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ENADE COMENTADO 2007 Serviço Social Chanceler Dom Dadeus Grings Reitor Joaquim Clotet Vice-Reitor Evilázio Teixeira Conselho Editorial Ana Maria Lisboa de Mello Elaine Turk Faria Érico João Hammes Gilberto Keller de Andrade Helenita Rosa Franco Jane Rita Caetano da Silveira Jerônimo Carlos Santos Braga Jorge Campos da Costa Jorge Luis Nicolas Audy – Presidente José Antônio Poli de Figueiredo Jurandir Malerba Lauro Kopper Filho Luciano Klöckner Maria Lúcia Tiellet Nunes Marília Costa Morosini Marlise Araújo dos Santos Renato Tetelbom Stein René Ernaini Gertz Ruth Maria Chittó Gauer EDIPUCRS Jerônimo Carlos Santos Braga – Diretor Jorge Campos da Costa – Editor-chefe Gleny Terezinha Duro Guimarães Francisco Arseli Kern (organizadores) ENADE COMENTADO 2007 Serviço Social Porto Alegre 2010 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Ficha Catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS. EDIPUCRS – Editora Universitária da PUCRS Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33 Caixa Postal 1429 – CEP 90619-900 Porto Alegre – RS – Brasil Fone/fax: (51) 3320 3711 e-mail: edipucrs@pucrs.br - www.pucrs.br/edipucrs © EDIPUCRS, 2010 CAPA Vinícius Xavier PREPARAÇÃO DE ORIGINAIS Gleny Terezinha Duro Guimarães e Francisco Arseli Kern REVISÃO DE TEXTO Rafael Saraiva EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Gabriela Viale Pereira e Laura Guerra Questões retiradas da prova do ENADE 2007 do Serviço Social E56 ENADE comentado 2007 : serviço social [recurso eletrônico] / organizadores, Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2010. 127 p. Sistema requerido: Adobe Acrobat Reade Modo de Acesso: <http://www.pucrs.br/edipucrs/> ISBN 978-85-397-0002-8 (on-line) 1. Ensino Superior – Brasil – Avaliação. 2. Exame Nacional de Desempenho de Estudantes. 3. Serviço Social – Ensino Superior. I. Guimarães, Gleny Terezinha Duro. II. Kern, Francisco Arseli. CDD 378.81 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... 7 Beatriz Gershenson Aguinsky COMPONENTE ESPECÍFICO - QUESTÕES OBJETIVAS QUESTÃO 11 ........................................................................................................... 10 Maria Beatriz Marazita QUESTÃO 12 ........................................................................................................... 14 Jane Cruz Prates QUESTÃO 13 ........................................................................................................... 17 Maria Palma Wolff QUESTÃO 14 ........................................................................................................... 22 Idilia Fernandes QUESTÃO 15 ........................................................................................................... 26 Márcia Salete Arruda Faustini QUESTÃO 16 ........................................................................................................... 31 Dolores Sanches Wünsch QUESTÃO 17 ........................................................................................................... 35 Maria Palma Wolff QUESTÃO 18 ........................................................................................................... 38 Leonia Capaverde Bulla QUESTÃO 19 ........................................................................................................... 44 Inês Amaro da Silva QUESTÃO 20 ........................................................................................................... 47 Ana Lúcia Suárez Maciel QUESTÃO 21 ........................................................................................................... 50 Dolores Sanches Wünsch QUESTÃO 22 ........................................................................................................... 54 Idilia Fernandes QUESTÃO 23 ........................................................................................................... 62 Esalba Maria Silveira QUESTÃO 24 ........................................................................................................... 65 Maria Isabel Barros Bellini QUESTÃO 25 ........................................................................................................... 69 Idilia Fernandes QUESTÃO 26 ........................................................................................................... 74 Ana Lúcia Suárez Maciel e Leonia Capaverde Bulla QUESTÃO 27 ........................................................................................................... 78 Ana Lúcia Suárez Maciel e Inês Amaro da Silva QUESTÃO 28 ........................................................................................................... 82 Patricia Krieger Grossi QUESTÃO 29 ........................................................................................................... 85 Esalba Maria Silveira QUESTÃO 30 ........................................................................................................... 89 Márcia Salete Arruda Faustini e Francisco Arseli kern QUESTÃO 31 ........................................................................................................... 94 Patricia Krieger Grossi QUESTÃO 32 ........................................................................................................... 96 Jane Cruz Prates QUESTÃO 33 ......................................................................................................... 100 Patricia Krieger Grossi QUESTÃO 34 ......................................................................................................... 102 Gleny Terezinha Duro Guimarães e Anelise Gronitzki Adam QUESTÃO 35 ......................................................................................................... 107 Gleny Terezinha Duro Guimarães e Anelise Gronitzki Adam QUESTÃO 36 ......................................................................................................... 112 Alzira Maria Baptista Lewgoy QUESTÃO 37 ......................................................................................................... 115 Alzira Maria Baptista Lewgoy COMPONENTE ESPECÍFICO - QUESTÕES DISCURSIVAS QUESTÃO 38 ......................................................................................................... 120 Maria Beatriz Marazita QUESTÃO 39 ......................................................................................................... 123 Maria Palma Wolff QUESTÃO 40 ......................................................................................................... 124 Maria Isabel Barros Bellini LISTA DE CONTRIBUINTES ................................................................................. 126 ENADE Comentado 2007: Serviço Social 7 APRESENTAÇÃO Um dos maiores desafios que se coloca para todos aqueles que dão vida a dinâmicas e processos constitutivos da Educação Superior é a busca permanente por mecanismos de construção de conhecimentos e aprendizagem que, de fato, decorram de processos avaliativos. Como aprender sem avaliar? Como avaliar sem perder de vista os processos formativos que deveriam ser intrínsecos a toda avaliação no âmbito educativo? E como agregar valor a estratégias avaliativas – sejam elas externas ou internas às Universidades – de modo a resistir a lógicas binárias e retrógradas que insistem em povoar a cultura das práticas avaliativas, quando associadas meramentea resultados per se, burocraticamente orientadas a formas de premiação ou punição nas mais variadas dimensões da educação? O enfrentamento desse desafio exige esforços intencionais de gestores, professores e alunos, para que processos avaliativos não apenas estejam incorporados ao cotidiano da vida universitária, mas que sejam conhecidos e apropriados por todos, servindo a propósitos elevados: o compartilhamento de saberes a serviço de patamares de qualidade na formação superior. Com esse propósito, a Faculdade de Serviço Social (FSS) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) associa-se à iniciativa da Pró- Reitoria de Graduação, através da EDIPUCRS, lançando o ENADE 2007 Comentado: Serviço Social, na forma de e-book. O Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) é parte integrante do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), responsável pela avaliação externa de Instituições de Ensino Superior e de Cursos. É objetivo do ENADE de aferir o rendimento dos estudantes dos cursos de graduação das Instituições de Ensino Superior. Por essa razão, costuma-se associá- lo tão somente a uma prova. No entanto, o ENADE articula quatro instrumentos distintos: uma prova, um questionário de impressões sobre a prova, um questionário socioeconômico – todos a serem respondidos pelos estudantes – e um questionário destinado ao(a) coordenador(a) do(a) curso/habilitação. Por força de disposições legais do SINAES, o ENADE é componente curricular obrigatório, ficando a colação de grau do estudante condicionada à comprovação de sua participação no Exame. 