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Capítulo 2 Escalas de Avaliação do Desenvolvimento e Habilidades Motoras: AIMS, PEDI, GMFM E GMFCS Tainá Ribas Mélo∗ Resumo: O desenvolvimento motor é caracterizado por mudanças qualitativas e quantitativas de ações motoras ao longo da vida. As- sim, o objetivo deste caṕıtulo é elucidar as principais caracteŕısticas e aplicabilidade de algumas escalas relacionadas ao desenvolvimento motor: AIMS, PEDI, GMFM e GMFCS. Além disto, busca-se esti- mular a utilização de tais escalas pelos profissionais de reabilitação. O material utilizado foi obtido por acesso a livros e artigos publi- cados entre os anos 2000 e 2011, nos portais PUBMED e SciELO. Pode-se observar que a escolha e a utilização do instrumento de- pendem tanto dos objetivos quanto da população alvo. As escalas de avaliação são ferramentas cĺınicas importantes. No entanto, não se deve desconsiderar a experiência e o julgamento cĺınico do tera- peuta. Palavras-chave: Desenvolvimento motor, Escalas, Avaliação. Abstract: The motor development has qualitative and quantitative changes of motor activities throughout life. This chapter aims at presenting the main topics and the applicability of some scales rela- ted to the motor development: AIMS, PEDI, GMFM and GMFCS. Besides, we also encourage the use of such scales by the rehabi- litation professionals. The research material was from books and articles published between 2000 and 2011, accessed in PUBMED and SciELO portals. We observed that the choice and the use of those scales depend on the needs and the target population. They are important clinical tools, but one should not ignore the experi- ence and clinical trial of the therapist. Keywords: Motor development, Scales, Assessment. ∗Autor para contato: ribasmelo@gmail.com Castilho-Weinert & Forti-Bellani (Eds.), Fisioterapia em Neuropediatria (2011) ISBN 978-85-64619-01-2 24 Mélo 1. Introdução O desenvolvimento motor é um fenômeno que permeia a vida de todas as pessoas, possibilitando as habilidades motoras e a realização de ativi- dades diárias em padrões de movimento que são adquiridos ao longo da vida. Estes padrões de movimento são caracterizados por duas mudanças fundamentais: o aumento de diversificação e o aumento de complexidade (Mascarenhas, 2008). Na infância o desenvolvimento motor caracteriza-se pela aquisição de um amplo espectro de habilidades motoras que possibilitam à criança um domı́nio do seu corpo em diferentes posturas (estáticas e dinâmicas). Por- tanto, considera mudanças qualitativas e quantitativas das ações motoras do ser humano ao longo de sua vida (Connolly, 2000; Santos et al., 2004). Piper & Darrah (1994) afirmam que o desenvolvimento motor pode ser considerado como um dos melhores indicativos do desenvolvimento e bem estar da criança no seu primeiro ano de vida. Assim, dar atenção ao de- senvolvimento e aos fatores que o influenciam é de extrema importância. Aqueles autores afirmam, ainda, que a avaliação motora do desenvolvi- mento infantil difere dos paradigmas de outras avaliações motoras, porque sua estrutura conceitual tem mais ênfase no processo que no resultado. Portanto, os terapeutas devem usar abordagens modificadas para avaliar o desenvolvimento motor na infância. Assim, o conhecimento das escalas que atendam às diversas demandas referentes à população avaliada e estudada torna-se necessário, não só em ambiente de pesquisa, mas como ferramenta cĺınica importante. Existem várias escalas que avaliam o desenvolvimento infantil t́ıpico ou com alterações. Neste caṕıtulo, aborda-se as escalas AIMS, PEDI, GMFM e GMFCS, amplamente citadas em pesquisas, e bastante utilizadas na prá- tica cĺınica. O objetivo deste caṕıtulo é elucidar quais as principais ca- racteŕısticas e aplicabilidade destas escalas e estimular sua utilização pelos profissionais de reabilitação, ressaltando a importância de se utilizar men- surações para que a área da Fisioterapia Neuropediátrica tenha respaldo em estudos cient́ıficos. 