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A CASA DOS SONHOSSONHOS 62 EDUCAÇÃO FINANCEIRA 62 REVISTA RI Novembro 2014 Esse é o tema do e-mail que recebi de uma leitora, que segue resumido a seguir: “Sou a filha temporã de uma numerosa família. Meu pai era médico do interior e sempre disse que o segredo de ter uma boa vida foi ter comprado sua casa própria. Ele dizia: ‘quem tem casa não tem prestação para pa- gar e pode gastar o que ganha para o conforto da família’. Tendo ele como modelo, meu marido e eu lutamos muito e compramos a casa dos nossos sonhos, sem financiamento. Porém, não me livrei das prestações! Pago condomínio, jardineiro, IPTU, seguro, energia, água e esgoto, internet, tv e telefone, pet shop, duas empregadas, limpador de piscina e até uma pessoa para passear com os cachorros. Isto apenas relacionado à casa, pois há mui- tas outras, como mensalidade escolar, plano de saúde... ufa é muita conta!” Para pagar todas as contas a leitora e o marido trabalham muito. Quase não têm tempo para aproveitar a casa dos so- nhos que construíram e, o que é pior, falta tempo para se dedicar aos dois filhos pequenos – o que ela confessa tentar compensar com uma série de presentes e bens materiais. A leitora finalizou o e-mail perguntando: “O que deu errado? Porque a casa dos meus sonhos está virando um pesadelo?” CASA E LAR No campo da psicologia existe uma intensa discussão sobre as diferenças entre mente e cérebro. Para muitos pesquisa- dores, ambas as palavras definem a mesma coisa, já que con- sideram que não pode existir mente sem cérebro ou cérebro sem mente. Outra corrente julga que, mesmo interdepen- dentes, cérebro e mente são diferentes. De forma simples, mas não exata, pode-se dizer que o cérebro é o hardware e a mente é o software. O cérebro é constituído de estruturas físicas onde operam conexões elétricas. A mente processa os sentimentos. É ela que identifica quando temos medo, amamos e como toma- mos nossas decisões. Há exemplos de cérebros perfeitos onde opera uma mente doentia, e também de muitos cére- bros doentes que operam mentes perfeitas. De forma análoga podemos falar das diferenças entre casa e lar. A casa é o local físico constituído de paredes, telhado, portas e janelas. Já o lar é o local do acolhimento, das expe- riências, das soluções e do perdão. Você já refletiu sobre as diferenças entre uma casa e um verdadeiro lar? Todos nós em algum momento da vida nos lançamos à tarefa de construir uma boa casa, porque acreditamos que nela poderemos vir a ter um belo lar. O que queremos em nosso íntimo de fato é o lar. A casa é o meio pelo qual procuramos atingir esse sonho. Muitas vezes, a opulência da casa é confundida com a riqueza do lar. por JURANDIR SELL MACEDO 63REVISTA RINovembro 2014 Existem muitas casas em que não existe um lar. No entanto, é muito difícil construir um lar sem que exista uma casa. Casas enormes e luxuosas podem ter em seu interior um lar pequeno e pobre. Já muitas casas simples podem acolher lares extraordinários e ricos. O valor de uma casa é medido pela quantidade de dinheiro que ela representa. O valor de um lar, pela felicidade da- queles que lá habitam. Lar é um local onde a convivência é bem-vinda, para onde os moradores contam as horas para voltar ao final do dia e poderem sentir-se acolhidos. Uma casa sem lar é onde, ao chegar, os filhos passam corren- do pelos pais na ânsia de logo se trancar em seus quartos e em seu mundo particular. É um lugar para onde, a cada dia, o marido e a esposa buscam retardar ao máximo o momento do retorno e de onde procuram adiantar o momento da saída. O SONHO Muitas famílias dedicam tempo e energia para construir ca- sas enormes e luxuosas. Uma casa nos Estados Unidos tinha em média 92m2 em 1950 chegou a quase 210m2 em 2010. Com a crise das hipotecas pela primeira vez na história essa tendência de crescimento começou a apresentar leve retra- ção. Como as famílias reduziram de tamanho, atualmente em média cada americano ocupa uma área de 76 m2, quase quatro vezes mais do que um americano da década de 1950. Não tenho estatísticas precisas do Brasil mas penso que as estatísticas americanas balizam o que acontece com as famí- lias brasileiras de classe mais elevada. Além do evidente esforço necessário para conseguir recur- sos para a aquisição destas casas ou apartamentos cada vez maiores, as famílias precisam lembrar que quanto maior a JURANDIR SELL MACEDO é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). jurandir@edufinanceira.org.br casa maiores serão os custos. Em termos de recursos finan- ceiros para conquistar o patrimônio e também em termos de custos pessoais, já que é necessário dedicar tempo para manter esta estrutura. O que a leitora aponta é um sentimento de um número cada vez maior de pessoas: o esforço necessário para construção e manutenção da casa dos sonho acaba fazendo com que não sobre tempo para cultivar um lar. QUE TAL REFLETIR? Muitas pessoas passam a vida buscando riqueza, quando na verdade gostariam de ter felicidade. As pessoas perseguem a riqueza por acreditar que um grande patrimônio e muito dinheiro são a fonte da felicidade – o que eles não são. Há pessoas que constroem grandes patrimônios, passam a viver em luxuosas mansões e adotam um estilo de vida tão sofisticado que fica difícil manter o padrão. Passam a enfren- tar a dificuldade de gerar a imensa quantidade de dinheiro que seu patrimônio e seus hábitos de consumo requerem. São pessoas que aparentam ser muito ricas, mas que ou sofrem com a falta de dinheiro ou precisam correr muito para ga- nhar dinheiro o bastante e sustentar suas falsas necessidades. O que sugiro para a leitora - e para todos aqueles que se iden- tificam com ela - é que pensem um pouco se um estilo de vida mais simples. Uma casa menor e de manutenção mais simples poderia melhorar sua qualidade de vida? Se a res- posta for sim, considere essa mudança. Para aqueles que ain- da pensam em construir a casa dos sonhos, aproveite para refletir se este sonho não pode ser simplificado ao extremo. Pesquise sobre os movimentos Tiny House na Europa e Amé- rica do Norte para inspirar-se em lares acolhedores que não vêm de casas enormes. Uma boa casa ajuda a construir um lar tanto quanto o di- nheiro ajuda a trazer felicidade. Mas eles não são sinônimos. Uma casa não é um lar e ter todo o dinheiro do mundo não é capaz de gerar felicidade. RI O valor de uma casa é medido pela quantidade de dinheiro que ela representa. O valor de um lar, pela felicidade daqueles que lá habitam. EDUCAÇÃO FINANCEIRA 64 REVISTA RI Novembro 2014
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