8 Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern (Orgs.) A prova aplicada na área de Serviço Social apresenta 40 questões, sendo 10 questões de formação geral, comuns a todos os cursos da área da saúde, e 30 questões de componente específico. Assim, tendo por base as questões do componente específico do ENADE 2007, aplicada em todo o território nacional aos estudantes de Serviço Social, a presente publicação reúne a contribuição de docentes da FSS/PUCRS, que responderam às questões do ENADE de modo comentado. O conjunto das questões e das respostas apresentadas na forma de e- book, certamente será uma oportuna fonte de consulta e estudos de temas contemporâneos da área para os estudantes e também como material didático para o trabalho em sala de aula. Agradeço aos Professores Francisco Arseli Kern e Gleny Terezinha Duro Guimarães que organizaram o ENADE 2007 Comentado: Serviço Social. Agradeço especialmente aos docentes da FSS que se dedicaram às respostas comentadas às questões do ENADE, cujo produto do zeloso trabalho, ao tornar-se público, revigora a certeza do quanto a avaliação formativa é fecunda para o aprimoramento constante da formação de qualidade em Serviço Social. Beatriz Gershenson Aguinsky Diretora da Faculdade de Serviço Social da PUCRS COMPONENTE ESPECÍFICO QUESTÕES OBJETIVAS 10 Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern (Orgs.) QUESTÃO 11 Corrente importante de estudiosos da profissão considera que a análise do papel do Serviço Social na reprodução das relações sociais deve partir do suposto de que a apreensão do significado histórico da profissão só é possível com a sua inserção na sociedade, pois o Serviço Social se afirma como instituição peculiar na e a partir da divisão social do trabalho. Esta concepção identifica, como princípio que rege a estruturação das relações sociais na sociedade, (A) a solidariedade. (B) a contradição de classes. (C) a ideologia. (D) a intersubjetividade. (E) o saber/poder. Gabarito: Questão B Tipo de questão: Escolha simples, com indicação da alternativa correta. Conteúdo avaliado: O Serviço Social no processo de reprodução das relações sociais Autora: Maria Beatriz Marazita Comentário: A questão correta é a B Desde os anos 80, a análise do significado social da profissão está centrada no processo de reprodução das relações sociais, sustentando que a questão social é indissociável das relações socais capitalistas, nos marcos da expansão monopolista e de seu enfrentamento pelo Estado. (Iamamoto, 2001: 27). A questão social encontra-se a base da profissionalização do Serviço Social (Iamamoto, 1992; Netto, 1992). Ela tem sido analisada como elemento fundante do exercício profissional na sociedade em suas múltiplas expressões: “A profissionalização da profissão pressupõe a expansão da produção e de relações sociais capitalistas, impulsionadas pela industrialização e urbanização, que trazem, no seu verso, a Questão Social” (Iamamoto, 2008:171). A obra Relações Sociais e O Serviço Social no Brasil de Iamamoto e Carvalho, publicada em 1982, apresenta a análise da profissão de Serviço Social no ENADE Comentado 2007: Serviço Social 11 processo de produção e reprodução das relações sociais e a tese de que a profissão afirma-se como uma especialização do trabalho coletivo no quadro do desenvolvimento industrial e da expansão urbana. Processos esses apreendidos sob o ângulo das classes sociais – a constituição e expansão do proletariado e da burguesia industrial – e as modificações verificadas na composição dos grupos e frações de classes que compartilham o poder do Estado em conjunturas históricas determinadas (Iamamoto, 2008:167). Os processos sociais que a questão social traduz estão no centro dos estudos de Marx sobre a sociedade capitalista. Nessa tradição intelectual o regime capitalista de produção é tanto um processo de produção das condições materiais da vida humana quanto um processo que se desenvolve sob relações sociais histórico- econômica: sua dinâmica produz e reproduz as condições materiais de existência; as relações socais contraditórias e as formas sociais através das quais se expressam. Indissociável relação entre a produção dos bens materiais e a forma econômica social em que é realizada, isto é, a totalidade das relações entre os homens em uma sociedade historicamente particular, regulada pelo desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social (Iamamoto, 2008:281). Essa é a forma clássica de compreender as relações sociais do trabalho em que sua dinâmica produz e reproduz seus expoentes: suas condições materiais de existência e as relações sociais contraditórias e as formas sociais através das quais se expressam. Essa análise tem uma dupla dimensão: a existência material das condições de trabalho e a forma social pela qual se realiza: a natureza do valor de troca e os fetichismos que a acompanham. Historicamente a Questão Social tem a ver com o surgimento da classe operária e seu ingresso no cenário político por meio das lutas em prol de direitos trabalhistas. Foram as lutas sociais que romperam o domínio privado nas relações entre capital e trabalho, extrapolando a questão social para a esfera pública, exigindo a interferência do estado para o reconhecimento e a legalização de direitos e deveres dos sujeitos sociais envolvidos (Iamamoto, 2001;17). Assim, o Estado afirma o caráter público da questão social, administrando suas refrações – que assumem um caráter massivo –, e reforça a aparência da 12 Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern (Orgs.) natureza privada de suas manifestações individuais, tidas como problema do indivíduo isolado (Netto, 2001:44). A alternativa A está incorreta porque o princípio da solidariedade, como diretriz ordenadora das relações sociais obscurece a coisificação das relações que se estabelece no universo da mercadoria, realçando as relações pessoais,solidárias, personalizadas. Analisar a sociedade a partir desse princípio é negar a sociedade capitalista e sua forma de produção e reprodução da vida material. A alternativa C está incorreta porque, segundo Thompson (1995), o conceito de ideologia é ambíguo e apresenta uma multiplicidade de significados e nuances diferentes devido o longo caminho percorrido desde que foi introduzido nas línguas europeias, há dois séculos. Na teoria social e política das duas últimas décadas houve duas respostas comuns à herança ambígua do conceito de ideologia. Uma define ideologia como “sistemas de pensamento”, “sistemas de crenças”, ou “sistemas simbólicos”, que se referem à ação social ou à prática política. A outra resposta aponta para o abandono do conceito. O conceito seria muito controvertido e contestado, demasiado marcado por uma história em que ele foi usado e abusado de diferentes modos, a tal ponto que ele não se prestaria mais, hoje em dia, para fins de análise social e política (Thompson,1995:16). A alternativa D está incorreta uma vez que a intersubjetividade não abrange a totalidade das relações entre os Homens em uma sociedade capitalista, regulada pelo desenvolvimento das forças produtivas do trabalho. A intersubjetividade remete a um sistema de valores e crenças, uma proliferação de divisões entre indivíduos e grupos, uma falta de consenso, atitudes opostas. A alternativa E está incorreta porque o saber/poder, remete a tese da “correlação de forças” que apresenta como eixo central de sua abordagem a relação do Serviço Social com a política, com o pensamento gramsciano, introduzindo noções de “hegemonia” e “intelectual”. Segundo Iamamoto (2008), nessa acepção o objeto de trabalho do assistente social é uma questão disputada, um objeto de luta formado pelas relações de força, de poder e de saber para a conquista pelas classes subalternas de lugares, recursos, normas e espaços ocupados pelas classes dominantes (Iamamoto, 2008:295). ENADE Comentado 2007: Serviço Social 13 Referências IAMAMOTO, Marilda Villela. Renovação e Conservadorismo no serviço social. Ensaios Críticos. São Paulo: Cortez, 1992. ______. A Questão Social no Capitalismo. In: TEMPORALIS. Revista da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa. ABEPSS. Ano II, nº3, janeiro a junho de 2001. ______. Serviço Social em Tempo de Capital Fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2008. ______; CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil. Esboço de uma interpretação histórico-metodológico. São Paulo: Cortez, 1982. NETTO, José Paulo. Cinco Notas a Propósito da “Questão Social”. In: TEMPORALIS. Revista da Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social – ABEPSS. Ano II, nº3, janeiro a junho de 2001. 