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O segundo tratado sobre o governo - John Locke

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CLÁSSICOS LIBERAIS 
 
O SEGUNDO TRATADO SOBRE O GOVERNO 
John Locke 
 
Por Roberto Fendt 
 
Um ensaio referente à verdadeira origem, extensão e objetivo do Governo Civil 
 
 
CAPÍTULO I 
 
 
 1. Tendo sido mostrado no discurso precedente [Primeiro Tratado sobre o Governo], 
 1o Que Adão não tinha, nem por direito natural de paternidade nem por doação positiva 
de Deus, autoridade alguma sobre seus filhos ou domínio sobre o mundo, como se 
pretende; 
 2o Que, se ele a tivesse, seus herdeiros, contudo, não teriam direito a ela; 
 3o Que, caso seus herdeiros a tivessem, por não haver lei da natureza ou lei positiva de 
Deus que determine qual é o legítimo herdeiro em todos os casos que possam surgir, o 
direito de sucessão, e conseqüentemente de deter o mando, não poderia ter sido 
determinado com certeza; 
 4o Que, mesmo que houvesse sido determinado, ainda assim o conhecimento de qual é a 
linhagem mais antiga da descendência de Adão foi há tanto tempo completamente perdido 
que em todas as raças da humanidade e famílias do mundo não resta, a nenhuma mais que a 
outra, a menor pretensão a ser a casa mais antiga e a ter o direito de herança. 
Tendo todas essas premissas sido, como me parece, claramente demonstradas, é impossível 
que os soberanos ora existentes sobre a Terra devam haurir algum benefício ou derivar que 
seja a menor sombra de autoridade daquilo que é considerado a fonte de todo o poder, o 
domínio particular e a jurisdição paterna de Adão; de maneira que aquele que não queira 
dar ocasião a que se cogite que todos os governos do mundo são produto apenas da força e 
da violência, e que os homens vivem juntos apenas segundo as regras dos animais, em meio 
aos quais o mais forte leva a melhor, estabelecendo, assim, o alicerce da desordem, do mal, 
do tumulto, da sedição e da rebelião intermináveis (males contra os quais os seguidores 
dessa hipótese bradam tão alto), deve, necessariamente, descobrir outra fonte do governo, 
outra origem do poder político e outro modo para designar e conhecer as pessoas que o 
possuem que não aqueles que Sir Robert Filmer nos ensinou. 
 2. Para tal propósito, julgo não ser descabido estabelecer o que considero como poder 
político – de modo a distinguir o poder de um magistrado sobre um súdito do de um pai 
sobre os filhos, de um amo sobre seu servidor, do marido sobre a esposa e de um senhor 
sobre seus escravos. Por estarem ocasionalmente todos esses diferentes poderes enfeixados 
num mesmo homem, se este for considerado sob essas diferentes relações, será útil 
distinguir esses poderes entre si e mostrar a diferença entre o soberano de uma sociedade 
política, um pai de família e o capitão de uma galera. 
 3. Considero, portanto, poder político o direito de fazer leis com pena de morte e, 
conseqüentemente, todas as penalidades menores para regular e preservar a propriedade, e 
de empregar a força da comunidade na execução de tais leis e na defesa da comunidade de 
dano ex terior; e tudo isso tão-só em prol do bem público. 
 