2. Fundamentação Teórica Inicialmente o bebê é bastante reflexivo (Cole & Cole, 2004) e com o de- senvolvimento, o crescimento e os est́ımulos do meio passa a ser cada vez mais ativo, com movimentação voluntária. Esta movimentação se aperfei- çoa até que com um ano a criança apresente marcos importantes como a deambulação independente e a fala. Vieira et al. (2009) relatam que devido aos avanços tecnológicos há uma diminuição de mortalidade de bebês de alto risco, e em decorrência disto um aumento de incidência de patologias infantis relacionadas ao sofrimento Escalas de avaliação do desenvolvimento e habilidades motoras 25 pré, peri e pós-natal. Isto causa grande impacto para a saúde e demanda maior atenção a novas formas de abordagem no que se refere à avalia- ção e acompanhamento do desenvolvimento neuropsicomotor. Este fato corrobora a necessidade da atuação preventiva com detecção precoce das anormalidades, por meio de avaliações espećıficas, visando um tratamento adequado. Quando algum fator acarreta lesão no Sistema Nervoso Central (SNC) pode-se esperar a ocorrência de sequelas que afetam o desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) normal, ou numa nomenclatura mais atualizada, o desenvolvimento t́ıpico. Ao considerar este aumento de incidência de patologias infantis, no Brasil, existem programas de acompanhamento (originado do inglês, pro- gramas de follow-up) do crescimento e desenvolvimento do bebê de risco. Estes programas surgiram na década de 80 por meio da iniciativa de pe- diatras e neonatologistas e propõem estratégias de avaliação e intervenção precoce (Vieira et al., 2009). Os profissionais de reabilitação devem possuir um conhecimento apro- fundado sobre o processo das aquisições t́ıpicas do desenvolvimento global da criança, o qual é composto por diversas categorias: tônus muscular, pos- tura, reflexos primitivos, reações posturais, coordenações sensório-motoras e movimentos espontâneos. Além disto, o profissional deve estar familiari- zado com os diversos instrumentos de avaliação existentes, para selecionar o mais adequado para o seu serviço de prevenção, ou reabilitação ou pes- quisa. Devido à escassez de instrumentos padronizados para a avaliação de crianças no Brasil, há a necessidade de utilização de testes e escalas internacionais que, na maioria dos casos, possuem manuais publicados em ĺıngua inglesa (Vieira et al., 2009), sendo que alguns foram traduzidos e/ou têm adaptação cultural, como é o caso da PEDI (Pediatric Evaluation of Disability Inventory). Dentre as patologias infantis que ocasionam alterações no desenvolvi- mento, Stanley et al. (2000) relatam que a Paralisia Cerebral (PC), tam- bém denominada de Encefalopatia Crônica Não-Progressiva da Infância (ECNPI) é a mais comum. Isto motiva estudos para o desenvolvimento de escalas que atendam às capacidades diferenciadas destas crianças. Mascarenhas (2008) investigou dentre as diversas escalas que avaliam o desenvolvimento e as habilidades motoras, quais seriam espećıficas para PC. As escalas PEDI e AIMS (Alberta Infant Motor Scale) avaliam o dé- ficit motor de um modo geral, verificam a função motora independente da doença, e, não são espećıficas para PC. Já as escalas GMFM (Gross Motor Function Measure) e GMFCS (Gross Motor Function Classification Sys- tem) são escalas que podem ser utilizadas na avaliação do déficit motor causado pela PC, de forma espećıfica. Estas duas escalas proporcionam maior coleta de dados, pois permitem o enfoque direto na deficiência mo- tora e a avaliação quantitativa do movimento e de sua evolução. 26 Mélo Para Piper & Darrah (1994), autores da escala AIMS, a GMFM e a PEDI avaliam mudanças em atividades funcionais em crianças com desor- dens neuromotoras, enquanto a AIMS analisa a maturação motora infantil em crianças com desenvolvimento t́ıpico ou em risco. 3. MetodologiaO material utilizado foi obtido por meio do acesso as bases de dados PUB- MED e SciELO, pelos unitermos AIMS, PEDI, GMFM, GMFCS, deve- lopmental e cerebral palsy. Foram selecionados artigos e livros publicados entre os anos de 2000 e 2011. 4. Resultados e Discussão Neste estudo descreve-se e discute-se uma revisão sucinta sobre as escalas AIMS, PEDI, GMFM e GMFCS. Relata-se sua aplicabilidade, seus bene- f́ıcios e alguns estudos que as utilizaram. 4.1 Alberta motor infant scale (AIMS) No departamento de Medicina e Reabilitação da Universidade de Alberta, Canadá, Pipper e colaboradores constrúıram e validaram1 a escala Alberta com o objetivo de avaliar o desenvolvimento motor (Piper & Darrah, 1994). Para validar a escala avaliaram uma amostra de 506 crianças. Esta escala foi publicada em 1994 e tem como objetivo avaliar o desenvolvimento motor amplo, ao longo do tempo, de recém-nascidos a termo e pré-termo, com idade entre zero e dezoito meses. A escala identifica bebês cujo desempenho motor esteja atrasado ou at́ıpico em relação ao grupo normativo. Ela é uma medida observacional da performance motora infantil que aborda conceitos do desenvolvimento motor, tais como: neuromaturação, perspectiva da dinâmica motora e avaliação da sequência do desenvolvimento