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Palmas Desenho Urbano da Capital do Tocantins

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CAPíTULO 2
Palmas: Desenho Urbano
da Capital do Tocantins
-----------------------------------
Dirceu Trindade
Ao longo de sua história, o Estado brasileiro tem se utilizado do desenvolvimento urbano em suabusca pelo progresso e pela modernidade. Desde os tempos coloniais, a expansão da urbanização
sempre foi vista como necessária para a conquista de territórios vazios e de regiões consideradas "atra-
sadas": o sertão, o cerrado, as grandes florestas e os campos gerais.
Com a Independência e a instituição da República no Brasil, a urbanização, a interiorização e a construção
de cidades passaram a ser vistas como projetos modernizadores do país e transformadores da sociedade
brasileira. Esseempenho construtor gerou primeiro a construção de Belo Horizonte, como nova capital do
estaao
2
de Minas Gerais em 1897. Na década de 1930, o governo modernizador de Getúlio Vargas cons-
truiu Goiânia, nova capital do estado de Goiás, resultado de sua Marcha para o Oeste, que, retomada pelo
governo desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek (1956-1960), teve sua expressão máxima na constru-
ção~dacapital federal Brasília, também em território do estado de Goiás, inaugurada em 1960.
Durante toda a década de 1960, a interiorização e ocupação mais homogênea do território nacional
foram uma preocupação constante dos planos de metas e dos esforços de desenvolvimento regional.
Com a retomada da democracia nos anos 1980, essa preocupação também se faria presente através da
nova Constituição Federal de 1988, com o estado do Tocantins. O novo estado é fruto de manifestação
de forças políticas regionais e locais que, desde 1821, lutavam por sua criação, notadamente as ações
iniciadas por Teotônio Segurado e continuadas pelo deputado Wilson de Siqueira Campos. Diversas
investidas no Congresso Nacional não tiveram êxito, e somente foi possível através de acordo de lideran-
ças regionais que incluiu no texto constitucional a criação do novo estado do Tocantins, com a divisão de
Goiás. Resultado desse desmembramento, coube ao novo estado o território mais pobre, menos urbani-
zado, com grandes latifúndios e graves conflitos de terras, apesar de possuir um solo rico em minérios e
matérias-primas preciosas ainda pouco exploradas.
Formalmente integrante da Região Norte do país, o Tocantins encontra-se na área de transição geo-
gráfica entre o cerrado e a floresta amazônica, com características evidenciadas na fauna e na flora.
A criação do novo estado deu um importante impulso ao povoamento e abriu uma nova frente de
desenvolvimento em uma região de economia agropecuária incipiente. Como consequência, construiu-
se Palmas, nova cidade-capital do estado, inaugurada em 20 de maio de 1990.
Portanto, entre as décadas finais dos séculos XIX e XX, o Brasil construiu uma cidade-capital a cada três
décadas aproximadamente, sendo três no mesmo território do cerrado goiano, e todas como esforços
de inserção do país e suas regiões na modernidade. No caso de Palmas, como veremos, o seu projeto
intencionou, além dos mesmos marcos modernistas de Brasília em seu desenho, o respeito pela ecologia
e a sustentabilidade. Ecológico na preservação dos córregos e ribeirões, e sustentável na adequação da
cidade ao meio ambiente.
Rio Tocantins
Figura 2.1 Mapa esquemático do estado do
Tocantins, indicando a localização de Palmas. (Autoria
Vicente dei Rio.)
58 . -Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
Ao completar 20 anos de existência em 2010, Palmas atingiu a marca dos 228.332 habitantes, enquanto
o estado do Tocantins chega a 1.373.551 habitantes, e seu crescimento acelerado se reflete sobre toda
a região, constituindo um novo marco no processo de urbanização do território brasileiro e gerando
significativas repercussões territoriais, sociais, econômicas e políticas. O estudo do projeto e do processo
de implantação dessa nova capital nos ajuda a compreender melhor não apenas os impactos da urba-
nização acelerada sobre a região, mas também o cotidiano de milhares de migrantes vindos de diversos
pontos do pais - muitos diretamente de áreas rurais -, atraídos pela construção da cidade, seus serviços
e oportunidades econômicas.'
Antecedentes do Projeto
Contratado em 1990 diretamente por Wilson de Siqueira Campos, primeiro governador do novo
estado do Tocantins, para a fealizaçã~.,do 'projeto da nova capital, o escritório goiano de arquitetura
GrupoQuatro2 inicialmente realizou estudos de avaliação das cidades de Porto Nacional, Gurupi e
- Araguaína, que haviam se candidatado a ser a nova capitaL'.As 'inúmeras dificuldades envolvidas e os
elevados custos apontados para a transformação dessas cidades subsidiaram a decisão do governador
pel-aconstrução de uma cidade nova.
Utilizando como marco de referência o centro
geográfico do estado, a seleção preliminar do
local para a nova cidade foi baseada em um qua-
drilátero determinado de 90 x 90 km, posterior-
mente ampliado no sentido norte-sul para 112
km. Estudos interdisciplinares resultaram em um
relatório pré-selecionando quatro áreas aptas,
em graus diferentes de aproveitamento segundo
os seguintes principais critérios de análise: mor-
fologia do sítio; qualidade do solo; condições
climáticas; vegetação; recursos naturais; condi-
cionantes espaciais; distâncias e relações com
aglomerados próximos; acessibilidade e mensu-
ração do potencial de aglomeração.
A seleção concentrou-se em uma área localizada
à margem direita do rio Tocantins,. finalmente
escolhida por ser a região menos desenvolvida
do estado e que, portanto, necessitava de maior
alavancagem. O sítio escolhido apresenta um
perfil topográfico com declividade da ordem
de 4% na direção leste-oeste, limitando-se ao
norte pelo ribeirão Água Fria, ao sul pelo ribei-
rão Taquarussu, a leste pela Serra do Lajeado e a
oeste pelo rio Tocantins (Figura 2.1). A vegetação
predominante era de cerrado com pouca explora-
ção agrícola ou pastoril, e a pequena população
1 Este texto teve como suporte a dissertação de mestrado do autor, na EESC-USp' em 1998, além de sua experiência
profissional na realização de vários projetos em Palmas e como integrante do GrupoQuatro.