 
CAPÍTULO II – DO ESTADO DE NATUREZA 
 
 
 3. Para entender o poder político corretamente e derivá-lo de sua origem, devemos 
considerar o estado em que todos os homens naturalmente estão, o qual é um estado de 
perfeita liberdade para regular suas ações e dispor de suas posses e pessoas do modo como 
julgarem acertado, dentro dos limites da lei da natureza, sem pedir licença ou depender da 
vontade de qualquer outro homem. 
 Um estado também de igualdade, em que é recíproco todo o poder e jurisdição, não 
tendo ninguém mais que outro qualquer – sendo absolutamente evidente que criaturas da 
mesma espécie e posição, promiscuamente nascidas para todas as mesmas vantagens da 
natureza e para o uso das mesmas faculdades, devam ser também iguais umas às outras, 
sem subordinação ou sujeição, a menos que o Senhor e amo de todas elas, mediante 
qualquer declaração manifesta de Sua vontade, colocasse uma acima de outra e lhe 
conferisse, por evidente e clara indicação, um direito indubitável ao domínio e à soberania. 
 7. E para que todos os homens sejam impedidos de invadir direitos alheios e de 
prejudicar uns aos outros, e para que seja observada a lei da natureza, que quer a paz e a 
conservação de toda a humanidade, a responsabilidade pela execução da lei da natureza é, 
nesse estado, depositada nas mãos de cada homem, pelo que cada um tem o direito de punir 
os transgressores da dita lei em tal grau que impeça a sua violação. Pois a lei da natureza 
seria vã, como todas as demais leis que dizem respeito ao homem neste mundo, se não 
houvesse alguém que tivesse, no estado de natureza, um poder para executar essa lei e, 
com isso, preservar os inocentes e conter os transgressores. E se qualquer um no estado de 
natureza pode punir a outrem, por qualquer mal que tenha cometido, todos o podem fazer, 
pois nesse estado de perfeita igualdade, no qual naturalmente não existe superioridade ou 
jurisdição de um sobre outro, aquilo que qualquer um pode fazer em prossecução dessa lei 
todos devem necessariamente ter o direito de fazer. 
 8. E desse modo um homem obtém poder sobre outro no estado de natureza; não se trata, 
porém, de um poder absoluto ou arbitrário, para se usar com um criminoso, quando a ele se 
tem em mãos, segundo as paixões acaloradas ou a ilimitada extravagância da própria 
vontade; mas apenas para retribuir, conforme a dita razão calma e a consciência, de modo 
proporcional à transgressão, ou seja, tanto quanto possa servir para a reparação e a 
restrição; pois esses são os únicos motivos pelos quais um homem pode legalmente fazer 
mal a outro, que é o que chamamos de castigo. Ao transgredir a lei da natureza, o infrator 
declara estar vivendo segundo outra regra que não a da razão e da eqüidade comum, que é a 
medida fixada por Deus às ações dos homens para mútua segurança destes; e, assim, torna-
se ele perigoso para a humanidade, afrouxando ou rompendo os laços que servem para 
guardá-la da injúria e da violência. Tratando-se assim de uma agressão contra toda a 
espécie e contra sua paz e segurança proporcionadas pela lei da natureza, todo homem 
pode, por essa razão e com base no direito que tem de preservar a humanidade em geral, 
restringir ou, quando necessário, destruir o que seja nocivo a ela; pode assim fazer recair 
sobre qualquer um que tenha transgredido essa lei um mal tal que o faça arrepender-se de 
ter praticado e, dessa forma, impedi-lo – e por seu exemplo a outros – de fazer o mesmo 
mal. E neste caso, com base no mesmo fundamento, todo homem tem o direito de punir o 
transgressor e de ser o executor da lei da natureza. 
 
 
CAPÍTULO III – DO ESTADO DE GUERRA 
 
 
 16. O estado de guerra é um estado de inimizade e destruição; portanto, aquele que 
declara, por palavra ou ação, um desígnio firme e sereno, e não apaixonado ou 
intempestivo, contra a vida de outrem, coloca-se em estado de guerra com aquele contra 
quem declarou tal intenção e, assim, expõe sua vida ao poder dos outros, para ser tirada por 
aquele ou por qualquer um que a ele se junte em sua defesa ou adira a seu embate. 
 17. Disso resulta que aquele que tenta colocar a outrem sob seu poder absoluto põe-se 
conseqüentemente em estado de guerra com ele, devendo-se entender isso como a 
declaração de um propósito contrário à vida, pois há razões para se concluir que aquele que 
pretenda colocar-me sob seu poder sem meu consentimento haverá de usar-me como bem 
lhe aprouver quando o conseguir, e também me destruirá se tal for seu capricho. Aquele 
que, no estado de natureza, subtrai a liberdade que cabe a cada um em tal estado deve 
necessariamente ser visto como imbuído da intenção de subtrair o resto, sendo talliberdade 
o fundamento de todo o mais, assim como se deve presumir que aquele que, no estado de 
sociedade, subtrai a liberdade que cabe aos membros dessa sociedade ou Estado tem a 
intenção de subtrair a estes todas as demais coisas, devendo ser considerado, portanto, 
como em estado de guerra. 
 19. Eis aí a clara diferença entre o estado de natureza e o estado de guerra, os quais, por 
mais que alguns homens os tenham confundido, tão distantes estão um do outro quanto um 
estado de paz, boa vontade, assistência mútua e preservação está de um estado de 
inimizade, malignidade, violência e destruição mútua. Quando os homens vivem juntos 
segundo a razão e sem um superior comum sobre a Terra com autoridade para julgar entre 
eles, manifesta-se propriamente o estado da natureza. Mas a força, ou um propósito 
declarado de força sobre a pessoa de outrem, quando não haja um superior comum sobre a 
Terra ao qual apelar em busca de assistência, constitui o estado de guerra. E é a falta de tal 
apelo que dá ao homem o direito de guerra até contra um agressor, mesmo estando este em 
sociedade e seja igualmente súdito. Desse modo, um ladrão, ao qual não posso fazer mal 
sem apelar para a lei por me ter furtado tudo quanto tenho de valor, poderá ser morto por 
mim quando quiser roubar apenas meu cavalo ou meu sobretudo, pois a lei, criada que foi 
para a minha preservação, sempre que não puder interpor-se para garantir contra a força 
presente minha vida, que se for perdida não será passível de qualquer reparação, permite-
me minha própria defesa e o direito de guerra, com a liberdade de matar o agressor, pois 
este não me concede tempo algum para apelar ao nosso juiz comum, ou à decisão da lei, 
para remediar um caso em que o mal pode ser irreparável. A ausência de um juiz comum 
dotado de autoridade coloca todos os homens em estado de natureza; a força sem direito 
sobre a pessoa de um homem provoca um estado de guerra, havendo ou não um juiz 
comum. 
CAPÍTULO V – DA PROPRIEDADE 
 