motor. As crianças que apresentem lesões no SNC podem apresentar desen- volvimento motor dentro do repertório t́ıpico, e a avaliação infantil não deve ter como foco apenas as limitações ou restrições. Assim, é necessário que os profissionais da reabilitação (fisioterapeutas, fonoaudiólogos, tera- peutas ocupacionais, e demais) conheçam as habilidades que as crianças apresentam e de que maneira estas podem ser aperfeiçoadas. A ênfase da avaliação deve ser no processo e não somente no resultado. Isto significa uma mudança de paradigma importante no processo de avaliar e observar o desenvolvimento das crianças (Piper & Darrah, 1994). Dentro desta concepção, o objetivo principal da AIMS é avaliar o desen- volvimento sequencial das crianças com relação ao controle de movimento em quatro posturas ou decúbitos (Saccani, 2009). A escala considera tanto 1 Validade é a adequação de um instrumento. Escalas de avaliação do desenvolvimento e habilidades motoras 27 aspectos da neuromaturação como da teoria motora dinâmica (Piper & Darrah, 1994). As crianças devem ser avaliadas pela observação de seus movimentos espontâneos, sem restrições, manuseios ou facilitações. Os pais devem estar próximos e os seus próprios brinquedos podem ser utilizados. Caso seja ne- cessário, a avaliação pode ser interrompida e posteriormente retomada. As observações são realizadas em diferentes posturas antigravitacionais (Piper & Darrah, 1994). A escala possui cinquenta e oito itens que avaliam os padrões motores e as posturas utilizando três critérios: o alinhamento postural, os movi- mentos antigravitacionais e a superf́ıcie de contato (sustentação de peso). As sub-escalas da AIMS são então determinadas por cada decúbito: prono, supino, sentado e em pé. A pontuação é anotada como passou ou como falhou e, ao final, os pontos em cada postura são somados em uma pon- tuação total dos itens observados (Manacero & Nunes, 2008). Estes itens são ilustrados com figuras e com a descrição de cada postura, como exem- plificado na Figura 1. Esta pontuação total é então comparada a escores referenciais para a idade de acordo com percentis (Anexo I). A AIMS é uma escala observacional, de fácil aplicabilidade, baixo custo e que não exige manuseio excessivo do lactente. É necessário conhecimento sobre desenvolvimento infantil e prática para a utilização da escala (Al- meida et al., 2008). A escala permite também o aprendizado sobre desen- volvimento ao mesmo tempo em que se aprende a usá-la. Figura 1. Primeiros itens avaliados em supino (Adaptado de Piper & Darrah (1994)). Durante a aplicação da escala pontua-se os itens observados em cada postura ou decúbito (1 ponto para cada item observado). Caso um item não seja observado, mas a criança se encontre num item mais avançado ou mais “maduro”, os itens anteriores mesmo não sendo observados são 28 Mélo computados. Deve-se observar que as posturas evoluem em dificuldade no sentido horizontal da escala, para cada postura. Os itens motores obser- vados no momento da avaliação são considerados como a janela motora da criança. A pontuação final é composta pela soma de pontos obtidos em cada um dos quatro decúbitos. A Tabela 1 apresenta a forma de pontuação da escala. Segundo Piper & Darrah (1994), para calcular a pontuação posicional da criança é necessário: • Identificar o item menos maduro em cada posição; • Identificar o item mais maduro em cada posição; • O item entre o mais e o menos maduro é considerado a janela motora; • Soma-se os pontos para obter uma pontuação posicional; • Soma-se as quatro pontuações posicionais para obter a pontuação final. Tabela 1. Pontuação da escala AIMS. Posturas ou decúbitos Itens prévios creditados Itens creditados na janela Pontuação da sub-escala Prono Supino Sentado Em pé Total de pontos: O instrumento fornece um gráfico (Anexo I) para identificar o percentil do desempenho motor da criança comparada com amostras normativas da mesma idade. No gráfico deve-se utilizar a interseção da idade corrigida da criança (eixo horizontal do gráfico) e a pontuação total da AIMS (eixo vertical). Quanto mais alta a posição do percentil, menos provável será a existência de um atraso (Piper & Darrah, 1994). Quanto às propriedades psicométricas, a AIMS apresenta alta confia- bilidade2 interobservadores (0,96-0,99) e de teste-reteste (0,86-0,99). A sensibilidade varia de 77,3 a 86,4% aos 4 meses e a especificidade é de 65,5% aos 8 meses (Santos et al., 2008). Este é um teste de critério de referência, não de diagnóstico, com a classificação percentual normatizada 2 Confiabilidade representa