2 Os diretores do GrupoQuatro eram os arquitetos Luiz Fernando Cruvinel Teixeira e Walfredo Antunes Oliveira Filho.
-
. Capítulo 21 Palmas: DesenhoUrbano da Capital.doTocantins' ',-:-59 .::c,_.: -
existente concentrava-se no vilarejo de Canelas, no municfpio de Taquarussu. A cidade mais próxima,
Porto Nacional, encontra-se a 60 km, e à época era acessada por estrada vicinal sem pavimentação.
Para a nova capital haveria de ser construída toda uma infraestrutura regional e urbana, facilitada pela
topografia e pelos inúmeros córregos e ribeirões que cortam o sítio escolhido, com nascentes próximas
e de grande potencial hídrico. Já durante o processo de seleção iniciava-se a construção da barragem e
usina hidrelétrica do lajeado no rio Tocantins, cujo grande lago reservatório impactou significativamente
o microclima árido dessa região de cerrado. O lago planejado para a Barragem do lajeado foi incorpo-
rado ao projeto da futura capital, permitindo visuais muito bonitos da Serra do lajeado e potencializando
diversas opções de recreação e lazer.
Plano Conceitual e Partido Urbanístico
Todo o projeto urbano foi elaborado em apenas 40 dias, um prazo recorde determinado por imposições
poirticas, já que os elementos principais de Palmas deveriam ficar prontos em dois anos, período em que
o novo estado estaria sob o governo de Wilson de Siqueira Campos, principal articulador da criação do
Tocantins. Além de projetar a cidade nova, o GrupoQuatro também projetou seus edifícios governamen-
tais e alguns dos equipamentos públicos.
O GrupoQuatro buscou para Palmas a imagem de uma cidade de fim de século: moderna, eficiente, rica
em seus espaços e estruturas urbanas, mas respeitosa das questões ecológico-ambientalistas. A equipe
admite diversas influênciasem seu desenho, conjugadas à vontade de referenciar-se na cultura goian;a:
Através das experiências e escritos de Carlos Nelson dos Santos (1985b), inspirou-se para estabelecer o
conceito de uma cidade concebida por um conjunto de bairros ou de lugares, como em uma pequena
cidade de interior. De Goiânia, capital de Goiás inaugurada em 1935, inspirou-se na forma de organiza-
ção espacial com um centro administrativo bem marcado na paisagem urbana, e por seu sistema viário
estruturado por rótulas e grandes avenidas.3 Brasília foi outra fonte inevitável de inspiração, e, embora
os autores do projeto admitam ter tentado fugir do determinismo espacial da capital federal, não con-
seguiram se afastar suficientemente dos preceitos modernistas da Carta de Atenas. Palmas também se
submete ao automóvel ao buscar a eficiência do sistema viário.4
Os limites da área urbana e o próprio rio Tocantins sugeriram um sentido longitudinal norte-sul para a
cidade e, como princípio ordenador do parcelamento urbano, uma malha ortogonal acomodada à topo-
grafia. Essaconcepção - seguidamente adotada desde 479 a.c. em Mileto, na Ásia Menor e muito utilizada
na América Espanhola - estabeleceu de imediato a eficiência não apenas do parcelamento, mas também
do sistema viário. Nessa decisão também pode-se notar a influência do projeto e da malha urbana "agigan-
tada" da cidade inglesa Milton Keynes, um dos locais visitados pelo GrupoQuatro durante o período em
que iniciavam os estudos para Palmas. A grelha como definidora espacial também remete à própria experi-
ência de Brasília e sua divisão em áreas de vizinhança - superquadras - para facilitar o uso por pedestres e
fomentar a vida social. O relatório de estudos para implantação de Palmas estabelecia que:
"O conjunto urbano a ser projetado deve ser agradável e propiciar um nível bom de qualidade
de vida para seus ocupantes. Ao mesmo tempo, a nova cidade deve guardar estreita relação
com os hábitos culturais e sociais do novo estado, sendo que nesse sentido se espera um
3 O projeto de Goiânia teve forte inspiração culturalista e das cidades-jardins inglesas, tanto em seu traçado original
por Attflio Corrêa Lima - que também adotou como modelos Versàilles e Washington para o monumentalismo da área
central - quanto nas alterações posteriores de Armando de Godoy.
4 Localizada a apenas 200 km de Goiânia, Brasflia e seu modernismo influenciam toda a produção arquitetônica e
cultural da região.
60 Desenho Urbano Contemporâneo n~ Brasil
, ~,!
padrão simples, agradável e sem recursos de monumentalidade. As funções urbanas e as ativi-
dades do governo precisam ter condições de desempenhar-se com a funcionalidade desejável,
e o todo terá que fazer justiça à beleza da paisagem tocantinense e a ela integrar-se de forma
perfeita. O desfrute de condições naturais ou construídas no universo urbano e próximo deve
estar ao alcance da população" (GrupoQuatro, Memória da Concepção-Projeto de Localização
Preliminar, item 9, xerox de documento, abri/1989).
O projeto da cidade foi desenvolvido tendo como base dez princípios orientadores: (1) macromalha viá-
ria; (2) preservação do ambiente natural; (3) centro identificável; (4) hierarquia público/privado; (5) flexibi-
lidade na transformação do uso do solo; (6) minimizar o impacto do microclima; (7) estabelecer custos de
implantação como base de faetibilidade econõmica; (8) garantir acessibilidade ao lago; (9) evitar especia~
lizações de funções urbanas promovendo usos mistos; e (10) sistema de transporte eficiente e de baixo
custo operacional.