14 Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern (Orgs.) QUESTÃO 12 Analise as afirmativas a seguir. Na expansão monopolista, as funções políticas do Estado burguês articulam-se organicamente com as suas funções econômicas. PORQUE O Estado condensa os interesses comuns de toda a sociedade. A esse respeito é possível concluir que (A) as duas afirmativas são verdadeiras, e a segunda justifica a primeira. (B) as duas afirmativas são verdadeiras, e a segunda não justifica a primeira. (C) a primeira afirmativa é verdadeira, e a segunda é falsa. (D) a primeira afirmativa é falsa, e a segunda é verdadeira. (E) as duas afirmativas são falsas. Gabarito: Questão C Tipo de questão: Escolha associada com indicação da resposta correta Conteúdos avaliados: Função política e econômica do Estado Autora: Jane Cruz Prates Comentário: O Estado tem papel fundamental na expansão monopolista, na medida em que além de proporcionar as condições estruturais para viabilizar esse processo, seja do ponto de vista da infraestrutura (prioridade na construção de portos, estradas, incentivos fiscais e auxílios econômicos), seja via superestrutura, a partir de uma cultura que promulga os valores capitalistas associados ao consumo e a mercantilização que capilarizam-se em todas as esferas da vida social ou ainda via legislação que protege os proprietários dos meios de produção. Contudo, é permeado pela luta de classes atendendo a demandas populares quando essas conformam-se como expressão da questão social. Ou seja, quando essas reivindicações coletivas têm poder de pressão e pautam a implementação de direitos e políticas públicas que as materializem. O Estado aporta, portanto, também as condições políticas para viabilizar esse processo na medida em que não podem ser dicotomizadas dos aspectos econômicos, pois se articulam organicamente. O desenvolvimento do capitalismo é impensável sem a ajuda do ENADE Comentado 2007: Serviço Social 15 Estado como mediador, o que não significa dizer que ele não é atravessado por contradições, como resultado da luta de classes e interesses antagônicos em disputa, embora seja preciso reconhecer que hegemonicamente atende aos interesses da classe dominante. Conforme Iamamoto (2004, p. 132), a expansão monopolista “aprofunda as disparidades econômicas, sociais e regionais, na medida em que favorece a concentração social, regional e racial de renda, prestígio e poder”. Para tanto, o Estado assume papel decisivo, unificando os interesses das frações da classe burguesa e como elemento que irradia sua ideologia, valores e interesses para toda a sociedade (cultura burguesa passada como cultura geral). Há diferentes formas de interpretar o papel do Estado. Numa primeira perspectiva é simplesmente considerado um aparelho de dominação de uma classe sobre a outra, contudo, em razão do reconhecimento da contradição, se pode afirmar que ele é permeado pelos diferentes interesses da sociedade, mesmo que em níveis diferenciados e deve, portanto, condensar os interesses coletivos. Pereira considera como condições fundamentais à explicitação da questão social a problematização da relação entre estrutura e sujeitos, entre necessidades e agentes com poder de pressão para dar visibilidade às formas diversas de opressão, mas, ressalta que é fundamental a presença de um Estado e uma superestrutura (leis, ensino, comunicação) que regule e garanta direitos. Contudo, é exatamente isso que está sendo desmantelado. Questão social, diz a autora, “não é sinônimo de contradição entre capital e trabalho [...], mas de embate político determinado por essas contradições” (Pereira, 2004, p. 53-54). Logo, com relação às alternativas de resposta apontadas na questão 12, a primeira afirma serem ambas verdadeiras e a segunda justifica a primeira. Em que pese o fato da primeira parte da afirmativa estar correta, a segunda não justifica a primeira, ao contrário a condensação de interesses, em princípio, deveria se contrapor a esse processo de expansão, na medida em que a grande maioria da população se vê alijada dos benefícios que proporciona a grupos privados. A alternativa B é a correta, considerando a segunda concepção de Estado apontada por nós. Nessa alternativa de resposta há a afirmação de que ambas são verdadeiras, embora a segunda não justifique a primeira. 16 Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern (Orgs.) A alternativa C considera a primeira resposta verdadeira e a segunda falsa, essa afirmativa só poderia ser considerada correta caso a concepção de Estado utilizada não levasse em conta a contradição, como explicitado anteriormente. Por fim, as alternativas D e E consideram a primeira assertiva falsa ou ambas as afirmações falsas, estão, portanto, incorretas. Referências IAMAMOTO, Marilda. A questão social no capitalismo. In: Revista Temporalis, nº. 3. Brasília:ABEPSS, 2004. p. 9-32. PEREIRA, Potyara. Questão social, Serviço Social e Direitos de Cidadania. In: Revista Temporalis, nº. 3. Brasília: ABEPSS, 2004. p. 51-62 ENADE Comentado 2007: Serviço Social 17 QUESTÃO 13 É hoje consensual que, no Brasil, o Serviço Social se origina no seio do movimento católico, mas seu processo de profissionalização e legitimação está vinculado à expansão das grandes instituições assistenciais em um período histórico marcado pelo aprofundamento do corporativismo do Estado e por uma política econômica industrializante. A expansão do proletariado urbano cria a necessidade política de controlar e absorver este contingente. O Estado, incorporando parte das reivindicações populares, amplia a base legal da cidadania, mediante uma intensa legislação social e sindical. Este período da história brasileira refere-se (A) à República Velha (1889-1930). (B) à Segunda República (1930-1937). (C) ao Estado Novo (1937-1945). (D) à Quarta República (1945-1964). (E) à transição democrática (1985-1988). Gabarito: Questão C Tipo de questão: Escolha simples com indicação da resposta correta Conteúdos avaliados: Desenvolvimento econômico e social brasileiro, institucionalização do Serviço Social, política social e legislação social no Brasil. Autora: Maria Palma Wolff Comentário: No contexto histórico brasileiro é apenas um ano antes da Proclamação da República que se registra a criação da primeira legislação social, com a criação de uma caixa de socorro para a burocracia pública. Tal concepção de proteção social, como direitos coorporativos, perdurará até os anos 60 do século XX. (BEHRING E BOSCHETTI 2007). Com a Proclamação da República em 1889 e a instalação da República Velha (1889-1930), outras legislações, abrangendo categorias específicas de trabalhadores urbanos, foram sendo implantadas, entre as quais se destaca a Lei Eloy Chaves, que em 1923 cria a Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários. No entanto, ainda que fosse registrado um crescente processo de 18 Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern (Orgs.) industrialização as iniciativas da época não representaram um rompimento com as características agrário-exportadora, oligárquica e rural da economia e da política brasileira. Assim, ainda que seja registrado a implantação de legislações e a expansão do proletariado no período mencionado, as reivindicações protagonizadas – citando-se em especial a greve geral de 1917 – não se traduziram em intensa legislação social e na expansão da cidadania (FEE 1983). O controle desses movimentos era dado por uma intervenção repressiva, ou seja, a resolução dos conflitos que emergiam da relação capital e trabalho eram tratados como casos de polícia e não alvo de estratégias políticas no âmbito do Estado, estando, portanto, incorreta a alternativa A. O segundo período, referido pela alternativa B, referente à Segunda República (1930-1937) é caracterizado pela crise do poder oligárquico e pelo aumento da importância da indústria e do comércio na economia, fato que contribuiu para o surgimento de medidas de promoção e controle da massa trabalhadora. Com a Revolução de 30 inicia-se um processo de centralização que reduziu a autonomia dos estados e aumentou a intervenção na sociedade; os movimentos do proletariado urbano, que possuía uma forte organização sindical, foram contrapostos com medidas de atrelamento ao Estado e de controle da massa trabalhadora através de uma significativa incorporação das políticas sociais. Foram criados inúmeros institutos de pensões e aposentadorias (bancários, comerciários, industriários) cuja separação por ramo de produção também significou um elemento de controle dos trabalhadores já que dificultava a união em torno de reivindicações comuns. Outro aspecto a destacar é a orientação dessa política para as populações urbanas, denotando interesse na promoção da industrialização sem que, no entanto, fossem atingidos os interesses da oligarquia rural. Isso porque, a despeito do enfraquecimento político e econômico, a mesma continuava a deter influência na correlação de forças do cenário político brasileiro. (FEE, 1983). Uma medida importante desse período foi a criação em 1930 do Ministério do Trabalho, da Indústria e do Comércio e do Ministério da Saúde Pública e Educação. É destaque ainda, a Constituição Federal de 1934 que incorporou ao seu texto a previdência social através da assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante e da previdência, mediante contribuição paritária da União, do empregador ENADE Comentado 2007: Serviço Social 19 e do empregado. Esse texto legal atribui pela primeira vez ao Estado a obrigatoriedade de assegurar o amparo dos desvalidos. No entanto, a despeito de tal previsão, nenhuma medida concreta foi tomada nesse período, o que só iria acontecer com a vigência do Estado Novo (IAMAMOTO E CARVALHO, 1985). Esse momento histórico marca o surgimento do Serviço Social no Brasil, processo desencadeado a partir de diversas ações desenvolvidas pela Igreja Católica no campo social em busca da reforma social e a restauração dos valores cristãos. A primeira escola de Serviço Social foi criada em São Paulo, em 1936, após a participação de representantes brasileiros em cursos da École Catholique de Service Social, na Bélgica. (AGUIAR 1985) Assim, apesar desse período (1930-1937) ter representado avanços no ordenamento da política econômica industrializante, a oligarquia agrária continuava mantendo influência na vida política e econômica brasileira. Nos anos mencionados ocorreu a organização das bases da política social e não sua consolidação. Da mesma forma, era incipiente o processo