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/escalaoficial Ou acesse www.escala.com.br A primeira pesquisa de experiência de quase morte baseada em testemunhos de inúmeras pessoas. Um dia todos irão para algum lugar. Mas... para onde? Nas bancas e livrarias! anuncio_evidencias da vida apos a morte.indd 1 05/07/2017 11:13:24 editorial Internação compulsória: entre a ética e a emergência Gláucia Viola, editora Se a ética não governar a razão, a razão desprezará a ética... José Saramago O combate à dependência química é uma constante em nosso planeta e sempre que acontecem ações pú-blicas no Brasil que permeiam esse problema, reacende-se uma discussão antiga, que na verdade nunca FOI�SILENCIADA��/�FATO�DO�MOMENTO�OCORREU�NA�CONHECIDA�h#RACOLÊNDIAv��EM�3ÎO�0AULO��MAS�REmETE�UMA�SITUA¥ÎO�PRESENTE�EM�TODO�O�PAÓS��QUE�LEVANTA�QUESTÜES�AS�QUAIS�A�SOCIEDADE�COBRA�RESPOSTAS�DElNITIVAS�� O que deve ser feito com as inúmeras cracolândias espalhadas em todo território nacional? Como devem ser tra- tados os dependentes químicos? A escolha governamental paulista incluiu, entre outras medidas, o pedido de autorização judicial para a realização das controversas internações compulsórias, que são formas legais para se internar uma pessoa mesmo contra sua vontade ou sob os seus protestos. A Justiça do Estado de São Paulo chegou a autorizar o pedido do governo no dia 26 de maio último, revogando-o dois dias mais tarde. Em seguida, a equipe da prefeitura anunciou que contrataria serviço de ambulâncias, que lCARIA�RESPONSÉVEL�PELO�TRANSPORTE�DE�DEPENDENTES�QUÓMICOS�PARA�OS�LOCAIS�� nos quais seriam examinados por uma equipe multidisciplinar. Esse gru- po, então, avaliaria a necessidade ou não da internação compulsória. Os PORTA VOZES�DO�GOVERNO�SEMPRE�PROCURARAM�AlRMAR�QUE�TAL�PROCEDIMENTO� seria aplicado, apenas, nos casos excepcionais, ou seja, não seriam regra, e para isso contariam com equipes multidisciplinares capazes de avaliar os quadros clínicos, com médicos, assistentes sociais, advogados, psicólogos, agentes de saúde e de segurança. !CONTECE�QUE�A�SITUA¥ÎO��DE�FATO��Ï�POLÐMICA�E�AO�TRATAR�DESSA�TRISTE�E�DIFÓCIL�REALIDADE�Ï�NECESSÉRIO�EVITAR�QUE�SE� CAIA�EM�ARMADILHAS�FÉCEIS�DE�RACIOCÓNIOS�SIMPLISTAS��ÌS�VEZES�ATÏ�RASTEIROS��E�ANÉLISES�CARREGADAS�DE�PAIXÎO��QUE��SEM� dúvida, prejudicam a avaliação mais efetiva. O quadro é complexo e se torna ainda mais complicado na medida em QUE�SE�OBSERVA�O�CLAMOR�PÞBLICO�POR�A¥ÜES�RÉPIDAS�E�DElNITIVAS��ALIMENTADAS�PELA�ILUSÎO�DA�ERRADICA¥ÎO�DE�UM�DOS� piores malefícios da sociedade moderna. A ética provoca uma imediata rejeição à adoção de categorias que falem em nome das pessoas. Dessa forma, se NÎO�lCAREM�BEM�CLARAS�AS�CONSEQUÐNCIAS�DO�REDUCIONISMO��CARREGADAS�DE�VALORES�SOCIAIS��IDEOLØGICOS�E�CULTURAIS�� CORRE SE�O�RISCO�DE�ESCOLHER�UM�CAMINHO�MARCADO�POR�UMA�PERIGOSA�AMBIVALÐNCIA��AlRMAM SE�E��AO�MESMO�TEM- po, negam-se a preocupação e o valor dos sujeitos. Na verdade, é fundamental que a sociedade discuta o tema. No ENTANTO��DEVE SE�TER�SEMPRE�EM�MENTE�QUE�AS�INTERNA¥ÜES�PODEM�SER�NECESSÉRIAS�E�JUSTIlCADAS��SE�INDIVIDUALMENTE� e profundamente analisadas. Pessoas que usam drogas cronicamente vivem em permanente estado de emergência, que, em tese, autoriza, de certa forma, medidas também emergenciais. Nesse momento surge outra armadilha, que Ï�A�COMBINA¥ÎO�DE�EMERGÐNCIAS��NAS�QUAIS�AS�A¥ÜES�PARA�ALIVIAR�MAL ESTARES�ATRAPALHAM�UMA�REmEXÎO�MAIS�APURADA� e efetiva a respeito do problema. A seção Dossiê desse número da Psique Ciência&Vida apresenta um amplo ma- terial a respeito do assunto com o objetivo de elucidar a questão pelo olhar da Psicologia Social. "OA�LEITURA�E�BOA�REmEXÎO�� 'LÉUCIA�6IOLA www.facebook.com/PortalEspacodoSaber T NI A RÊ GO / A GÊ NC IA B RA SI L editorial.indd 3 25/08/2017 12:29:12 www.portalespacodosaber.com.br CAPA sumário 35 28/08/2017 18:44:2 3 MATÉRIAS ENTREVISTA Tomás Bonomi e Bruno Espósito falam da atuação em casos graves que necessitam de uma elasticidade das linhas teóricas SEÇÕES 06 EM CAMPO 16 IN FOCO 18 PSICOPOSITIVA 20 PSICOPEDAGOGIA 32 COACHING 34 LIVROS 50 CIBERPSICOLOGIA 52 NEUROCIÊNCIA 54 RECURSOS HUMANOS 56 PERFIL 64 DIVà LITERÁRIO 66 CINEMA 80 EM CONTATO 82 PSIQUIATRIA FORENSE 08 Pequenos imperadores domésticos A falta de limites na educação das CRIAN¥AS�GERAM�DIl�CULDADE�EM�ASSIMILAR� as regras sociais inerentes à convivência A óptica sobre o feminino A articulação da problemática das representações sociais acerca do que é ser mulher Criação em conjunto O ser humano tem grande habilidade cerebral para criar sozinho e encontra ainda mais para criar em parceria 22 28 58 76 70 Angústia na pós-modernidade !�SOCIEDADE�MUDOU�SEU�PERl�L� e a Psicanálise busca alternativas para aliviar as dores e angústias nesse novo cenário Discalculia e Acalculia Os discalcúlicos tem problemas com o conhecimento matemático. Já os acalcúlicos perdem habilidades já consolidadas IM AG EM D A CA PA : S HU TT ER ST OC K Internação compulsória e involuntária Ações de combate à dependência química reabrem antigas discussões sobre como tratar essa situação complexa sumario.indd 4 28/08/2017 18:56:22 www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 5 giro escala NOVO INDIVÍDUO REVISTA FILOSOFIA - EDIÇÃO 129 Em mais um importante artigo publi- cado na edição 129 da revista &ILOSOl�A, os professores Marcelo Cesar Cavalcante, mestre em Letras Vernáculas, e Rita de Cássia Silva Soares, doutora em Lin- guística, escrevem sobre os processos de argumentação e construção de cada cidadão. Para os acadêmicos, neste ce- nário de total mudança e transformação socioeconômica mundial, em que os teó- ricos da sociedade denominam a Era da Insegurança e da Incerteza, os elementos para a formação de um novo indivíduo, por meio da educação, vão ao encontro do preceito fundamental da Declaração dos Direitos Humanos que é o respeito à dignidade da pessoa humana. “As relações interpessoais são rea- lizadas por trocas simbólicas caracte- rizadas pela linguagem. É por meio da linguagem verbal que as pessoas trocam informações, compartilham crenças, opiniões, conhecimentos, constroem sua identidade e também (re)conhecem a identidade do outro. A linguagem é o primeiro elemento de mudança que deve SE�CONl�GURAR�Ì�NOVA�REALIDADE�E�AO�NOVO� PERl�L�DE�UM�SUJEITO�DE�DIREITOS�E�DEVERES�� responsável e cidadão ético. Essa nova CONl�GURA¥ÎO�DA�EDUCA¥ÎO�EXIGE�NÎO� SØ� a formação de conhecimento e infor- mação, mas também é mister o desen- volvimento de processos formativos que levem à mudança de comportamentos, atitudes, mentalidade e valores dos dife- RENTES�SUJEITOS�INCLUÓDOS�NO�PROCESSO�EDU cativo”, descrevem no artigo idealizado especialmente para a capa desta edição. DA ESPANHA PARA OS MOVIMENTOS SOCIAIS REVISTA SOCIOLOGIA - EDIÇÃO 71 Para a maioria dos brasileiros, o NOME� 'UADALAJARA� REMETE� Ì� CIDADE� MEXICANA��SEDE�DE�CINCO�DOS�SEIS� JOGOS� da épica campanha do tricampeonato mundial, quando Pelé, Rivellino, Tostão, Gerson, Jairzinho e outros craques bri- lharam no gramado do estádio Jalisco. Entretanto, na Espanha, localizado na Província de Castilla-La Mancha, EXISTE� UM� PEQUENO� E� ANTIGO�MUNI cípio homônimo, fundado pelos árabes por volta dos séculos VIII e IX. Provinciana e reli- giosa, é terra natal de pintores, escritores E�DA� LÓDER� SOCIALISTA�0URIl�CACIØN�#AUSA pié.�É também nesse lugar que nasceu uma das principais intelectuais do mo- mento – a socióloga e professora Esther 3OLANO�'ALLEGO��$E�ESTILO�l�RME�NAS�AR gumentações e gentil na fala, Esther é in- m�UENCIADORA�NO�UNIVERSO�DA�CIBERPOLÓTICA�e também dos movimentos sociais. Esther rumou aos 19 anos para Madri. .A�CAPITAL��INICIOU�UMA�ASCENDENTE�TRAJE tória acadêmica na Universidad Complu- tense, tornando-se graduada, mestra e doutora em Ciências Sociais. A pesquisa- dora parecia ter o destino traçado: embar- car rumo ao nosso país. Aqui ela faria a sua história – e também a História, sendo pesquisadora e participante ativa dos mo- vimentos que abalam o Brasil desde 2013. Lecionou na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e atualmente é profes- sora de Relações Internacionais da Uni- versidade Federal de São Paulo (Unifesp). Coautora de um livro sobre o movimento Black Bloc, Esther não foge à luta. Colo- ca suas ideias sem rodeios ou teorizações inócuas. “Temer no Planalto, Gilmar no STF, Joesley em Nova York. Rafael Braga na cadeia”, escreveu certa vez no Facebook. Entrevista com- pleta na edição 71 da revista 3OCIOLOGIA. ESTHER SOLANO FALA SOBRE A DINÂMICA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL www.portalespacodosaber.com.br Em sala de aula: Discutir sobre uma escola sem partido pode? Nova ordem urbana A problemática das migrações na História e na atualidade Tão irreal e verdadeiro Os caminhos com que a narrativa fantástica permeia e constrói a realidade As mudanças do PSB Da esquerda democrática ao centro pragmático Desenvolver e planejar a economia no Brasil As tentativas de Lula e Dilma sob um olhar teórico O que é propriamente religioso? Artigo debate necessidade de novas definições conceituais Convivendo com a INCERTEZA COMO AS CIÊNCIAS SOCIAIS LIDAM COM A IMPERMANÊNCIA DAS COISAS E SEUS DESDOBRAMENTOS EM NOSSO DIA A DIA giroescala.indd 5 25/08/2017 12:04:53 6 