Pode-se observar que, acima de tudo, Palmasé umÇl cidade modernista. Seu desenho está marcado por
uma hierarquia de funções determinadas conforme a Carta de Atenas, ainda que essas funções tenham
sido pensadas de forma espacial diversificada ao longo do Plano Diretor, particularmente ao longo da
Avenida Teotônio Segurado. Assim, a função habitar está determinada a ocorrer nas quadras como
mini bairros, dotados de um mínimo de equipamentos urbanos vicinais. A função trabalhar, por ser uma
cidade predominantemente administrativa, se concentra na Praça dos Girassóis, em torno dela e ao longo
do principal eixo norte-sul, a Avenida Teotônio Segurado, com serviços e comércio, inibindo outras cen-
tralidades. A função lazer tem na orla do lago sua expressão dominante, com mais de 10 km de praias,
assim como em áreas de grandes parques urbanos contíguos às áreas de preservação dos inúmeros cór-
regos. Em Palmas, a função circular é predominante dos veículos motorizados. O sistema de transporte
público, originalmente planejado em linhas circulares contornando as fitas de quadras implementadas e
articuladas com o transporte longitudinal na Avenida Teotônio Segurado, não foi implementado.
O plano estabeleceu o perímetro urbano e duas áreas de expansão urbana, ao norte do ribeirão da Água
Fria e ao sul do ribeirão Taquarussu, que deveriam ser ocupadas quando atingida a ocupação integral da
área urbana inicial. Os limites do Plano foram logo ultrapassados de tal modo que, em certo momento
o lugarejo de Taquaralto agrupava mais população do que a área da capital. O governo tomou provi-
dências para a expansão da área urbana, evitando a concentração de população (eleitores) fora da área
urbana. A ausência de planejamento continuado ou o espírito de "segregação planejada" levou à expan-
são dessa periferia e ao surgimento das vilas Aureny. Em 2006, a urbanização do município de Palmas já
era quase total- cerca de 98% ou 216.500 pessoas residem em área urbana -, segundo Holanda e Rodrigo
Vasconcelos (2012), que notam que, "quanto à superfície urbanizada, a cidade é uma colcha de retalhos".
A seguir, por meio da análise de alguns elementos geradores do seu desenho, veremos como a implanta-
ção da cidade de Palmas tem, por vezes, fugido dos princípios ordenadores, contradizendo diversas das
intenções contidas na concepção original. Enquanto, por vezes, essas contradições resultam de pressões
políticas e/ou do mercado em termos da velocidade, intensidade e forma de implantação, outras vezes
as próprias concepções originais mostraram-se limitadas, revelando as dificuldades de se projetar uma
cidade inteira.
A Malha Geradora
A grelha foi tomada como princípio gerador no desenho de Palmas, assim como o conceito da formação
da cidade em minibairros tradicionais. Um macrodesenho urbano foi estabelecido por intermédio de uma
malha básica de 600 x 700 m, definindo bairros de 42 ha com população prevista de até 12.600 habitantes.
O dimensionamento dessa malha apoiou-se em estudos interligando densidades, moradia, equipamentos
Capítulo 21 Palmas: Desenho Urbano da Capital do Tocantins 61
e relação de distâncias ideais.5 Se cumprido o pro-
cesso de implantação indicado pelo plano diretor,
essa malha poderia expandir-se em resposta às
necessidades de crescimento, dando continuidade
ao núcleo original: mesmo que o crescimento
gerasse vazios, ele estaria sempre subordinado à
morfologia geral da cidade (Figura 2.2).
A macromalha permitiu a setorização e o zonea-
mento urbano eficazes, para os quais foram uti-
lizados padrões e normas de ocupação do solo,
determinando seu tipo e distribuição na cidade.
O zoneamento segue uma distribuição de inten-
sidade de usos a partir do eixo central: enquanto
os principais equipamentos e usos comerciais
ocupam o centro urbano e as áreas lindeiras do
eixo norte-sul, o comércio vicinal está disposto ao
longo das Avenidas leste-Oeste, nas laterais das
quadras residenciais. No interior de determinadas
quadras, previa-se a instalação dos equipamen-
tos escolares, saúde e segurança, segundo os cri-
térios usuais de distância e acessibilidade.
Sistema Viário e Transportes
Lago da
represa
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Figura 2.2 O Plano Diretor original de Palmas seguia
um conceito de malha aberta. (Cortesiade L. F.
Teixeira e GrupoQuatro Arquitetos, Goiânia.)
O conceito do desenho em malha de Palmas obje-
tivava que o sistema viário buscasse a segurança
do pedestre, a eficiência da circulação e meno-
res custos de implantação da infraestrutura. As
Avenidas Norte-Sul assumiram o papel de vias principais, enquanto as Avenidas leste-Oeste fazem a distri-
buição do fluxo para as quadras residenciais. Esseeficiente sistema se completaria com vias de distribuição
interna e vias locais nas quadras residenciais (Figura 2.3). Uma avenida-parque estabelece o limite oeste da
cidade, resguardando a faixa de orla do lago destinada a lazer e equipamentos esportivos. O limite leste
do tecido urbano central é a rodovia TO-134, na qual se localizam os equipamentos de função regional e
de abastecimento. Entre essa via e a Serra do lajeado haveria uma faixa de proteção ambiental exclusiva.
Assim como Brasília, Palmas é marcada por um eixo monumental no sentido norte-sul, a Avenida Teotônio
Segurado. Com uma seção transversal que prevê 150 m de distância entre edificações e dispondo de um
largo canteiro central, o desenho linear do eixo é interrompido apenas pela Praça dos Girassóis, situada no
ponto de maior elevação topográfica.6 Nessa praça foi instalado o Palácio Araguaia, sede do novo governo
estadual, garantindo a sua visibilidade desde vários pontos da cidade e a sua condição de marco monu-
mental (Figura 2.4). Esseeixo foi originalmente planejado como elemento de suporte de serviços ao longo
da cidade, com dimensões que permitissem uma circulação de veículos intensa assim como a implantação
de sistema de transporte público. Embora ausente do Plano Diretor final, as diretrizes conceituais originais
previam a construção de um sistema de passarelas para pedestres para a travessia segura desse eixo.
5 Nesses estudos, o GrupoQuatro contou com a consultoria do arquiteto Juan Mascaró.
6 Na construção da avenida e da Praça dos Girassóis, havia um desenho elfptico que contornava o Palácio Araguaia,
posteriormente retirado para maior segurança e controle de trânsito na praça.