a consistência ou reprodução dos resultados quando o mesmo grupo de indiv́ıduos é acessado mais de uma vez com o mesmo ins- trumento (mesmo observador em momentos diferentes ou entre observadores diferentes) (Piper & Darrah, 1994). Escalas de avaliação do desenvolvimento e habilidades motoras 29 para permitir a determinação de onde o indiv́ıduo se encontra em uma me- dida de habilidade comparado com aqueles do grupo de referência (Vieira et al., 2009). O uso da classificação percentil deve ser feito com cautela, pois uma pequena mudança na pontuação bruta pode resultar em uma grande mu- dança no percentil da classificação. Devido às influências das questões culturais sobre o repertório motor Manacero & Nunes (2008) relataram que enquanto a AIMS não fosse tra- duzida oficialmente seu uso teria limitações com relação à população bra- sileira. Porém, Valentini & Saccani (2011) a validaram nesta população. Saccani (2009) estudou a AIMS em 561 crianças gaúchas encontrando validade e fidedignidade para esta população. Almeida et al. (2008) uti- lizaram a AIMS para a avaliação de prematuros e verificou sua grande utilidade na rede pública de saúde brasileira, tanto para o acompanha- mento do desenvolvimento motor de lactentes prematuros no primeiro ano de vida como para a utilização em pesquisas. Harris et al. (2009) utilizaram a AIMS para comparar com a escala de validação de crianças propostas por estes autores e encontraram boa validade para a mesma. Assim, a AIMS também é utilizada como escala de referência para a elaboração de novas escalas, é abrangente aos profissionais da reabilitação e facilita a comunicação e o trabalho multidisciplinar e interdisciplinar. A escala também é utilizada como forma de acompanhar a evolução do desenvolvimento de crianças submetidas a determinadas intervenções. Silva et al. (2006) utilizaram a AIMS para verificar o efeito das práticas maternas sobreo desenvolvimento de crianças nascidas a termo e saudáveis e observaram que a escala é uma ferramenta útil para este objetivo. Mancini et al. (2002) utilizaram a AIMS e a PEDI para comparar a movimentação espontânea, as habilidades e a independência de crianças a termo e pré-termo. Neste estudo verificaram que na ausência de outros distúrbios, e, com a correção da idade em pré-termos, o desenvolvimento motor pode ser semelhante ao de crianças nascidas a termo. Embora o objetivo da AIMS seja identificar atrasos de desenvolvimento e seu uso seja maior em crianças ditas t́ıpicas ou prematuras, alguns estudos utilizam a escala para caracterizar o perfil de populações com condições especiais. O estudo de Pereira (2008), em lactentes com śındrome de Down, observou com a AIMS que apesar de existir um atraso na aquisição de marcos de referência, o desenvolvimento motor ocorreu de forma crescente e permitiu descrever o perfil de desenvolvimento para esta população. Assim, além da utilização para detectar atrasos e acompanhar a evo- lução do desenvolvimento motor, esta escala também pode ser estudada quanto a sua aplicação em condições especiais de saúde e desenvolvimento. 30 Mélo 4.2 The pediatric evaluation of disability inventory (PEDI) A PEDI, cuja tradução é avaliação pediátrica do inventário de incapacida- des, foi desenvolvida por Haley e colaboradores com o propósito de avaliar as capacidades funcionais e o desempenho t́ıpico em crianças jovens com limitações funcionais (Mascarenhas, 2008). Este instrumento é utilizado para descobrir déficits funcionais, acom- panhar progressos e analisar o resultado de intervenções. A PEDI é um instrumento de avaliação infantil que caracteriza o desempenho funcional de crianças com idade cronológica entre 6 meses e 7 anos e 6 meses. Po- rém, pode ser utilizada quando apesar da idade cronológica ser superior ao limite indicado, o indiv́ıduo apresentar desempenho funcional condi- zente com esta faixa etária. com objetivo de acompanhamento evolutivo da criança (Mancini, 2005; Silva & Daltrário, 2008). De acordo com Mancini et al. (2002) e Silva & Daltrário (2008) o teste PEDI é uma avaliação realizada através de entrevista estruturada com os pais ou responsáveis pela criança, ou através da observação dos profissi- onais. O tempo para observação varia entre 30 e 40 minutos conforme a habilidade do observador. No caso das entrevistas, estas podem durar cerca de 60 minutos ou mais (Mancini, 2005). Este teste foi recentemente traduzido para o português e adaptado para contemplar as especificida- des sócio-culturais do Brasil, com permissão e colaboração dos autores da avaliação original. O perfil