 
 27. Embora a Terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada 
homem tem uma propriedade em sua própria pessoa. A esta ninguém tem direito algum 
além dele mesmo. O trabalho de seu corpo e a obra de suas mãos, pode-se dizer, são 
propriamente dele. Qualquer coisa que ele então retire do estado com que a natureza a 
proveu e deixou, mistura-a ele com o seu trabalho e junta-lhe algo que é seu, 
transformando-a em sua propriedade. Sendo por retirada do estado comum em que a 
natureza o deixou, a ela agregou, com esse trabalho, algo que a exclui do direito comum 
dos demais homens. Por ser esse trabalho propriedade inquestionável do trabalhador, 
homem nenhum além dele pode ter direito àquilo que a esse trabalho foi agregado, pelo 
menos enquanto houver bastante e de igual qualidade deixada em comum para os demais. 
 32. Mas, sendo a principal questão da propriedade não os frutos da terra e os animais 
que destes subsistem, e sim a própria terra, como aquilo que tem em si e carrega consigo 
todo o resto, creio que está claro que, também neste caso, a propriedade é adquirida como 
no caso anterior. A extensão de terra que um homem pode arar, plantar, melhorar e cultivar 
e os produtos dela que é capaz de usar constituem a sua propriedade. Mediante o seu 
trabalho, ele, por assim dizer, delimita para si parte do bem comum. Nem lhe invalidará o 
direito dizer que todos têm a ela igual título e que, portanto, ele não pode apropriar-se, não 
pode delimitar sem o consentimento de todos os membros da comunidade, de toda a 
humanidade. Quando deu o mundo em comum para toda a humanidade, Deus ordenou 
também que o homem trabalhasse, e a penúria de sua condição assim o exigia. Deus e sua 
razão ordenaram-lhe que dominasse a Terra, isto é, que a melhorasse para benefício da 
vida, e que, dessa forma, depusesse sobre ela algo que lhes pertencesse, o seu trabalho. 
Aquele que, em obediência a essa ordem de Deus, dominou, arou e semeou qualquer parte 
dela, acrescentou-lhe com isso algo que era de sua propriedade, ao que os demais não 
tinham qualquer título, nem poderiam tomar-lhe sem causar-lhe injúria. 
 33. Tampouco seria essa apropriação de qualquer parcela de terra, mediante a melhoria 
desta, prejudicial a qualquer outro homem, uma vez que restaria ainda bastante e de boa 
qualidade, e mais do que poderiam usar os que ainda não possuíam um lote. De modo que, 
na verdade, nunca houve menos para os outros pelo fato de ter ele delimitado parte para si, 
pois aquele que deixa para outro tanto quanto este possa usar faz como se não houvesse 
tomado absolutamente nada. Ninguém poderia julgar-se prejudicado pelo fato de outro 
homem beber, mesmo que tenha tomado um bom gole, se houvesse todo um rio da mesma 
água sobrando para saciar sua sede. E o caso da terra e da água, quando há bastante de 
ambos, é perfeitamente o mesmo. 
 37. É certo que, no princípio, antes que o desejo de ter mais do que o necessário 
houvesse alterado o valor intrínseco das coisas, que depende apenas da utilidade destas para 
a vida do homem, ou antes que [os homens] houvessem acordado que um pedacinho de 
metal amarelo valeria um pedaço grande de carne ou todo um monte de grãos, embora os 
homens tivessem o direito de apropriar-se, mediante o seu trabalho e cada um para si, de 
tantas coisas da natureza quantas pudessem usar, não poderia isso ser muito, nem em 
detrimento dos outros, se restasse ainda a mesma abundância ainda para aqueles que 
usassem do mesmo esforço. Ao que eu gostaria de acrescentar que aquele que se apropria 
da terra mediante o seu próprio trabalho não diminui, mas aumenta as reservas comuns da 