62 DesenhoUrbanoContemporâneonoBrasil
Figura 2.3 Vista aérea
de Palmas, voltada para o
oeste, mostrando a principal
avenida leste-oeste, o centro
administrativo (ao centro da
foto) e a nova ponte sobre
o lago ao fundo. (Foto de
Newton Paniago.)
o desenho da cidade adotou a rótula como elemento de ligação nos cruzamentos das avenidas, elimi-
nando-se os sinais luminosos, exceto nos cruzamentos da Avenida Teotônio Segurado com as Avenidas
Leste-Oeste. As rótulas ordenam o trânsito nos cruzamentos e limitam a velocidade de circulação, uma
vez que a distância entre elas é de apenas uma quadra - em torno de 700 m. É importante observar
que não se pretendia a travessia das grandes avenidas pelo pedestre. As necessidades básicas e de
interesse imediato do morador da quadra - minibairro - estariam atendidas em seu interior, tornando
desnecessários sistemas de passarelas, faixas de pedestres ou sinais luminosos ao longo das avenidas.
Durante o processo de ocupação, observados os graus de interesse entre quadras, faixas de pedestres
com sinalização adequada poderiam ser implementadas. A dimensão da quadra previa uma caminhada
de no máximo 700 m para se atingir o ponto de ônibus, elemento de ligação da quadra com o restante
da cidade através de linhas circulares que trafegariam pelas Avenidas Leste-Oeste.
As amplas avenidas e as grandes distâncias geradas pelo desenho de Palmas, fundamentalmente moder-
nista, favorecem a circulação de veículos e de certo modo encorajam o uso do transporte privado. Essefato
é reforçado pela precariedade do transporte coletivo, que apenas serve de ligação entre áreas nas quais já
existe concentração de pessoas e o centro, criando reais dificuldades de mobilidade para a população, já
que a implantação da cidade não obedeceu aos determinantes conceituais do plano. Esseé um problema
grave, principalmente considerando-se as dimensões das quadras, os vazios existentes - intra e entre qua-
dras -, a implantação incompleta dos serviços urbanos e, além de tudo, a ausência de arborização.
Centro Urbano
Segundo o desenho original, Palmas deveria conter um centro urbano facilmente identificável, no qual
fossem articuladas as hierarquias e as esferas pública e privada, cívica e comercial, através de funções
da administração estadual e federal, instituições bancárias e comércio típico dos centros de cidades
tradicionais. Para tanto, previu-se o centro urbano com a Praça dos Girassóis, para onde foi direcionada
toda a monumentalidade da cidade. Trata-se de uma grande área de 750 m por 850 m, tendo ao centro o
Palácio Araguaia de Governo do Estado e, nas margens das Avenidas NS-1 e NS-2, as secretarias de Estado,
e no seu interior a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Justiça, a Catedral, os monumentos a Luís Carlos
Prestes e aos revolucionários da Intentona comunista de 1935, e áreas ajardinadas. Holanda e Vasconcelos
(2012) notam que a Praça dos Girassóis não é um espaço unitário, pois "as dimensões dos edifícios e dis-
tânCias que os separam não são compatíveis com a coesão necessária para caracterizar subespaços como
Capítulo 21 Palmas: Desenho Urbano da Capital do Tocantins 63
Figura 2.4 O centro administrativo de Palmas. (Foto de Newton Paniago.)
Em torno dessa grande praça, as quadras lin-
deiras foram destinadas ao uso exclusivamente
comercial típico de centro urbano, tais como
sedes de empresas, instituições bancárias etc.
Note.se, no entanto, que essa definição foi con-
tra um dos princípios do próprio plano, o de se
evitar a especialização de funções urbanas. Para
o interior dessas quadras, o plano previa praças
centrais cercadas por instalações comerciais e
de serviços, definidas por galerias para aprecia-
ção de vitrines e circulação de pedestres, como
o mercado na cidade de Goiás e nas cidades da
América Espanhola (Figura 2.6). As vias de con-
torno serviriam para o abastecimento das lojas e
o acesso de automóveis particulares a estaciona-
mentos predeterminados.
unidades morfológicas claras" (ver Figura 2.4;
Figura 2.5). De fato, o dimensionamento monu-
mental da praça não permite uma apropriação
adequada dos espaços entre os diversos edifícios
administrativos ali construídos, sobretudo se con-
siderarmos o clima da região, de altas temperatu-
ras e chuvas torrenciais.
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Figura 2.5 O desenho da Praça dos Girassóis, no
centro administrativo, não permite sua apropriação
social adequada nem gera nenhuma coerência
morfológica com seu contexto. (Foto de Silvio
Macedo; Projeto Quapá.)
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.~,~~,'??t~~.~,c.--~<C'~'
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Na implantação do plano não foram executadas as praças internas e suas vias, permitindo-se o parcela-
mento e a construção de edifícios em desacordo com a concepção original. A falta de atrativos, a ausên-
cia de políticas de transporte coletivo e a falta do uso residencial geram uma insegurança no uso desses
espaços centrais especializados e uma fuga dos usuários fora dos horários de funcionamento comercial.
O centro real de Palmas, na sua expressão mais tradicional, com agências bancárias, lojas comerciais,
bares e restaurantes, está se estruturando ao longo da Avenida Juscelino Kubitschek, que corta a cidade
no sentido leste-oeste, interrompida apenas pela Praça dos Girassóis. Em uma configuração típica de
64 Desenho Urbano Contemporâneo no B_r~sil
\
Figura. 2.6 Conceito original para o miolo das quadras centrais. (Desenho de Carmen R. Sila;
cortesia de Grupo Quatro Arquitetos, Goiânia.)
strip mal/, ali o comércio é favorecido pela circulação de automóveis com estacionamentos generosos
fronteiros às lojas, e também pela circulação de ônibus. Isso foi reforçado pela construção de ponte sobre
o Lago do Lajeado, na continuaçãoda Avenida Juscelino Kubitschek, integrando Palmas à cidade vizinha
de Paraíso do Tocantins.