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br em campo INTELIGÊNCIA MÚLTIPLA As habilidades cognitivas são positiva- mente relacionadas, o que permite aos pesquisadores resumir as habilidades das pessoas em uma ampla gama de do- mínios como um fator, conhecido como “g” ou “inteligência geral”. Em um novo estudo, cientistas comparam diferen- tes explicações propostas para o fator “g” e, após testes com 785 adolescen- tes, propõem que este ocorre de acordo com o desenvolvimento dos indivíduos, em um processo chamado de mutualis- mo, no qual as habilidades cognitivas se ajudam ao longo do amadurecimento. Melhores habilidades de raciocínio, por exemplo, permitem que os indivíduos melhorem seu vocabulário com mais rapidez – e melhores vocabulários es- tão associados a uma melhoria na capa- cidade de raciocínio. O achado favore- cerá novas pesquisas de novos metódos educacionais e a lida com diversos dis- túrbios que possam afetar a “inteligên- cia geral”. PARA SABER MAIS Rogier A. Kievit, Ulman Lindenberger, Ian M. Goodyer, Peter B. Jones, Peter Fonagy, Edward T. Bullmore, Raymond J. Dolan. Mutualistic coupling between vocabulary and reasoning supports cog- nitive development during late adoles- cence and early adulthood. Psychological Science, 2017; 095679761771078. por Jussara Goyano IM AG EN S: 1 23 RF LINGUAGEM E PERFORMANCE LÍNGUA ESTRANGEIRA INFLUENCIA TOMADA DE DECISÕES. MAS DE QUE FORMA? Um estudo da Universidade de Chicago com a participação de cientistas de DIFERENTES�NACIONALIDADES�FOI�ALÏM�DAS�PESQUISAS�ANTERIORES�QUE�VERIl�CARAM�COMO� O�USO�DE�UMA�SEGUNDA�LÓNGUA�AFETA�A�NOSSA�COGNI¥ÎO��1UE�ISSO�INm�UENCIA�A�NOSSA� tomada de decisões eles já sabiam. A atenção dos pesquisadores voltou-se, então, ao nosso desempenho emocional sob processamento do idioma estrangeiro em um momento de escolha. No experimento realizado, voluntários deveriam decidir se hipoteticamente ma- tariam um indivíduo empurrando-o em frente de um trem para salvar outros cinco sujeitos, enquanto se comunicavam em sua língua nativa ou em um segundo idioma NO�QUAL�FOSSEM�m�UENTES��!QUELES�QUE�SE�COMUNICAVAM�EM�LÓNGUA�ESTRANGEIRA�SE�MOS TRARAM�MUITO�MAIS�DISPOSTOS�A�SACRIl�CAR�APENAS�UM�DO�QUE�AQUELES�QUE�USARAM�SEU� idioma nativo. Mais importante: eles não hesitaram em decidir por aquela morte. A conclusão inicial foi a de que, frente a dilemas cruciais como esse, o uso da língua estrangeira favoreceria uma decisão mais utilitária. Como essa decisão se liga A�NOSSAS�EMO¥ÜES�E�ACABA�BENEl�CIANDO�UM�MAIOR�NÞMERO�DE�PESSOAS�EM�PROL�DA� vida foi a grande questão a se investigar. Na visão dos pesquisadores, porém, o que parecia ser uma escolha centrada meramente na lógica do bem comum poderia também ser o uso da língua afetando nossa capacidade de prever cenários de forma mais emocional, ou nossa deliberação baseada em tabus de nossa própria cultura, espécie de memória afetiva de certa for- ma ligada a nossa língua nativa. Os cientistas testaram, então, outras hipóteses para saber se a decisão toma- da envolvia mesmo tal lógica ou outros pontos críticos. Voluntários bilíngues, escolhidos de maneira a criar a mesma combinação de idiomas frente às várias situações apresentadas, continuavam sempre tomando a decisão mais utilitária. Mas suas motivações não eram exatamente o bem geral, mostrando que uma maior propensão à quebra de tabus culturais (no caso, matar ou ferir alguém) era o que estava em jogo. Os voluntários eram favorecidos pelo uso de uma língua que os distan- ciasse de suas raízes e dos valores cul- turais ligados a esse tipo de situação, oferecendo o gatilho lógico e emocional que ocasionaria a decisão mais utilitária. Resta saber, agora, se tal esquema pre- valece também em cenários reais. PARA SABER MAIS Sayuri Hayakawa, David Tannen- baum, Albert Costa, Joanna D. Corey, Boaz Keysar. Thinking more or feeling less? Explaining the foreign-language effect on moral judgment. Psychological Science, 2017. em_campo_paginaimpar.indd 6 25/08/2017 15:42:17 psique ciência&vida 7www.portalespacodosaber.com.br IM AG EN S: 1 23 RF DIFERENÇAS ENTRE GÊNEROS MULHERES TÊM CÉREBROS MAIS ATIVOS QUE OS DOS HOMENS -AIS� DE� ��� MIL� EXAMES� DE� INEUROIMAGENS� lZERAM� parte de estudo publicado recentemente no Journal of Alzheimer’s Disease, mostrando que os cérebros das mu- LHERES� SÎO� SIGNIlCATIVAMENTE� MAIS� ATIVOS� EM� MUITAS� áreas do que os dos homens, especialmente no córtex pré-frontal, envolvido com foco e controle de impulsos, e na região límbica, ligada ao humor e à ansiedade. Os centros visuais e de coordenação do cérebro, no entanto, são mais ativos nos homens. As imagens eram tanto de pacientes saudáveis como daqueles com trauma cerebral, distúrbios bipolares, do humor, esquizofrenia / distúrbios psicóticos e transtorno DE�DÏlCIT�DE�ATEN¥ÎO�E�HIPERATIVIDADE��4$!( ��5M�TOTAL� de 128 regiões do cérebro foram analisadas sob a realiza- ção de tarefas que exigiam concentração. Compreender diferenças entre as atividades cerebrais de homens e mulheres lança luz a distúrbios que afetam os homens e as mulhe- res de forma diferente. As mulheres têm taxas SIGNIlCATIVAMENTE�MAIS� altas de Alzheimer, de- pressão, e distúrbios de ansiedade, enquanto os homens têm mais TDAH e problemas re- lacionados a conduta e encarceramento. Segundo cientistas, OS�ACHADOS�EM�RELA¥ÎO�AO�AUMENTO�DO�mUXO�SANGUÓNEO� do córtex pré-frontal nas mulheres podem explicar por que as mulheres tendem a apresentar maior empatia, in- TUI¥ÎO��COLABORA¥ÎO�E�AUTOCONTROLE��/�AUMENTO�DO�mUXO� sanguíneo nas áreas límbicas do cérebro das mulheres explicaria, em parte, por que elas são mais vulneráveis à ansiedade, depressão, insônia e distúrbios alimentares. PARA SABER MAIS Daniel G. Amen,Manuel Trujillo, David Keator, De- rek V. Taylor, Kristen Willeumier, Somayeh Meysami, Cyrus A. Raji. Gender-based cerebral perfusion differen- ces in 46,034 functional neuroimaging scans. Journal of Alzheimer’s Disease, n. 1, 2017 AR Q UI VO P ES SO AL Jussara Goyano é jornalista e coach certificada pelo Instituto de Psicologia Positiva (IPPC). Atua com foco em performance e bem-estar. Estudou Medicina Comportamental na Unifesp. E-mail: atendimento@jussaragoyano.com DIETA CONTRA O ENVELHECIMENTO INGERIR POUCAS CALORIAS GARANTE A MANUTENÇÃO DO RITMO CIRCADIANO E RETARDA O ENVELHECIMENTO EM RATOS Comer menos e mais adequadamente parece ser receita de longevidade e juventude segundo pesquisa realizada com ratos e publicada recentemente na revista Cell. No estudo, conduzido por pesquisadores do Centro de Epigenética e Metabolismo da 5NIVERSIDADE�DA�#ALIFØRNIA��O�MECANISMO�QUE�INmUENCIA�O�RITMO� circadiano – ou o relógio biológico do corpo – é esmiuçado. É afetado pelo metabolismo da energia dentro das células, que, por sua vez, é afetado pelo o envelhecimento dos animais e pela dieta a que são submetidos. A equipe envolvida testou um mesmo grupo de camundon- gos aos 6 meses e aos 18 meses, extraindo amostras de tecido de seu fígado, órgão que atua como a interface entre nutrição e distribuição de energia no organismo. As células mais antigas PROCESSAVAM�A�ENERGIA�DE�FORMA�INElCIENTE�E�O�RITMO�CIRCADIANO� do indivíduo era alterado. No entanto, em um segundo grupo de ratos idosos que re- ceberam uma dieta com 30% menos calorias por seis meses, o processamento de energia nas células não foi alterado. Segundo os cientistas envolvidos, a situação pode ser extrapolada para o organismo humano e deve guiar estudos adicionais envolvendo pessoas para corroborar tais achados em nível celular. PARA SABER MAIS Guiomar Solanas et al. Aged stem cells reprogram their daily rhythmic functions to adapt to stress. Cell, v. 170, n. 4, p. 678, 2017. em_campo_paginaimpar.indd 7 25/08/2017 15:42:24 8 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br Lucas Vasques é jornalista e colabora nesta publicação. Tomás Bonomi e Bruno Espósito fazem parte de uma geração de psicanalistas da era pós-escolástica, ou seja, se dedicam a uma leitura rigorosa de Freud e de outros psicanalistas sem se prender a uma única linha teórica Trajetórias semelhantes unem Tomás Bo-nomi e Bruno Espósito. Ambos, ao lado do colega Bruno Mangolini, comandam o conexoesclinicas.com.br. Logo na apresen- TA¥ÎO�DO�BLOG��Ï�POSSÓVEL�OBSERVAR�A�DEl�NI¥ÎO�DO�TRA balho por eles desenvolvido e um pouco da visão que têm sobre o universo da psique humana. “A clínica é como a subjetividade, não pode ser apreendida isoladamente, ambas existem a partir de suas ligações, seus elos, nexos e sentidos. Além disso, são feitas através de uma inclinação a algo, de um debruçar-se interessado. Suas condições de apreensão ocorrem essencialmente nas intersec- ções com o campo familiar, político, social, eco- nômico e institucional. É entre essas forças que a clínica e a subjetividade se fazem, conectando os ELEMENTOS�DISPERSOS�E�CONl�GURANDO�UMA�ZONA�CO MUM�v�#OM�ESSA�l�LOSOl�A�DE�ATUA¥ÎO��ELES�CRIARAM� o blog, no intuito de estabelecer conexões com as pessoas que lidam com as variadas formas da sub- jetividade humana. Bonomi é psicanalista, psicólogo formado na PUC-SP e acompanhante terapêutico. Mestre em Psicologia Clínica (PUC-SP), com capacitação em Psicoterapia no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Atende crianças, adolescentes e adultos em