgredi-las
VOCÊ PODE CITAR EXEMPLOS CONCRETOS 
DE SITUAÇÕES COTIDIANAS EM QUE A HIPER-
-REALIDADE SE FAZ PRESENTE?
ESPÓSITO: Exemplos de hiper-realidade 
não faltam no mundo contemporâneo: a 
comida industrializada é vendida como a 
mais caseira do mundo, “igualzinha à da 
vovó”, mas nem sequer tem os ingredientes 
originais; os reality shows que aparentam 
mostrar cenas absolutamente cotidianas 
de uma família ou um grupo, embora essas 
pessoas sejam personagens milimetrica-
MENTE�PRODUZIDOS�E�MAQUIADOS��OS�l�LMES�
DA�INDÞSTRIA�PORNOGRÉl�CA��QUE�REPRODUZEM�
e exaltam a atividade sexual a ponto de o 
consumidor investir mais no simulacro do 
QUE�NO�SEXO�EM�SI��E�OS�PERl�S�DE�)NSTAGRAM�
das celebridades, mas também os das pes-
soas comuns seriam, a meu ver, o exemplo 
mais perfeito e atual do hiper-realismo.
O QUE PODE SER FEITO PARA EVITAR QUE O 
JOVEM SE APRISIONE NO HIPER-REAL E COMO 
PROCEDER CLINICAMENTE DEPOIS QUE ISSO 
ACONTECER? 
BONOMI: Não há uma fórmula dada sobre 
como prevenir os jovens desse “aprisiona-
mento no hiper-real”. Contudo, normal-
mente os jovens que manifestam esses 
SINTOMAS� APRESENTAM� GRAVES� DIl�CULDADES�
afetivas. No meio virtual encontram uma 
forma mais segura de viver, pois sentem-
-se oprimidos pelo contato direto com 
outras pessoas e pelos imperativos sociais, 
como ter que trabalhar, estudar, ter amigos 
e manter relações familiares. Já no meio 
virtual, podem desenvolver uma vida mais 
excitante e criativa, além de conseguirem 
conquistar feitos que não conseguiriam 
por outros meios, como por exemplo um 
relacionamento afetivo, ser reconhecido 
por um grupo de pessoas como um ótimo 
jogador, ser um youtuber e até mesmo ter 
sua vida curtida por diversas pessoas atra-
vés das redes sociais. Portanto, penso que 
uma forma de prevenção seria a de estimu-
lar e proporcionar situações e momentos 
em que as relações afetivas possam se de-
senvolver. Enquanto pais, temos a grande 
responsabilidade de não só estabelecer re-
LA¥ÜES�AFETIVAS�COM�NOSSOS�l�LHOS��QUE�LHES�
assegurem um mínimo de segurança nar-
císica, como também demonstrar o quanto 
podemos desfrutar de nossas próprias rela-
ções interpessoais. No que tange aos casos 
de jovens que já desenvolveram esse qua-
dro (lembrando aqui que estou falando de 
casos graves, os quais não se apresentam 
com tamanha frequência), acredito que a 
direção de tratamento sempre passará pelo 
desenvolvimento de uma relação transfe-
rencial com o terapeuta. Ao conseguirmos 
constituir uma relação mínima de empatia 
E�CONl�AN¥A��PENSO�QUE�ESSA�PROTO
RELA¥ÎO�
pode imprimir uma marca subjetiva única 
e originária no paciente. Digo única e ori-
ginária, pois, diante de uma falência subje-
tiva, em que toda a economia libidinal do 
sujeito está voltada ao virtual, o estabele-
cimento de um contato afetivo “ao vivo” 
tem a potência de produzir novas abertu-
ras e possibilidades de existência, ou seja, 
expandir o universo de ligações pulsionais, 
tornando esse psiquismo um pouco me-
nos repetitivo e preso às velhas relações 
objetais. Nesse sentido, é fundamental a 
presença de um terapeuta que acredite e 
reconheça que sim, há vida naquelas telas 
e que o sujeito em questão se encontra em 
intenso sofrimento. 
VOCÊ ACHA QUE A SUPEREXPOSIÇÃO DAS 
CRIANÇAS, AINDA NA PRIMEIRA INFÂNCIA, A 
TABLETS E COMPUTADORES PODE INFLUEN-
CIAR, DE FORMA SIGNIFICATIVA, EM UMA DE-
PENDÊNCIA VIRTUAL FUTURA?
BONOMI: !� PRINCÓPIO�� NÎO� POSSO� Al�RMAR�
isso, pois precisaremos ainda esperar mais 
alguns anos, talvez décadas, para po-
der mensurar os efeitos da exposição das 
crianças, ainda na primeira infância, a ta-
blets, celulares e computadores. De qual-
quer forma, é praticamente consenso entre 
OS� PROl�SSIONAIS� DA� SAÞDE� DE� QUE� HAVERIA�
malefícios – desenvolvimento de ansieda-
de e irritabilidade – em uma exposição a 
esses aparelhos numa idade anterior aos 
dois anos. Inclusive, é essa a recomendação 
da associação de pediatria, tanto dos EUA 
QUANTO�DO�"RASIL��0OSSO�Al�RMAR�QUE�UMA�
criança dessa idade perde muito ao trocar 
momentos de relações afetivas reais por 
momentos de lazer e distração diante da 
tela. No início da vida, as crianças apren-
dem, majoritariamente, através da imitação 
de seus cuidadores. Esse contato e a troca 
real de experiências são fundamentais para 
o desenvolvimento psíquico infantil. Logo, 
somente com uma idade mais avançada a 
criança tem capacidade de aprender algo 
com os aparelhos. Parece-me plausível a 
HIPØTESE�DE�QUE�CRIAN¥AS�QUE�l�ZERAM�MUI
to uso da tela nos momentos de espera, va-
zio e ócio – ocasiões às quais os pais nor-
malmente lançam mão dos gadgets – terão 
MAIS�DIl�CULDADES�EM�LIDAR�COM�SITUA¥ÜES� IMA
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de frustração, assim tornando-se pessoas 
mais irritáveis e ansiosas. Agora, me pare-
CE�PRECIPITADO�AlRMAR�QUE�ESSAS�SITUA¥ÜES�
levarão a uma dependência virtual futura. 