humanidade, pois as provisões que servem ao sustento da vida humana produzidas por um 
acre de terra cercada e cultivada são (para falar moderadamente) dez vezes maiores que as 
que rende um acre de terra em comum inculta de igual fertilidade. Portanto, pode-se dizer, 
verdadeiramente, daquele que cerca a terra e tem mais abundância das conveniências da 
vida em dez acres do que teria em cem deixados à natureza, que dá noventa acres à 
humanidade, pois seu trabalho fornece-lhe agora, de dez acres, as provisões que antes eram 
produto de cem acres em comum. Avaliei, porém, a produção da terra melhorada muito por 
baixo, em apenas dez para um, quando é mais aproximadamente de cem para um. Pergunto-
me se nas florestas selvagens e nas vastidões incultas da América deixadas à natureza, sem 
nenhuma melhoria, lavoura ou cultivo, mil acres rendem aos habitantes necessitados e 
miseráveis tanto quanto dez acres de terra igualmente fértil do Devonshire, onde são bem 
cultivados. 
 Antes da apropriação da terra, aquele que colhesse tantos frutos selvagens, matasse, 
apanhasse ou domasse tantos animais quantos pudesse; aquele que empregasse seus 
esforços em qualquer dos produtos espontâneos da natureza, bem como qualquer maneira 
de alterá-los em relação ao estado em que ela os deixou, colocando nisso qualquer parte do 
seu trabalho, adquiria dessa forma uma propriedade sobre eles. Porém, se eles perecessem 
na posse dele sem serem devidamente empregados; se os frutos ou a caça apodrecessem 
antes que pudesse consumi-los, ele estaria ofendendo as leis comuns da natureza e tornava-
se passível de punição; teria usurpado a parte de seu vizinho, pois não tinha nenhum direito, 
além daqueles ditados por seu uso, a qualquer deles, para que pudessem proporcionar-lhe 
as conveniências da vida. 
 42. Para deixar isso um pouco mais claro, acompanhemos em suas várias alterações 
algumas das várias provisões ordinárias da vida antes que cheguem para o nosso uso, e 
vejamos quanto de seu valor advém do esforço humano. Pão, vinho e vestuário são coisas 
deuso diário e muito abundantes; no entanto, bolotas, água e folhas ou peles seriam nosso 
pão, nossa bebida ou vestuário, se o trabalho não nos proporcionasse esses artigos mais 
úteis. Pois aquilo que no pão vale mais que as bolotas, no vinho mais que a água e no 
vestuário ou na seda mais que as folhas, peles ou musgo é inteiramente devido ao trabalho 
e ao esforço, sendo uns o alimento e o agasalho que a natureza sem assistência nos fornece, 
e os outros, as provisões que nosso esforço prepara para nós, e aquele que calcular o quanto 
estas excedem àquelas em valor verá que o trabalho forma a maior parte do valor das 
coisas de que desfrutamos neste mundo. E o solo que produz os materiais é escasso demais 
para ser levado em conta em qualquer parte desse valor; tão pequeno que, mesmo entre nós, 
a terra que é deixada inteiramente à natureza, que não tem quaisquer melhorias, como 
pastagem, lavoura ou plantação, é chamada, como de fato é, de “inculta”; e veremos que os 
benefícios que rende são pouco mais que nada. Isso mostra o quanto se deve preferir a 
abundância de homens à vastidão dos domínios, e que a grande arte de governar consiste na 
ampliação das terras e no uso correto destas. E o príncipe que seja sábio e divino o bastante 
para estabelecer leis de liberdade que garantam proteção e estímulo ao honesto esforço da 
humanidade, contra a opressão do poder e a estreiteza de partido, tornar-se-á em pouco 
tempo muito duro para os vizinhos; mas isso seja dito somente de passagem. 
 