de profissionalização do Serviço Social, bem como da criação de grandes instituições sociais, sendo a opção B incorreta. Foi no período do Estado Novo (1937-1945), mencionado na alternativa C, que o conjunto de medidas políticas, econômicas e sociais, levou à constituição definitiva da sociedade urbano-industrial, consolidando medidas adotadas anteriormente. A Constituição Federal de 1937 representou retrocessos em relação às conquistas democráticas da Carta de 1934; entre as medidas adotadas estava a intervenção nos estados e a proibição da organização sindical independente. Assim, o Estado assume um caráter marcadamente autoritário, tendo praticamente eliminado a oposição operária e atrelado os sindicatos à estrutura governamental. (FEE 1983). Entre as principais medidas do período está a instituição, em 1940, do salário mínimo para uma jornada de 200 horas mensais. Foi fixado de forma diferenciada para cada uma das regiões brasileiras, percentuais para a alimentação, vestuário, habitação, higiene e transporte; em 1943 foi instituída a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. No âmbito da previdência social verificou-se uma ampliação das instituições de aposentadorias de pensões e assim da cobertura até então fornecida aos trabalhadores. Esse fato expressava interesse do governo em ampliar seu 20 Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern (Orgs.) espectro de controle, mas contraditoriamente, permitiu também a ampliação do acesso dos trabalhadores a esses serviços. Outro destaque foi a criação do Serviço Nacional da Indústria (SENAI), em 1942, e o Conselho Nacional de Serviço Social, junto ao Ministério da Educação e Saúde, em 1938, com funções de consultivas no campo das políticas sociais. Embora tenha sido um organismo de pouca efetividade, esse Conselho expressou a intenção de organização e de centralização de uma política assistencial no país. (IAMANOTO E CARVALHO, 1985). Tal papel seráefetivamente exercido pela Legião Brasileira de Assistência – LBA – criada, em 1942, pela primeira dama Darcy Vargas. Embora a proposta inicial dessa Instituição tenha sido fornecer amparo às famílias dos praças que combatiam na II Guerra Mundial, posteriormente vai se configurar “como instituição articuladora da assistência social no Brasil, com uma forte rede de instituições privadas conveniadas, mas sem perder essa marca assistencialista, fortemente seletiva e de primeiro-damismo”. (BEHRING E BOSCHETTI, 2007, p. 108). É nesse período que se consolida a instiuicionalização do Serviço Social no Brasil; no Rio de Janeiro é criado o Instituto de Educação Familiar Social, em 1937, e em seguida outras escolas de Serviço Social são criadas no Brasil. Ao mesmo tempo em que o surgimento do Serviço Social no Brasil é definido com uma estreita vinculação com a Igreja Católica, inúmeras professoras das Escolas de Serviço Social realizaram, no início da década de 40, programas de estudos em universidades norte-americanas com bolsas do governo dos Estados Unidos, marcando a introdução do funcionalismo na formação e no exercício profissional do Serviço Social brasileiro. Dessa forma, a opção C está correta, ter sido no período do Estado Novo (1937-1945) que ocorreu a efetiva consolidação da industrialização no Brasil, a ampliação da legislação social, a criação de grandes instituições assistenciais e a institucionalização da profissão de Serviço Social. A opção D está incorreta. Ela menciona a Quarta República (1945-1964) período marcado por uma grande disputa de projetos nacionais e intensificação da luta de classes, com uma lenta expansão de direitos, mantendo o formato corporativista anterior. Assim, também a transição democrática (1985-1988), referida ENADE Comentado 2007: Serviço Social 21 na letra E, expressou uma grande arena de lutas e de esperança para a população brasileira (BEHRING E BOSCHETTI, 2007) o que não traduz as condições mencionadas no enunciado da questão, ou seja, também a opção E está incorreta. Referências AGUIAR, Antônio Geraldo de. Serviço Social e Filosofia. São Paulo: Cortez, 1985. BEHRING, Elaine R. e BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2007. FEE – Fundação de Economia e Estatística. A Política social brasileira 1930 – 1964. Porto Alegre: FEE, 1983. IAMANOTO, Marilda Vilela e CARVALHO, Raul. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil. São Paulo: Cortez, 1985. 22 Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern (Orgs.) QUESTÃO 14 Analise as afirmativas que se seguem, relativas às particularidades históricas da sociedade brasileira. I – Durante a República Velha, desenvolveu-se a indústria pesada no país. II – A chamada Revolução de 1930 é um marco na revolução burguesa no Brasil. III – A “questão social” resulta, no Brasil, do fim da República Velha. IV – No Brasil, o desenvolvimento capitalista coincidiu com a expansão da democracia. V – A modernização capitalista, no Brasil, não rompeu com a dependência econômica do país. Estão corretas, apenas, as afirmativas (A) I e IV. (B) I e V. (C) II e III. (D) II e V. (E) III e V. Gabarito: Questão D Tipo de questão: Escolha combinada Conteúdos avaliados: Particularidades históricas da sociedade brasileira Autora: Idilia Fernandes Comentário: A questão D é a correta, considerando que a opção II “a chamada Revolução de 1930 é um marco na revolução burguesa no Brasil”, pois a partir dela a estrutura do Estado brasileiro modifica-se profundamente depois de 1930, tornando-se mais ajustada às necessidades econômicas e sociais do país, em contraponto as políticas oligarquicas do período anterior. Da mesma forma está correta a afirmação V, demonstrando que “A modernização capitalista, no Brasil, não rompeu com a dependência econômica do país”. Essa modernização se deu no limite do “ajuste necessário” as novas demandas produtivas dos países desenvolvidos, mantendo-se como regra a relação de fornecedor de matérias-primas ou produtos cada vez mais “qualificados” e demandados pelas economias centrais capitalistas. ENADE Comentado 2007: Serviço Social 23 O capitalismo se desenvolveu, estamos na era toyotista da acumulação flexível, o que significa dizer na era da super informatização, de super exigências para o trabalhador que hoje deve ser polivalente, na era da flexibilização dos contratos de trabalho, dos direitos trabalhistas, mas grande parte da sociedade vive em condições de pobreza e exclusão social. Segundo NETTO (2001), a Questão Social surge com a capacidade da sociedade produzir riquezas e bens sociais e muitos não terem acesso a isso. O país se modernizou, sim, produziu riquezas, mas ainda somos dependentes de outras economias e com alto nível de exclusão social e pobreza de seu povo. A alternativa I, que diz que “durante a República Velha, desenvolveu-se a indústria pesada no país”, está errada porque a República Velha desenvolveu-se de 1889 a 1930. A indústria de base no Brasil foi instalada a partir de 1939 com a participação do país na II Guerra Mundial. Sendo assim, a questão A e B estão erradas. Como está colocado na afirmação IV – “No Brasil, o desenvolvimento capitalista coincidiu com a expansão da democracia”. Pode-se dizer que essa afirmação é falsa, pois é possível compreender o desenvolvimento brasileiro enquanto um processo dotado de especificidades marcantes, entre as quais podemos afirmar que: 1. o estudo do período colonial torna-se essencial, pois é sobre esse “passado” que conforma-se uma certa estrutura econômica, dotada de características próprias, distintas das estruturas que emergem de um passado feudal; 2. sobre essa estrutura irá se desenvolver uma economia capitalista, cujo ponto culminante estará na emergência de forças produtivas especificamente capitalistas, com a “industrialização pesada”, a partir da segunda metade do século XX. Esse processo de desenvolvimento das bases do capitalismo brasileiro é, obviamente muito anterior aos processos de expansão da democracia que, de fato vão ocorrer a partir da II Guerra Mundial. Na afirmação III “A ‘questão social’ resulta, no Brasil, do fim da República Velha”. Por consequência as opções apontadas nas questões C e E também estão erradas. Segundo Iamamoto (2001, p. 11): A expressão questão social é estranha ao universo marxista, tendo sido cunhada por volta de 1830 (Stein, 2000). Historicamente foi tratada sob o ângulo do poder, vista como ameaça que a luta de 24 Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern (Orgs.) classes – em especial, o protagonismo da classe operária – representativa à ordem instituída. Entretanto, os processos sociais que ela traduz encontram-se no centro da análise de Marx sobre a sociedade capitalista. Nessa tradição intelectual, o regime capitalista de produção é tanto um processo de produção das condições materiais da vida humana, quanto um processo que se desenvolve sob relações sociais-históricos-econômicas – de produção específicas. Em sua dinâmica produz e reproduz seus expoentes: suas condições materiais de existência, as relações sociais contraditórias e formas sociais através das quais se expressam. Existe, pois uma indissociável relação entre produção dos bens materiais e a forma econômico-social em que é realizada, isto é, a totalidade das relações entre os homens em uma sociedade historicamente particular, regulada pelo desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social. Com