consultório particular e faz parte da equipe de acompanhamento terapêutico do Instituto A Casa. Atuou por seis meses na Clínica Le Courtil, na Bélgi- ca, junto a adolescentes com psicopatologias graves. Espósito também é psicólogo formado na PUC-SP e especialista em Saúde Mental pelo Departamento de Medicina Preventiva e Social da Unicamp. Atuou no campo da saúde mental pública e privada, tratando de pacientes com transtorno mental grave e seus familia- res, por meio de diferentes estratégias de atendimento (psicoterapia individual, grupos terapêuticos, terapia de família etc.). Psicanalista, formado pelo Institu- to Sedes Sapientiae, atualmente atua em consultório particular, em especial com crianças, adolescentes e adultos, e como psicólogo no Centro de Referência da Infância e da Adolescência (Cria-Unifesp). UMA NOVA PROPOSTA TOMÁS BONOMI E BRUNO ESPÓSITO Por Lucas Vasques AR Q UI VO P ES SO AL D O E NT RE VI ST AD O E 1 23 RF entrevista.indd 8 25/08/2017 15:15:30 psique ciência&vida 9www.portalespacodosaber.com.br E N T R E V I S T A AR Q UI VO P ES SO AL D O E NT RE VI ST AD O E 1 23 RF Bonomi e Espósito atuam como psicanalistas não só no setting do consultório, mas também em casos graves que necessitam de uma elasticidade da técnica entrevista.indd 9 25/08/2017 15:15:33 10 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br de maioria das pessoas) teria conhecimen- to das leis e optaria ou não por obedecê- -las, sabendo dos riscos que corre e, muitas vezes, acompanhados do sentimento de culpa. Dentro dessa estrutura haveria uma INl�NIDADE�DE�DINÊMICAS�DE�RELA¥ÎO�COM�A� lei, desde aqueles que, para se organizar mentalmente, necessitam ter uma vida inteira baseada no seguimento de toda e qualquer lei, passando pelas pessoas que, PARA�SE�Al�RMAR��PRECISAM�IR�CONTRA�AS�LEIS�� ou até mesmo os indivíduos que tentam MODIl�CAR�AS�LEIS�AO�SEU�FAVOR��0ARA�,ACAN�� na estrutura perversa, a relação dos sujei- tos com a lei residiria em uma dinâmica regida pela ótica do gozo. Tais indivíduos viveriam sobre a égide das leis, mas, con- trariamente aos neuróticos, teriam prazer e não medo ou culpa ao transgredi-las. Aqui temos que tomar cuidado para não cairmos em formas simplistas, como dizer que na estrutura perversa os indivíduos se- riam sujeitos sem caráter, “monstros sem coração”. Há uma grande complexidade nessa temática, e o que gostaria de dizer é que a forma como são vivenciados prazer e dor nesses indivíduos ainda levanta mui- tos enigmas para diversas áreas do conhe- cimento. Uma referência interessante para O�LEITOR�QUE�SE�INTERESSA�PELO�TEMA�Ï�O�l�L me Ninfomaníaca, de Lars Von Trier (2013). Por último, queria falar um pouco sobre a estrutura psicótica. Aqui também residem grandes polêmicas no que concerne às relações com a lei, justamente pelo fato de que nesses casos uma concepção de lei mais ampla que estamos utilizando se confunde e se entranha com as leis jurí- dicas stricto sensu. Nessa estrutura psíqui- ca, quando alguém se encontra em um episódio psicótico, isto é, com vivências delirantes e alucinatórias, tal sujeito não compartilha da mesma realidade que to- dos. Sendo assim, nesses casos a discussão sobre a noção de responsabilidade perante as leis torna-se muito difícil e complexa. DO PONTO DE VISTA DA PSICANÁLISE, VOCÊ ACREDITA NA CHAMADA CONSTITUIÇÃO SUB- JETIVA DO BEBÊ, NA QUAL O PAI É RESPONSÁ- VEL POR UMA RUPTURA NA RELAÇÃO DUAL IMAG EN S: S HU TT ER ST O CK E 1 23 RF EM UM DE SEUS ARTIGOS, VOCÊ DIZ QUE NA PSICOLOGIA E NA PSICANÁLISE EXISTEM MUI- TOS ESTUDOS QUE RELACIONAM AS CATEGO- RIAS PSICOPATOLÓGICAS COM A LEI, COMO POR EXEMPLO A RELAÇÃO DA PERVERSÃO COM A TRANSGRESSÃO, OS ATOS TRANSGRES- SIVOS NA ADOLESCÊNCIA E A IMPUTABILIDA- DE DOS ESQUIZOFRÊNICOS DIANTE DA LEI. PODE DETALHAR MAIS ESSA RELAÇÃO? BONOMI: Um dos pontos estruturantes da teoria psicanalítica refere-se à concep- ¥ÎO�DO�SUJEITO�COMO�UM�SER�EM�CONm�ITO�� Aliás, essa concepção de Freud rompeuradicalmente com o pensamento hege- MÙNICO� DA� ÏPOCA� �l�M� DO� SÏCULO� 8)8� E� COME¥O�DO�88 ��QUE�CONCEBIA�O�INDIVÓDUO� como fruto da razão na esteira da tradi- ção iluminista. Mas do que se trata esse CONm�ITO��0ARA�&REUD��O� SER�HUMANO� TERIA� em sua essência o imperativo de satisfazer todas as suas necessidades mais primi- tivas, seria, grosso modo, um modelo de satisfação análogo ao dos animais. Para conseguir viver em sociedade, o ser hu- mano teve que se organizar de maneira a encontrar alguma forma de artifício que mediasse as relações. As leis foram, por- tanto, condição necessária para a existên- cia da raça humana enquanto civilização e, como lei fundamental, Freud nomeia a INTERDI¥ÎO�AO�INCESTO��/�CONm�ITO�INERENTE�Ì� espécie humana residiria entre a necessi- dade que temos de realizar nossos desejos e as leis que nos impedem disso, mas que, sem elas, viveríamos em uma situação de As leis foram condição necessária para a existência da raça HUMANA��/�CONm�ITO� residiria entre a necessidade que temos de realizar nossos desejos e as leis que nos impedem disso, mas que, sem elas, viveríamos em uma situação de barbárie barbárie – pré-civilizatória. A partir dessa ontogenia da espécie humana, a Psicaná- lise irá se debruçar de diversas maneiras sobre as relações das leis com a subjetivi- dade. Jacques Lacan foi um dos psicana- listas que produziram os trabalhos mais expressivos sobre essa temática. Uma das maiores contribuições de Lacan refere-se à formulação de categorias psicopatológi- cas a partir do referencial das estruturas psíquicas divididas em neurótica, perversa e psicótica. Para Lacan, uma das formas encontradas para diferenciar as estruturas psíquicas reside na relação que os sujeitos têm com a lei. O sujeito neurótico (a gran- A primeira realização do bebê é a formação de uma unidade narcísica, o que faz com que ele consiga uma primeira distinção entre eu e o outro entrevista.indd 10 25/08/2017 15:15:35 psique ciência&vida 11www.portalespacodosaber.com.br de fatores até a concretização de um qua- dro de dependência. Digo moralista, pois, QUANDO�AlRMAMOS�QUE�UM�JOGO�POSSA�LEVAR� a um caminho sem volta, estamos dando toda a potência a um objeto e excluindo a parte do indivíduo na questão. E não faltam DISCURSOS� E� NARRATIVAS� AlRMANDO� QUE� SE� um adolescente joga muito um simulador de guerras ele será levado a comprar uma arma e sair atirando nas pessoas. Simples- MENTE�NÎO�HÉ�NENHUMA�PESQUISA� CIENTÓl- ca que comprove isso. Contudo, sabemos que um jovem que realmente joga diversas horas todos os dias, associado a quadros depressivos, em que suas relações inter- pessoais são muito frágeis e/ou violentas, de modo que os jogos são sua única fonte de prazer e de contato afetivo, tal situação poderá gerar uma confusão entre o real e o virtual. São situações raras, mas existem. No entanto, ressalto mais uma vez que não foram os jogos, por si só, que causaram tal cenário. Um fenômeno mais comum diz respeito aos jovens que se refugiam de situ- ações que lhes causam ansiedade e medo, jogando videogame ou navegando na inter- net. Ao jogar, encontramos uma segurança que não temos na realidade. Não é raro en- contrar adolescentes que preferem estar em CASA�JOGANDO�DO�QUE�ENFRENTAR�OS�DESAlOS� que as relações sociais lhes impõem. EM CONTRAPARTIDA, OS JOGOS PODEM FUN- CIONAR COMO ESPAÇOS OPORTUNOS PARA O JOVEM “ENSAIAR” OS DESAFIOS QUE ENFREN- TARÁ AO LONGO DA VIDA, ESTIMULAR SUA CRIATIVIDADE E ATÉ DESENVOLVER SUA CA- PACIDADE DE COOPERAÇÃO? BONOMI: Sim! Nos jogos, experimentamos emoções que, normalmente, não conhe- cemos no dia a dia. Como nas brincadei- ras de faz de conta, vivemos através de personagens (avatares) situações fantás- ticas que podem estimular a criativida- de. Algumas pesquisas feitas com jogos digitais apontam para um considerável desenvolvimento do pensamento através da solução de enigmas e a gestão de di- versas tarefas ao mesmo tempo, além do estímulo do trabalho em grupo por meio dos modos multiplayer. MÃE-BEBÊ, O QUE REPRESENTARIA A ORIGEM DO PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO DAS LEIS? BONOMI: Para a Psicanálise, ao nascermos não chegamos ao mundo com uma uni- dade do eu já constituída. Este seria um processo complexo que passaria por algu- mas etapas. Em poucas palavras, diria que inicialmente há o momento em que o bebê não se percebe como um indivíduo, sendo assim sua mãe e/ou cuidador principal é vivenciado como sua extensão. A primeira realização do bebê seria o estabelecimento de uma unidade narcísica delimitada por seu corpo, assim conseguiria haver uma primeira distinção entre eu e o outro. Mes- mo essa distinção tendo sido realizada, o bebê vivencia o mundo não mais como sua extensão, mas ainda como se fosse o centro de tudo. Para o bebê, sua mãe existiria ex- clusivamente para a função de satisfazer os seus desejos, obedecendo à fórmula choro igual a leite. Nesse sentido é que o pai seria o responsável pela ruptura da relação dual MÎE BEBÐ��.A�VERDADE��PRElRO�PENSAR�EM� uma função paterna, ou seja, qualquer que seja a pessoa que intercede nessa relação dual e imprima ao bebê uma primeira mar- ca de interdição: sua mãe não existe só para você. Esse momento seria fundamental no desenvolvimento do psiquismo, quando o bebê passa a vivenciar limites/leis que lhe