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Afinal O QUE É CULTURA

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Afinal, o que é cultura?1 
Por Robson dos Santos2 
Na sociedade da informação, do conhecimento ou do espetáculo, a cultura3 
 assume uma centralidade cada vez maior na compreensão das relações sociais 
 
 O conceito de cultura engloba uma ampla variedade de significados e de compreensões que fogem das 
categorizações rígidas, estáveis e unitárias. Isso ocorre não apenas no campo acadêmico, mas também no cotidiano da 
prática social. Os jornais, as emissoras de televisão, as escolas etc., referem-se constantemente à cultura, entendida de 
formas variadas. Nem todos parecem querer comunicar a mesma coisa, nem a entendem do mesmo modo. Com isso, 
não sugerimos que as referências gerais são incorretas ou falhas, mas buscamos destacar como a cultura engloba modos 
de organização e reprodução da vida, produções e representações artísticas e religiosas, enfim, uma multiplicidade de 
sentidos que só podem ser compreendidos no contexto em que são produzidos e reproduzidos. Porém, é preciso que 
resgatemos algumas definições de cultura para podermos compreender suas possíveis interpretações. 
A cultura, até o século XVII, de modo geral, referia-se a processos objetivos, relacionados às atividades de 
reprodução material da vida, “a cultura de alguma coisa - colheita, animais” (WILLIAMS, 1979, p.19). Significado que 
ainda persiste em alguns contextos, por exemplo, como quando nos referimos à cultura da cana-de-açúcar, da soja, do 
milho, entre outros. A partir do séulo XVIII, observa-se o surgimento da noção de civilização - em certa medida, 
relacionada às posições e intenções do Iluminismo europeu, que passou a designar o progresso intelectual e material não 
mais dependente da religião ou da metafísica — e que emerge substituindo ou se incorporando ao conceito de cultura, 
dependendo do contexto. Contudo, o núcleo de surgimento destas noções “coincidia” com o local em que o 
desenvolvimento humano havia atingido seu mais “elevado grau”, ao menos aos olhos dos que produziam tais discursos: 
a Europa, mais especificamente a França e a Inglaterra. A civilização, em oposição ao resto do mundo “bárbaro”, “sem 
uma cultura significativa”, expunha o modelo de uma racionalidade da história que deveria se expandir, fazendo triunfar 
seus valores nas áreas menos “civilizadas” do globo (WILLIAMS, 1979). Assim, propunham as interpretações 
evolucionistas. Em fins do século XVIII, cultura e civilização referiam-se a situações aproximadas4: “Civilização e 
cultura (especialmente em sua forma comum antiga, de cultivo) eram de fato, em fins do século XVIII, termos 
intercambiáveis. Cada um deles tinha o problemático sentido dupla de um estado realizado e de um estado de 
desenvolvimento realizado' (WILLIAMS, 1979, p. 20). 
Entretanto, como esclarece Williams, a partir das obras de Rousseau e do romantismo artístico, entre outros,passa-
se a elaborar uma crítica à ideia de civilização, apontada como sinônimo de superficialidade, de valorização de feições 
exteriores, de etiquetas, em oposição aos impulsos biológicos e instintivos. 
 
A cultura, por outro lado, ganha uma conotação relacionada à vida interior, às singularidades que se expunham nas 
“criações do espírito”, como a arte e a literatura. “Foi a partir desse sentido, embora nem sempre com todas as suas 
implicações, que ‘cultura’ como processo geral de desenvolvimento 'íntimo’ se ampliou e passou a incluir um sentido 
descritivo dos meios e obras desse desenvolvimento: isto é, ‘cultura como uma classificação geral das artes, religião e 
instituições e práticas de significados e valores” (WILLIAMS, 1979, p. 21). 
Atualmente, o significado de cultura engloba também práticas e hábitos de classes sociais, grupos étnicos, tribos 
urbanas, sociedades, instituições, organizações, manifestações artísticas etc. Dessa forma, cultura se refere tanto aos 
modos de organização das diversas sociedades e das diferenças que as marcam externa e internamente, como ao conjunto 
das obras e as atividades intelectuais e artísticas, isto é, a música, literatura, pintura etc.. Tais situações implicam 
obviamente numa complexização dos usos e significados do conceito5, e apontam não para a separação dos sentidos, 
mas para a articulação entre eles. O primeiro sentido é mais comum na antropologia social e foi por ela bastante 
investigado e problematizado como uma categoria central de análise (KUPER, 2002). Aqui nos concentramos em 
discutir essa dimensão mais usual da noção de cultura, que fundamenta muitas práticas educacionais, políticas, 
jornalísticas, entre outras: a cultura pensada como uma classificação dos produtos artísticos e simbólicos, tais como a 
música, o cinema, o teatro, a literatura, a pintura e demais artefatos produzidos e consumidos socialmente. 
E também a cultura pensada como um índice de acesso a eles: ter “mais cultura”, ser “alguém com cultura”, condição 
 