documentado pelo PEDI informa três aspectos importantes do desenvolvimento funcional: as habilidades presentes no repertório da criança (parte I), a independência no desempenho de atividades diárias ou a influência do cuidador (parte II) e as modificações do ambiente utilizadas para facilitar o desempenho funcional (parte III). Os construtos de mensuração que deram origem às escalas do teste foram definidos com base nas abordagens desenvolvimental, contextual e ambiental. Eles foram criados a partir de uma versão adaptada do modelo de disfunção proposto pela Organização Mundial de Saúde, e influenciados pela Classificação Internacional de Deficiência, Incapacidade e Limitação Social (Mancini, 2005). A escala possibilita identificar as alterações no desempenho funcional precocemente, pois é um teste que pode ser realizado na casa e na comu- nidade através de perguntas. Empelen et al. (2005) relatam que a escala foi desenvolvida para me- dir, em cada uma de suas partes, mudanças funcionais em atividades de auto-cuidado, mobilidade e função social. O auto-cuidado consiste na ali- mentação, no vestir e nas necessidades fisiológicas; a mobilidade consiste em utilizar carro, cadeira, banheiro, andar em recinto fechado, ao ar livre e em escadaria; a função social consiste em compreensão, fala, interações com amigos e na comunidade. Escalas de avaliação do desenvolvimento e habilidades motoras 31 A capacidade é medida pela identificação de habilidades funcionais para as quais a criança demonstrou domı́nio e competência. O desempenho funcional é medido pelo ńıvel de ajuda que a criança precisou para realizar atividades funcionais principais como comer ou locomover. Apesar do PEDI apresentar três áreas de desempenho, cada área pode ser avaliada de forma independente, de acordo com o interesse funcional (Silva & Daltrário, 2008). A avaliação foi projetada para servir como uma medida descritiva do desempenho funcional atual da criança e também como um método para localizar mudanças com o passar do tempo (Mancini, 2005). A Tabela 2 ilustra a parte I (Habilidades funcionais) da escala, relaci- onada a área de mobilidade. A pontuação da parte I é zero se a criança é incapaz de realizar a atividade e um se ela é capaz de realizar. Tabela 2. Parte I (Habilidades funcionais), item A da área Mobilidade. Adaptado de Mancini (2005). Área de (Marque o correspondente para cada item; mobilidade escores dos itens: 0-incapaz; 1=capaz) A: Transferências no Banheiro 0 1 -Fica sentado se estiver apoiado em equipamento ou no adulto -Fica sentado sem apoio na privada ou no troninho -Senta e levanta de privada baixa ou troninho -Senta e levanta de privada própria para adulto -Senta e levanta da privada sem usar seus próprios braços A pontuação da Parte II, relacionada à Assistência do cuidador (ajuda) é graduada em: independente (pontuação cinco), supervisão (quatro), mı́- nima (três), moderada (dois) e máxima (um). A Tabela 3 ilustra o formu- lário da PEDI para a Parte II. A pontuação da Parte III (Modificação do Ambiente) é feita de forma categórica e também pode ser observada na Tabela 3: nenhuma modificação recebe N, modificações relacionadas à criança recebem C (exemplo: fralda), modificações relacionadas à reabilitação recebem R (exemplo: órtese) e modificações extensivas recebem E (exemplo: tecnologia assitiva). Pode-se observar na Tabela 3, que a pontuação das Partes II e III é feita para os itens anteriormente avaliados na Parte I, porém de forma agrupada. Após pontuar todos os itens é posśıvel estabelecer o escore bruto da criança para cada área, e, baseado na sua idade cronológica, comparar com o escore normativo (±erro-padrão). Os escores normativos foram estimados e estão presentes no manual de utilização da PEDI. Caso a criança tenha idade superior a 7 anos e 6 meses pode-se utilizar apenas o escore cont́ınuo, com objetivo de comparar 32 Mélo Tabela 3. Partes II e III (Assistência do Cuidador e Modificações do Ambiente), itens relacionados a área de Auto-Cuidado (Adaptado de Mancini (2005)). Assistência Modificações Partes II e III: Assistência do Cui- dador e Modificações do Ambiente do Cuidador Circule o escore apropriado para avaliar cada item in d ep en d en te su p er v is ã o m ı́n im a m o d er a d a m á x im a to ta l n en h u m a cr ia n ça re a b il it a çã o ex te n si va Área de Auto-Cuidado 5 4 3 2 1 0 N C R E A. Alimentação: Come e bebe nas refeições re- gulares; não inclui cortar carne, abrir recipientes ou servir comida das travessas 5 4 3 2 1 0 N C R E B. Higiene Pessoal: escova dentes, escova ou