Para a Avenida Teotônio Segurado, eixo monumental, foi planejado um ambiente resultante da compo-
sição de grandes complexos arquitetônicos, complementados com a permanente agitação resultante da
mistura de usos públicos e comerciais urbanos - um ambiente repleto de atrações que não funcionasse
apenas como eixo viário. Atualmente, ao longo dessa avenida localizam-se a área administrativa munici-
pal, os equipamentos urbanos de maior porte - tal como o Centro de Convenções, as áreas bancárias, os
usos comerciais de porte, hospitais, hotéis e colégios, além das instalações centrais de segurança pública.
Holanda e Vasconcelos (2012) notam a ausência de escala apropriada nos atuais edifícios ao longo ave-
nida, além do descumprimento dos determinantes de usos e gabaritos recomendados pelo Plano Diretor.
Como durante a construção da cidade a vegetação original do cerrado foi destruída, e com as alterações
sofridas pelo Plano, o paisagismo de Palmas foi totalmente comprometido.7 No canteiro central do eixo
monumental, por exemplo, a cobertura vegetal foi composta por arbustos e coqueiros alheios à região,
e não houve preocupação em criar sombreamento. A falta dos espaços abertos inicialmente concebidos
para as áreas comerciais e residenciais também compromete um dos princípios da concepção da cidade
- o respeito à ecologia e à sustentabilidade. Inúmeros estudos têm proposto a reconstituição da vegeta-
ção e da paisagem de cerrado, mas até hoje isso foi executado em poucas áreas, como por exemplo no
bosque situado junto à Prefeitura Municipal.
Áreas Residenciais
Na concepção original de Palmas, a estrutura da grande malha geraria as unidades: uma quadra, um
bairro de organização espacial tradicional, articulados com a cidade. Os autores do plano afirmam que
7 Apesar do projeto de paisagismo de Fernando Acylino, escolhido através de concurso público organizado pelo IAS.
Capítulo 21 Palmas: Desenho Urbano da Capital do Tocantins 6S .
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não queriam gerar pequenas cidades dentro da cidade, mas um desenho que se aproximasse à escala
do morador, tendo na unidade individual o ponto de partida para organizar a cidade. As quadras foram
projetadas para o pedestre, e o seu desenho deveria atender o universo do morador, para quem os
elementos referenciais são o lote, a rua, a esquina, o comércio vicinal, a praça, o ponto de ônibus, a
escola, os bares de fim de tarde e a igreja, entre outros elementos urbanos. No Plano, os equipamentos
urbanos, tais como escolas de acordo com os vários níveis, postos de saúde, segurança, bem como
serviços automotivos, foram distribuídos em determinadas quadras segundo os critérios de distâncias e
densidades populacionais.
Seguindo uma estrutura de vias vicinais de acesso sinuosas, o tipo de quadras residenciais previsto ofe-
receria tipologias habitacionais individuais e coletivas, sempre envolvidas por áreas verdes. A rua serviria
como elemento aglutinador da população, caminho para focos de interesse, lugar de encontro e fonte
de socialização. As relações dos moradores com seus bairros deveriam se dar através da identificação
dos centros de bairro, lugares para o encontro e a "animação", cujos padrões de ocupação deveriam ser
bastante flexíveis de modo a enfatizar sua identidade.
Buscando fugir da monotonia das superquadras de Brasília, mas também do processo convencional de lote-
amento através da imposição da macromalha e das regras gerais de ocupação, o projeto de Palmas previa
que o parcelamento e o desenvolvimento das quadras residenciais seriam realizados pelos próprios empre-
endedores. Assim, os projetos das áreas residenciais variariam de acordo com as condições do mercado,
oferecendo diferentes formas de organização espacial e paisagística interna, com diferentes tipologias
habitacionais, comércio local e serviços urbanos. A eficiência do mercado ajudaria a criar verdadeiros mini-
bairros, nos quais habitações individuais, habitações geminadas e coletivas mesclar-se-iam em ambientes
espacialmente ricos e variados, articulados com a funcionalidade da cidade como um todo.
A Memória da Concepção do Plano previa a venda das quadras como glebas, que deveriam ser loteadas
de acordo com as determinações do Plano Diretor. Assim, a implantação e o desenvolvimento urbano
ocorreriam de forma dinâmica e variada, subordinada à malha geradora. A legislação de uso do solo
resultante estabeleceu que essas glebas deveriam ser implantadas de forma integral e que sua infraestru-
tura interna deveria ser executada pelo empreendedor.
Entretanto, isso não ocorreu, e na maioria dos projetos executados o parcelamento das quadras buscou
a maximização do número de lotes. A distribuição espacial das edificações não segue nenhum critério
racional ou estético, e faltam equipamentos urbanos. Na maioria desses projetos, as ruas foram traça-
das com caixa de rolamento amplo (9 m), mas calçadas estreitas (3 m), o que impossibilita o plantio de
árvores, dificulta o movimento dos pedestres e impede a implantação de ciclovias. Em outros casos,
mudanças no zoneamento impediram a adequação das ruas para a instalação de lojas, devido a faixas
estreitas e estacionamento inadequado (Figura 2.7). No plano conceitual, havia a intenção de que as ave-
nidas tivessem dimensões que permitissem faixas determinadas para os automóveis, transporte público
e ciclovias, ainda garantindo calçadas arborizadas para circulação de pedestres, expectativas para uma
paisagem dinâmica e variada.
Holanda e Vasconcelos (2012) apontam que "os quarteirões de Palmas não apresentam somente proble-
mas de configuração interna: as características morfológicas das quadras atingem a qualidade do espaço
do entorno, pois elas lhes 'dão as costas' - os muros de fundos de casas (...) cemitério após cemitério".