Temos que tomar cuidado ao julgar deter-
minados comportamentos: por exemplo, 
a forma pela qual usamos o celular, hoje, 
com certeza seria mal interpretada e quali-
lCADA�DEZ�ANOS�ATRÉS����
O FILÓSOFO E SOCIÓLOGO FRANCÊS JEAN 
BAUDRILLARD É CONSIDERADO O CRIADOR DO 
CONCEITO DA HIPER-REALIDADE. ELE DISSE 
CERTA VEZ O SEGUINTE: “NÃO VEJO O BRASIL 
COMO UM PAÍS HIPER-REAL. TALVEZ PORQUE 
O BRASIL NÃO POSSA PASSAR PELO PRINCÍPIO 
DE REALIDADE. PORTANTO, SE ELE AINDA 
NÃO PASSOU PELA REALIDADE, NÃO PODE SE 
TORNAR HIPER-REAL, PORQUE O HIPER-REAL 
É MAIS QUE O REAL, UM TIPO DE CONFUSÃO 
ENTRE O REAL E O IMAGINÁRIO”. COMO VOCÊ 
OBSERVA E ANALISA ESSA AFIRMAÇÃO?
BONOMI: Ao fazer essa observação, 
Baudrillard explica que antes de pensar o 
Brasil como hiper-real: “O Brasil está mais 
próximo do jogo da ilusão, da sedução des-
sa relação dual, mas confusa... E que não 
há essa forma de abstração que é a hiper-
REALIDADE���� %NlM�� ESSA� FORMA� DE� TRANS-
mutação no vazio, de perda de substância, 
de referência, de perda de tudo isso”. Para 
O�lLØSOFO��A�CULTURA�E�O�MODO�DE�VIDA�DOS�
brasileiros estariam bastante calcados em 
elementos simbólicos, tais como a dança, o 
jogo, os cultos, a música e na forma como 
os brasileiros habitam seus corpos. A par-
TIR�DESSES�ELEMENTOS��"AUDRILLARD�CLASSIlCA�
o Brasil como o “império das ilusões”, no 
SENTIDO�AlRMATIVO�DO�TERMO��COMO�SE�AIN-
da houvesse um espaço subjetivo que não 
estivesse inteiramente subjugado à ma-
terialidade das coisas. Característica esta 
que seria encontrada com maior facilidade 
nos países hiper-industrializados, como 
OS� %5!�� !CREDITO� QUE� TAL� AlRMA¥ÎO� FOI�
feita no contexto da Eco-92 (Conferência 
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente 
e Desenvolvimento). De lá para cá, posso 
dizer que vivemos outra realidade no âm-
bito do desenvolvimento da internet e dos 
aparelhos eletrônicos. Ou seja, as diferen-
por exemplo, aproximando quem está dis-
tante, favorecendo articulações políticas e 
comunitárias, permitindo expressões cria-
tivas e singulares das pessoas. Por outro 
lado, essa potência virtual pode ser usada 
– e frequentemente o é – como espaço de 
compensações sintomáticase defensivas de 
quem navega. Na internet, temos um vasto 
espaço de procrastinação, de escusas para 
não encontrar alguém de carne e osso, de 
expressão da agressividade mais primitiva 
através da proteção do anonimato, ou mes-
mo de moldar o mundo à nossa maneira, 
EM�TESE�hDRIBLANDOv�O�CONmITO�QUE��VIVER�
em um mundo de diferenças, pois nas redes 
VOC�PODE�lLTRAR�AQUILO�QUE�V��1UANTO�A�
isso, pelo menos por enquanto, não há solu-
ção possível dentro da própria internet, ou 
seja, a pessoa precisará de alguma forma 
trabalhar suas questões e, por consequên-
cia, repensar seu uso do mundo virtual. 
QUAL A SUA VISÃO, COMO ESPECIALISTA, SO-
BRE AS RELAÇÕES FORMADAS NA ATUALIDA-
DE POR SITES E APPS? ESTAMOS MESMO EM 
UMA TRANSIÇÃO IMPORTANTE DE NOVA CUL-
TURA DE COMPORTAMENTO?
BONOMI: Penso que os sites de relaciona-
mento e os apps ajudam a propiciar no-
vos encontros. Temos desde a chance de 
conhecer pessoas do mundo inteiro, que 
compartilham de nossos interesses, até 
mesmo a possibilidade de encontrar com 
IM
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ças citadas acima, que Baudrillard via entre 
OS� PAÓSES�� A�MEU� VER�� DIMINUÓRAM� SIGNIl-
cativamente, muito porque as formas de 
aplicação da hiper-realidade parecem ter 
se desenvolvido e se disseminado mundo 
afora. Acho interessante a ideia da cultura 
brasileira como portadora de algo do pri-
mitivo, que ainda não foi completamente 
DOMESTICADO� E�MASSIlCADO�PELO� CAPITALIS-
mo moderno, desde que esse primitivo não 
seja visto a partir da dicotomia civilização 
x barbárie. Porém, talvez por ter vivido mi-
nha vida inteira em uma megalópole como 
3ÎO�0AULO��TENHO�DIlCULDADES�EM�ENXERGAR�
ESSA� TAMANHA� DIFEREN¥A� PROPOSTA� PELO� l-
lósofo entre a cultura brasileira e a cultura 
dos centros urbanos do hemisfério Norte.
DESDE A DÉCADA DE 1990, QUANDO A INTER-
NET ERA RESTRITA A UMA MINORIA, A DIVI-
SÃO DO MUNDO EM REAL E VIRTUAL JÁ ERA 
TEMA DE TEXTOS DE BAUDRILLARD. ANTES 
MESMO DA POPULARIZAÇÃO DA REDE E DE 
SUAS FERRAMENTAS MAIS INTERATIVAS, COMO 
AS REDES SOCIAIS, O AUTOR JÁ IMAGINAVA 
AS CONSEQUÊNCIAS QUE ESSA MIGRAÇÃO 
PARA O ON-LINE ACARRETARIA NA VIDA DAS 
PESSOAS. DE QUE FORMA VOCÊ COMPREEN-
DE ESSA MIGRAÇÃO E QUAIS OS EFEITOS NO 
COMPORTAMENTO PSICOLÓGICO DAS PESSOAS?
ESPÓSITO: !�INTERNET�E�MAIS�ESPECIlCAMEN-
te as redes sociais podem potencializar e 
acelerar diversas aptidões humanas, como, 
Uma criança perde muito ao trocar 
momentos de relações afetivas reais 
por momentos de lazer e distração 
diante da tela de um tablet ou celular
entrevista.indd 13 25/08/2017 15:15:39
14 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.brNAS BANCAS!
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Nos jogos, 
experimentamos emoções 
que, normalmente, 
não conhecemos no 
dia a dia. Como nas 
brincadeiras de faz de 
conta, vivemos através 
de personagens 
(avatares) situações 
fantásticas que podem 
estimular a criatividade
poucos cliques um parceiro(a) sexual a 
poucos metros de casa. Contudo, não ne-
cessariamente são encontros com grande 
profundidade afetiva. Existe, sim, a possibi-
lidade de encontrarmos “o amor de nossas 
vidas” ou grandes amigos via internet, mas 
essa não é a regra. Apesar de enxergar na 
cultura atual de comportamento formas 
mais fugazes de relação, encontros que se 
encerram em si mesmo, não penso que as 
RELA¥ÜES�HUMANAS� SE�MODIl�CARAM�DRASTI
camente com o advento dessas tecnolo-
gias. Acho complicado concluir o que quer 
que seja sobre esse assunto, pois as mudan-
ças são extremamente velozes; é prová-
vel que em pouco tempo toda e qualquer 
relação seja moldada e intermediada pela 
tecnologia. Contudo, o que ainda vejo no 
CONSULTØRIO�SÎO�PESSOAS�QUE�TÐM�DIl�CULDA
de em construir relações e sofrem pela falta 
do “olho no olho”.