penteia o cabelo e limpa o nariz 5 4 3 2 1 0 N C R E C. Banho: lava e seca rosto e mãos, toma ba- nho; não inclui: entrar e sair do chuveiro ou ba- nheira, preparar a água e lavas costas e cabelos 5 4 3 2 1 0 N C R E D. Vestir – parte superior do corpo: rou- pas de uso diário, inclui ajudar a colocar e retirar splint ou prótese; não inclui: tirar roupas do ar- mário ou gavetas, lidar com fechos nas costas 5 4 3 2 1 0 N C R E E. Vestir – parte inferior do corpo: roupas de uso diário, incluindo colocare tirar órtese ou prótese; não inclui tirar as roupas do armário ou gavetas 5 4 3 2 1 0 N C R E a criança com ela mesma ao longo do tempo e definir quais itens de cada área ela já deveria realizar. Isto é posśıvel através de mapas de atividades (também disponibilizados no manual), traçando-se uma linha vertical na pontuação obtida pela criança. Os itens à esquerda da linha significam os que ela deveria estar fazendo independente da sua idade cronológica. As Tabelas 4 e 5 ilustram estes escores. Desde sua publicação em 1992, muitas mudanças foram incorporadas à prática de aplicação, inclusive itens de avaliações que considerem novas tecnologias (Haley et al., 2010). A PEDI é utilizada em pesquisas com o objetivo de avaliar, identificar e acompanhar a evolução do tratamento. Silva & Daltrário (2008) utilizaram a PEDI para verificar o desempenho da marcha no treinamento funcional em esteira de uma criança com PC e verificaram que houveram ganhos para esta habilidade funcional. Mancini et al. (2004) utilizaram a PEDI para verificar a influência entre risco bio- lógico e desempenho funcional infantil. Marinho et al. (2008) compararam crianças com hemiparesia e diparesia em relação ao desempenho funcional, evidenciando dificuldades maiores das crianças com diparesia nos itens re- lacionados à locomoção, mas sem diferenças nas atividades relacionadas ao Escalas de avaliação do desenvolvimento e habilidades motoras 33 Tabela 4. Quadro de pontuação para todas as áreas avaliadas. Adaptado de Mancini (2005). Área Escore Escore Erro Escore Erro Escore Bruto Normativo padrão Cont́ınuo padrão Fit* Auto- Habilidades cuidado funcionais Função Habilidades social funcionais Auto- Assistência cuidado do cuidador Mobilidade Assistência do cuidador Função Assistência social do cuidador * Obtido pelo cálculo realizado por um software espećıfico Tabela 5. Escores Normativo e Cont́ınuo para a área de Auto-cuidado. Adaptado de Mancini (2005). Escore Escore Normativo Cont́ınuo Auto- Habilidades Cuidado Funcionais auto-cuidado. Sorsdahl et al. (2010) utilizaram a PEDI como instrumento para verificar os efeitos da intervenção fisioterapêutica sobre as habilidades motoras de crianças com PC. Bailes et al. (2010) usaram a PEDI para ve- rificar efeitos de intervenção e da frequência da mesma em 2 crianças com diplegia espástica. O foco da terapia ocupacional está voltado para o desempenho e a inde- pendência das crianças nas tarefas de vida diária, em contextos relevantes. Guerzoni et al. (2008) revisaram vários estudos que inclúıam a utilização da PEDI e conclúıram que o contexto no qual a criança com PC está inserida parece ser um fator importante no seu desempenho funcional. Porém, em- bora a área da função social do PEDI compreenda a avaliação de aspectos de comunicação, Mayrand et al. (2009) verificaram que em relação às alte- rações motoras evidenciadas em crianças com deficiências de linguagem, a PEDI não é suficientemente acurada para identificar estas alterações. 4.3 Gross motor function measure – GMFM A escala GMFM, traduzida como escala de Medida da Função Motora Grossa, foi desenvolvida para permitir uma avaliação quantitativa de as- pectos motores estáticos e dinâmicos (Drouin et al., 2006). De acordo com Mascarenhas (2008) a GMFM é uma escala de confiança e sensibilidade para descobrir mudanças cĺınicas importantes na função 34 Mélo motora de crianças com PC. Esta escala foi desenvolvida em duas versões, com 88 itens e a mais atual com 66. Ambas avaliam atividades motoras desde rolar e sentar, até andar e correr. A escala original (GMFM-88) é composta por 88 itens, avaliados através da observação, e que se agrupam em cinco dimensões: rolando (17 itens), sentando (20 itens), rastejando e ajoelhando (14 itens), estando de pé (13 itens), e caminhando, correndo e saltando (24 itens). Os itens são agrupados no formulário de classificação pela sequência de desenvolvimento (Cury et al., 2006). As pontuações são feitas por porcen- tagens para cada uma das cinco dimensões do GMFM. Quanto mais altas forem, melhor será a capacidade