CAPÍTULO VII – DA SOCIEDADE POLÍTICA OU CIVIL 
 
 
 77. Tendo Deus feito o homem uma criatura tal que, segundo seu próprio juízo, não lhe 
era conveniente estar só, colocou-o sob fortes obrigações de necessidade, conveniência e 
inclinação para conduzi-lo para a sociedade, assim como o proveu de entendimento e 
linguagem para perpetuá-la e dela desfrutar. A primeira sociedade foi entre o homem e sua 
mulher, que deu início à que há entre pais e filhos; à qual, com o tempo, veio juntar-se a 
que há entre senhor e servidor. E embora todas essas sociedades pudessem juntar-se, e em 
geral o tenham feito, para formar uma única família, cujo senhor ou senhora tinha uma 
espécie qualquer de governo apropriado a uma família, cada uma delas, ou todas, estavam 
ainda longe de constituir uma sociedade política, tal como veremos se considerarmos os 
diferentes fins, vínculos e limites de cada uma delas. 
 78. A sociedade conjugal é formada por um pacto voluntário entre homem e mulher. E 
embora consista sobretudo na comunhão e no direito ao corpo um do outro, necessária para 
o seu fim principal, a procriação, traz consigo apoio e assistência mútuos, bem como uma 
comunhão de interesses, necessária não só para unir seus cuidados e afeto, mas também 
para sua progênie comum, que tem o direito de ser alimentada e sustentada por eles, até que 
seja capaz de prover as próprias necessidades. 
 87. Tendo o homem nascido, tal como se provou, com título à liberdade perfeita e a um 
gozo irrestrito de todos os direitos e privilégios da lei da natureza, da mesma forma que 
qualquer outro homem ou grupo de homens do mundo, tem ele por natureza o poder não 
apenas de preservar sua propriedade, isto é, sua vida, a liberdade e bens contra as injúrias e 
intentos de outros homens, como também de julgar e punir as violações dessa lei por 
outros, conforme se convença merecer o delito, até mesmo com a morte, nos casos em que 
o caráter hediondo do fato, em sua opinião, assim exija. Mas, como nenhuma sociedade 
política pode existir ou subsistir sem ter em si o poder de preservar a propriedade e, para 
tal, de punir os delitos de todos os membros dessa sociedade, apenas existirá sociedade 
política ali onde cada qual de seus membros renunciou a esse poder natural, colocando-o 
nas mãos do corpo político em todos os casos que não o impeçam de apelar à proteção da 
lei por ela estabelecida. E assim, tendo sido excluído o juízo particular de cada membro 
individual, a comunidade passa a ser o árbitro mediante regras fixas estabelecidas, 
imparciais e idênticas para todas as partes, e por meio de homens que derivam sua 
autoridade da comunidade para a execução dessas regras decide todas as diferenças que 
porventura ocorram entre quaisquer membros dessa sociedade acerca de qualquer questão 
de direito; e pune com penalidades impostas em lei os delitos que qualquer membro tenha 
cometido contra a sociedade. Desse modo, é fácil distinguir quem está e quem não está em 
sociedade política. Aqueles que estão unidos em um corpo único e têm uma lei estabelecida 
comum e uma judicatura à qual apelar, com autoridade para decidir sobre as controvérsias 
entre eles e punir os infratores, estão em sociedade civil uns com os outros. Aqueles, 
porém, que não têm em comum uma tal possibilidade de apelo, explico-me, na Terra, 
vivem ainda em estado de natureza, sendo cada qual, onde não houver outro, juiz por si 
mesmo e executor – o que, como antes demonstrei, constitui o perfeito estado de natureza. 
 88. E, assim, a sociedade política passa a ter o poder de estabelecer qual punição, 