a crescente globalização econômica, acentua-se a privatização, quando a questão social deixa de ser associada ao mercado de trabalho para ser vinculada ao mercadode consumo. Atualmente o Estado procura diminuir o seu tamanho, ou seja, reduzir os custos com as políticas públicas voltadas a realização da cidadania. O cidadão agora é visto pela sua capacidade de consumo e não por ser portador de direito ao pertencimento social pelo fato de fazer parte da sociedade, assim também a sua proteção social fica reduzida e ameaçada. O povo se vê desvalido de direitos sociais básicos, enquanto que as elites políticas não articulam democracia política com democracia social, pois o país é uma das maiores economias do mundo e também é uma das maiores desigualdades sociais. Os direitos sociais, cada vez mais, passam a ser entendidos como necessidades sociais, pois os direitos estando privatizados, vincula a proteção à capacidade produtiva de cada um. A questão social no Brasil é moldada de acordo com os interesses das elites políticas. A questão social, que com a questão trabalhista firma-se como proteção social (como direitos sociais e filantropia), assume característica paternalista, de política do favor, de patriarcalismo autoritário, ou seja, misérias transformam-se em instrumentos, armas de dominação, bem como a reprodução do sistema. Por isso, ainda hoje, direitos são vistos pela elite como privilégios, favores. Desde a sua origem, o nosso sistema de proteção social, ao invés de existir para garantir a capacitação e inclusão dos cidadãos (desempregados, analfabetos, pessoas em situação de miséria) no mercado de trabalho, tem funcionado apenas para reproduzir o atual sistema de reprodução de subalternidade, de subserviência, ENADE Comentado 2007: Serviço Social 25 de apadrinhamento das classes assalariadas e do povo, em geral, para com aqueles detentores do poder econômico e político do país. Vivemos na verdade um sistema de desproteção social e as múltiplas expressões da questão social atravessam o cotidiano da maior parte dos brasileiros, levando-os a uma vida de privações e não acesso aos bens sociais e a riqueza produzida socialmente. Referências CASTEL. Robert. As Armadilhas da Exclusão. 2ª edição. In: Desigualdade e a Questão Social. São Paulo: EDUC, 2000. IAMAMOTO, Marilda. A Questão Social no Capitalismo. In: Revista Temporalis 3, Ano II, nº 3, jan./jul. 2001. Brasília: ABEPSS, Grafline, 2001, p.9-32. MARX, Karl. Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844. In: Conceito Marxista do Homem. Apêndice: manuscritos econômicos e filosóficos de 1844 de Karl Marx. 8ª ed. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1983. NETTO, José Paulo. Cinco Notas a Propósito da “Questão Social”. In: Revista Temporalis 3, ano II, nº 3, jan./jul. 2001. Brasília: ABEPSS, Grafline, 2001. 26 Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern (Orgs.) QUESTÃO 15 A análise do significado social do Serviço Social no processo de reprodução das relações sociais salienta o caráter contraditório da profissão. Ela reproduz, pela mesma atividade, interesses contrapostos que convivem em tensão – demandas do capital e do trabalho – e só pode fortalecer um ou outro pólo pela mediação de seu oposto. De que decorre esse caráter contraditório da atuação profissional? (A) Da intencionalidade do Assistente Social. (B) Da condução da atuação profissional. (C) Da pressão dos empregadores. (D) Da relação de classes. (E) Das demandas dos usuários. Gabarito: Questão D Tipo de questão: Escolha simples, com indicação da resposta correta. Conteúdos avaliados: Identidade social da profissão Autores: Márcia Salete Arruda Faustini Comentário: A alternativa correta é a (D). Encontramos essa ideia em Iamamoto e Carvalho (1993), quando discutem “O Serviço Social no processo de produção das relações sociais”, na obra citada. Nessa obra – marco do pensamento crítico na profissão – os autores trazem a discussão do significado social da profissão no contexto da sociedade capitalista. Para tanto, irão (re)tecer a trajetória histórica da profissão e situá-la no contexto das relações capitalistas, destacando, especialmente, a lógica reprodutiva do capital e as relações sociais construídas no contexto. As referências teóricas trazidas e as reflexões pontuadas em Relações Sociais e Serviço Social no Brasil, tendo sua primeira edição em 1982, são balizas à evolução do pensamento crítico na área. Entender a profissão é entendê-la em seu contexto, é compreendê-la no contexto da divisão social do trabalho, e, não, simplesmente, tentar compreendê-la a partir de movimentos endógenos que a mesma poderia autoproduzir. Estado, sociedade civil e profissão são elementos inter-relacionados para essa compreensão. Assim, a profissão precisa ser compreendida, tanto na reprodução ENADE Comentado 2007: Serviço Social 27 das relações de classe quanto no relacionamento contraditório entre elas. “É necessário historicizar as práticas da sociedade, as lutas sociais recriadas nas contradições do capitalismo...” (CELATS, 1985, p.57). As necessidades sociais humanas vão impondo estratégias a sua satisfação, que ocorrem por meio do trabalho. Pela via do trabalho os homens produzem objetos, e, no contexto da organização social capitalista, produzem também mercadorias, que envolvem a possibilidade de reprodução de sua vida material, mas, ao trabalharem os homens também vão tecendo relações entre si. Iamamoto (2001, p.26) destaca que “Quando se fala em produção/reprodução da vida social não se abrange apenas a dimensão econômica [...]”. A autora faz uma crítica a uma redução economicista, muitas vezes, feita nessa questão, e complementa que a produção e a reprodução das relações sociais incidem também em “[...] formas de pensar, isto é, formas de consciência, através das quais se aprende a vida social”. (Marx apud Iamamoto, 2001, p.27). Então, o trabalho profissional, ao incidir sobre as expressões da questão social – compreendendo que manifestam desigualdades da sociedade capitalista – lida com uma contradição fundamental: o trabalho, cada vez mais coletivizado e apropriação de sua atividade e de seus frutos, cada vez mais privativa. E, nesse contexto, diversos e divergentes interesses concorrem, expressando-se, no cotidiano, em manifestações de vida em diversas áreas – no trabalho, na família, nas amizades, na saúde, na educação [...] –, revelando expressões de fragilidades, mas também de rebeldia e resistência. (Iamamoto, 2001). A profissão encontra seu significado no movimento da sociedade, adquire concretude histórica ao enfrentar seu objeto de intervenção – as expressões da questão social –, mas, para fazê-lo, trabalha na contradição gerada por distintos interesses frutos da relação capital x trabalho. Nesse espaço contraditório, tem como objetivos profissionais, à luz do Projeto Ético-Político – que, encontra-se respaldado no Código de Ética (1993); na Lei de Regulamentação Profissional (1993) e nas Diretrizes Curriculares (1996) – acionar mecanismos que direcionem-se a garantia de direitos. Por isso, o lugar do Estado é tão importante, posto que “[...] só o Estado pode atribuir universalidade a estes direitos” (Iamamoto, 2002, p.28). 28 Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern (Orgs.) É importante destacar que o significado social da profissão vai sendo tecido nas próprias relações da sociedade, que são econômicas, políticas, ideológicas, afetivas, entre outras, relações que implicam numa dinâmica de poder, remetem ao terreno de uma totalidade social. A dinâmica da sociedade capitalista cria mecanismos para que as formas de produção e reprodução da lógica de acumulação possam garantir a sobrevivência do sistema social, e, nesse movimento, entram em cena mecanismos de reprodução da vida social. Nãosem confronto e conflitos, asseveram-se formas de desigualdades entre os homens no que diz respeito ao acesso e a permanência no usufruto dos bens, coletivamente, produzidos. A apropriação, por parte da população, de uma parcela maior dos bens, socialmente, gerados em sociedade, traz a marca da contradição do sistema e engendra formas de tensão e resistência por parte de parcelas que se veem excluídas desse usufruto. O Estado assume um lugar importante na administração dessa relação, na medida em que, via políticas públicas, preenche um campo importante de possibilidades mediadoras a essa relação. Os interesses do capital e do trabalho convivem em tensão. Por isso, a importância da clareza de um projeto profissional que seja coletivamente construído, teoricamente adensado, permanentemente avaliado e enraizado em seu tempo e seu contexto. A dinâmica das classes sociais e as formas de produzir-se e reproduzir-se a vida social, sofrem profundas alterações neste início de século, consequentemente, as mediações profissionais não podem ser assumidas como fórmulas e nem replicadas a distintos contextos sociais sem que uma clareza de compreensão se construa. Iamamoto (2008) ao final de sua obra, na qual problematiza as alterações profundas no movimento do capital e seu fetiche, bem como o trabalho profissional nesse contexto, lembra o grande pensador brasileiro Ianni que refere: para conhecer a história do Brasil é indispensável conhecer ‘ a história social do povo brasileiro’. A maneira como se relacionam os grupos e classes sociais é uma dimensão fundamental da realidade