SEU BLOG CITA UMA PESQUISA REALIZADA 
PELA UNIVERSIDADE DE HARVARD, QUE 
EXAMINA DO QUE DEPENDEM A SAÚDE E A 
FELICIDADE. PODE DETALHAR OS RESULTA-
DOS DESSE ESTUDO?
ESPÓSITO: Os resultados da pesquisa apon-
tam que a força e a qualidade dos relacio-
namentos interpessoais levam a uma vida 
mais saudável e feliz. A solidão é nociva à 
saúde mental e física dos seres humanos, 
assim como relacionamentos frios ou ex-
SOB A ÓTICA DA PSICANÁLISE, COMO PODE 
SER DEFINIDA A FELICIDADE? ELA É UMA OU 
VÁRIAS, DEPENDENDO DE COMO AS PESSOAS A 
OLHAM E MANTÊM EXPECTATIVAS SOBRE ELA?
ESPÓSITO: A felicidade é um estado, não é 
algo perene. Ao longo de uma vida, você 
passa por momentos em que se sente feliz, 
mas são momentos de relance, passageiros, 
pois nossa condição de ser desejante e de 
CONm�ITO� IMEDIATAMENTE� JÉ�NOS� LAN¥A�A�UM�
NOVO�DESAl�O�OU�A�UMA�NOVA�FORMA�DE�VER�
a situação. Em nossa cultura, existe uma 
exigência de perseguição a uma suposta 
felicidade, mas esta poderia ser representa-
da como uma miragem: você a avista, mas 
quando a alcança, não era nada daquilo 
que vislumbrou. Por isso, nos remetemos 
Ì� PESQUISA� DE� (ARVARD�� SEU� ÐXITO� PROl�S
SIONAL�E�l�NANCEIRO�NÎO� REPRESENTA�NENHU
ma garantia de felicidade, e nesse sentido 
mais vale estar atento às formas de amar 
e se relacionar. Ao invés de vislumbrar a 
FELICIDADE�COMO�UM�l�M��UMA�META�A�SER�AL
cançada, é fundamental atentar ao meio, ao 
PROCESSO��!�DISPOSI¥ÎO�DE�ENCARAR�DESAl�OS��
de experimentar sensações novas, o humor 
ou mesmo a capacidade de enxergar a po-
sitividade existente, mesmo em momentos 
difíceis pelos quais passamos, são alguns 
dos indícios de que nossa energia psíquica 
ESTÉ�m�UINDO��APTA�A�CONEXÜES�E�RECONEXÜES��
CONl�GURANDO�UMA� SITUA¥ÎO�DE�DISPOSI¥ÎO�
ao bem-estar ou à felicidade. 
cessivamente conturbados. Em suma, es-
tar ligado amorosamente a um parceiro, 
amigos próximos e/ou familiares tendem 
A�INm�UENCIAR�NOS�ESTADOS�DE�SATISFA¥ÎO�E�FE
licidade, bem como no enfrentamento de 
adversidades ao longo da vida. É interes-
sante que, como essa pesquisa dá tempo 
ao tempo, um fenômeno subjetivo como 
o amor se destaca como fator decisivo na 
qualidade de vida, frente a tantos outros 
índices que foram avaliados: condições fí-
sicas, carga genética, desempenho econô-
mico e laboral. IMA
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PARA SE CHEGAR PELO MENOS A UM CERTO 
GRAU DE FELICIDADE, DIZEM ESPECIALIS-
TAS, É NECESSÁRIO MANTER QUALIDADE 
NAS RELAÇÕES AFETIVAS, OU SEJA, É FUN-
DAMENTAL MANTER RELACIONAMENTOS 
SÓLIDOS E CONSISTENTES. ENTRETANTO, 
O SER HUMANO ESBARRA O TEMPO TODO 
EM DIFICULDADES QUE EXIGEM SUSTENTAR 
ESSES RELACIONAMENTOS. COMO SUPERAR 
ESSAS DIFICULDADES? 
ESPÓSITO: Esse é o ponto: nossa disposi-
ção ao bem-estar e à felicidade depende 
de uma situação muito elementar, que 
está na base da condição humana, que é a 
consistência das relações afetivas. Somos, 
das complicações do analisando, no que 
DIZ�RESPEITO��mUIDEZ�DE�SUA�LIBIDO�E�A�SEU�
POSICIONAMENTO�DIANTE�DO�CONmITO�n�CON-
dição inerente ao ser social. A possibilida-
de de pensar junto esses bloqueios, o que 
já é uma forma de ligação afetiva, pode 
devolver parte da liberdade psíquica ne-
cessária para “estar mais inteiro” nas rela-
ções sociais, especialmente amorosas. 
AS REDES SOCIAIS SÃO CONHECIDAS COMO 
O TERRENO DA FELICIDADE. COMO VÊ ESSA 
EXPOSIÇÃO E ATÉ QUE PONTO ESSA FANTASIA 
CONTRIBUI PARA O EFEITO INVERSO? 