funcional da criança. Drouin et al. (2006) relatam alto ı́ndice de coeficiente intraclasse na utilização da GMFM, ou seja, alto ı́ndice de confiança quando comparada à análise por v́ıdeo. Na GMFM-88 havia limitações como o escore percentual limitado para demonstrar crianças com perfis cĺınicos diferentes. A análise total não permitia identificar qual item era o que se encontrava atrasado, e o tempo prolongado para avaliação e o uso da escala ordinal não permitia que a distância entre os escores fosse igual, sub ou superestimando as mudanças (Russell et al., 2002). Assim, em setembro de 2000 foi desenvolvido um novo sistema utilizando 66 itens principais, validado somente para crianças com PC, o GMFM-66. Russell et al. (2000) realizaram um estudo com 537 crianças com PC para verificar a validade e a confiabilidade do GMFM-66. Os autores ob- tiveram como resultados que a confiabilidade teste re-teste foi de 0,99 e conclúıram, portanto, que o instrumento apresenta boas propriedades psi- cométricas. A GMFM-66 permite o cálculo do escore total mesmo quando todos os itens não foram administrados e analisa as mesmas dimensões do GMFM- 88: deitar e rolar (4 itens), sentar (15 itens), engatinhar e ajoelhar (10 itens), de pé (13 itens), e, andar, correr e pulas (24 itens). Os itens são marcados em quatro pontos ordinais: 0 (não pode iniciar), 1 (inicia, mas completa menos que 10%), 2 (parcialmente completa - 11 a 99%), 3 (completa independentemente). Na Tabela 6 apresenta-se um trecho da escala traduzida com a dimen- são atividade funcional deitar e rolar, composta por 17 itens. Cada item é observado e pontuado e, então, os valores são somados para se obter o valor total da dimensão avaliada. Cabe ressaltar que a pontuação men- cionada serve apenas para fornecer uma diretriz geral sobre a escala. É indispensável seguir as instruções de pontuação espećıficas de cada item. Além do menor tempo de administração, da menor dificuldade, da maior confiabilidade, da validade e da responsividade, a GMFM-66 per- mite uma estimativa dos escores da criança utilizando uma amostra de Escalas de avaliação do desenvolvimento e habilidades motoras 35 pelo menos 13 itens. No entanto, quanto maior a quantidade de itens avaliados, mais acurado será o escore analisado. Os escores do GMFM-66 requerem um software denominado Gross Mo- tor Ability Estimator (GMAE). Este software fornece escore total, desvio- padrão, intervalo de confiança e mapas de interpretação das habilidades motoras grosseiras (Russell et al., 2002). Drouin et al. (2006) analisaram a correlação de aspectos espaço- temporais da marcha com a GMFM e também encontraram ı́ndices de excelentes a moderados com a utilização da escala. Tabela 6. Itens que compõem a dimensão deitar e rolar da GMFM-66. Item A. Deitar e Rolar Escore 1. SUP: cabeça na linha média: vira a cabeça com as extremidades simétricas 0 1 2 3 2. SUP: traz as mãos para a linha média, dedos se tocam 0 1 2 3 3. SUP: levanta a cabeça a 45o 0 1 2 3 4. SUP: flete quadril e joelho D em toda a am- plitude 0 1 2 3 5. SUP: flete quadril e joelho E em toda a ampli- tude 0 1 2 3 6. SUP: estende o braço D, mão cruza a linha média em direção do brinquedo 0 1 2 3 7. SUP: estende o braço E, mão cruza a linha média em direção do brinquedo 0 1 2 3 8. SUP: rola para prono sobre o lado D 0 1 2 3 9. SUP: rola para prono sobre o lado E 0 1 2 3 10. PR: levanta a cabeça verticalmente 0 1 2 3 11. PR: sobre antebraços: levanta a cabeça ver- tical, extensão de cotovelos, peito elevado 0 1 2 3 12. PR: sobre antebraços: peso no antebraço D, extensão total, outro braço para frente 0 1 2 3 13. PR: sobre antebraços: peso no antebraço E, extensão total, outro braçopara frente 0 1 2 3 14. PR: rola para supino sobre lado D 0 1 2 3 15. PR: rola para supino sobre lado E 0 1 2 3 16. PR: gira (pivots) para D 90o usando as ex- tremidades 0 1 2 3 17. PR: gira (pivots) para E 90o usando as extre- midades 0 1 2 3 Dimensão A TOTAL SUP = supino; PR = prono; D = direita; E = esquerda 36 Mélo 4.4 Gross motor function classification system (GMFCS) A GMFCS, traduzida como Sistema de Classificação da Função Motora Grossa, foi desenvolvida para classificar crianças com PC em ńıveis. A escala pode ser aplicada em crianças com idade entre 1 e 12 anos e as classifica de acordo com suas capacidades e limitações. A escala apresenta cinco ńıveis ordinais. O que caracteriza a diferença entre os ńıveis é o conhecimento das incapacidades da criança e do ńıvel de assistência que ela necessita. A classificação é feita baseada na função motora grossa em atividades