política (Ianni apud Iamamoto, 2008, p. 469). Portanto, as alternativas (A), (B), (C) e (E) não respondem a questão enunciada, na medida em que, suas afirmações não respondem ao enunciado: ENADE Comentado 2007: Serviço Social 29 (A) Da intencionalidade do Assistente Social: configura-se como um elemento importante para compreender a direção do trabalho profissional. Entretanto, a intenção, o sentido, a direção do trabalho não indica, por si só, o caráter contraditório da atuação, do exercício do trabalho, em si, do assistente social. A intencionalidade irá indicar finalidades da ação. (B) Da condução da atuação profissional: elemento vago para compreensão do trabalho profissional. Não é a condução da atuação que determina o caráter contraditório da mesma, mas o próprio caráter contraditório da ação profissional é que condiciona possibilidades e limites da ação profissional. (C) Da pressão dos empregadores: o caráter contraditório da atuação profissional advém de uma “relação” e não de um só elemento constitutivo da relação. (E) Das demandas dos usuários: o mesmo argumento do item (C). Segundo Lefebvre apud Iamamoto (2008, p.49-50), [...] as relações sociais de produção envolvem contradições de classe (capital e trabalho) que se amplificam em contradições sociais (burguesia e proletariado) e políticas (governados e governantes). Toda a sociedade torna-se o ´lugar` da reprodução das relações sociais. Portanto, o caráter contraditório da atuação profissional vai mediar interesses do capital e do trabalho, a partir da dinâmica das classes sociais, em determinado contexto histórico. Referências ABESS/CEDEPSS. Proposta básica para o projeto de formação profisssional. In: Revista Serviço Social e Sociedade: o serviço social no século XXI. São Paulo: Cortez, ano XVII, nº 50, p.143-171, abril de1996. BRASIL. Lei de Regulamentação da Profissão de Assistente Social. Lei n. 8.662/1993. CENTRO LATINO AMERICADO DE TRABALHO SOCIAL – CELATS. Serviço Social Crítico: problemas e perspectivas. São Paulo: Cortez, 1985. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Código de Ética do Assistente Social. Brasília 1993. IAMAMOTO, Marilda. Serviço Social em Tempo de Capital Fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2008. 30 Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern (Orgs.) ______. Projeto Profissional: espaços ocupacionais e trabalho do assistente social na atualidade. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Atribuições Privativas do Assistente Social em questão, Brasília: CFESS, fev. de 2002. p.13-49. ______. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. ______; CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 9ª. ed. São Paulo: Cortez; [Lima,Peru]: CELATS, 1993. ENADE Comentado 2007: Serviço Social 31 QUESTÃO 16 Na trajetória recente do Serviço Social, surgem requisições inéditas; novas respostas profissionais são exigidas, tanto no campo investigativo quanto no da intervenção. Entre outras, abrem-se possibilidades no complexo campo da formulação, gestão e avaliação de políticas públicas, planos, programas e projetos sociais. Em face das atuais exigências de democratização do espaço público, o que cabe a gestores e técnicos para que o planejamento não fique adstrito ao âmbito da gestão e do poder? (A) Processar teórica, política e eticamente as demandas sociais, intervindo para o seu atendimento. (B) Elaborar pronunciamentos políticos e planos, afirmando intenções sociais na perspectiva das demandas. (C) Executar projetos de lei e decretos governamentais, dando visibilidade às demandas. (D) Socializar recursos para, com as organizações não governamentais, viabilizar projetos. (E) Viabilizar ações que atendam as demandas populares, tais como estas são direta e empiricamente formuladas. Gabarito: Questão A Tipo de questão: Escolha simples, com indicação da alternativa correta. Conteúdo avaliado: Política Social, Gestão e Avaliação de Políticas Públicas, Serviço Social e Processo de Trabalho Autora: Dolores Sanches Wünsch Comentário: A alternativa correta é a (A). Compreende-se que o “processar teórica, política e eticamente as demandas sociais, intervindo para o seu atendimento”, possibilita contribuir para formular respostas efetivas, por meio das políticas sociais públicas, às demandas sociais, as quais materializam diferentes expressões e dimensões da questão social. As políticas sociais como resultado das históricas contradições entre estado e sociedade, Boschetti (2009), se desenvolveram como um importante mecanismo para o enfrentamento das desigualdades sociais e garantia de direitos 32 Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern (Orgs.) sociais, na sociedade capitalista. Historicamente, as políticas sociais, constituíram-se em espaços profissionais “privilegiados” para o trabalho do Assistente Social, sendo que, a profissão se institucionalizou e legitimou circunscrita a um conjunto de determinações sócio-históricas que a requisitaram para atender as refrações de um modelo de desenvolvimento societário desigual. As conformações atuais das políticas sociais, entretanto, trazem novas requisições para os Assistentes Sociais, renovando suas competências e atribuições e que ultrapassam as funções “tradicionais” voltadas, exclusivamente, à execução das políticas sociais. A partir da luta pela democratização do estado brasileiro, em meados da década de 80, fortalece-se a lógica do direito da cidadania, que tem como um de seus desdobramentos o processo de descentralização político-administrativa da gestão pública, representada pelo processo de municipalização das políticas sociais públicas e garantido pela Constituição Federal de 1988. Esse novo cenário redimensiona o trabalho do Assistente Social, sendo este, chamado “a atuar na esfera da formulação e avaliação de políticas e do planejamento e gestão” (IAMAMOTO, 2006, p. 192).Dessa forma o Assistente Social, no papel de gestor ou técnico, necessita de um conjunto de competências profissionais que se expressa no plano teórico-metodológico, técnico-operativo e ético-política de sua ação. O trabalho profissional parte do reconhecimento do papel do Estado e sua relação com a sociedade e dos interesses de classe que a envolvem; passa pela democratização dos espaços públicos com a efetiva garantia da participação da população no planejamento e decisões dos rumos das políticas sociais; no fortalecimento do controle social, traduzindo-se na definição de programas e projetos, bem como, avaliando, constantemente, o impacto dos mesmos no atendimento às reais necessidades da população. Sendo assim, é incorreto afirmar que compete ao técnico ou gestor, conforme presume a alternativa (B), “elaborar pronunciamentos políticos e planos, afirmando intenções sociais na perspectiva das demandas”, uma vez que essa ação que não condiz com o domínio das suas legítimas atribuições, no âmbito das políticas sociais. Suas competências passam, sim, pela ampliação e criação de canais de planejamento participativo e do envolvimento dos diferentes atores e profissionais ENADE Comentado 2007: Serviço Social 33 para sua implementação. As proposições e intenções do gestor só irão atender as demandas da população-usuária quando incorporarem os seus interesses e necessidades, que se dá pelo conhecimento da realidade social e das formas particulares que essas demandas emergem dos processos sociais. Havendo, para tanto, a exigência de uma permanente formação teórica-metodológica para o processamento desse conhecimento e suas mediações sobre a realidade. Dessa forma, requer do profissional um perfil crítico e investigativo, que supere o pragmatismo de suas ações, como limitar-se a “executar projetos de lei e decretos governamentais, dando visibilidade às demandas” e que estão colocadas, também, incorretamente, na alternativa (C). Ou seja, essa ação representa uma resposta verticalizada às demandas sociais e, mesmo que dê visibilidade às mesmas, é imprescindível reconhecer os diferentes condicionantes e determinações que perpassam a elaboração de leis e projetos resultantes das relações de poder que as definem, especialmente em razão do planejamento destas, nem sempre garantir mecanismos de participação social. Evidencia-se, também, a necessidade do profissional conhecer e dominar a leitura e análise dos orçamentos das políticas sociais e suas fontes de financiamento e dessa forma identificar recursos disponíveis para melhor propor projetos sociais. Não cabe a esse profissional “socializar recursos para, com as organizações não governamentais, viabilizar projetos”, como enseja de forma incorreta a alternativa (D), sendo a definição dos recursos para as entidades uma prerrogativa dos conselhos setoriais e de direitos, através de ampla participação dos conselheiros na elaboração do plano municipal da política específica, definindo diretrizes programáticas e orçamentárias e a destinação dos recursos de seus fundos públicos. São múltiplas, portanto, as competências profissionais, para o processamento do trabalho em que se insere o Assistente Social, no âmbito da gestão das políticas sociais. São competências que condiz com um perfil profissional que rompa com práticas imediatistas, empiristas que reproduzam antigas e insuficientes “fórmulas” de enfrentamento as necessidades sociais. Portanto, evidencia-se que a alternativa (E), “viabilizar ações que atendam as demandas populares, tais como estas são direta e empiricamente formuladas”, também é incorreta, pois significa reiterar ações 34 Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern (Orgs.) destituídas do caráter participativo, político e ético, comprometida com a transformação da realidade, na mera reprodução cotidiana das crescentes demandas sociais. Por fim, para melhor situar esta análise é fundamental retomar a questão do papel do Estado e a democratização do espaço público, na perspectiva de compreender o significado e o papel das políticas sociais, como campo de conhecimento e intervenção do Serviço Social e outras profissões. Segundo Boschetti (2009), deve-se buscar analisar a política social na sua totalidade e compreender o seu caráter contraditório, bem como articular os determinantes estruturais que incide na conformação das políticas sociais como as diferentes forças sociais que agem na sua formulação e execução. Portanto, não há respostas profissionais às demandas sociais, sem a devida apropriação de competências teórico-práticas adquiridas ao longo da formação profissional e construídas nas tensas relações político-institucionais cotidianas. Referências BOSCHETTI, Ivanete. Avaliação de políticas, programas e projetos sociais. In: Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. 