segundo seu julgamento, caberá às diversas transgressões cometidas entre os membros 
dessa sociedade (o que é o poder de elaborar leis), assim como tem o poder de punir 
qualquer dano cometido contra qualquer um de seus membros por alguém que não pertence 
a ela (o que é o poder de guerra e de paz), e tudo isso para conservação da propriedade de 
todos os membros dessa sociedade, tanto quanto possível. Mas embora todo homem que 
entrou para numa sociedade civil e se tornou membro de qualquer corpo político tenha 
renunciado, com isso, a seu poder de punir os delitos contra a lei da natureza segundo seu 
juízo particular, ele, juntamente com o julgamento dos delitos que colocou nas mãos do 
legislativo em todos os casos em que possa apelar para o magistrado, também cedeu ao 
corpo político o direito de usar a força dele para a execução dos julgamentos desse mesmo 
corpo político, sempre que seja ele convocado para tal. Julgamentos estes que, na verdade, 
são seus próprios, tendo sido pronunciados por ele mesmo ou por seu representante. Temos 
aqui a origem dos poderes legislativo e executivo da sociedade civil, que julgam, segundo 
as leis vigentes, em que medida devem ser punidos os delitos cometidos no seio do corpo 
político e também determinam, mediante julgamentos ocasionais baseados nas atuais 
circunstâncias presentes no fato, em que medida as injúrias externas deverão ser vingadas; e 
em ambos os casos empregam a força integral de todos os membros quando houver 
necessidade. 
 89. Portanto, sempre que qualquer número de homens estiver reunido numa sociedade de 
modo que cada um renuncie ao poder executivo da lei da natureza e o coloque nas mãos do 
público, então, e somente então, haverá uma sociedade política ou civil. E tal ocorre sempre 
que qualquer número de homens no estado de natureza entra em sociedade para formar um 
povo, um corpo político sob um único governo supremo, ou então quando qualquer um se 
junta e se incorpora a qualquer governo já formado. Pois, com isso, essa pessoa autoriza a 
sociedade ou, o que vem a ser o mesmo, o legislativo desta a elaborar leis em seu nome 
segundo o exija o bem público, a cuja execução sua própria assistência (como se fossem 
decretos de sua própria pessoa) é devida. E isso retira os homens do estado de natureza e os 
coloca no de uma sociedade política, estabelecendo um juiz na Terra, investido de 
autoridade para resolver todas as controvérsias e reparar os danos que possam advir a 
qualquer membro dessa sociedade – juiz esse que é o legislativo ou os magistrados por ele 
nomeados. E sempre que qualquer número de homens, seja qual for sua maneirade 
associação, não tiver recurso a um tal poder decisivo de apelo, tais homens se encontrarão 
ainda em estado de natureza. 
 90. Fica, portanto, evidente que a monarquia absoluta, que alguns consideram o único 
governo no mundo, é, de fato, incompatível com a sociedade civil, e portanto não pode ser, 
de modo algum, uma forma de governo civil. Pois sendo o fim da sociedade civil evitar e 
remediar aquelas inconveniências do estado de natureza que necessariamente decorrem do 
fato de cada homem ser juiz em causa própria, estabelecendo uma autoridade notória à qual 
cada membro dessa sociedade possa apelar, a todo dano recebido ou a qualquer 
controvérsia surgida, e a que cada um deve obedecer, sempre que houver pessoas 
desprovidas de uma tal autoridade à qual apelar para a decisão de quaisquer diferenças 
entre elas, essas pessoas se encontrarão ainda no estado de natureza, do mesmo modo 
qualquer príncipe absoluto em relação àqueles que estiverem sob o seu domínio. 
 