Nesse mesmo trabalho, os autores ressaltam que os usuários de transporte público e os pedestres são
"forçados a percorrer longas distâncias através de túneis a céu aberto". Essasobservações expõem com
clareza o descumprimento de um dos princípios do plano original, a quadra aberta, que criaria o abair-
ramento integrado pelas vias de circulação e os comércios vicinais. Embora esse conceito fosse claro na
sua intenção, faltou o estabelecimento dos critérios necessários para a ocupação das quadras e, assim
como foi em Brasilia, tornar o desenho da quadra em Lei de Parcelamento, indicando aí a proibição dos
muros de fechamento.
66 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
Ultimamente, um novo problema tem se apre-
sentado, por causa da expansão da ocupação
urbana no sentido oeste, na margem esquerda
do rio Tocantins e fora do perímetro urbano.
Até bem pouco tempo, essas eram áreas rurais,
cobertas por vegetação de cerrado, mas agora
encontram-se comprometidas com uso urbano
sem planejamento e sem a infraestrutura ade-
quada. O desenvolvimento de loteamentos e
de condomínios fechados para a nova burgue-
sia palmense foi favorecido pela construção da
Ponte da Integração, fazendo surgir novos aglo-
merados, subúrbio mais abastado da cidade,
uma expansão não planejada em território do
município vizinho de Porto Nacional, efetiva-
mente integrado ao espaço urbano de Palmas.
Recreação e Lazer
Figura 2.7 As ruas comerciais locais e sua
incapacidade de atender a veículos ou pedestres
mostram a falha na implementação do plano original.
(Foto do autor.)
A recreação e o lazer são atividades primordiais, não apenas na definição da qualidade de vida de sua
população, mas na sua capacidade de atrair uma clientela de toda a região e novos migrantes para
Palmas. Além dos espaços internos das quadras residenciais que não foram implantados, o Plano pre-
via usos de recreação e lazer ao longo do lago-reservatório do Lajeado, entre a cota de inundação e a
Avenida Parque. Nessas quadras seriam instalados clubes, universidades,atividades culturais e esportivas,
além de atividades de saúde, tais como clínicas e hospitais.
Com uma largura de aproximadamente 8 km, o Lago do Lajeado encontra-se dotado de inúmeras
praias de areias limpas ao longo de 12 km de toda a extensão da área urbana. A sua importãncia para
Palmas impulsionou a revisão do Plano Diretor original e a implantação do Projeto Orla, que busca a
preservação das margens e o acesso livre da população ao lago, além de impedir a construção de edi-
fícios ou usos inadequados que possam tornar a margem do lago em áreas de usos exclusivos.
O Projeto Orla pretendeu criar um grande parque urbano dotado de praias, parques de recreação, equipa-
mentos esportivos, marinas, centros de lazer com áreas de shows, bares, restaurantes, sanitários públicos,
estacionamentos e jardins. Embora apenas pequena parte desse projeto tenha sido executada, ele causou
profundas alterações no cotidiano de Palmas,gerando novos comportamentos sociais, e, tal como na cultura
das cidades litorâneas, a praia acabou revelando-se o "lugar" democrático de lazer da cidade (Figura 2.8).
O Plano Diretor também determinou que as áreas marginais aos diversos córregos que atravessam o sítio
urbano, principalmente no sentido transversal, fossem de domínio exclusivo público e protegidas como
"áreas de preservação ambiental". Com largura mínima de 50 m de cada lado, nessas faixas previu-se
a recuperação ambiental e admitem-se apenas instalações de apoio a atividades de lazer e cultura, tais
como sanitários, pequenos depósitos e quiosques para lanches. Como o desenho original de Palmas
incorporou essasfaixas de modo completamente independente das quadras do parcelamento da cidade,
de modo geral elas têm sido respeitadas em sua preservação. Numa delas implantou-se um parque
recreativo de quase 1,5 milhão de metros quadrados, onde, em uma primeira etapa, foi construída uma
série de piscinas de 50 cm de profundidade, interligadas por sistemas de cascatas e córregos, em uma
extensão de 1.500 metros, aproveitando-se uma pequena nascente ali existente, além de arena para
shows ao ar livre, áreas infantis e de ginástica e uma pista de jogging com 3 km de extensão.
Capítulo21 Palmas: Desenho Urbano da Capital do Tocantins 67
Figura 2.8 Uma das praias artificiais junto à área de preservação, no lago da represa,
mostrando ao fundo a rampa de subida à ponte. (Foto do autor.)
o Processo de Implantação
Quando de sua inauguração em 1990, a operação sociopolítica foi imensa, pois, além de receber toda a
máquina política e administrativa do recém-criado estado, para Palmas também transferiu-se a sede do
município de Taquarussu, o que levou junto vereadores, prefeito e toda a estrutura política-administrativa
municipal. As eleições posteriores possibilitaram que os novos representantes municipais eleitos pudes-
sem mais legitimamente tratar dos interesses das comunidades locais.
Problemas de deturpação e descumprimento dos planos sempre ocorrem quando as decisões se subme-
tem a interesses eleitoreiros e imediatistas, com a implantação realizando-se com base em iniciativas que
fogem a qualquer regra de planejamento. Assim foi o início e têm sido, de um modo geral, a implantação
e o desenvolvimento de Palmas, que cresceu de fora para dentro por força do processo de comercializa-
ção dos lotes disponíveis.
O processo de implantação previsto pelo Plano Diretor estabelecia uma forma de ocupação gradativa
partindo do Centro e estendendo-se inicialmente para o sul, sempre em faixas de quadras leste-oeste,
o que tornaria mais baixo o custo inicial de implantação da infraestrutura urbana e garantiria um
crescimento harmonioso do aglomerado. Estabelecia ainda que as áreas além do Córrego Taquarussu
ao sul e Água Fria ao norte seriam áreas de expansão urbana, a serem parceladas quando a malha
urbana atingisse determinado quantitativo populacional. As formas de negociação dos espaços urba-
nos, atribuição do Estado, não foram estabelecidas claramente e não foram cumpridas, permitindo um
processo de ocupação que contraria a concepção original do Plano, levando a uma perda considerável
de qualidade.