foram impostos de fora e passa a ter que lidar com o fato de que ele não é tudo para o outro. Nesse sentido, uma primeira de muitas experiências de castração. OUTRO TEMA ABORDADO COM PROFUNDI- DADE POR VOCÊ DENTRO DA PSICANÁLISE É A QUESTÃO DOS JOGOS ELETRÔNICOS E SEUS EFEITOS, ESPECIALMENTE ENTRE OS JOVENS. COMO RESUMIRIA O CONCEITO DE HIPER- -REALIDADE, NO QUAL SÃO CRIADAS CÓPIAS PERFEITAS DE SITUAÇÕES E CONTEXTOS, QUE ACABAM SUBSTITUINDO A VIDA REAL? BONOMI: O hiper-real diz respeito a uma realidade que seria mais do que o real. Ex- plico-me: na hiper-realidade, com a ajuda da tecnologia, os espaços e objetos são neu- rolinguisticamente programados de modo que você possa se sentir na vida tal como ela é, quando, na verdade, está imerso em uma ilusão. Daí ser uma característica própria desse conceito uma confusão entre real e imaginário. De acordo com Baudrillard, um dos teóricos mais importantes sobre essa te- mática, a hiper-realidade diria respeito a um mundo cópia, um mundo do pragmatismo das coisas, um mundo sem ilusões. OS JOGOS ELETRÔNICOS, EM SEU ATUAL NÍ- VEL DE DESENVOLVIMENTO, EXTRAEM CADA VEZ MAIS SEUS CENÁRIOS E SITUAÇÕES DA NOSSA PRÓPRIA VIDA COTIDIANA. MAS DE FORMA MAXIMIZADA, TENTANDO TORNAR ESSAS SITUAÇÕES MAIS “APETITOSAS” DO QUE A REALIDADE, PROVOCANDO UM EFEI- TO DE SEDUÇÃO EM QUEM JOGA E ATÉ UM AFASTAMENTO DA REALIDADE. OS JOGOS DE HOJE PODEM LANÇAR OS JOGADORES EM UM CAMINHO SEM VOLTA DO HIPER-REAL? BONOMI: Não, os jogos por si só não têm a potência de lançar os jogadores em um caminho sem volta. Para mim, esse é um pensamento ingênuo ou um tanto moralis- TA��3ERIA�O�MESMO�QUE�AlRMAR�QUE�O�ÉLCOOL� e as drogas são causadores da dependência química e do alcoolismo, quando, na verda- de, sabemos que tais fenômenos são bastan- te complexos e que envolvem ampla gama IMA GE NS : S HU TT ER ST O CK E 1 23 RF Para a Psicanálise, ao nascermos não chegamos ao mundo com uma unidade do eu já constituída. Este seria um processo complexo que passaria por algumas etapas. Inicialmente o bebê não se percebe como um indivíduo, sendo assim sua mãe é vivenciada como sua extensão entrevista.indd 11 25/08/2017 15:15:35 12 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br O sujeito neurótico (a grande maioria das pessoas) teria conhecimento das leis e optaria ou não por obedecê-las,sabendo dos riscos que corre e, muitas vezes, acompanhados do sentimento de culpa Para Lacan, na estrutura perversa, a relação dos sujeitos com a lei residiria na dinâmica regida pela ótica do gozo. Tais indivíduos viveriam sobre a égide das leis, mas, contrariamente aos neuróticos, teriam prazer e não medo ao transgredi-las VOCÊ PODE CITAR EXEMPLOS CONCRETOS DE SITUAÇÕES COTIDIANAS EM QUE A HIPER- -REALIDADE SE FAZ PRESENTE? ESPÓSITO: Exemplos de hiper-realidade não faltam no mundo contemporâneo: a comida industrializada é vendida como a mais caseira do mundo, “igualzinha à da vovó”, mas nem sequer tem os ingredientes originais; os reality shows que aparentam mostrar cenas absolutamente cotidianas de uma família ou um grupo, embora essas pessoas sejam personagens milimetrica- MENTE�PRODUZIDOS�E�MAQUIADOS��OS�l�LMES� DA�INDÞSTRIA�PORNOGRÉl�CA��QUE�REPRODUZEM� e exaltam a atividade sexual a ponto de o consumidor investir mais no simulacro do QUE�NO�SEXO�EM�SI��E�OS�PERl�S�DE�)NSTAGRAM� das celebridades, mas também os das pes- soas comuns seriam, a meu ver, o exemplo mais perfeito e atual do hiper-realismo. O QUE PODE SER FEITO PARA EVITAR QUE O JOVEM SE APRISIONE NO HIPER-REAL E COMO PROCEDER CLINICAMENTE DEPOIS QUE ISSO ACONTECER? BONOMI: Não há uma fórmula dada sobre como prevenir os jovens desse “aprisiona- mento no hiper-real”. Contudo, normal- mente os jovens que manifestam esses SINTOMAS� APRESENTAM� GRAVES� DIl�CULDADES� afetivas. No meio virtual encontram uma forma mais segura de viver, pois sentem- -se oprimidos pelo contato direto com outras pessoas e pelos imperativos sociais, como ter que trabalhar, estudar, ter amigos e manter relações familiares. Já no meio virtual, podem desenvolver uma vida mais excitante e criativa, além de conseguirem conquistar feitos que não conseguiriam por outros meios, como por exemplo um relacionamento afetivo, ser reconhecido por um grupo de pessoas como um ótimo jogador, ser um youtuber e até mesmo ter sua vida curtida por diversas pessoas atra- vés das redes sociais. Portanto, penso que uma forma de prevenção seria a de estimu- lar e proporcionar situações e momentos em que as relações afetivas possam se de- senvolver. Enquanto pais, temos a grande responsabilidade de não só estabelecer re- LA¥ÜES�AFETIVAS�COM�NOSSOS�l�LHOS��QUE�LHES� assegurem um mínimo de segurança nar- císica, como também demonstrar o quanto podemos desfrutar de nossas próprias rela- ções interpessoais. No que tange aos casos de jovens que já desenvolveram esse qua- dro (lembrando aqui que estou falando de casos graves, os quais não se apresentam com tamanha frequência), acredito que a direção de tratamento sempre passará pelo desenvolvimento de uma relação transfe- rencial com o terapeuta. Ao conseguirmos constituir uma relação mínima de empatia E�CONl�AN¥A��PENSO�QUE�ESSA�PROTO RELA¥ÎO� pode imprimir uma marca subjetiva única e originária no paciente. Digo única e ori- ginária, pois, diante de uma falência subje- tiva, em que toda a economia libidinal do sujeito está voltada ao virtual, o estabele- cimento de um contato afetivo “ao vivo” tem a potência de produzir novas abertu- ras e possibilidades de existência, ou seja, expandir o universo de ligações pulsionais, tornando esse psiquismo um pouco me- nos repetitivo e preso às velhas relações objetais. Nesse sentido, é fundamental a presença de um terapeuta que acredite e reconheça que sim, há vida naquelas telas e que o sujeito em questão se encontra em intenso sofrimento. VOCÊ ACHA QUE A SUPEREXPOSIÇÃO DAS CRIANÇAS, AINDA NA PRIMEIRA INFÂNCIA, A TABLETS E COMPUTADORES PODE INFLUEN- CIAR, DE FORMA SIGNIFICATIVA, EM UMA DE- PENDÊNCIA VIRTUAL FUTURA? BONOMI: !� PRINCÓPIO�� NÎO� POSSO� Al�RMAR� isso, pois precisaremos ainda esperar mais alguns anos, talvez décadas, para po- der mensurar os efeitos da exposição das crianças, ainda na primeira infância, a ta- blets, celulares e computadores. De qual- quer forma, é praticamente consenso entre OS� PROl�SSIONAIS� DA� SAÞDE� DE� QUE� HAVERIA� malefícios – desenvolvimento de ansieda- de e irritabilidade – em uma exposição a esses aparelhos numa idade anterior aos dois anos. Inclusive, é essa a recomendação da associação de pediatria, tanto dos EUA QUANTO�DO�"RASIL��0OSSO�Al�RMAR�QUE�UMA� criança dessa idade perde muito ao trocar momentos de relações afetivas reais por momentos de lazer e distração diante da tela. No início da vida, as crianças apren- dem, majoritariamente, através da imitação de seus cuidadores. Esse contato e a troca real de experiências são fundamentais para o desenvolvimento psíquico infantil. Logo, somente com uma idade mais avançada a criança tem capacidade de aprender algo com os aparelhos. Parece-me plausível a HIPØTESE�DE�QUE�CRIAN¥AS�QUE�l�ZERAM�MUI to uso da tela nos momentos de espera, va- zio e ócio – ocasiões às quais os pais nor- malmente lançam mão dos gadgets – terão MAIS�DIl�CULDADES�EM�LIDAR�COM�SITUA¥ÜES� IMA GE NS : S HU TT ER ST O CK E 1 23 RF entrevista.indd 12 25/08/2017 15:15:36 psique ciência&vida 13www.portalespacodosaber.com.br de frustração, assim tornando-se pessoas mais irritáveis e ansiosas. Agora, me pare- CE�PRECIPITADO�AlRMAR�QUE�ESSAS�SITUA¥ÜES� levarão a uma dependência virtual futura. Temos que tomar cuidado ao julgar deter- minados comportamentos: por exemplo, a forma pela qual usamos o celular, hoje, com certeza seria mal interpretada e quali- lCADA�DEZ�ANOS�ATRÉS���� O FILÓSOFO E SOCIÓLOGO FRANCÊS JEAN BAUDRILLARD É CONSIDERADO O CRIADOR DO CONCEITO DA HIPER-REALIDADE. ELE DISSE CERTA VEZ O SEGUINTE: “NÃO VEJO O BRASIL COMO UM PAÍS HIPER-REAL. TALVEZ PORQUE O BRASIL NÃO POSSA PASSAR PELO PRINCÍPIO DE REALIDADE. PORTANTO, SE ELE AINDA NÃO PASSOU PELA REALIDADE, NÃO PODE SE TORNAR HIPER-REAL, PORQUE O HIPER-REAL É MAIS QUE O REAL, UM TIPO DE CONFUSÃO ENTRE O REAL E O IMAGINÁRIO”. COMO VOCÊ OBSERVA E ANALISA ESSA AFIRMAÇÃO? BONOMI: Ao fazer essa observação, Baudrillard explica que antes de pensar o Brasil como hiper-real: “O Brasil está mais próximo do jogo da ilusão, da sedução des- sa relação dual, mas confusa... E que não há essa forma de abstração que é a hiper- REALIDADE���� %NlM�� ESSA� FORMA� DE� TRANS- mutação no vazio, de perda de substância, de referência, de perda de tudo isso”. Para O�lLØSOFO��A�CULTURA�E�O�MODO�DE�VIDA�DOS� brasileiros estariam bastante calcados em elementos simbólicos, tais como a dança, o jogo, os cultos, a música e na forma como os brasileiros habitam seus corpos. A par- TIR�DESSES�ELEMENTOS��"AUDRILLARD�CLASSIlCA� o Brasil como o “império das ilusões”, no SENTIDO�AlRMATIVO�DO�TERMO��COMO�SE�AIN- da houvesse um espaço subjetivo que não estivesse inteiramente subjugado à ma- terialidade das coisas. Característica esta que seria encontrada com maior facilidade nos países hiper-industrializados, como OS� %5!