1 Texto adaptado da Revista Sociologia editora escala. Ano II número 16 para fins didáticos. 
2 ROBSON DOS SANTOS E BACHAREL EM CIÊNCIAS SOCIAIS PELA UNESP, MESTRE EM SOCIOLOGIA PELA UNICAMP E DOUTORANDO EM SOCIOLOGIA PELA 
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP). 
3 O objetivo do presente artigo não é apresentar todos os sentidos e abordagens sobre cultura, mas analisar algumas de suas dimensões à luz de determinados 
processos sociais contemporâneos. 
4 Para uma compreensão do surgimento e dos sentidos assumidos pelos conceitos de cultura e civilização, ver o clássico estudo de Norbert Elias, O Processo 
Civilizador. (2v). Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1990-1993. 
5 As definições que encontramos nos dicionários sobre cultura exprimem essa diversidade. No Minidicionário Ediouro, por exemplo, temos a seguinte definição 
“Cultura: 1. ação ou modo de cultivar. 2. Plantação. 3. Desenvolvimento intelectual. 4. Antropologia. Conjunto de experiências e realizações humanas (costumes, 
crenças, instituições, produções artísticas e intelectuais) que caracterizam uma sociedade. 5. Conjunto de conhecimentos adquiridos numa determinada área de 
atividade. 6. Conjunto de atitudes e comportamentos que caracterizam certa mentalidade”. 
 