ESPÓSITO: As redes sociais motivam uma 
exigência de “estar feliz o tempo inteiro”, 
que não condiz em absoluto com nos-
sa realidade cotidiana. A contrapartida 
desse ideal que se persegue e nunca se al-
cança é justamente uma autocrítica feroz, 
como se houvesse algo de muito errado 
consigo próprio, que impedisse deal-
cançar essa tal felicidade. Além do sofri-
mento oriundo dessa tendência autoacu-
satória, alimenta-se o sentimento de não 
pertencer a esse “grupo social das pessoas 
felizes”, que sequer existe a não ser como, 
VOC�BEM�DElNIU��UMA�FANTASIA��#OM�ISSO��
pode haver um recolhimento progressivo 
até um estado que, frequentemente, se no-
meia como depressão. No limite, a rede 
social acaba por desconectar o sujeito, o 
que é a antítese de sua proposta. IMA
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Na internet, há espaço de agressividade através da proteção do anonimato, ou mesmo de moldar o mundo 
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portanto, necessariamente dependentes 
do outro para extrair qualquer tipo de pra-
zer, mesmo no contexto de algum projeto 
profundamente pessoal. Ainda assim, o 
relacionar-se – em especial de maneira in-
TENSA�n��UM�DOS�MAIORES�DESAlOS�QUE�EN-
frentamos ao longo da vida, muitas vezes 
motivando um sofrimento que pode levar 
à ruptura e ao isolamento. A Psicanálise 
é uma das estratégias presentes em nos-
sa cultura para cuidar justamente disso, 
criando ou resgatando aquilo que Freud 
denominou como “a capacidade de amar 
e trabalhar”. A relação transferencial com 
o analista permite que advenham muitas 
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O conforto de ser 
COMPREENDIDO
in foco por Michele Müller
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O RESPEITO OFERECE O SUPORTE SOCIAL NECESSÁRIO PARA 
SERMOS LIVRES. MAS É A COMPREENSÃO QUE NOS RESGATA 
DA SOLIDÃO E NUTRE O SENTIMENTO DE PERTENCIMENTO 
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entir-se compreendido é di-
ferente de se sentir respei-
tado. Respeito está entre os 
deveres, entre o que deve 
ser aprendido, ensinado e exercitado 
pela autoridade racional que contro-
la as reações. A compreensão não se 
impõe: surge das estruturas geral-
mente escondidas nas profundidades 
do inconsciente; da disposição de se 
desprender dos conceitos e def ini-
ções que moldam o ego enquanto se 
oferecem ao outro, de forma genero-
sa, tempo e atenção.
Identif icar aquele que compreen-
de é também uma capacidade que es-
capa das análises do intelecto. Exige, 
da mesma forma, tempo, atenção e 
entrega: só nos sentimos compreendi-
dos quando nos mostramos por intei-
ro, sem o desgaste de sustentar o que 
planejamos ser. Nos sentimos com-
preendidos quando temos a coragem 
de revelar as fraquezas para descobrir 
que, ref letidas no outro, elas parecem 
menores e menos estranhas.
O respeito oferece o suporte so-
cial necessário para sermos livres. 
Mas só a compreensão, encontrada 
nesses espaços entre nosso ideal e 
nossas falhas, nos resgata da solidão, 
possibilitando conexões mais gratif i-
cantes. E solidão não signif ica estar 
sozinho – uma condição fundamental 
para se chegar ao nível de introspec-
ção necessário para o autoconheci-
mento e capacidade de sustentar rela-
cionamentos saudáveis. Signif ica não 
se sentir compreendido, não perten-
cer, estar desconectado de um mundo 
visto a partir de uma perspectiva em 
que ele se apresenta pouco acolhedor.
Essa solidão pode ser necessária 
em uma certa dose, para que nos f i-
que evidente a necessidade de apri-
morarmos as relações. Mas pode ser 
também a fonte dos estados depres-
sivos mais devastadores e de diversos 
problemas de saúde. Segundo pesqui-
sa recente publicada no Perspectives 
on Psychological Science, o isolamento 
social, seja real ou percebido subjeti-
vamente, aumenta em 29% a chance 
de mortalidade precoce. A distorção 
da realidade provocada pelo isola-
mento nos leva a interpretar muitas 
reações alheias como rejeição, o que 
torna dif ícil a quebra desse ciclo.
Mas se nos permitirmos correr 
riscos é possível descobrir que, de 
uma forma tão antagônica como 
qualquer grande verdade, é justa-
mente nesses momentos de maior 
vulnerabilidade que as mais valiosas 
relações de amizade se constroem 
ou fortalecem. 
O escritor irlandês John O’Donohue, 
em seu livro The Book Of Love, lem-
bra que a amizade verdadeira é a “que 
melhor ref lete a tua alma”, aquela 
que traz o conforto da compreensão, 
uma das formas que o amor assume. 
“Quando você se sente compreendi-
do, você está em casa. A compreen-
são nutre o sentimento de perten-
cimento. (…). O amor é a única luz 
que pode ler verdadeiramente a as-
sinatura secreta da individualidade 
do outro.” Talvez a mais vital forma 
de conexão, justamente por oferecer 
compreensão, a amizade pode não 
ganhar o valor que merece em um 
mundo que, cada vez mais, cultua as 
manifestações românticas do amor e 
amplia a def inição da palavra amigo 
para muito além das relações signif i-
cativas e engrandecedoras.
Para o escritor Andrew Sullivan, 
em Love Undetectable: Notes on 
Friendship, Sex and Survival , essa es-
pécie de negligência da nossa cultu-
ra com relação à amizade, a falha no 
reconhecimento desse vínculo como 
instituição social crítica e como 
experiência moral enobrecedora, 
possivelmente se dá pelo fato de se 
desenrolar, quase sempre, de forma 
silenciosa e gradativa. Silêncio que 
se quebra quando sofremos a perda 
inesperada de um amigo. “Quando 
somos forçados a pensar sobre aqui-
lo o que realmente importa é que co-
meçamos a considerar o que a ami-
zade signif ica de verdade”, escreve.
Assim como nas relações român-
ticas, esperar que um amigo com-
preenda todos os lados da nossa in-
dividualidade é sustentar a amizade 
sobre a delicada balança que traz a 
expectativa de um lado e a frustra-
ção do outro – um equilíbrio que de-
pende mais do nosso próprio amadu-
recimento que dos acontecimentos 
externos. A vantagem da amizade é 
que ela se distribui livre e levemente 
entre cada pessoa que, em determi-
nados momentos e situações da vida, 
nos enxerga como realmente somos. 
Quando damos a esse amor o valor 
que ele merece, temos sempre um 
amigo que nos revela, sem precisar 
declarar, que explicações são desne-
cessárias: ele compreende.
Michele Müller é jornalista, pesquisadora, especialista em Neurociências, 
Neuropsicologia Educacional e Ciências da Educação. Pesquisa e aplica 
estratégias para o desenvolvimento da linguagem. Seus projetos e textos 
estão reunidos no site www.michelemuller.com.br
RESPEITO ESTÁ 
ENTRE O QUE DEVE 
SER APRENDIDO, 
ENQUANTO A 
COMPREENSÃO, 
ENCONTRADA NOS 
ESPAÇOS ENTRE 
NOSSO IDEAL E 
NOSSAS FALHAS, 
POSSIBILITA CONEXÕES 
GRATIFICANTES 
NATURAIS
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psicopositiva por Lilian Graziano
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riavam da chamada inteligência linguís-
tica à (pasmem!) naturalística, na qual 
inteligente seria o indivíduo capaz de re-
CONHECER�E�VALORIZAR�A�m�ORA�E�A�FAUNA��*�
nos anos 90, com a teoria da inteligência 
emocional (IE), a conciliação entre razão 
e emoção passa a ser vista como uma va-
liosa maneira de tornar o indivíduo um 
ser competente do ponto de vista social, 
as características das ciências humanas. 