�� !CREDITO� QUE� TAL� AlRMA¥ÎO� FOI� feita no contexto da Eco-92 (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento). De lá para cá, posso dizer que vivemos outra realidade no âm- bito do desenvolvimento da internet e dos aparelhos eletrônicos. Ou seja, as diferen- por exemplo, aproximando quem está dis- tante, favorecendo articulações políticas e comunitárias, permitindo expressões cria- tivas e singulares das pessoas. Por outro lado, essa potência virtual pode ser usada – e frequentemente o é – como espaço de compensações sintomáticase defensivas de quem navega. Na internet, temos um vasto espaço de procrastinação, de escusas para não encontrar alguém de carne e osso, de expressão da agressividade mais primitiva através da proteção do anonimato, ou mes- mo de moldar o mundo à nossa maneira, EM�TESE�hDRIBLANDOv�O�CONmITO�QUE�Ï�VIVER� em um mundo de diferenças, pois nas redes VOCÐ�PODE�lLTRAR�AQUILO�QUE�VÐ��1UANTO�A� isso, pelo menos por enquanto, não há solu- ção possível dentro da própria internet, ou seja, a pessoa precisará de alguma forma trabalhar suas questões e, por consequên- cia, repensar seu uso do mundo virtual. QUAL A SUA VISÃO, COMO ESPECIALISTA, SO- BRE AS RELAÇÕES FORMADAS NA ATUALIDA- DE POR SITES E APPS? ESTAMOS MESMO EM UMA TRANSIÇÃO IMPORTANTE DE NOVA CUL- TURA DE COMPORTAMENTO? BONOMI: Penso que os sites de relaciona- mento e os apps ajudam a propiciar no- vos encontros. Temos desde a chance de conhecer pessoas do mundo inteiro, que compartilham de nossos interesses, até mesmo a possibilidade de encontrar com IM AG EN S: S HU TT ER ST O CK E 1 23 RF ças citadas acima, que Baudrillard via entre OS� PAÓSES�� A�MEU� VER�� DIMINUÓRAM� SIGNIl- cativamente, muito porque as formas de aplicação da hiper-realidade parecem ter se desenvolvido e se disseminado mundo afora. Acho interessante a ideia da cultura brasileira como portadora de algo do pri- mitivo, que ainda não foi completamente DOMESTICADO� E�MASSIlCADO�PELO� CAPITALIS- mo moderno, desde que esse primitivo não seja visto a partir da dicotomia civilização x barbárie. Porém, talvez por ter vivido mi- nha vida inteira em uma megalópole como 3ÎO�0AULO��TENHO�DIlCULDADES�EM�ENXERGAR� ESSA� TAMANHA� DIFEREN¥A� PROPOSTA� PELO� l- lósofo entre a cultura brasileira e a cultura dos centros urbanos do hemisfério Norte. DESDE A DÉCADA DE 1990, QUANDO A INTER- NET ERA RESTRITA A UMA MINORIA, A DIVI- SÃO DO MUNDO EM REAL E VIRTUAL JÁ ERA TEMA DE TEXTOS DE BAUDRILLARD. ANTES MESMO DA POPULARIZAÇÃO DA REDE E DE SUAS FERRAMENTAS MAIS INTERATIVAS, COMO AS REDES SOCIAIS, O AUTOR JÁ IMAGINAVA AS CONSEQUÊNCIAS QUE ESSA MIGRAÇÃO PARA O ON-LINE ACARRETARIA NA VIDA DAS PESSOAS. DE QUE FORMA VOCÊ COMPREEN- DE ESSA MIGRAÇÃO E QUAIS OS EFEITOS NO COMPORTAMENTO PSICOLÓGICO DAS PESSOAS? ESPÓSITO: !�INTERNET�E�MAIS�ESPECIlCAMEN- te as redes sociais podem potencializar e acelerar diversas aptidões humanas, como, Uma criança perde muito ao trocar momentos de relações afetivas reais por momentos de lazer e distração diante da tela de um tablet ou celular entrevista.indd 13 25/08/2017 15:15:39 14 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.brNAS BANCAS! a djr.indd 2 Nos jogos, experimentamos emoções que, normalmente, não conhecemos no dia a dia. Como nas brincadeiras de faz de conta, vivemos através de personagens (avatares) situações fantásticas que podem estimular a criatividade poucos cliques um parceiro(a) sexual a poucos metros de casa. Contudo, não ne- cessariamente são encontros com grande profundidade afetiva. Existe, sim, a possibi- lidade de encontrarmos “o amor de nossas vidas” ou grandes amigos via internet, mas essa não é a regra. Apesar de enxergar na cultura atual de comportamento formas mais fugazes de relação, encontros que se encerram em si mesmo, não penso que as RELA¥ÜES�HUMANAS� SE�MODIl�CARAM�DRASTI camente com o advento dessas tecnolo- gias. Acho complicado concluir o que quer que seja sobre esse assunto, pois as mudan- ças são extremamente velozes; é prová- vel que em pouco tempo toda e qualquer relação seja moldada e intermediada pela tecnologia. Contudo, o que ainda vejo no CONSULTØRIO�SÎO�PESSOAS�QUE�TÐM�DIl�CULDA de em construir relações e sofrem pela falta do “olho no olho”. SEU BLOG CITA UMA PESQUISA REALIZADA PELA UNIVERSIDADE DE HARVARD, QUE EXAMINA DO QUE DEPENDEM A SAÚDE E A FELICIDADE. PODE DETALHAR OS RESULTA- DOS DESSE ESTUDO? ESPÓSITO: Os resultados da pesquisa apon- tam que a força e a qualidade dos relacio- namentos interpessoais levam a uma vida mais saudável e feliz. A solidão é nociva à saúde mental e física dos seres humanos, assim como relacionamentos frios ou ex- SOB A ÓTICA DA PSICANÁLISE, COMO PODE SER DEFINIDA A FELICIDADE? ELA É UMA OU VÁRIAS, DEPENDENDO DE COMO AS PESSOAS A OLHAM E MANTÊM EXPECTATIVAS SOBRE ELA? ESPÓSITO: A felicidade é um estado, não é algo perene. Ao longo de uma vida, você passa por momentos em que se sente feliz, mas são momentos de relance, passageiros, pois nossa condição de ser desejante e de CONm�ITO� IMEDIATAMENTE� JÉ�NOS� LAN¥A�A�UM� NOVO�DESAl�O�OU�A�UMA�NOVA�FORMA�DE�VER� a situação. Em nossa cultura, existe uma exigência de perseguição a uma suposta felicidade, mas esta poderia ser representa- da como uma miragem: você a avista, mas quando a alcança, não era nada daquilo que vislumbrou. Por isso, nos remetemos Ì� PESQUISA� DE� (ARVARD�� SEU� ÐXITO� PROl�S SIONAL�E�l�NANCEIRO�NÎO� REPRESENTA�NENHU ma garantia de felicidade, e nesse sentido mais vale estar atento às formas de amar e se relacionar. Ao invés de vislumbrar a FELICIDADE�COMO�UM�l�M��UMA�META�A�SER�AL cançada, é fundamental atentar ao meio, ao PROCESSO��!�DISPOSI¥ÎO�DE�ENCARAR�DESAl�OS�� de experimentar sensações novas, o humor ou mesmo a capacidade de enxergar a po- sitividade existente, mesmo em momentos difíceis pelos quais passamos, são alguns dos indícios de que nossa energia psíquica ESTÉ�m�UINDO��APTA�A�CONEXÜES�E�RECONEXÜES�� CONl�GURANDO�UMA� SITUA¥ÎO�DE�DISPOSI¥ÎO� ao bem-estar ou à felicidade. cessivamente conturbados. Em suma, es- tar ligado amorosamente a um parceiro, amigos próximos e/ou familiares tendem A�INm�UENCIAR�NOS�ESTADOS�DE�SATISFA¥ÎO�E�FE licidade, bem como no enfrentamento de adversidades ao longo da vida. É interes- sante que, como essa pesquisa dá tempo ao tempo, um fenômeno subjetivo como o amor se destaca como fator decisivo na qualidade de vida, frente a tantos outros índices que foram avaliados: condições fí- sicas, carga genética, desempenho econô- mico e laboral. IMA GE NS : S HU TT ER ST O CK E 1 23 RF entrevista.indd 14 25/08/2017 15:15:41 psique ciência&vida 15www.portalespacodosaber.com.br www.escala.com.br 24/08/2017 12:13:52 PARA SE CHEGAR PELO MENOS A UM CERTO GRAU DE FELICIDADE, DIZEM ESPECIALIS- TAS, É NECESSÁRIO MANTER QUALIDADE NAS RELAÇÕES AFETIVAS, OU SEJA, É FUN- DAMENTAL MANTER RELACIONAMENTOS SÓLIDOS E CONSISTENTES. ENTRETANTO, O SER HUMANO ESBARRA O TEMPO TODO EM DIFICULDADES QUE EXIGEM SUSTENTAR ESSES RELACIONAMENTOS. COMO SUPERAR ESSAS DIFICULDADES? ESPÓSITO: Esse é o ponto: nossa disposi- ção ao bem-estar e à felicidade depende de uma situação muito elementar, que está na base da condição humana, que é a consistência das relações afetivas. Somos, das complicações do analisando, no que DIZ�RESPEITO�Ì�mUIDEZ�DE�SUA�LIBIDO�E�A�SEU� POSICIONAMENTO�DIANTE�DO�CONmITO�n�CON- dição inerente ao ser social. A possibilida- de de pensar junto esses bloqueios, o que já é uma forma de ligação afetiva, pode devolver parte da liberdade psíquica ne- cessária para “estar mais inteiro” nas rela- ções sociais, especialmente amorosas. AS REDES SOCIAIS SÃO CONHECIDAS COMO O TERRENO DA FELICIDADE. COMO VÊ ESSA EXPOSIÇÃO E ATÉ QUE PONTO ESSA FANTASIA CONTRIBUI PARA O EFEITO INVERSO? ESPÓSITO: As redes sociais motivam uma exigência de “estar feliz o tempo inteiro”, que não condiz em absoluto com nos- sa realidade cotidiana. A contrapartida desse ideal que se persegue e nunca se al- cança é justamente uma autocrítica feroz, como se houvesse algo de muito errado consigo próprio, que impedisse deal- cançar essa tal felicidade. Além do sofri- mento oriundo dessa tendência autoacu- satória, alimenta-se o sentimento de não pertencer a esse “grupo social das pessoas felizes”, que sequer existe a não ser como, VOCÐ�BEM�DElNIU��UMA�FANTASIA��#OM�ISSO�� pode haver um recolhimento progressivo até um estado que, frequentemente, se no- meia como depressão. No limite, a rede social acaba por desconectar o sujeito, o que é a antítese de sua proposta. IMA GE NS : S HU TT ER ST O CK E 1 23 RF Na internet, há espaço de agressividade através da proteção do anonimato, ou mesmo de moldar o mundo p ��H�G� �o���I����������\�������������� �� �� ������hG� portanto, necessariamente dependentes do outro para extrair qualquer tipo de pra- zer, mesmo no contexto de algum projeto profundamente pessoal. Ainda assim, o relacionar-se – em especial de maneira in- TENSA�n�Ï�UM�DOS�MAIORES�DESAlOS�QUE�EN- frentamos ao longo da vida, muitas vezes motivando um sofrimento que pode levar à ruptura e ao isolamento. A Psicanálise é uma das estratégias presentes em nos- sa cultura para cuidar justamente disso, criando ou resgatando aquilo que Freud denominou como “a capacidade de amar e trabalhar”. A relação transferencial com o analista permite que advenham muitas entrevista.indd 15 25/08/2017 15:15:43 16 