760p. IAMAMOTO, Marilda. As dimensões ético-políticas e teórico-metodológicas no Serviço Social contemporâneo. In: MOTA, A.E. et al. (Org). Serviço Social e Saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez, 2006. ENADE Comentado 2007: Serviço Social 35 QUESTÃO 17 Considerando que a cidadania moderna compõe-se, tradicionalmente, de três ordens de direitos, assinale aqueles que, no decurso do século XX, foram os que mais tardiamente ingressaram na agenda pública brasileira. (A) Direitos humanos. (B) Direitos civis. (C) Direitos sociais. (D) Direitos políticos. (E) Direitos de expressão. Gabarito: Questão A Tipo de questão: Escolha simples, com indicação da resposta correta. Conteúdos avaliados: O ingresso dos direitos humanos na agenda pública brasileira Autora: Maria Palma Wolff Comentário: Inicialmente é necessário destacar que o gabarito oficial, que define a letra A como resposta para essa questão, está incorreto. Isso porque o conceito de “Direitos humanos” abrange diversas categorias de direitos, inclusive aquelas referidas nas demais opções. A resposta incorre, portanto, em redundância e imprecisão no tratamento do tema proposto. De acordo com seu surgimento histórico convencionou-se definir gerações de direitos humanos; assim, os direitos civis e os direitos políticos são considerados como a primeira geração de direitos humanos, isso porque são os que, no contexto histórico, foram primeiro definidos e positivados. Os principais marcos da definição desses direitos são a declaração dos direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e a Declaração da Independência dos Estados Unidos da América de 1776. Os direitos sociais, introduzidos a partir da luta dos trabalhadores no final dos séculos XIX e no século XX por melhores condições de vida e de trabalho, são considerados a segunda geração de direitos humanos. No âmbito do direito internacional, a principal referência na definição dos direitos humanos é a promulgação da Declaração Universal de Direitos Humanos 36 Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern (Orgs.) das Nações Unidas, em 1948, a qual abrange, tanto os direitos civis e políticos como os direitos econômicos, sociais e culturais. No contexto pós II guerra e da guerra fria a Declaração foi dividida para que fossem especificados os direitos, definindo-se, então, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais, ambos datados de 1968. Assim, “Direitos civis”, letra B, “Direitos sociais”, letra C, “Direitos políticos” letra D e os “Direitos de expressão” – que fazem parte dos direitos civis – letra E, são todos considerados direitos humanos, sendo, portanto, impossível afirmarque foram os direitos humanos, enquanto uma categoria genérica, a ordem de direitos que mais tardiamente ingressaram na agenda pública brasileira. Da mesma forma não está correta a letra B, já que os direitos civis se constituem na primeira conquista de direitos; surgem no século XVIII, associados a afirmação do processo capitalista de produção europeu e, consequentemente, à organização do estado liberal. São assim relacionados às liberdades individuais: liberdade de palavra, liberdade de pensamento e de fé, direito à propriedade e direito à justiça. Esse processo teve correspondência tardia na implementação dos direitos humanos no Brasil. Aqui é possível registrar como marca dos direitos civis a abolição da escravidão (1888) e posteriormente a primeira Constituição Republicana (1891) que assegurou a igualdade legal entre os cidadãos brasileiros, garantiu as liberdades de crença, de associação e reunião, além do habeas corpus para fazer frente a violências ou coações por ilegalidade ou abuso de poder. Os direitos de expressão, referidos na letra E, compõem o catálogo dos direitos civis, fazendo parte daqueles que menos tardiamente foram recepcionados pela legislação brasileira. Na sequência dos direitos civis estão os direitos políticos, que no âmbito internacional e local representam as conquistas posteriores. No continente europeu, já no final do século XVIII, as legislações de alguns países já asseguravam a participação da população nos assuntos políticos por meio do voto, ou seja, o direito de votar e ser votado. No Brasil, a Constituição Republicana de 1891 aboliu o voto censitário, que exigia um padrão de renda para que o cidadão pudesse votar. No entanto, as mulheres somente conquistaram o direito ao voto na Constituição de 1934 e os analfabetos em Lei sancionada em 1985. Dessa forma, a letra D, também não pode ser considerada correta, já que os direitos políticos são, ainda que não em sua totalidade, originários da organização republicana. ENADE Comentado 2007: Serviço Social 37 A resposta correta seria, portanto, a letra C, que se refere aos “Direitos sociais”, os quais são conquistas que surgem com mais força no século XX. Trata-se de direitos que estão relacionados à busca de garantias de condições dignas de vida para os segmentos sociais e parcelas da população assalariada ou pobre. Os direitos sociais incorporam direitos trabalhistas, a aposentadoria e garantias de acesso à educação e à saúde pública. A Constituição Federal Brasileira de 1934 também marcou a introdução dos direitos sociais no contexto brasileiro, quando foram disciplinadas as condições de trabalho, estabelecendo o salário mínimo, a jornada de trabalho de 8 horas, o repouso semanal, as férias remuneradas, a indenização por dispensa sem justa causa, a assistência médica ao trabalhador e à gestante, também trabalhadora. No entanto, a ampliação dos direitos sociais, ou seja, sua definição também para os trabalhadores rurais e à população não vinculada ao mercado de trabalho ocorreu apenas pela Constituição Federal de 1988, a qual universalizou o acesso à saúde, à previdência e à assistência social, estipulando direitos para todos os cidadãos, independentemente de sua vinculação ao mercado de trabalho. Pelo exposto, no âmbito dos direitos de cidadania, enfocado no enunciado da questão, é possível considerar os direitos sociais como aqueles que por último foram legitimados, tanto do ponto de vista político como legal. Portanto, a letra C seria aquela que poderia responder corretamente à questão. Assim, considerando que a definição de direitos humanos engloba mais do que uma categoria de direitos, é impossível afirmar como quer o gabarito oficial através da letra A que esses foram os “que mais tardiamente ingressaram na agenda pública brasileira”. Salienta-se ainda que desde a definição das leis que enfrentaram a escravidão no Brasil, estava-se buscando a efetivação de direitos humanos, ainda que nesse caso tratava-se apenas dos direitos civis. Referências MONDAINI, Marco. Direitos Humanos no Brasil. São Paulo: Contexto, 2009. TRINDADE, José Damião de Lima. História Social dos Direitos Humanos. São Paulo: Peirópolis, 2002. BRAGATO, Fernanda Fizzo; CULLETON, Alfredo; FAJARDO, Sinara Porto. Curso de Direitos Humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009. 