0OR� EXEMPLO�� POUCOS� TEMAS� FORAM�MAIS�
controvertidos na Psicologia do que o 
da inteligência. Por décadas considera-
da como oexato sinônimo do raciocínio 
LØGICO
MATEMÉTICO� �LEIA
SE� 1)	�� A� INTE
ligência passou a ser explicada, a partir 
dos anos 80, por meio de capacidades 
distintas (inteligências múltiplas) que va-
15%34)/.!$/2��#2°4)#/�
%�#/-�6/#!"5,£2)/�%,!"/2!$/��
5-�35*%)4/�).4%,)'%.4%��.§/��
42!4!
3%�!0%.!3�$%�5-�
#(!4/�-%3-/å
A 
Psicologia é múltipla por natu-
reza. Engana-se quem atribui 
tal característica apenas em 
FUN¥ÎO� DE� SUAS� CENTENAS� DE�
LINHAS� TEØRICAS�� .OSSA� CIÐNCIA� TAMBÏM�
DISPÜE�DE�VÉRIAS�TEORIAS�SOBRE�MOTIVA¥ÎO��
liderança e até mesmo sobre personali-
DADE��O�QUE�PODE�SER�DIFÓCIL�DE�COMPRE
ender para alguém não acostumado com 
A glamourização
da CHATICE
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psique ciência&vida 19www.portalespacodosaber.com.br
Lilian Graziano é psicóloga e doutora em Psicologia pela USP, com curso de extensão 
em Virtudes e Forças Pessoais pelo VIA Institute on Character, EUA. É professora 
universitária e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento, 
onde oferece atendimento clínico, consultoria empresarial e cursos na área. 
graziano@psicologiapositiva.com.br
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sendo reconhecida como a “verdadeira e 
mais importante” das inteligências, uma 
vez que, de acordo com as pesquisas de 
3ALOVEY�E�-AYER��PAIS�DO�CONCEITO�DE�)%��
tal inteligência seria capaz de sobrepujar 
AT�MESMO�O�TRADICIONAL�1)�QUANDO�O�AS
SUNTO�ERA�A�PREVISÎO�DO�SUCESSO�PROl�SSIO
nal das pessoas. 
-AS�SE�� COMO�VIMOS�� AT�MESMO�NO�
MEIO� CIENTÓl�CO� A� INTELIGÐNCIA� PODE� SER�
VISTA� DE� MANEIRAS� DIFERENTES�� PODE
SE�
IMAGINAR�A�CONFUSÎO�QUE�O�TEMA�DESPER
ta junto ao chamado senso comum. Em 
outras palavras, a “inteligência” das ruas 
talvez não seja tão “inteligente” quanto 
SE�PODERIA�SUPOR��4ALVEZ�SEJA�POR�ISSO�QUE�
PROLIFERAM�OS�TIPOS�QUE�COSTUMO�CHAMAR�
DE� hPSEUDOINTELIGENTESv�� !� VARIEDADE� DE�
PSEUDOINTELIGENTES�Ï�QUASE�ILIMITADA��.ÎO�
H� COMO� DISTINGUI
LOS� DOS� VERDADEIRA
MENTE�INTELIGENTES�POR�SUAS�CORES��FORMAS�
OU� MESMO� IDADES�� /� HABITAT� DO� PSEU
dointeligente também é variado. E o que 
é pior, paradoxalmente, eles abundam até 
mesmo nos meios acadêmicos (onde es-
tranhamente podem se tornar contagio-
SOS	��.ÎO�HÉ� TAMBÏM�DETERMINADA�ÏPO
ca do ano em que os pseudointeligentes 
PROLIFERAM��EMBORA�SEJA�COMPROVADO�QUE�
/�(!")4!4�$/�
03%5$/
).4%,)'%.4%�
¡�6!2)!$/��%�
/�15%�¡�0)/2��
0!2!$/8!,-%.4%��
%,%3�!"5.$!-�!4¡�
-%3-/�./3�-%)/3�
!#!$º-)#/3��/.$%�
%342!.(!-%.4%�
0/$%-�3%�4/2.!2�
#/.4!')/3/3
em tempos de politicamente correto eles 
se multipliquem com espantosa rapidez.
!S� CARACTERÓSTICAS� ACIMA� MENCIONA
DAS�PODEM�TORNAR�BASTANTE�DESAl�ADORA�A�
TAREFA�DE� IDENTIl�CARMOS�UM�PSEUDOINTE
LIGENTE�� 0ORÏM�� HÉ� DE� SE� CONSIDERAR� QUE�
O� MAIOR� DESAl�O� DESSA� TAREFA� CONSISTE�
JUSTAMENTE�NO�FATO�DE�HAVER�CERTAS�SEME
lhanças entre tal espécime e as pessoas 
de inteligência genuína. 
!LÏM� DE� UM� DISCURSO� ELABORADO�� NA�
medida em que muitas vezes a capaci-
DADE� DE� FAZER� PERGUNTAS� DESCREVE� ME
lhor a inteligência do que a prontidão 
para respondê-las, é compreensível que 
algumas características humanas, como 
a capacidade crítica e o chamado espí-
rito questionador, sejam vistas como si-
nônimos de inteligência, o que até certo 
PONTO� FAZ� TODO� SENTIDO��-AS� APENAS� AT�
CERTO�PONTO��!�SUPERVALORIZA¥ÎO�DA�CRÓTI
ca e do espírito questionador pode levar 
a nada mais do que a glamourização não 
da inteligência, mas de algo bem menos 
SOl�STICADO�QUE�ISSO��A�MAIS�PROSAICA�DAS�
CHATICES�� )SSO�� AO� LADO� DO� QUE� J� DISCUTI�
nesta coluna e a que chamo de glamou-
rização da tristeza (que explico como 
HERAN¥A� BYRONIANA	�� ESTARIA� POR� REFOR¥AR�
o comportamento de hordas de sujeitos 
chatos e depressivos, exatamente aque-
les a quem chamo de pseudointeligentes, 
que continuarão a existir enquanto hou-
VER�PESSOAS�QUE�ACREDITAM�QUE�A�FELICIDA
de é uma bênção dos mansos, daqueles 
que pensam menos, que criticam menos e 
que, portanto, teriam menos a contribuir 
COM�A�SOCIEDADE��#OMO�SE�O�MAU�HUMOR�
FOSSE�UMA�VANTAGEM�EVOLUTIVA��COMO�SE�O�
OTIMISMO�NÎO�FOSSE�TAMBÏM�RESULTADO�DE�
UMA�PROFUNDA�ANÉLISE�CRÓTICA�ACERCA�DAS�
POSSIBILIDADES�DE�ÐXITO��#OMO�SE�O�MUN
DO�FOSSE�OU�BRANCO�OU�PRETO��E�NÎO�UMA�
COLE¥ÎO�DE�POSSIBILIDADES�QUASE�INl�NITAS�
de cinzas... e de azuis, é claro!