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br O conforto de ser COMPREENDIDO in foco por Michele Müller IM AG EN S: S HU TT ER ST O CK E A RQ UI VO P ES SO AL O RESPEITO OFERECE O SUPORTE SOCIAL NECESSÁRIO PARA SERMOS LIVRES. MAS É A COMPREENSÃO QUE NOS RESGATA DA SOLIDÃO E NUTRE O SENTIMENTO DE PERTENCIMENTO inFoco.indd 16 25/08/2017 12:05:33 www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 17 IM AG EN S: S HU TT ER ST O CK E A RQ UI VO P ES SO AL S entir-se compreendido é di- ferente de se sentir respei- tado. Respeito está entre os deveres, entre o que deve ser aprendido, ensinado e exercitado pela autoridade racional que contro- la as reações. A compreensão não se impõe: surge das estruturas geral- mente escondidas nas profundidades do inconsciente; da disposição de se desprender dos conceitos e def ini- ções que moldam o ego enquanto se oferecem ao outro, de forma genero- sa, tempo e atenção. Identif icar aquele que compreen- de é também uma capacidade que es- capa das análises do intelecto. Exige, da mesma forma, tempo, atenção e entrega: só nos sentimos compreendi- dos quando nos mostramos por intei- ro, sem o desgaste de sustentar o que planejamos ser. Nos sentimos com- preendidos quando temos a coragem de revelar as fraquezas para descobrir que, ref letidas no outro, elas parecem menores e menos estranhas. O respeito oferece o suporte so- cial necessário para sermos livres. Mas só a compreensão, encontrada nesses espaços entre nosso ideal e nossas falhas, nos resgata da solidão, possibilitando conexões mais gratif i- cantes. E solidão não signif ica estar sozinho – uma condição fundamental para se chegar ao nível de introspec- ção necessário para o autoconheci- mento e capacidade de sustentar rela- cionamentos saudáveis. Signif ica não se sentir compreendido, não perten- cer, estar desconectado de um mundo visto a partir de uma perspectiva em que ele se apresenta pouco acolhedor. Essa solidão pode ser necessária em uma certa dose, para que nos f i- que evidente a necessidade de apri- morarmos as relações. Mas pode ser também a fonte dos estados depres- sivos mais devastadores e de diversos problemas de saúde. Segundo pesqui- sa recente publicada no Perspectives on Psychological Science, o isolamento social, seja real ou percebido subjeti- vamente, aumenta em 29% a chance de mortalidade precoce. A distorção da realidade provocada pelo isola- mento nos leva a interpretar muitas reações alheias como rejeição, o que torna dif ícil a quebra desse ciclo. Mas se nos permitirmos correr riscos é possível descobrir que, de uma forma tão antagônica como qualquer grande verdade, é justa- mente nesses momentos de maior vulnerabilidade que as mais valiosas relações de amizade se constroem ou fortalecem. O escritor irlandês John O’Donohue, em seu livro The Book Of Love, lem- bra que a amizade verdadeira é a “que melhor ref lete a tua alma”, aquela que traz o conforto da compreensão, uma das formas que o amor assume. “Quando você se sente compreendi- do, você está em casa. A compreen- são nutre o sentimento de perten- cimento. (…). O amor é a única luz que pode ler verdadeiramente a as- sinatura secreta da individualidade do outro.” Talvez a mais vital forma de conexão, justamente por oferecer compreensão, a amizade pode não ganhar o valor que merece em um mundo que, cada vez mais, cultua as manifestações românticas do amor e amplia a def inição da palavra amigo para muito além das relações signif i- cativas e engrandecedoras. Para o escritor Andrew Sullivan, em Love Undetectable: Notes on Friendship, Sex and Survival , essa es- pécie de negligência da nossa cultu- ra com relação à amizade, a falha no reconhecimento desse vínculo como instituição social crítica e como experiência moral enobrecedora, possivelmente se dá pelo fato de se desenrolar, quase sempre, de forma silenciosa e gradativa. Silêncio que se quebra quando sofremos a perda inesperada de um amigo. “Quando somos forçados a pensar sobre aqui- lo o que realmente importa é que co- meçamos a considerar o que a ami- zade signif ica de verdade”, escreve. Assim como nas relações român- ticas, esperar que um amigo com- preenda todos os lados da nossa in- dividualidade é sustentar a amizade sobre a delicada balança que traz a expectativa de um lado e a frustra- ção do outro – um equilíbrio que de- pende mais do nosso próprio amadu- recimento que dos acontecimentos externos. A vantagem da amizade é que ela se distribui livre e levemente entre cada pessoa que, em determi- nados momentos e situações da vida, nos enxerga como realmente somos. Quando damos a esse amor o valor que ele merece, temos sempre um amigo que nos revela, sem precisar declarar, que explicações são desne- cessárias: ele compreende. Michele Müller é jornalista, pesquisadora, especialista em Neurociências, Neuropsicologia Educacional e Ciências da Educação. Pesquisa e aplica estratégias para o desenvolvimento da linguagem. Seus projetos e textos estão reunidos no site www.michelemuller.com.br RESPEITO ESTÁ ENTRE O QUE DEVE SER APRENDIDO, ENQUANTO A COMPREENSÃO, ENCONTRADA NOS ESPAÇOS ENTRE NOSSO IDEAL E NOSSAS FALHAS, POSSIBILITA CONEXÕES GRATIFICANTES NATURAIS inFoco.indd 17 25/08/2017 12:05:34 18 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br psicopositiva por Lilian Graziano IM AG EN S: 1 23 RF E S HU TT ER ST O CK / A CE RV O P ES SO AL riavam da chamada inteligência linguís- tica à (pasmem!) naturalística, na qual inteligente seria o indivíduo capaz de re- CONHECER�E�VALORIZAR�A�m�ORA�E�A�FAUNA��*É� nos anos 90, com a teoria da inteligência emocional (IE), a conciliação entre razão e emoção passa a ser vista como uma va- liosa maneira de tornar o indivíduo um ser competente do ponto de vista social, as características das ciências humanas. 0OR� EXEMPLO�� POUCOS� TEMAS� FORAM�MAIS� controvertidos na Psicologia do que o da inteligência. Por décadas considera- da como oexato sinônimo do raciocínio LØGICO MATEMÉTICO� �LEIA SE� 1) �� A� INTE ligência passou a ser explicada, a partir dos anos 80, por meio de capacidades distintas (inteligências múltiplas) que va- 15%34)/.!$/2��#2°4)#/� %�#/-�6/#!"5,£2)/�%,!"/2!$/�� 5-�35*%)4/�).4%,)'%.4%��.§/�� 42!4! 3%�!0%.!3�$%�5-� #(!4/�-%3-/å A Psicologia é múltipla por natu- reza. Engana-se quem atribui tal característica apenas em FUN¥ÎO� DE� SUAS� CENTENAS� DE� LINHAS� TEØRICAS�� .OSSA� CIÐNCIA� TAMBÏM� DISPÜE�DE�VÉRIAS�TEORIAS�SOBRE�MOTIVA¥ÎO�� liderança e até mesmo sobre personali- DADE��O�QUE�PODE�SER�DIFÓCIL�DE�COMPRE ender para alguém não acostumado com A glamourização da CHATICE psicopositivo.indd 18 25/08/2017 11:34:59 psique ciência&vida 19www.portalespacodosaber.com.br Lilian Graziano é psicóloga e doutora em Psicologia pela USP, com curso de extensão em Virtudes e Forças Pessoais pelo VIA Institute on Character, EUA. É professora universitária e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento, onde oferece atendimento clínico, consultoria empresarial e cursos na área. graziano@psicologiapositiva.com.br IM AG EN S: 1 23 RF E S HU TT ER ST O CK / A CE RV O P ES SO AL sendo reconhecida como a “verdadeira e mais importante” das inteligências, uma vez que, de acordo com as pesquisas de 3ALOVEY�E�-AYER��PAIS�DO�CONCEITO�DE�)%�� tal inteligência seria capaz de sobrepujar ATÏ�MESMO�O�TRADICIONAL�1)�QUANDO�O�AS SUNTO�ERA�A�PREVISÎO�DO�SUCESSO�PROl�SSIO nal das pessoas. -AS�SE�� COMO�VIMOS�� ATÏ�MESMO�NO� MEIO� CIENTÓl�CO� A� INTELIGÐNCIA� PODE� SER� VISTA� DE� MANEIRAS� DIFERENTES�� PODE SE� IMAGINAR�A�CONFUSÎO�QUE�O�TEMA�DESPER ta junto ao chamado senso comum. Em outras palavras, a “inteligência” das ruas talvez não seja tão “inteligente” quanto SE�PODERIA�SUPOR��4ALVEZ�SEJA�POR�ISSO�QUE� PROLIFERAM�OS�TIPOS�QUE�COSTUMO�CHAMAR� DE� hPSEUDOINTELIGENTESv�� !� VARIEDADE� DE� PSEUDOINTELIGENTES�Ï�QUASE�ILIMITADA��.ÎO� HÉ� COMO� DISTINGUI LOS� DOS� VERDADEIRA MENTE�INTELIGENTES�POR�SUAS�CORES��FORMAS� OU� MESMO� IDADES�� /� HABITAT� DO� PSEU dointeligente também é variado. E o que é pior, paradoxalmente, eles abundam até mesmo nos meios acadêmicos (onde es- tranhamente podem se tornar contagio- SOS ��.ÎO�HÉ� TAMBÏM�DETERMINADA�ÏPO ca do ano em que os pseudointeligentes PROLIFERAM��EMBORA�SEJA�COMPROVADO�QUE� /�(!")4!4�$/� 03%5$/ ).4%,)'%.4%� ¡�6!2)!$/��%� /�15%�¡�0)/2�� 0!2!$/8!,-%.4%�� %,%3�!"5.$!-�!4¡� -%3-/�./3�-%)/3� !#!$º-)#/3��/.$%� %342!.(!-%.4%� 0/$%-�3%�4/2.!2� #/.4!')/3/3 em tempos de politicamente correto eles se multipliquem com espantosa rapidez. !S� CARACTERÓSTICAS� ACIMA� MENCIONA DAS�PODEM�TORNAR�BASTANTE�DESAl�ADORA�A� TAREFA�DE� IDENTIl�CARMOS�UM�PSEUDOINTE LIGENTE�� 0ORÏM�� HÉ� DE� SE� CONSIDERAR� QUE� O� MAIOR� DESAl�O� DESSA� TAREFA� CONSISTE� JUSTAMENTE�NO�FATO�DE�HAVER�CERTAS�SEME lhanças entre tal espécime e as pessoas de inteligência genuína. !LÏM� DE� UM� DISCURSO� ELABORADO�� NA� medida em que muitas vezes a capaci- DADE� DE� FAZER� PERGUNTAS� DESCREVE� ME lhor a inteligência do que a prontidão para respondê-las, é compreensível que algumas características humanas, como a capacidade crítica e o chamado espí- rito questionador, sejam vistas como si- nônimos de inteligência, o que até certo PONTO� FAZ� TODO� SENTIDO��-AS� APENAS� ATÏ� CERTO�PONTO��!