 
que designa rotineiramente formas de estabelecer o grau de “contato” aos bens culturais, isto é, a “quantidade” de livros 
que alguém leu, o número de filmes e peças de teatro que determinada pessoa assistiu, ou a variedade de exposições e 
concertos que alguém frequentou6, etc. Cultura, nesse sentido, é tomada como sinônimo de artes em geral, mas é preciso 
reforçar, como indicamos acima, que a arte é uma forma de manifestação cultural, não a única. 
A cultura, em muitos casos, também opera como uma espécie de distinção social, de diferenciação que objetiva, em 
última instância, estabelecer uma hierarquia. É claro que isso não constitui um atributo “natural” ou uma característica 
“genética” da cultura, mas resulta de uma construção e distribuição desigual do acesso a ela. Para muitos, representa até 
mesmo uma forma de superar as desigualdades socioeconômicas. O que indica também, em certa medida, as 
possibilidades de usos políticos das noções de cultura, tanto progressistas quanto conservadores. 
A partir dos anos 60 ganharam destaque nas ciências humanas e na sociologia em particular as análises e 
interpretações acerca da massificação da cultura, ou cultura de massa. As análises7, captando a emergência e a 
popularização de meios técnicos de produção e reprodução da cultura, como o rádio, o cinema e TV, e a indústria 
cultural, afirmavam que estava em processo uma homogeneização dos indivíduos, uma supressão das idiossincrasias, 
um “rebaixamento” geral do nível cultural, resultante das formas de discurso, da programação e dos conteúdos 
veiculados por esses meios, associados ao capitalismo e ao modelo fordista de organização da vida: produçãoe consumo 
em massa. As produções culturais haviam perdido, para alguns analistas, seu potencial criativo, transformador e 
revolucionário, convertendo-se em meros produtos industrializados, alienantes, pasteurizados e voltados ao consumo 
descartável, tal como sabonetes e cremes dentais. As reflexões sobre a cultura de massa concentravam-se nos países de 
capitalismo avançado, onde os padrões de consumo da população tinham assumido níveis elevados, principalmente com 
o fortalecimento do chamado Estado de Bem-estar Social, após a 2a Guerra Mundial. Tal elevação dos padrões de 
consumo incluía a popularização da TV, dos cinemas, dos aparelhos de rádios, de equipamentos que levavam para o 
interior das residências operárias produções culturais e artísticas e que alteravam as relações cotidianas e as formas de 
organização da vida privada. O horário da novela, da série de TV, do programa de auditório mobilizava a organização 
do tempo dos indivíduos e ainda organiza, cada vez mais, em harmonia, é claro, com o tempo do trabalho. As referências 
culturais, simbólicas, ideológicas assumiam uma projeção maior, rompendo o círculo dos que se aproximavam 
geograficamente do produtor e ampliando a velocidade e, em muitos casos, a simultaneidade entre criação e consumo. 
ESSE PROCESSO DE massificação da cultura e dos meios de sua (re) produção resultavam e também provocavam uma 
complexização do mercado de bens simbólicos, isto é, da diferenciação dos produtos, bem como das trocas entre valores 
culturais e também entre esses e os valores econômicos. Dessa forma, a cultura desprendia-se quase totalmente de suas 
características “puras, ideais”, exclusivamente criativas e convertia-se em uma mercadoria, em valor de troca, sujeita às 
regras do mercado, às urgências do lucro e da produção capitalista. Era indispensável fabricar o que o público e o 
mercado demandavam, o que acarretava uma reprodução em série, em escala industrial dos bens culturais. Isso era 
acompanhado também da crescente distinção entre aquilo que era consumido pelas classes populares e o que era restrito 
a setores economicamente privilegiados. 
Uma das consequências desse processo foi o aprofundamento da divisão entre alta cultura e cultura popular, entre 
a cultura erudita e cultura de massa. Situação essa que não deixa de ter implicações na dinâmica de construção da 
cultura como signo e mecanismo de distinção e de hierarquização social. Essa dinâmica é analisada com grande 
profundidade pelos teóricos da Escola de Frankfurt (SLATER, 1978). 
É claro que cabem inúmeras críticas aos teóricos da cultura de massa. Afinal, a partir dos processos técnicos 
advindos dos mecanismos de produção cultural, foi possível a constituição de formas alternativas e criativas de arte. 
Mesmo no seio da indústria cultural irrompem produções extremamente inventivas, como filmes, músicas, revistas etc., 
que rompem com a mera reprodução harmônica e homogênea das criações culturais. 
Atualmente, a ideia de cultura de massa assume uma complexidade ainda maior, diante das novas formas de 
construção e divulgação da cultura, como a internet e diversas ferramentas e equipamentos eletrônicos. 
É EVIDENTE QUE A SIMPLES disponibilização de telefones celulares, dotados de máquinas fotográficas, por exemplo, 
não potencializa nem garante o olhar estético sobre os cenários e ambientes naturais e sociais, como se todos fossem 
potencialmente um fotógrafo como Sebastião Salgado; mas reconfigura, em certa medida, os espaços e os agentes 
produtores de um discurso e de artefatos artísticos. Tal reconfiguração comporta e permite interessantes reflexões sobre 
quem produz cultura, ou mesmo o que essa significa e quais as relações de poder que definem uma produção como “arte 
legítima” ou ilegítima. 
Para entendermos isso poderíamos vislumbrar os filmes caseiros ou não que lotam o site YouTube e buscar distinguir 
entre o que é artístico e que pode integrar as referências culturais, daquilo que não passa de imagens sem valor. É 
possível sustentar uma distinção somente apoiando-se em critérios técnicos, estéticos, consagrados? Ou é necessário 
compreender as relações de poder, de todas as ordens, emaranhadas por trás das distinções? Um grafite de hip hop, ao 
 
6 É interessante notar que Cultura constitui ou integra o nome de grande parte dos cadernos de jornais que tratam de Tv, Cinema, literatura, 
teatro etc 
7 Uma das principais abordagens sobre a cultura de massas foi desenvolvida pela chamada Escola de Frankfurt (Ver em Sociologia - Ciência & 
Vida n° 6, coluna Chame um sociólogo) 
 