NAS BANCAS 
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psicopedagogia por Maria Irene Maluf
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A inteligência é construída pela riqueza de estímulos que a criança recebe no dia a dia, pela afetividade, atenção, in-
teração e envolvimento de seus pais, 
assim como pelo seu tempo organizado 
com atividades adequadas, qualitativa e 
quantitativamente à idade, por normas 
de comportamento claramente estabele-
cidas, por rotinas e limites que desenvol-
vem as noções de hierarquia e lhe dão 
segurança e autoestima. 
O cérebro humano tem inegável 
superioridade no quesito de conceber e 
utilizar ferramentas. Como inicialmente 
não éramos providos de grande veloci-
dade para a caça, depois das ferramen-
tas, que nos permitiram extrair vegetais, 
construímos os primeiros instrumentos 
PARA�SUPRIR�ESSA�DIl�CULDADE�E�PODERMOS�
obter carne através da caça. Passamos 
para uma alimentação rica em proteí-
nas, especialmente a cozida, que promo-
veu um extraordinário desenvolvimento 
de nosso cérebro, e o homem criou en-
tão a sua ferramenta mais espetacular: 
a linguagem falada, que impulsionou a 
transmissão dos conhecimentos, inclusi-
ve mais tarde, na forma escrita.
Ferramentas nos fazem progredir 
também em educação. Mas é preciso pon-
derações. É comum vermos nas revistas, 
na internet, na TV muitos artigos e pro-
to com as experiências vivenciadas no 
meio ambiente, desenvolve cada criança 
cognitiva, social, biológica e emocional-
MENTE�� CONSTRUINDO� UMA� CONl�GURA¥ÎO�
COMPORTAMENTAL�QUE�DIl�CILMENTE�PODE
R�SER�MODIl�CADA�MAIS�TARDE��
Como cada cultura e cada família 
têm uma forma diferente de vivenciar 
essas questões e um tipo distinto de am-
bição educacional, o leque da diversida-
de, já imenso frente às questões biológi-
cas e emocionais, se multiplica. Por essa 
razão, os mais importantes aconselha-
MENTOS� PROl�SSIONAIS�� REGRAS� E� NORMAS��
que em tese foram pensados para favore-
cer a educação das crianças, não devem 
ser tomados como uma bula de remédio 
que cura qualquer doença, porque isso 
não funciona dessa forma. 
As peculiaridades do ser humano pas-
sam pela genética, pelos aspectos cultu-
rais trazidos pela origem da família, pelo 
MOMENTO�AFETIVO��SOCIAL��l�NANCEIRO��CULTU
ral, por condições de saúde física e mental, 
que delimitam características e determi-
nam necessidades diferenciadas de com-
preensão e de ações educativas, principal-
mente nos primeiros cinco anos de vida. 
Se assim não fosse, gêmeos seriam exa-
tamente iguais, e todos sabemos que não 
é assim: o contato e a troca com o meio 
e a maneira como cada qual recebe essa 
INm�UÐNCIA�VIVENCIADA�NAS�EXPERIÐNCIAS�DE�
gramas com aconselhamentos sobre edu-
cação infantil, quase todos interessantes a 
um tipo de público em particular: os pais.
É grande o mérito desse trabalho, 
que ajuda muitas famílias, alertando-as 
e orientando-as quanto à forma como 
CONDUZEM�A�CRIA¥ÎO�DE�SEUS�l�LHOS��SUB
sidiando nesse assunto tão importante 
quanto delicado.
1UANDO�ESCRITOS�POR�PROl�SSIONAIS�SÏrios, experientes, com anos de estudo e 
prática na área, constituem material de 
inegável utilidade e valor. São verdadeiras 
ferramentas, pois, em linguagem acessí-
vel, traduzem e levam para a experiência 
do dia a dia intrincadas teorias e resulta-
DOS�DE�PESQUISAS�CIENTÓl�CAS�NAS�ÉREAS�DA�
educação, da Psicologia, entre outras. Por 
isso, podem e devem ser ouvidas, lidas e 
aproveitadas. Mas essas orientações feitas 
de modo genérico jamais eliminam a ne-
CESSIDADE�DE�UMA�REm�EXÎO�E�ADEQUA¥ÎO�Ì�
realidade de cada família e cada criança. 
%�NEM�DA�BUSCA�DE�UM�PROl�SSIONAL��QUAN
do as dúvidas dos familiares impõem si-
TUA¥ÜES�CADA�VEZ�MAIS�CONm�ITUOSAS�
A máxima “cada caso é um caso” se 
aplica perfeitamente bem à educação, 
dada a singularidade do ser humano, 
desde o momento de seu nascimento 
– senão antes – e durante os primeiros 
anos. É no início da vida que todo apa-
rato genético e neurológico, em conta-
PESQUISAS RECONHECIDAS MOSTRAM QUE A CONSTRUÇÃO 
DA INTELIGÊNCIA É INFLUENCIADA POR ASPECTOS 
GENÉTICOS E AMBIENTAIS EM MEIO A UM COMPLEXO 
DE TROCAS DE EXPERIÊNCIAS DE VÁRIAS ORDENS
Ferramentas da 
EDUCAÇÃO
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psique ciência&vida 21www.portalespacodosaber.com.br
Maria Irene Maluf é especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e 
Neuroaprendizagem. Foi presidente nacional da Associação Brasileira de 
Psicopedagogia – ABPp (gestão 2005/07). É autora de artigos em 
publicações nacionais e internacionais. Coordena curso de 
especialização em Neuroaprendizagem. irenemaluf@uol.com.br
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vida, sejam sensoriais, motoras, psíquicas, 
cognitivas, vão moldar pessoas diferentes, 
que precisam de um olhar personalizado, 
de observação e educação pensadas espe-
cialmente para elas.
Em educação, há ferramentas impor-
tantíssimas, que são os valores social-
mente aceitos pela cultura onde a criança 
crescerá e que fazem parte dos padrões 
éticos e morais de comportamento dos 
cidadãos, das famílias. Até aí, todo acon-
selhamento de bom senso é bem-vindo, 
assim como os de hábitos gerais de saúde 
e higiene, de conservação de alimentos, 
datas de vacinação etc., feitos estes últi-
MOS�PELOS�PROl�SSIONAIS�DA�SAÞDE��
OS ACONSELHAMENTOS PROFISSIONAIS, 
REGRAS E NORMAS, QUE VISAM FAVORECER 
A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS, NÃO DEVEM 
SER TOMADOS COMO UMA BULA DE REMÉDIO 
QUE CURA QUALQUER DOENÇA
Adquirir destreza nessas ferramentas 
especializadas, de forma aprofundada, 
exige longos estudos e anos de prática: 
como motivar, modelar, reforçar com-
portamentos positivos, desenvolver mu-
danças no campo da aprendizagem e do 
comportamento, de forma séria, diretiva 
E�El�CAZ��¡�UM�TRABALHO�PROl�SSIONAL��SIN
gular, que não pode ser substituído por 
aconselhamentos genéricos.