�SUPERVALORIZA¥ÎO�DA�CRÓTI ca e do espírito questionador pode levar a nada mais do que a glamourização não da inteligência, mas de algo bem menos SOl�STICADO�QUE�ISSO��A�MAIS�PROSAICA�DAS� CHATICES�� )SSO�� AO� LADO� DO� QUE� JÉ� DISCUTI� nesta coluna e a que chamo de glamou- rização da tristeza (que explico como HERAN¥A� BYRONIANA �� ESTARIA� POR� REFOR¥AR� o comportamento de hordas de sujeitos chatos e depressivos, exatamente aque- les a quem chamo de pseudointeligentes, que continuarão a existir enquanto hou- VER�PESSOAS�QUE�ACREDITAM�QUE�A�FELICIDA de é uma bênção dos mansos, daqueles que pensam menos, que criticam menos e que, portanto, teriam menos a contribuir COM�A�SOCIEDADE��#OMO�SE�O�MAU�HUMOR� FOSSE�UMA�VANTAGEM�EVOLUTIVA��COMO�SE�O� OTIMISMO�NÎO�FOSSE�TAMBÏM�RESULTADO�DE� UMA�PROFUNDA�ANÉLISE�CRÓTICA�ACERCA�DAS� POSSIBILIDADES�DE�ÐXITO��#OMO�SE�O�MUN DO�FOSSE�OU�BRANCO�OU�PRETO��E�NÎO�UMA� COLE¥ÎO�DE�POSSIBILIDADES�QUASE�INl�NITAS� de cinzas... e de azuis, é claro! 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Como inicialmente não éramos providos de grande veloci- dade para a caça, depois das ferramen- tas, que nos permitiram extrair vegetais, construímos os primeiros instrumentos PARA�SUPRIR�ESSA�DIl�CULDADE�E�PODERMOS� obter carne através da caça. Passamos para uma alimentação rica em proteí- nas, especialmente a cozida, que promo- veu um extraordinário desenvolvimento de nosso cérebro, e o homem criou en- tão a sua ferramenta mais espetacular: a linguagem falada, que impulsionou a transmissão dos conhecimentos, inclusi- ve mais tarde, na forma escrita. Ferramentas nos fazem progredir também em educação. Mas é preciso pon- derações. É comum vermos nas revistas, na internet, na TV muitos artigos e pro- to com as experiências vivenciadas no meio ambiente, desenvolve cada criança cognitiva, social, biológica e emocional- MENTE�� CONSTRUINDO� UMA� CONl�GURA¥ÎO� COMPORTAMENTAL�QUE�DIl�CILMENTE�PODE RÉ�SER�MODIl�CADA�MAIS�TARDE�� Como cada cultura e cada família têm uma forma diferente de vivenciar essas questões e um tipo distinto de am- bição educacional, o leque da diversida- de, já imenso frente às questões biológi- cas e emocionais, se multiplica. Por essa razão, os mais importantes aconselha- MENTOS� PROl�SSIONAIS�� REGRAS� E� NORMAS�� que em tese foram pensados para favore- cer a educação das crianças, não devem ser tomados como uma bula de remédio que cura qualquer doença, porque isso não funciona dessa forma. As peculiaridades do ser humano pas- sam pela genética, pelos aspectos cultu- rais trazidos pela origem da família, pelo MOMENTO�AFETIVO��SOCIAL��l�NANCEIRO��CULTU ral, por condições de saúde física e mental, que delimitam características e determi- nam necessidades diferenciadas de com- preensão e de ações educativas, principal- mente nos primeiros cinco anos de vida. Se assim não fosse, gêmeos seriam exa- tamente iguais, e todos sabemos que não é assim: o contato e a troca com o meio e a maneira como cada qual recebe essa INm�UÐNCIA�VIVENCIADA�NAS�EXPERIÐNCIAS�DE� gramas com aconselhamentos sobre edu- cação infantil, quase todos interessantes a um tipo de público em particular: os pais. É grande o mérito desse trabalho, que ajuda muitas famílias, alertando-as e orientando-as quanto à forma como CONDUZEM�A�CRIA¥ÎO�DE�SEUS�l�LHOS��SUB sidiando nesse assunto tão importante quanto delicado. 1UANDO�ESCRITOS�POR�PROl�SSIONAIS�SÏrios, experientes, com anos de estudo e prática na área, constituem material de inegável utilidade e valor. São verdadeiras ferramentas, pois, em linguagem acessí- vel, traduzem e levam para a experiência do dia a dia intrincadas teorias e resulta- DOS�DE�PESQUISAS�CIENTÓl�CAS�NAS�ÉREAS�DA� educação, da Psicologia, entre outras. Por isso, podem e devem ser ouvidas, lidas e aproveitadas. Mas essas orientações feitas de modo genérico jamais eliminam a ne- CESSIDADE�DE�UMA�REm�EXÎO�E�ADEQUA¥ÎO�Ì� realidade de cada família e cada criança. %�NEM�DA�BUSCA�DE�UM�PROl�SSIONAL��QUAN do as dúvidas dos familiares impõem si- TUA¥ÜES�CADA�VEZ�MAIS�CONm�ITUOSAS� A máxima “cada caso é um caso” se aplica perfeitamente bem à educação, dada a singularidade do ser humano, desde o momento de seu nascimento – senão antes – e durante os primeiros anos. É no início da vida que todo apa- rato genético e neurológico, em conta- PESQUISAS RECONHECIDAS MOSTRAM QUE A CONSTRUÇÃO DA INTELIGÊNCIA É INFLUENCIADA POR ASPECTOS GENÉTICOS E AMBIENTAIS EM MEIO A UM COMPLEXO DE TROCAS DE EXPERIÊNCIAS DE VÁRIAS ORDENS Ferramentas da EDUCAÇÃO psicopedagogia.indd 20 25/08/2017 11:31:35 psique ciência&vida 21www.portalespacodosaber.com.br Maria Irene Maluf é especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e Neuroaprendizagem. Foi presidente nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp (gestão 2005/07). É autora de artigos em publicações nacionais e internacionais. Coordena curso de especialização em Neuroaprendizagem. irenemaluf@uol.com.br IM AG EN S: 1 23 RF E S HU TT ER ST O CK / A RQ UI VO P ES SO AL vida, sejam sensoriais, motoras, psíquicas, cognitivas, vão moldar pessoas diferentes, que precisam de um olhar personalizado, de observação e educação pensadas espe- cialmente para elas. Em educação, há ferramentas impor- tantíssimas, que são os valores social- mente aceitos pela cultura onde a criança crescerá e que fazem parte dos padrões éticos e morais de comportamento dos cidadãos, das famílias. Até aí, todo acon- selhamento de bom senso é bem-vindo, assim como os de hábitos gerais de saúde e higiene, de conservação de alimentos, datas de vacinação etc., feitos estes últi- MOS�PELOS�PROl�SSIONAIS�DA�SAÞDE�� OS ACONSELHAMENTOS PROFISSIONAIS, REGRAS E NORMAS, QUE VISAM FAVORECER A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS, NÃO DEVEM SER TOMADOS COMO UMA BULA DE REMÉDIO QUE CURA QUALQUER DOENÇA Adquirir destreza nessas ferramentas especializadas, de forma aprofundada, exige longos estudos e anos de prática: como motivar, modelar, reforçar com- portamentos positivos, desenvolver mu- danças no campo da aprendizagem e do comportamento, de forma séria, diretiva E�El�CAZ��¡�UM�TRABALHO�PROl�SSIONAL��SIN gular, que não pode ser substituído por aconselhamentos genéricos. Então, qual a importância deste e TANTOS�OUTROS�ARTIGOS�ESCRITOS�POR�PROl�S sionais de diferentes áreas, para orientar as famílias? Respondo aqui: são, antes de TUDO�� REm�EXÜES� OU� ALERTAS�� QUE� BUSCAM� sinalizar, de forma generalizada, a ajuda mais indicada aos pais quando a dúvida Ï�A�RESPEITO�DA�EDUCA¥ÎO�DOS�l�LHOS� Mas – e essa é a diferença – há co- NHECIMENTOS� ESPECÓl�COS�� FERRAMENTAS� individualizadas, cujo domínio se cir- cunscreve a especialistas da educação e da Psicopedagogia e que, para serem bem aplicados, não dispensam o conta- TO� PROl�SSIONAL� DIRETO� COM�CADA� FAMÓLIA� e sua criança, sua história, objetivando resolver as questões e desenvolver toda potencialidade infantil. psicopedagogia.indd 21 25/08/2017 11:31:38 22 psique ciência&vida INFANTIL www.portalespacodosaber.com.br 12 3R F Imperadores DOMÉSTICOS Ao longo dos anos foi surgindo uma geração de crianças mimadas e autoritárias, sem limites definidos, que está intimidando e exaurindo pais e educadores Por Lilian Zolet Gritos, birra, jogar-se no chão, mandar e bater encorpam a trama de comportamentos das crianças sem limites defi nidos. A presença dessas crianças na prática clínica vem aumentando, encaminhadas pela escola ou trazidas pelos pais, que se encontram exauridos emocionalmente. Mas o que de fato está acontecendo com as crianças para se comportarem de maneira autoritá- ria, mandona e desrespeitosa com os pais e professores? Um dos fatores apontados por psi- cólogos e pedagogos (2015) são as mu- danças socioculturais da última década, que levaram os pais a terem menos tem- po para permanecer com os fi lhos e, por isso, fi cam mais propensos a aceitar as birras e a superproteger, compensando, assim, a sua ausência. Outro condicio- nante é o modelo de educação autori- tária, na qual os pais foram submetidos, ou seja, ambientes de muita repressão, Lilian Zolet é psicóloga e psicoterapeuta. Pós-graduada em Saúde Pública, com ênfase na Saúde da Família, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental. É autora do livro Síndrome do Imperador: Entendendo a Mente das Crianças Mandonas e Autoritárias e coautora do livro TCC em Crianças e Adolescentes: Guia de Referência de Ferramentas e Estratégias Terapêuticas, com o qual ganhou o prêmio Bernard Rangé, instituído pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). mágoas e culpa. Para fugir dessa ma- triz e não replicá-la, muitos pais aca- bam afrouxando as rédeas e tornam-se reféns emocionais dos fi lhos ao serem lenientes com caprichos e birras deles. Quando os pais são indulgentes, os fi - lhos desenvolvem a crença de que tudo podem e transformam-se em imperado- res domésticos, cujo comportamento é transferido para a sala de aula e na rela- ção com demais colegas. O médico psiquiatra e referência em matéria de comportamento huma- no no Brasil, Içami Tiba (2010), afi rma: “Os pais, não sabendo ser pais, estão sendo dominados por crianças tempe- ramentais, que querem fazer o que que- rem, e os pais não têm condições de im- por limites e disciplina, porque temem perder o amor dos fi lhos. Isso não é pai