diárias com ênfase na mobilidade e no ficar sentado (Beckung et al., 2007; Palisano et al., 2009). Atualmente existe uma versão ampliada que enquadra indiv́ıduos de até 18 anos. A escala é ordinal, porém sem a intenção de que as distâncias entre os ńıveis sejam consideradas iguais, ou de que as crianças com PC sejam dis- tribúıdas igualmente entre os cinco ńıveis. O objetivo é classificar a função motora grossa atual da criança, e não julgar a qualidade do movimento ou o potencial de melhora (Palisano et al., 1997). Existe caracterização para ńıveis nas faixas etárias inferior a 2 anos, de 2 a 4 anos, de 4 a 6 anos, de 6 a 12 anos e de 12 a 18 anos. Como exemplo, os ńıveis dividem-se em: • Nı́vel 1: caminha sem restrições, limitações nas atividades motoras mais avançadas; • Nı́vel 2: caminha sem restrições, limitações ao ar livre e na comuni- dade; • Nı́vel 3: caminha com recurso auxiliar, limitações ao ar livre e na comunidade; • Nı́vel 4: mobilidade com limitações, crianças são transportadas ou usam recursos assistivos para mobilidade ao ar livre e na comunidade; • Nı́vel 5: mobilidade severamente limitada, sempre utiliza tecnologia assistiva. Palisano et al. (2009) relatam que a GMFCS tem validade de cons- tructo, validade discriminativa e confiança. Estes autores ainda estudaram a relação do ńıvel funcional de crianças com PC com a participação em atividades na comunidade e verificaram que existe uma relação direta. As- sim, as crianças que têm maior participação são as que apresentam melhor ńıvel funcional pela escala. Shevell et al. (2009) realizaram um estudo coorte com 243 crianças onde foi identificado que 35% apresentaram quadriplegia espástica, 31% hemiplegia espástica, 21% diplegia espástica, 7% PC discinética, 4% atá- xica e 2% classificados como“outro”. Destas crianças, funcionalmente, 66% podem deambular sozinhas ou com algum tipo de recurso auxiliar. Escalas de avaliação do desenvolvimento e habilidades motoras 37 Damiano et al. (2006) compararam o desempenho funcional de crian- ças com hemiplegia e diplegia, discutindo que a GMFCS enfatiza mais as habilidades dos membros inferiores. Blair & Watson (2006) utilizaram a GMFCS para discutir a definição e a classificação da PC. Os profissionais da reabilitação e os pesquisadores utilizam amplamente o GMFCS para classificar funcionalmente seus paci- entes e sujeitos de pesquisa, a fim de facilitar a comunicação e a descrição (Ju et al., 2010; Burton et al., 2009; Chagas et al., 2008; Marinho et al., 2008; Eek & Beckung, 2008). 5. Conclusão Este caṕıtulo fornece aos profissionais de reabilitação um contato com as es- calas de avaliação em fisioterapia neuropediátrica. Incentiva-se o interesse na utilização de ferramentas cĺınicas que propiciem melhor manejo dos pa- cientes e evidências cient́ıficas para busca e aperfeiçoamento das metas de reabilitação. A AIMS permite identificar atrasos no desenvolvimento até os 18 me- ses de idade. Porém, sua utilização com populações em condições especiais ainda precisa de maiores estudos e evidências. O PEDI caracteriza o desem- penho funcional de crianças com idade cronológica entre 6 meses e 7 anos e 6 meses e pode ser utilizado também em casos em que, apesar da idade cro- nológica ser superior ao limite indicado, o indiv́ıduo apresente desempenho funcional condizente com esta faixa etária. A GMFM e a GMFCS per- mitem quantificar em ńıveis funcionais as habilidades das crianças, porém sem considerar a qualidade de movimento. Assim, é importante ressaltar que as escalas são ferramentas que auxi- liam o profissional a caracterizar as capacidades de cada criança, mas que não dispensam o julgamento e o conhecimento cĺınico do profissional de reabilitação. Para a utilização de cada escala é necessário conhecimento prévio, aqui- sição de manuais e realização de treinamentos. Além disto, a utilização das escalas por si só não garante uma descrição completa de todo o repertório motor da criança. 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Atualmente é fisioterapeuta concursada pela Prefeitura Municipal de Paranaguá, PR e docente do Curso de Pós-graduação em Neurologia com Ênfase em Neuropediatria do Instituto Brasileiro de Therapias e Ensino – IBRATE. 42 Mélo Anexo 1: Percentis da Escala AIMS Introdução Fundamentação Teórica Metodologia Resultados e Discussão Alberta motor infant scale (AIMS) The pediatric evaluation of disability inventory (PEDI) Gross motor function measure – GMFM Gross motor function classification system (GMFCS) Conclusão
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