38 Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern (Orgs.) QUESTÃO 18 “O Assistente Social é (...) um intelectual que contribui, junto com inúmeros outros protagonistas, na criação de consensos na sociedade. Falar de consenso diz respeito não apenas à adesão ao instituído: é consenso em torno de interesses de classes fundamentais, sejam dominantes ou subalternas, contribuindo no reforço da hegemonia vigente ou criação de uma contra-hegemonia no cenário da vida social.” IAMAMOTO, M.V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 60. A partir da leitura do texto acima, pode-se afirmar que, (A) há consenso de que todos os Assistentes Sociais defendem os interesses das classes subalternas. (B) há consenso de que todos os Assistentes Sociais defendem os interesses das classes dominantes. (C) a criação de consensos depende da adesão ao instituído por parte dos Assistentes Sociais. (D) o Assistente Social pode contribuir para a formação de consenso contra- hegemônico. (E) os Assistentes Sociais são intelectuais que excluem o consenso das suas atividades. Gabarito: Questão D Tipo de questão: Escolha simples, com indicação da resposta correta. Conteúdos avaliados: O Assistente Social como intelectual e sua contribuição para a formação de consenso na sociedade Autora: Leonia Capaverde Bulla1 Comentário: Na questão 18 é solicitada a escolha da alternativa que melhor se relacione com o posicionamento de Iamamoto (2001, p.60), expresso em um trecho de seu livro O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 1 Leonia Capaverde Bulla, Assistente Social, Mestre em Serviço Social (UNI-LAVAL - Canadá), Doutora em Ciências Humanas-Educação (UFRGS - Brasil), Pós-Doutora em Serviço Social (UNI- KASSEL- Alemanha), Professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Graduação, Mestrado e Doutorado); Membro da Comissão Coordenadora do Programa de Pós- Graduação em Serviço Social. Coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Demandas e Políticas Sociais; Coordenadora do Programa Geron da PUCRS; Pesquisadora do CNPq, nível I. lbulla@pucrs.br ENADE Comentado 2007: Serviço Social 39 Dentre as alternativas propostas, a resposta (D) é a correta, ou seja, “o Assistente Social pode contribuir para a formação de consenso contra-hegemônico”. O texto que fundamenta a questão 18 traz à discussão alguns conceitos tratados por Gramsci em sua obra Os intelectuais e a organização da Cultura (1981), entre eles, a questão do Intelectual, relacionada à formação de consenso, aos interesses das classes subalternas, à hegemonia e à contra-hegemonia e que são discutidos por Iamamoto (2001, p.60) quando trata, mais especificamente, da “prática como trabalho e a inserção do Assistente Social no processo de trabalho”. Para aprofundar essas questões, é importante que se retome, então, o pensamento de Gramsci sobre o assunto. Para o autor, os intelectuais desempenham um papel fundamental na organização da hegemonia, articulando a infraestrutura com a superestrutura, assegurando o consenso ideológico da massa em torno do grupo dirigente. Gramsci não se referia, entretanto, aos que comumente se conceituam como intelectuais, sejam os literatos, os filósofos,os artistas e outros, colocados num alto pedestal, como se fossem forças independentes, nas lutas político-ideológicas que se enfrentam numa sociedade. Na realidade, dizia o autor, "todos os homens são intelectuais", pois nenhuma atividade humana dispensa um mínimo de intervenção intelectual (GRAMSCI, 1981, p.14). Gramsci propunha, dessa forma, uma concepção ampliada de intelectual, que levasse em conta a função exercida no conjunto das relações sociais e não a natureza do trabalho que cada pessoa realiza de modo preponderante, manual ou intelectual. Sua preocupação era com a criação de uma nova camada intelectual, que se articulasse ativamente com a prática social, que ajudasse a construir uma nova relação orgânica com a classe revolucionária, o proletariado. As reflexões de Gramsci partem da constatação de que não existem intelectuais autônomos e independentes. Eles estão ligados de modo orgânico ao seu grupo social, não podendo esse prescindir dos intelectuais “que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político” (GRAMSCI, 1981, p.7). Sendo altamente qualificados nos vários campos do saber ou especialistas na metodologia científico- tecnológica, os intelectuais estão preparados para elaborar, aprofundar e justificar a concepção de mundo de seu grupo social, estando em condições de planejar e 40 Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern (Orgs.) colaborar, igualmente, nas estratégias de direção e domínio da sociedade. A assimilação e a conquista ideológica desses elementos é um fator muito importante na escalada de um grupo em direção ao poder. Nas sociedades capitalistas, os intelectuais ligam a infraestrutura à superestrutura, como se fossem um “tecido conjuntivo” (MACCIOCCHI, 1977, p.197), e que garante ao bloco histórico a conquista e a permanência no poder. Com base em dados históricos e na realidade concreta, Gramsci conclui que os intelectuais são “os comissários do grupo dominante” (GRAMSCI, 1981, p.14), os elementos mediadores, não só para o desempenho da função da hegemonia, mas também para a função de comando político. Nesse sentido, os intelectuais são os organizadores da coesão social de um bloco de forças, são os porta-vozes da classe no poder, para conseguir o consentimento “espontâneo” da população, mas estão também em conexão estreita com o governo político, com o comando do aparato estatal, de aplicação de leis, de punição, repressão e violência. Assim como os grupos dominantes possuem seus intelectuais, é imprescindível que a classe trabalhadora crie os seus. Contando com pessoal especializado e elementos mediadores, os trabalhadores teriam maiores chances de acesso à cultura, poderiam incrementar as instituições de classe e desenvolver estratégias de ação na sociedade, que possibilitasse uma futura conquista do poder. Desse modo, a classe trabalhadora poderia ir assumindo algumas funções de direção na sociedade, preparando-se para assumir o poder governamental.2 Seria igualmente fundamental a conquista de intelectuais não originários da classe operária ou dela afastados, para que eles se tornassem organicamente aliados aos trabalhadores na luta por uma nova hegemonia. A ação contra-hegemônica não é mecânica nem automática. Exige esforços. Mas como poderá o homem assumir seu papel de sujeito da práxis social, se lhe falta uma percepção mais ampla da realidade em que está inserido, se ele não consegue compreender as relações de poder em que se estrutura a sociedade? As reflexões de Paulo Freire auxiliam a responder a essas questões: 2 Gramsci faz a distinção entre direção e domínio. Para ele direção é o momento de organização do consenso e domínio é o momento da força. Mesmo que o grupo social tenha assumido o poder, ele precisa continuar a ser dirigente e nesse ponto é muito importante a ação intelectual, pois, segundo o autor, “o grupo dominante não se torna dirigente senão quando chega, por meio dos seus intelectuais, a exercer a sua hegemonia sobre a sociedade inteira” (GRAMSCI, 1981, p.72-73). ENADE Comentado 2007: Serviço Social 41 O homem não pode participar ativamente na história, na sociedade, na transformação da realidade, se não é auxiliado a tomar consciência da realidade e de sua própria capacidade para transformá-la. [...] É importante preparar o homem para isso por meio de uma educação autêntica: uma educação que liberte, que não adapte, domestique ou subjugue (FREIRE, 1980, p.40). O acesso ao saber significa a possibilidade de desvelar as múltiplas conexões do poder, através do questionamento das relações sociais e de suas contradições. Pelo saber, o indivíduo se descobre como parte integrante de um todo social, enquanto assimila os bens culturais da humanidade. A escola, a universidade e outras instituições da sociedade (como o Serviço Social) podem assumir um papel de mediação muito importante nesse processo de conscientização. Introduzindo um discurso crítico nas relações pedagógicas e estabelecendo um elo entre a teoria e a prática, essas instituições preparam as pessoas para a ação transformadora. Assim como os demais intelectuais (na acepção de Gramsci), os assistentes sociais podem exercer uma ação transformadora na sociedade, assumindo um papel de mediação no processo de conscientização, dando a sua contribuição à formação de consenso e à luta contra-hegemônica (BULLA, 1992). Isso não significa que todos os Assistentes Sociais contribuam para essa ação contra-hegemônica e sim, que os assistentes sociais podem defender os interesses das classes trabalhadoras e que podem contribuir para a formação de consenso contra-hegemônico. Nas últimas décadas, houve um processo de renovação muito significativo no Serviço Social afinado com as mudanças ocorridas na sociedade brasileira, formando-se um consenso profissional sobre a necessidade de construção de um novo projeto ético- político que deu as bases para o Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais, instituído em 1993 (CFESS, 1993). A partir desse Código de Ética, os assistentes sociais assumem compromissos alicerçados em princípios fundamentais, entre eles aqueles que deixam claro alguns pontos enfatizados nesta discussão: Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa dos arbítrios e do autoritarismo; a ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras; [...] Opção por um 42 Gleny Terezinha Duro Guimarães, Francisco Arseli Kern (Orgs.) projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação exploração de classe, etnia e gênero (CFESS, 1993). Partindo dos princípios fundamentais preconizados pelo Código de Ética Profissional (CFESS, 1993) conclui-se que compete ao Assistente Social posicionar-se em favor da classe trabalhadora e que o profissional pode contribuir para a construção de um consenso contra-hegemônico sempre que houver, na sociedade, ameaças à liberdade e a ordem democrática. A resposta D é, portanto, a correta. Mas não se trata somente de criar consensos societários contra-hegemônicos para o restabelecimento da vida democrática, mas, também, de desafios cotidianos propostos ao profissional de Serviço Social. Como afirma Iamamoto (2001, p.59), o Assistente Social se encontra num “mar de criação de consensos” juntamente
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