que se preze, porque ele se torna refém do seu medo e o fi lho pequeno acostu- ma a reinar, a mandar nos pais”. Pode-se imaginar que quando a criança não aprende com os progenito- res que ela não pode ter tudo o que de- seja, no seu tempo e ao seu modo, terá difi culdade em assimilar as regras so- ciais inerentes à convivência. Com isso, a probabilidade desse infante infringir as regras sociais será alta. É possível observar isso na escola, a exemplo de a criança xingar o professor, roubar brin- quedos, não aceitar as orientações, bater nos colegas, não querer fazer as tarefas, mentir e outros tantos comportamentos muitas vezes negligenciados pelos pais. Tais pais têm difi culdade em dizer “não” e inserir consequências para os comportamentos errados da criança com medo de ferir ou traumatizar emo- cionalmente. O efeito para essa falta de SINDROME_IMPERADOR.indd 22 25/08/2017 15:21:18 psique ciência&vida 23www.portalespacodosaber.com.br 12 3R F SINDROME_IMPERADOR.indd 23 25/08/2017 15:21:43 24 psique ciência&vida INFANTIL www.portalespacodosaber.com.br Pode-se imaginar que quando a criança não aprende com os seus progenitores que ela não pode ter tudo o que deseja, no seu tempo e ao seu modo, terá dificuldade em assimilar as regras sociais inerentes à convivência social limite é que os pais estão ensinando ao fi lho que ele pode ter tudo e que os outros vão servi-lo para suprir suas necessidades, tornando-os verdadeiros imperadores domésticos. O médico Içami Tiba (2010) ressalta: “Os fi lhos dessa geração foram criados sem noção de padrões de comportamento e limi- tes, formando uma geração de “prínci- pes” e “princesas” com mais direitos do que deveres, mais liberdadedo que res- ponsabilidade, mais “receber” do que “dar” ou “retribuir”, colocando voz de mando na casa, na escola, com os ami- gos e na sociedade”. O termo síndrome do imperador ou imperador doméstico tornou-se popular pelos profi ssionais da área da saúde, principalmente por psicólogos, pedagogos e pediatras, para elucidar os comportamentos de mando, birra e agressividade de algumas crianças, que submetem os pais aos seus ca- prichos. O sistema diagnóstico mais amplamente utilizado pelos profi ssio- nais, o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), classifi ca esse repertório de compor- tamentos disfuncionais (padrão fre- quente e persistente de humor raivo- so/irritável, questionador/desafi ante ou de índole vingativa, com duração de pelo menos seis meses, preenchen- do ao menos quatro sintomas de qual- quer das categorias descritas no ma- nual) como transtorno desafi ador de oposição (TDO), compondo a classe dos transtornos disruptivos. Transgressão de normas Os transtornos disruptivos são co-nhecidos pelos profi ssionais da área da saúde como sendo os compor- tamentos associados à transgressão de normas, desafi adores e antissociais, que causam muito incômodo nas pessoas por serem problemas externalizantes, de grande impacto no ambiente so- cial, em geral com implicações severas (Koch; Gross, 2005; Veiga, 2007). Des- sa maneira, crianças disruptivas geram sentimentos negativos muito fortes nos outros, como raiva, frustração e ansie- dade, ocasionando prejuízos sociais graves (Friedberg; McClure, 2001). Os imperadores domésticos lide- ram a casa, xingam os pais, babás e pro- fessores, escolhem a comida que vai ser feita, defi nem o que deve ser assistido na TV, a hora de ir dormir e acordar, as atividades do dia, se querem ou não fazer a tarefa da escola e estudar para a prova. Também mandam nas brincadei- ras fazendo com que as demais crianças obedeçam às suas ordens, choram e se atiram ao chão, batem a cabeça na pa- rede, jogam os alimentos ou cospem no rosto dos pais, agridem e ameaçam psi- cologicamente os progenitores quando seus caprichos não são atendidos. Geralmente, esses comportamen- tos costumam apresentar relevância por volta dos 7 anos de idade. Entretanto, o desrespeito e a desobediência começam a aparecer bem antes. Cabe lembrar IM AG EN S: S HU TT ER ST O CK E 1 23 RF �Modelos de pais Para Rutter apud Kaplan (1997), existem qua- tro modelos de pais: 1) Autoritários: carac- terizados por posturas rígidas e regras in- flexíveis. 2) Permissivos: caracterizados por posturas indulgentes e ausência de limites. 3) Indiferentes: caracterizados por posturas negligentes e falta de envolvimento. 4) Recí- procos: caracterizados por posturas de coo- peração e compartilhamento na tomada das decisões, com um comportamento dirigido de modo racional (limites definidos). A presença de crianças que adotam comportamentos agressivos e cheios de vontade na prática clínica vem aumentando, encaminhadas pela escola ou trazidas pelos pais SINDROME_IMPERADOR.indd 24 25/08/2017 15:21:51 psique ciência&vida 25www.portalespacodosaber.com.br O termo síndrome do imperador ou imperador doméstico tornou-se popular, principalmente por psicólogos, pedagogos e pediatras, para elucidar comportamentos de mando e agressividade de crianças que submetem os pais aos seus caprichos IM AG EN S: S HU TT ER ST O CK E 1 23 RF que toda criança em algum momento de sua trajetória vai desobedecer algu- ma orientação. Isso faz parte da curio- sidade e do ciclo de aprendizagem do infante. Quando se trata da síndrome do imperador tais comportamentos são frequentes e intensos, resultando em sérios prejuízos nas relações interpesso- ais, afetando a casa, a escola e os amigos. Em crianças entre 2 e 3 anos, a de- sobediência é comum, pois ela é muito pequena e a percepção do real e dos pró- prios sentimentos ainda é inadequada. Entretanto, é justamente nesse estágio que os pais devem ajudar a criança a or- ganizar e a administrar as emoções e os comportamentos. Para isso, os pais de- vem adotar algumas posturas orientati- vas para que a criança aprenda padrões de comportamentos mais adequados (Calçada, 2014). Os pais são os pri- meiros exemplos para a criança, e esta molda seus comportamentos de acordo com o que absorve e assimila das pesso- as e dos ambientes onde convive. Quando os pais não orientam a criança ou até mesmo quando validam o erro, esses comportamentos ditos como disfuncionais aumentam de intensidade até chegar à desobediência total, ocasio- nando a síndrome do imperador. Se não corrigidos, a criança poderá desenvol- ver o transtorno de conduta ou mesmo se transformar em uma personalidade antissocial na adultidade. Do ponto de vista dos teóricos psi- codinâmicos, a origem dos comporta- mentos disfuncionais se dá pela quali- dade do relacionamento da criança com seus pais. Se os pais são indulgentes, os filhos crescem acreditando que podem fazer qualquer coisa, sem responder pelos efeitos. Enquanto que se os pais são abertamente restritivos, as crianças se desenvolvem acreditando que, para satisfazer suas necessidades, devem to- mar o que desejam, independentemente das consequências. Nessas situações, o elemento comum é a frustração. E, em muitos casos, a frustração leva à agres- são (Holmes, 1997). criança modela a percepção de si mes- ma, do outro e do mundo, refletindo diretamente nos modelos de relaciona- mentos futuros. Para a autora Rodrigues (2015), as pessoas que cuidam da criança trans- mitem de modo consciente ou incons- ciente informações que darão a base ou alicerce para o desenvolvimento da personalidade do infante. Por meio do embalar, do cuidar, do pegar, do falar os adultos estão apresentando o mundo para a criança. Se os pais são afetivos, cuidadosos e pacientes, a criança acredita que o mun- do é seguro e a sensação de segurança é aprendida. Entretanto, se há negligência nos cuidados primários, falta de incen- tivo e afeto, olhar punitivo demasiado, ambiente agitado e falta de limites rea- listas, a criança aprende que o mundo é perigoso, estressante, e a instabilidade será instaurada por meio de esquemas disfuncionais. Já os pesquisadores da aprendiza- gem sugerem que os comportamentos inadequados são aprendidos pela imi- tação e gratificação. Holmes (1997) comenta que diversas pesquisas em Psi- cologia indicam que indivíduos que ob- servam agressão em outros, subsequen- temente desempenham mais atos de agressão. Nessa mesma linha, pesquisas evidenciaram que mães que usaram comportamentos mais agressivos na educação dos filhos tiveram, em geral, crianças mais agressivas do que as que usaram métodos menos hostis. Ou seja, a punição somente pareceu promover mais agressividade em vez de reduzi-la. Vínculos O psiquiatra e psicólogo Bowlby (1989) comenta que todos os se- res humanos estabelecem vínculos afe- tivos fortes uns com os outros desde os primeiros anos de vida. É por meio da qualidade desse vínculo inicial que a Na escola, o problema se manifesta em xingar o professor, roubar brinquedos, não aceitar as orientações, bater nos colegas, não querer fazer as tarefas e mentir SINDROME_IMPERADOR.indd 25 25/08/2017 15:21:58 26 psique ciência&vida INFANTIL www.portalespacodosaber.com.br Em síntese, os esquemas disfun- cionais são padrões emocionais e cognitivos autoderrotistas iniciados no desenvolvimento desde cedo e re- petidos ao longo da vida. Em grande medida, a dinâmica familiar de uma criança é a dinâmica de todo o seu mundo remoto (Young, 2008). Ou- tras infl uências, de
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