Na implantação da cidade, primeiro foram construídos os equipamentos da administração do Estado,
. depois foram ocupados os lotes disponibilizados pelo Estado na forma de doações em duas quadías
residenciais para a população recém-chegada sem recursos para aquisição dos poucos lotes colocados à
68 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
venda. Como foram insuficientes para abrigar todas as famílias, isso provocou a ocupação de áreas não
urbanizadas e levou à construção de quatro assentamentos de caráter social pelo governo do estado na
periferia do perímetro urbano ao sul, as Vilas Aureny 1, 2, 3 e 4. Agravando ainda mais essa situação, o
governo do estado não soube planejar a região no sentido de preparar as pequenas cidades e lugarejos
vizinhos para os impactos da implantação da nova capital. Como resultado, por exemplo, os especu-
ladores se apressaram em lotear e construir em Taquaralto, lugarejo próximo ao canteiro de obras da
capital e que dispunha de alguma infraestrutura de atendimento aos migrantes. Taquaralto acabou por
expandir-se a ponto de chegar a abrigar, em um determinado momento, uma população maior do que
aquela dentro do perímetro urbano da capital.
Ao desapropriar terra rural e não estabelecer políticas e procedimentos de ocupação, o governo se defi-
niu como loteador e tratou a cidade como um grande loteamento, rompendo qualquer planejamento
ou regra básica de implantação e crescimento urbano. Dividindo o poder de decisão com os interesses
especulativos, o governo levou à ineficiência de ações e ao desperdício: recursos escassos aplicados em
obras muitas vezes dispensáveis, arruamento exagerado fora das alternativas de implantação, super-
dimensionamento de obras públicas em face das necessidades imediatas das funções do Estado mas
explicitando a expressão do poder, entre outros. Estimativas indicam que as obras realizadas para a
inauguração de Palmas poderiam atender a uma população de 500 mil habitantes, embora na época
houvesse apenas 20 mil.
As iniciativas do governo do estado, sejam devido à urgência em acomodar os funcionários da nova
administração que se instalava ou por necessidade de favorecimento político, deram início à ocupação
da cidade por quadras projetadas fora do planejamento de ocupação do Plano Diretor, no quadrante
sudeste da cidade e sem a necessária infraestrutura. Entretanto, a demanda por lotes superou a expecta-
tiva, o que imediatamente resultou no abandono do Princípio 5 do Plano, que previa" a flexibilidade na
transformação do solo, garantindo a expansão ordenada da superfície", ou seja, permitia alterações de
uso das quadras desde que obedecidas as normas de implantação da cidade.
Com o aparecimento dos assentamentos fora da área do plano original de Palmas, a prefeitura e o
governo do Tocantins se apressaram em aprovar legislação que expandiu os limites do perímetro urbano,
incorporando o lugarejo de Taquaralto e as vilas residenciais. Em outra iniciativa de organização das áreas
loteadas de modo disperso ao sul do Córrego da Prata, um novo centro urbano está sendo implantado, a
partir de um projeto do mesmo GrupoQuatro, responsável pelo desenho original de Palmas.
Esseprojeto procura gerar uma nova centralidade - justificada pela expansãà territorial- e busca conec-
tar a Palmas os diversos núcleos dispersos resultantes da ocupação desordenada inicial. Através do redi-
mensionamento das quadras, o novo projeto promove maior integração física dos espaços urbanos
e busca resgatar o conceito de centralidade do projeto original de Palmas, com referências a usos e
aspectos das cidades tradicionais de interior no Brasil- incentivos a encontros espontâneos da população
nas esquinas, praças e locais de atividades de comércio e serviços. Esse novo desenho propõe maiores
densidadesem edifícios de apartamentos, esquinas e quarteirões de uso misto, um sistema de vias de
pedestres e a inserção de equipamentos tais como cinemas, teatros e comércio.
Para a população migrante, o início e o ritmo da construção da cidade foram apresentados e apregoados
como um "eldorado" que, pouco tempo depois, se desfez, trazendo desemprego e desesperança. O
ritmo de crescimento, os investimentos e os grandes empreendimentos foram retomados em meados
da década de 1990, gerando maiores oportunidades de emprego e investimento. Os altos investimen-
tos efetuados na cidade pelo poder público estadual, em parte com recursos gerados pela hidrelétrica,
e a chegada de novas empresas vêm incrementando o crescimento urbano e atraindo uma nova leva
de migrantes de outras regiões do país em busca de melhores oportunidades de vida e trabalho. Parte
desses recursos está servindo para melhorar o acesso a Palmas, e em breve o trecho estadual da Ferrovia
Norte-Sul estará completado, possibilitando maior integração com outras regiões do estado.
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Capítulo 21 Palmas: Desenho Urbano da Capital do Tocantins - -69--
Considerações Finais
A implantação de Palmas, assim como foi a de Brasília, comprova que a construção de uma nova cidade .
é sempre um forte indutor de desenvolvimento regional, sobretudo se considerando o contexto econô-
mico recessivo em que isso se deu e a velocidade em que se processaram as mudanças. Segundo dados..'
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1996 - apenas seis anos após a sua inaugu-
ração - Palmas possuía uma população de 86.116 habitantes, e no ano 2000 o total já era de 137.355,
enquanto o estado do Tocantins chegava aos 1.157.098 habitantes. Em 2011, Palmas se apresentava
com uma população de 235.316 habitantes.
Nos últimos cinco anos, Palmas exibiu taxa de crescimento médio de 28,7%, enquanto o país cresceu
a taxas de apenas 3% no mesmo período. O crescimento do novo estado do Tocantins, porém, não se
restringiu à capital. Nas cidades de Gurupi, Porto Nacional e Araguaína também se registrou crescimento
vertiginoso. Centenas de pequenos, médios e microempresários foram atraídos de várias regiões do país
e até do exterior para atender à demanda crescente de bens de consumo e serviços, gerada por milhares
de famílias que vieram para o mais novo estado da Federação.
O desenvolvimento econômico da cidade continua atraindo migrantes de diversas partes do país. Em
parte essa migração se deve à expectativa de crescimento da região, pois muitos vêm de regiões muito
adensadas e com poucas oportunidades. É uma cidade onde tudo parece estar por fazer, com a prin'çipal
determinante de busca da integração e desenvolvimento regional, criando uma nova sbciedade em meio
à vegetação do cerrado.,.