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ser exposto no Museu do Louvre, em Paris, adquire um novo status e pode ser considerado uma forma de alta cultura? 
Será que o Museu tem o poder de construir e definir o que é arte? Essas são algumas das indagações que uma análise 
sociológica da arte e da cultura deve fazer. 
A cultura, ou a dimensão dela que optamos por abordar aqui - cultura pensada como uma classificação dos produtos 
artísticos - aparece constantemente nos discursos midiáticos e políticos, acompanhada, principalmente, de duas 
reflexões: a exclusão cultural e a cultura como forma de superar a exclusão. Nesse caso, não se trata de um jogo de 
palavras, mas de dimensões articuladas, porém, com sentidos bastante diversos. A (i) exclusão cultural refere-se, em 
síntese, aos processos sociais que implicam no náo acesso de grande parte da população às produções artísticas mais 
consagradas, tal como a frequência aos cinemas ditos de qualidade, bibliotecas, museus etc. A (ii) cultura como forma 
de superar a exclusão constitui uma crença disseminada entre agentes políticos, jornalistas, professores, entre outros, 
que consiste basicamente em propugnar que a prática e o contato com determinada atividade cultural e/ou artística 
constitui ferramenta eficaz para afastar, principalmente os jovens pobres, da “criminalidade”, da “rua”, da “miséria”, 
das “drogas”. Tal acesso, segundo alguns, disponibilizaria uma “oportunidade de futuro”, uma “perspectiva” para 
superar as desigualdades socioeconômicas. Esses discursos são extremamente populares nas mais variadas instâncias, 
como programas de TV, rádios, palcos para comícios e entre agentes como educadores, empresários, políticos etc., e 
fundamentam grande parte das ações do poder público e de organizações não-governamentais na área. 
Porém, é relevante indagar se a exclusão cultural não representa a ponta de um processo social que antecede a 
simples disponibilização de artefatos e bens culturais. As pessoas não lêem por não terem livros ou em decorrência de 
complexos mecanismos de exclusão que constroem a leitura como algo “chato”? As pessoas não frequentam museus e 
exposições somente porque essas ocorrem com pouca frequência ou em locais “distantes ”, ou porque os processos de 
contemplação artística demandam “sensibilidades” e “olhares”, isto é, recursos técnicos de contemplação, um capital 
cultural do qual eles foram privados em decorrência de sua distribuição desigual? E evidente que são processos 
articulados e dinâmicos, afinal não existirão mais leitores ou leitoras caso não sejam construídas mais bibliotecas8. 
Contudo, essas ficarão vazias caso não sejam “formados” novos frequentadores. 
A cultura como forma de superar a exclusão se apresenta, por vezes, como um idealismo em relação aos poderes 
mágicos e revolucionários da atividade cultural. E claro que a oportunidade de ter acesso a uma prática artística como 
agente produtor representa uma experiência sem paralelos para a maioria das pessoas e dos jovens em particular, seja 
como mecanismo de elevação da auto-estima, ou como instrumento de criatividade individual e de reconhecimento 
social. A análise, porém, deve desnudar os limites de tais discursos frente aos mecanismoscada vez mais aprofundados 
de exclusão. Diversos agentes públicos e privados lançam o prognóstico de que a desigualdade pode ser superada e 
vencida a partir de ações culturais locais. Não espanta a quantidade de ONGs que levam a “cultura” para os morros, 
favelas e comunidades pobres sustentando-se, por vezes, na fórmula clássica do esclarecimento, das “luzes”, propondo 
a cultura como forma de superação da condição desvantajosa para a maioria da população e como um “caminho para a 
luz, a verdade e a paz”. Com isso, não se almeja deslegitimar ações, em muitos casos positivas, mas ressaltar a 
importância de se vislumbrar a cultura não como uma entidade isolada e auto-suficiente, com um efeito de pílula 
anestésica, e sim como uma dimensão articulada a outras faces do processo social e político, que só podem ser altamente 
transformadores se pensados e praticados conjuntamente. 
Atualmente a cultura é vislumbrada por alguns especialistas como uma dimensão central para a compreensão da 
produção e da reprodução da dominação e das relações de poder entre as classes sociais, entre as nações, comunidades9. 
Essa dominação se apresenta sob múltiplas dimensões e adquiriu uma exposição muito grande a partir da consolidação 
da chamada globalização. Se essa implicou, como sugerem alguns, uma interação mais ampla e constante entre as 
variadas realidades nacionais e uma intensificação das trocas comerciais; não deixou de ser acompanhada por uma 
dinâmica mais permanente entre as produções culturais de cada contexto. Será que isso ocorre de forma tão harmônica? 
As trocas culturais no capitalismo global não são processos horizontais e simétricos, mas expressam e reafirmam 
novos matizes da dominação econômica e cultural, que não irrompem com a globalização, mas encontram nela uma 
importante carona. Aos que duvidam basta saírem de casa para o cinema e procurar para assistir um filme africano, 
russo, asiático ou mesmo da índia, o maior produtor mundial de filmes10; ou tentar comprar CDs de bandas mexicanas 
e sul-americanas. Não é uma tarefa impraticável, mas as possibilidades são extremamente reduzidas quando comparadas 
com a quantidade de filmes e músicas norte-americanas de que “dispomos”. No contexto da globalização, os produtos 
culturais parecem integrar um dos recursos mais evidentes para visualizar as relações desiguais da dinâmica social e da 
manutenção de formas de dominação11. 
 