Então, qual a importância deste e 
TANTOS�OUTROS�ARTIGOS�ESCRITOS�POR�PROl�S
sionais de diferentes áreas, para orientar 
as famílias? Respondo aqui: são, antes de 
TUDO�� REm�EXÜES� OU� ALERTAS�� QUE� BUSCAM�
sinalizar, de forma generalizada, a ajuda 
mais indicada aos pais quando a dúvida 
Ï�A�RESPEITO�DA�EDUCA¥ÎO�DOS�l�LHOS�
Mas – e essa é a diferença – há co-
NHECIMENTOS� ESPECÓl�COS�� FERRAMENTAS�
individualizadas, cujo domínio se cir-
cunscreve a especialistas da educação 
e da Psicopedagogia e que, para serem 
bem aplicados, não dispensam o conta-
TO� PROl�SSIONAL� DIRETO� COM�CADA� FAMÓLIA�
e sua criança, sua história, objetivando 
resolver as questões e desenvolver toda 
potencialidade infantil.
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22 psique ciência&vida
INFANTIL
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3R
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Imperadores 
DOMÉSTICOS
Ao longo dos anos foi surgindo uma geração 
de crianças mimadas e autoritárias, sem limites definidos, 
que está intimidando e exaurindo pais e educadores
Por Lilian Zolet
Gritos, birra, jogar-se no chão, mandar e bater encorpam a trama de comportamentos das crianças sem limites 
defi nidos. A presença dessas crianças 
na prática clínica vem aumentando, 
encaminhadas pela escola ou trazidas 
pelos pais, que se encontram exauridos 
emocionalmente. Mas o que de fato 
está acontecendo com as crianças para 
se comportarem de maneira autoritá-
ria, mandona e desrespeitosa com os 
pais e professores?
 Um dos fatores apontados por psi-
cólogos e pedagogos (2015) são as mu-
danças socioculturais da última década, 
que levaram os pais a terem menos tem-
po para permanecer com os fi lhos e, por 
isso, fi cam mais propensos a aceitar as 
birras e a superproteger, compensando, 
assim, a sua ausência. Outro condicio-
nante é o modelo de educação autori-
tária, na qual os pais foram submetidos, 
ou seja, ambientes de muita repressão, 
Lilian Zolet é psicóloga e psicoterapeuta. Pós-graduada em Saúde Pública, com ênfase na Saúde da Família, 
especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental. É autora do livro Síndrome do Imperador: Entendendo 
a Mente das Crianças Mandonas e Autoritárias e coautora do livro TCC em Crianças e Adolescentes: Guia 
de Referência de Ferramentas e Estratégias Terapêuticas, com o qual ganhou o prêmio Bernard Rangé, 
instituído pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC).
mágoas e culpa. Para fugir dessa ma-
triz e não replicá-la, muitos pais aca-
bam afrouxando as rédeas e tornam-se 
reféns emocionais dos fi lhos ao serem 
lenientes com caprichos e birras deles. 
Quando os pais são indulgentes, os fi -
lhos desenvolvem a crença de que tudo 
podem e transformam-se em imperado-
res domésticos, cujo comportamento é 
transferido para a sala de aula e na rela-
ção com demais colegas.
O médico psiquiatra e referência 
em matéria de comportamento huma-
no no Brasil, Içami Tiba (2010), afi rma: 
“Os pais, não sabendo ser pais, estão 
sendo dominados por crianças tempe-
ramentais, que querem fazer o que que-
rem, e os pais não têm condições de im-
por limites e disciplina, porque temem 
perder o amor dos fi lhos. Isso não é pai 
que se preze, porque ele se torna refém 
do seu medo e o fi lho pequeno acostu-
ma a reinar, a mandar nos pais”.
Pode-se imaginar que quando a 
criança não aprende com os progenito-
res que ela não pode ter tudo o que de-
seja, no seu tempo e ao seu modo, terá 
difi culdade em assimilar as regras so-
ciais inerentes à convivência. Com isso, 
a probabilidade desse infante infringir 
as regras sociais será alta. É possível 
observar isso na escola, a exemplo de a 
criança xingar o professor, roubar brin-
quedos, não aceitar as orientações, bater 
nos colegas, não querer fazer as tarefas, 
mentir e outros tantos comportamentos 
muitas vezes negligenciados pelos pais.
Tais pais têm difi culdade em dizer 
“não” e inserir consequências para os 
comportamentos errados da criança 
com medo de ferir ou traumatizar emo-
cionalmente. O efeito para essa falta de 
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Pode-se imaginar que quando a criança não 
aprende com os seus progenitores que ela não 
pode ter tudo o que deseja, no seu tempo e 
ao seu modo, terá dificuldade em assimilar as 
regras sociais inerentes à convivência social
limite é que os pais estão ensinando 
ao fi lho que ele pode ter tudo e que 
os outros vão servi-lo para suprir suas 
necessidades, tornando-os verdadeiros 
imperadores domésticos. O médico 
Içami Tiba (2010) ressalta: “Os fi lhos 
dessa geração foram criados sem noção 
de padrões de comportamento e limi-
tes, formando uma geração de “prínci-
pes” e “princesas” com mais direitos do 
que deveres, mais liberdadedo que res-
ponsabilidade, mais “receber” do que 
“dar” ou “retribuir”, colocando voz de 
mando na casa, na escola, com os ami-
gos e na sociedade”.
O termo síndrome do imperador 
ou imperador doméstico tornou-se 
popular pelos profi ssionais da área da 
saúde, principalmente por psicólogos, 
pedagogos e pediatras, para elucidar 
os comportamentos de mando, birra 
e agressividade de algumas crianças, 
que submetem os pais aos seus ca-
prichos. O sistema diagnóstico mais 
amplamente utilizado pelos profi ssio-
nais, o DSM-5 (Manual Diagnóstico e 
Estatístico de Transtornos Mentais), 
classifi ca esse repertório de compor-
tamentos disfuncionais (padrão fre-
quente e persistente de humor raivo-
so/irritável, questionador/desafi ante 
ou de índole vingativa, com duração 
de pelo menos seis meses, preenchen-
do ao menos quatro sintomas de qual-
quer das categorias descritas no ma-
nual) como transtorno desafi ador de 
oposição (TDO), compondo a classe 
dos transtornos disruptivos. 