 
CAPÍTULO VIII – DO INÍCIO DAS SOCIEDADES POLÍTICAS 
 
 
 95. Sendo todos os homens, como já foi dito, naturalmente livres, iguais e 
independentes, ninguém pode ser privado dessa condição nem colocado sob o poder 
político de outrem sem o seu próprio consentimento. A única maneira pela qual uma pessoa 
qualquer pode abdicar de sua liberdade natural e revestir-se dos laços da sociedade civil é 
concordando com outros homens em juntar-se e unir-se em uma comunidade, para viverem 
confortável, segura e pacificamente uns com os outros, num gozo seguro de suas 
propriedades e com maior segurança contra aqueles que dela não fazem parte. Qualquer 
número de homens pode fazê-lo, pois tal não fere a liberdade dos demais, que são deixados, 
tal como estavam, na liberdade do estado de natureza. Quando qualquer número de homens 
consente desse modo em formar uma comunidade ou governo, são, por esse ato, logo 
incorporados e formam um único corpo político, no qual a maioria tem o direito de agir e 
deliberar pelos demais. 
 97. Por conseguinte, todo homem, ao consentir com outros em formar um único corpo 
político sob um governo único, assume a obrigação, perante todos os membros dessa 
sociedade, de submeter-se à determinação da maioria e acatar a decisão desta. Do contrário, 
esse pacto original, pelo qual ele, juntamente com outros, se incorpora a uma sociedade, 
não teria nenhum significado e não seria pacto algum, caso ele fosse deixado livre e sob 
nenhum outro vínculo além dos que tinha antes no estado de natureza. Pois que aparência 
haveria de qualquer pacto? Que novo compromisso, se ele não estivesse mais vinculado, a 
quaisquer decretos dessa sociedade que o que julgasse conveniente e nos quais consentisse? 
Tal liberdade seria ainda tão grande como a que ele dispunha antes do pacto e como tem 
qualquer um no estado de natureza, que pode submeter-se e consentir com quaisquer atos 
que julgar conveniente. 
 98. Pois se o consentimento da maioria não for aceito pela razão como um ato do todo a 
deliberar por cada indivíduo, nada, a não ser o consentimento de cada indivíduo, pode fazer 
de qualquer coisa um ato de todos. Mas tal consentimento é quase impossível de se obter se 
considerarmos as enfermidades de saúde e as ocupações de negócios, que, em certo 
número, embora bem menos que numa sociedade política, manterão muitos afastados das 
assembléias públicas. Ao que, se acrescentarmos a variedade de opiniões e a oposição de 
interesses que inevitavelmente se apresentam em todas as reuniões de homens, o ingresso 
em sociedade em tais termos seria tão-somente como a entrada de Catão no teatro, apenas 
para tornar a sair. Uma tal constituição faria o poderoso Leviatã durar menos que a mais 
frágil das criaturas, e não viveria ele além do dia do seu nascimento. Não se pode supor, 
tanto quanto sabemos, que criaturas racionais desejariam constituir sociedades apenas para 
serem dissolvidas. Pois, quando a maioria não pode decidir pelos demais, não pode agir 
como um corpo único e, conseqüentemente, tornará de pronto a ser dissolvida. 
 119. Sendo todo homem, tal como foi demonstrado, naturalmente livre, sem que nada 
possa colocá-lo em sujeição a qualquer poder terreno a não ser o seu próprio 
consentimento, deve-se considerar agora o que entenderemos por uma declaração 
suficiente do consentimento de um homem, para sujeitá-lo às leis de qualquer governo. 
Existe uma distinção corrente entre consentimento expresso e tácito, que vale para o caso 
em tela. Ninguém duvida que o consentimento expresso de qualquer homem, ao ingressar 
numa sociedade, faz dele um membro perfeito dessa mesma sociedade, súdito de seu 
governo. A dificuldade está naquilo que deve ser considerado um consentimento tácito e até 
que ponto este obriga a quem o formula, isto é, até que ponto alguém deve ser considerado 
como tendo consentido, e com isso tendo-se submetido a algum governo, nos casos em que 
não o tenha expressado de modo algum. Respondo que todo homem que tenha alguma 
posse ou usufrua de qualquer parte dos domínios de um governo dá, com isso, o seu 
consentimento tácito e está tão obrigado à obediência às leis desse governo, durante esse 
usufruto, quanto qualquer outro que viva sob o mesmo governo; quer consista tal posse em 
terras, para si e seus herdeiros para sempre, ou seja num alojamento por apenas uma 
semana; ou mesmo que esteja viajando livremente por uma estrada. Com efeito, isso 
alcança até o meramente estar alguém nos territórios desse governo. 
 
 
 
CAPÍTULO X – DAS FORMAS DE UMA SOCIEDADE POLÍTICA 
 
 
 132. Tendo a maioria naturalmente em suas mãos, conforme demonstrado, todo o poder 
da comunidade desde o momento em que os homens originalmente se uniram em 
sociedade, pode empregar tal poder para baixar leis para a comunidade de tempos em 
tempos e fazer executar essas mesmas leis por meio de funcionários por ela mesma 
designados – caso em que a forma de governo que se tem é uma perfeita democracia. Ou, 
ainda, pode depositar o poder de elaborar leis nas mãos de um pequeno número de homens 
seletos e de seus herdeiros ou sucessores, quando então se tem uma oligarquia. Ou, ainda, 
nas mãos de um único homem, quando se tem uma monarquia – se nas mãos dele e de seus 
herdeiros, tem-se uma monarquia hereditária; se para ele apenas durante sua vida, mas, 
quando de sua morte, o poder apenas de designar um sucessor retorna à maioria, tem-se 
uma monarquia eletiva. Assim, conforme todos esses modos, a comunidade pode adotar 
formas compostas e mistas de governo, segundo julgar conveniente. E se o poder 
legislativo for inicialmente conferido pela maioria a uma pessoa ou mais pessoas somente 
durante a vida destas, ou por um período limitado de tempo, após o que o poder supremo 
deve retornar a ela, quando ele assim retorna a comunidade pode dispor do mesmo 
novamente depositando-o nas mãos de quem quiser e, dessa forma, constituir uma nova 
forma de governo. Pois uma vez que a forma de governo depende de quem é o depositário 
do poder supremo, que é o legislativo, e sendo impossível conceber que um poder inferior 
possa regular um superior, ou que outro senão o poder supremo elabore as leis, a forma da 
sociedade política depende de quem é o depositário do poder de elaborar leis. 
 