Entretanto, ao se avaliar o desempenho da cidade tendo por base a experiência acumulada pelo urba-
nismo ao longo do último século, pode-se dizer que o seu desenho partiu de diversas premissas equivo-
cadas. Palmas não realiza propostas inovadoras de projeto nem de implantação, e, se comparada a suas
vizinhas próximas - a Goiãnia de desenho culturalista e a Brasília modernista -, constata-se a perda de
uma especial oportunidade de se implantar uma cidade verdadeiramente contemporãnea, ecológica e
sustentável, tal como expressava o documento de concepção do Plano. Arquitetos, urbanistas e críticos,
ao analisar o "modernismo tardio" de Palmas, denunciam que houve ali a utilização do modelo de urba-
nismo prático, muito utilizado em outras cidades, em que a ideia de planejamento se confunde com par-
celamento e loteamento, condicionado apenas à observância de legislação urbana obsoleta. Entretanto,
°arquiteto Luiz Fernando, um dos coordenadores do GrupoQuatro e ainda entusiasta do projeto, afirma
que o problema da cidade de Palmas é de gestão, o que de certa forma reafirma uma constante nas
administrações urbanas do país.
Ao estabelecer para a nova capital um desenho de macroparcelamento em quadras de 42 hectares,
numa malha ortogonal que contém os sistemas urbanos básicos e a infraestrutura, deixando o micro-
parcelamento de grande flexibilidade por conta da iniciativa prívada, o Plano permitiu ou até induziu um
desenvolvimento de caráter especulativo. O que ocorreu na realidade em diversas quadras residenciais e
sobretudo nas quadras destinadas aos grandes equipamentos ao longo do eixo norte-sul foi a mudança
de uso de alguns lotes, inclusive aqueles de uso institucional destinados a equipamentos públicos, com-
prometendo o tão desejado equilíbrio de funções.
A Memória da Concepção de Palmas, documento anterior ao Plano Diretor, previa uma cidade na qual
as quadras residenciais teriam uma integração social entre seus habitantes de tal ordem que não haveria
necessidade de muros entre residências, tal como acontece nas superquadras de Brasília. Nessa visão, o
parcelamento das quadras, com projetos realizados por diferentes arquitetos inspirados pela concepção
original, ocorreria não através do tradicional lote, mas as residências e os equipamentos complementares
comungariam dos espaços da quadra e seriam interligados por caminhos de pedestres. A vida urbana
deveria ocorrer no interior das quadras, com a possibilidade de construção de vida comunitária, o que
70 . Desenho Urbano (ontemporâneono Brasil
diversos estudiosos apontam como principal deficiência de Palmas. A utopia foi atropelada pela realidade
e pela ação do governo do estado, que agiu como agente especulador da terra.
O governo estadual do Tocantins, único proprietário original de toda a terra em Palmas, não imple-
mentou o plano de acordo com seus princípios, e, por exemplo, ao contratar o projeto de nove qua-
dras contíguas a um único escritório, fez perder a ideia de variedade e dinamismo urbano entre essas
quadras. Para piorar, tais projetos foram posteriormente reproduzidos em outras quadras dispersas e
isoladas ao longo do eixo norte-sul, resultando em áreas de vazios urbanos e redes de serviços públicos
ineficientes. A configuração atual é de quadras amuralhadas entre avenidas corredores sem vida. Essa
atitude do setor público encorajou os empreendedores privados a ignorar o Plano Diretor e resultou
em uma cidade-capital que atualmente enfrenta enormes problemas de propriedade de terra e uma
urbanização desordenada.
Os problemas principais de Palmas não diferem dos que afligem outros centros urbanos, com destaque
para os serviços urbanos e infraestrutura incompleta, deficiências de transporte coletivo, desobediência
aos princípios de implantação e de uso do solo do plano e grandes vazios urbanos. Os problemas com
o assentamento da população mais carente, a regularização fundiária de áreas invadidas, a complemen-
tação da infraestrutura urbana, a expansão desordenada e descontínua de áreas urbanas periféricas
- inclusive a margem do lago no território do município de Paraíso do Tocantins - são características de
um processo urbanístico que não consegue acompanhar o ritmo de crescimento da cidade e reforçam a
necessidade de planejamento continuado e de maior controle sobre o uso do solo.
Entre a morte da rua, decretada pelos conceitos da cidade modernista e de Brasília, e a tentativa de
ressurreição do caráter tradicional de cidade, tão bem expressa na Memória da Concepção, o projeto
de Palmas acabou por gerar um desenho urbano que serviu de forma eficiente ao processo imobiliário
especulativo. Embora o desenho da macromalha se imponha e se realize de forma eficiente, permitindo
adaptações e redimensionamentos, o descumprimento de diversos outros princípios norteadores com-
prometeu a eficiência esperada pelo Plano Diretor.
A experiência de Palmas demonstra a enorme distância entre a intenção e o gesto, e é demonstrativa
de que um desenho urbano eficiente será sempre resultante de um processo de planejamento presente
e constante. Uma das importantes lições aprendidas é a necessidade dese desvincular esse processo
do poder executivo, propondo-se o planejamento e o desenho urbano submetido aos preceitos de um
plano/projeto e a um conselho cidadão independente que, distante das decisões politiqueiras e dos gran-
des capitais especulativos, possa atuar pelos desejos e necessidades da população.
Entrevistas
Arnaldo M. Braga, arquiteto autor do projeto de uma das quadras residenciais; entrevista concedida em
15/8/1998.
Azor M. Ferro, arquiteto e presidente do IAB-GO na época do projeto; entrevista concedida em 20/4/1998.
Luiz Fernando Teixeira, arquiteto sócio do GrupoQuatro Arquitetos, realizador do projeto de Palmas;
entrevistas concedidas em 20/4/1998 e 14/11/2011.
Walfredo Oliveira Antunes Filho, arquiteto sócio do GrupoQuatro Arquitetos, realizador do projeto de
Palmas; entrevista concedida em 10/6/1998.
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