Transgressão de normas
Os transtornos disruptivos são co-nhecidos pelos profi ssionais da 
área da saúde como sendo os compor-
tamentos associados à transgressão de 
normas, desafi adores e antissociais, que 
causam muito incômodo nas pessoas 
por serem problemas externalizantes, 
de grande impacto no ambiente so-
cial, em geral com implicações severas 
(Koch; Gross, 2005; Veiga, 2007). Des-
sa maneira, crianças disruptivas geram 
sentimentos negativos muito fortes nos 
outros, como raiva, frustração e ansie-
dade, ocasionando prejuízos sociais 
graves (Friedberg; McClure, 2001).
Os imperadores domésticos lide-
ram a casa, xingam os pais, babás e pro-
fessores, escolhem a comida que vai ser 
feita, defi nem o que deve ser assistido 
na TV, a hora de ir dormir e acordar, 
as atividades do dia, se querem ou não 
fazer a tarefa da escola e estudar para a 
prova. Também mandam nas brincadei-
ras fazendo com que as demais crianças 
obedeçam às suas ordens, choram e se 
atiram ao chão, batem a cabeça na pa-
rede, jogam os alimentos ou cospem no 
rosto dos pais, agridem e ameaçam psi-
cologicamente os progenitores quando 
seus caprichos não são atendidos.
Geralmente, esses comportamen-
tos costumam apresentar relevância por 
volta dos 7 anos de idade. Entretanto, o 
desrespeito e a desobediência começam 
a aparecer bem antes. Cabe lembrar 
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Œ�Modelos de pais Œ
Para Rutter apud Kaplan (1997), existem qua-
tro modelos de pais: 1) Autoritários: carac-
terizados por posturas rígidas e regras in-
flexíveis. 2) Permissivos: caracterizados por 
posturas indulgentes e ausência de limites. 
3) Indiferentes: caracterizados por posturas 
negligentes e falta de envolvimento. 4) Recí-
procos: caracterizados por posturas de coo-
peração e compartilhamento na tomada das 
decisões, com um comportamento dirigido 
de modo racional (limites definidos).
A presença de crianças 
que adotam comportamentos 
agressivos e cheios de 
vontade na prática clínica 
vem aumentando, 
encaminhadas pela 
escola ou trazidas 
pelos pais
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O termo síndrome do imperador ou 
imperador doméstico tornou-se popular, 
principalmente por psicólogos, pedagogos 
e pediatras, para elucidar comportamentos 
de mando e agressividade de crianças que 
submetem os pais aos seus caprichos
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que toda criança em algum momento 
de sua trajetória vai desobedecer algu-
ma orientação. Isso faz parte da curio-
sidade e do ciclo de aprendizagem do 
infante. Quando se trata da síndrome 
do imperador tais comportamentos são 
frequentes e intensos, resultando em 
sérios prejuízos nas relações interpesso-
ais, afetando a casa, a escola e os amigos.
Em crianças entre 2 e 3 anos, a de-
sobediência é comum, pois ela é muito 
pequena e a percepção do real e dos pró-
prios sentimentos ainda é inadequada. 
Entretanto, é justamente nesse estágio 
que os pais devem ajudar a criança a or-
ganizar e a administrar as emoções e os 
comportamentos. Para isso, os pais de-
vem adotar algumas posturas orientati-
vas para que a criança aprenda padrões 
de comportamentos mais adequados 
(Calçada, 2014). Os pais são os pri-
meiros exemplos para a criança, e esta 
molda seus comportamentos de acordo 
com o que absorve e assimila das pesso-
as e dos ambientes onde convive.
Quando os pais não orientam a 
criança ou até mesmo quando validam o 
erro, esses comportamentos ditos como 
disfuncionais aumentam de intensidade 
até chegar à desobediência total, ocasio-
nando a síndrome do imperador. Se não 
corrigidos, a criança poderá desenvol-
ver o transtorno de conduta ou mesmo 
se transformar em uma personalidade 
antissocial na adultidade.
Do ponto de vista dos teóricos psi-
codinâmicos, a origem dos comporta-
mentos disfuncionais se dá pela quali-
dade do relacionamento da criança com 
seus pais. Se os pais são indulgentes, os 
filhos crescem acreditando que podem 
fazer qualquer coisa, sem responder 
pelos efeitos. Enquanto que se os pais 
são abertamente restritivos, as crianças 
se desenvolvem acreditando que, para 
satisfazer suas necessidades, devem to-
mar o que desejam, independentemente 
das consequências. Nessas situações, o 
elemento comum é a frustração. E, em 
muitos casos, a frustração leva à agres-
são (Holmes, 1997).
criança modela a percepção de si mes-
ma, do outro e do mundo, refletindo 
diretamente nos modelos de relaciona-
mentos futuros.
Para a autora Rodrigues (2015), as 
pessoas que cuidam da criança trans-
mitem de modo consciente ou incons-
ciente informações que darão a base 
ou alicerce para o desenvolvimento da 
personalidade do infante. Por meio do 
embalar, do cuidar, do pegar, do falar 
os adultos estão apresentando o mundo 
para a criança.
Se os pais são afetivos, cuidadosos e 
pacientes, a criança acredita que o mun-
do é seguro e a sensação de segurança é 
aprendida. Entretanto, se há negligência 
nos cuidados primários, falta de incen-
tivo e afeto, olhar punitivo demasiado, 
ambiente agitado e falta de limites rea-
listas, a criança aprende que o mundo é 
perigoso, estressante, e a instabilidade 
será instaurada por meio de esquemas 
disfuncionais.
Já os pesquisadores da aprendiza-
gem sugerem que os comportamentos 
inadequados são aprendidos pela imi-
tação e gratificação. Holmes (1997) 
comenta que diversas pesquisas em Psi-
cologia indicam que indivíduos que ob-
servam agressão em outros, subsequen-
temente desempenham mais atos de 
agressão. Nessa mesma linha, pesquisas 
evidenciaram que mães que usaram 
comportamentos mais agressivos na 
educação dos filhos tiveram, em geral, 
crianças mais agressivas do que as que 
usaram métodos menos hostis. Ou seja, 
a punição somente pareceu promover 
mais agressividade em vez de reduzi-la.
Vínculos
O psiquiatra e psicólogo Bowlby (1989) comenta que todos os se-
res humanos estabelecem vínculos afe-
tivos fortes uns com os outros desde os 
primeiros anos de vida. É por meio da 
qualidade desse vínculo inicial que a 
Na escola, o problema se manifesta em xingar o professor, roubar brinquedos, não aceitar as 
orientações, bater nos colegas, não querer fazer as tarefas e mentir
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Em síntese, os esquemas disfun-
cionais são padrões emocionais e 
cognitivos autoderrotistas iniciados 
no desenvolvimento desde cedo e re-
petidos ao longo da vida. Em grande 
medida, a dinâmica familiar de uma 
criança é a dinâmica de todo o seu 
mundo remoto (Young, 2008). Ou-
tras infl uências, de

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