8 - Ver o clássico estudo de Pierre Bourdieu sobre os frequentadores de museus. BOURDIEU, Pierre e DARBEL, Alain. O amor pela arte: os 
museus de arte na Europa e seu público. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Zouk, 2003. 
9 A principal influência nessas interpretações sobre a cultura é proveniente de Antonio Gramsci e Michel Foucault, entre outros. Para uma análise 
contemporânea dos processos globais de dominação cultural, ver AHMAD, Aijaz. Linhagens do Presente - ensaios. São Paulo: Boitempo Editorial, 
2002. 
10 http://g1.globo.eom/Noticias/0,.MUL28195-7086,OO.html 
11 Os meios de comunicação constituem uma das dimensões culturais mais visíveis no atual contexto global. Operam como mecanismo de 
esclarecimento da dominação, não de forma intencional, mas implícita. Segundo Arjun Appadurai, uma das características principais da 
globalização é que com seu avanço, os pobres vêem e sabem o que é ser contemporâneo em termos de consumo. Isso leva alguns ao aumento da 
EM PAÍSES COMO O BRASIL, os signos da dominação e da subordinação se apresentam destacadamente, como demonstra 
claramente a indústria cinematográfica. Incapaz de sustentar uma produção cultural própria, que possa fazer frente à 
industria cultural dominante, o País absorve em grau elevado as criações de, basicamente, um pólo produtor. Por mais 
que algumas percepções do sofrimento e das alegrias humanas possuam uma dimensão universal, grande parte das 
peculiaridades sociais, dos problemas, das manifestações culturais, das identidades regionais, só poderia compor o rol 
de conteúdos e formas nas produções locais. Os moradores das ruas de nossas cidades, ou os conflitos agrários no campo 
brasileiro, nossas diversidades culturais e ambientais, por exemplo, dificilmente se tornarão objeto da indústria 
cinematográfica americana. Não é o caso de abraçar o nacionalismo cultural, mas de indagar as implicações de uma 
concentração do poder cultural, pautada numa configuração sócio-histórica específica, sobre a dissolução das diferenças 
e das diversidades que não são representadas, no caso, cinematograficamente12. Isso, paradoxalmente, num momento de 
celebração da mundialização e da interação global. 
O debate atual sobre cultura rompe em muito as reflexões apontadas aqui. As questões afetam a identidade, 
pluralismo, multiculturalismo e outros signos das discussões contemporâneas que recorrem e se apresentam, em muitos 
casos, como estratégias culturais. A própria compreensão do capitalismo, das relações de poder político, econômico, 
sexual, étnico-racial, demandam uma reflexão sobre o papel sociológico, antropológico e artístico que a cultura 
desempenha nas maneiras de construção e manutenção das formas de dominação. 
São notáveis alguns movimentos contemporâneos voltados à democratização da cultura e dos espaços e mecanismos 
de produção artística. Mas também são cada vez mais complexas e eficazes as estratégias culturais de dominação, de 
constituição de uma visão de mundo unidimensional, principalmente as que contam com apoio dos meios dominantes 
de comunicação. A cultura comporta, portanto, um campo privilegiado para a compreensão das tensões, conflitos e 
desigualdades que caracterizam a nossa sociedade. 
Bibliografia 
 AHMAD, Aijaz. Linhagens do Presente - ensaios. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002. 
 BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura, São Paulo: Brasiliense, 1987. 
BOSI, Ecléa. Cultura de Massa e Cultura Popular: leituras de operárias, Petrópolis: Vozes, 1986. 
CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade São Paulo: EDUSP, 1997. 
CERTEAU, Michel de. A Cultura no Plural. Campinas: Papirus, 1995. 
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. 2v. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1993. 
KUPER, Adam. 2002. Cultura, a visão dos antropólogos. Bauru, SP: EDUSC. 
MANNHEIM, Karl. Sociologia da Cultura. São Paulo: Editora Perspectiva, 1974. 
MENDES, Cândido (coord.) & SOARES, Luis Eduardo (editor). Pluralismo cultural, identidade e globalização. Rio de Janeiro: 
Record, 2001. 
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1985. 
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura? . São Paulo: Brasiliense, 1994. 
SLATER, Phil Origem e Significado da Escola de Frankfurt. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. 
WILLIAMS, Raymond. Cultura. São Paulo: Paz e Terra, 2000. 
 
 
angústia, visto que a necessidade de ser moderno (e de consumir) tornou-se um desejo de quase todos (ver: MENDES, Cândido; SOARES, Luis 
Eduardo, 2001). 
12 Para uma compreensão da tentativa de recuperação da indústria nacional de cinema, ver a dissertação de mestrado em Sociologia de Melina Izar 
Marson, intitulada 0 Cinema da Retomada: Estado e cinema no Brasil da dissolução da Embrafilme a criação daAncine. Disponível 
eletronicamente em: http://libdigi.unicamp.br/document/ ?code=vtls000377319

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