 
CAPÍTULO XI – DA EXTENSÃO DO PODER LEGISLATIVO 
 
 
 134. Sendo o principal objetivo da entrada dos homens em sociedade eles desfrutarem de 
suas propriedades em paz e segurança, e estando o principal instrumento para tal nas leis 
estabelecidas naquela sociedade, a lei positiva primeira e fundamental de todas as 
sociedades políticas é o estabelecimento do poder legislativo – já que a lei natural primeira 
e fundamental, destinada a governar atémesmo o próprio legislativo, consiste na 
conservação da sociedade e (até onde seja compatível com o bem público) de qualquer um 
de seus integrantes. Esse legislativo é não apenas o poder supremo da sociedade política, 
como também é sagrado e inalterável nas mãos em que a comunidade o tenha antes 
depositado; tampouco pode edito algum de quem quer que seja, seja de que forma 
concebido ou por que poder apoiado, ter força e obrigação de lei se não for sancionado pelo 
legislativo escolhido e nomeado pelo público. Pois, não fosse assim, não teria a lei o que é 
absolutamente necessário à lei, o consentimento da sociedade, sobre a qual ninguém pode 
ter o poder de elaborar leis salvo por seu próprio consentimento e pela autoridade dela 
recebida. Portanto, toda obediência a que alguém pode estar obrigado pelos vínculos os 
mais solenes termina finalmente neste poder supremo e é regida pelas leis que ele 
promulga. Não pode um juramento a um poder externo qualquer ou a algum poder interno 
subordinado dispensar nenhum membro da sociedade de sua obediência ao legislativo, que 
delibera segundo seu encargo, nem obrigá-lo a nenhum tipo de obediência contrária às leis 
assim promulgadas ou mais além do que o admitido por estas, pois é ridículo imaginar 
alguém definitivamente obrigado a obedecer a qualquer poder dessa sociedade que não seja 
o supremo. 
 
 
 
CAPÍTULO XII – DOS PODERES LEGISLATIVO, EXECUTIVO E 
FEDERATIVO DA SOCIEDADE POLÍTICA 
 
 
 144. Porém, como as leis elaboradas de imediato e em pouco tempo têm força constante 
e duradoura e requerem uma perpétua execução ou assistência, é necessário haver um poder 
permanente, que cuide da execução das leis que são elaboradas e permanecem vigentes. E 
assim acontece, muitas vezes, que sejam separados os poderes legislativo e executivo. 
 
 
CAPÍTULO XIII – DA SUBORDINAÇÃO DOS PODERES DA 
SOCIEDADE POLÍTICA 
 
 
 153. Não é necessário, nem tão conveniente, que o legislativo esteja sempre em função. 
Mas é absolutamente necessário que o poder executivo esteja, pois se nem sempre é preciso 
elaborar novas leis, sempre há necessidade de execução das leis já elaboradas. Quando o 
legislativo confia a execução das leis que elabora a outras mãos, mantém o poder de retirá-
lo dessas mãos se encontrar causas para tanto ou a fim de punir qualquer má administração 
contrária às leis. O mesmo vale também para o poder federativo, sendo este e o executivo 
ambos ministeriais e subordinados ao legislativo, que, tal como demonstraremos, é 
supremo numa sociedade política constituída. Neste caso o legislativo pode também, 
supondo-se que seja composto por diversas pessoas (pois, se for uma única pessoa, não 
poderá senão existir sempre e, desse modo, como supremo, terá naturalmente o poder 
executivo supremo, juntamente com o legislativo), reunir-se e exercer sua legislatura nos 
momentos designados por sua constituição original ou por seus próprios adiamentos, ou 
quando o desejar, caso nem aquela nem estes tenham determinado uma época específica ou 
não haja nenhuma outra maneira prescrita para a sua convocação. Pois, tendo sido o poder 
supremo nele depositado pelo povo, está sempre nele e pode exercê-lo quando lhe 
aprouver, a menos que, por sua constituição original, esteja limitado a determinadas épocas 
ou tenha, por um ato de seu poder supremo, adiado a sessão para um certo momento e, 
quando este chegar, tenha o direito de reunir-se e agir novamente. 
 
 
 
CAPÍTULO XIV – DA PRERROGATIVA 
 
 
 160. Este poder de agir conforme com a discrição em prol do bem público, sem a 
prescrição da lei e por vezes até contra ela, é o que se chama prerrogativa. Isso porque, 
como em alguns governos o poder legislativo nem sempre está em função e é, em geral, por 
demais numeroso e lento para a presteza exigida pela execução, e também porque é 
impossível prever, e, conseqüentemente, prover pelas leis todos os acidentes e necessidades 
que possam interessar ao público ou elaborar leis tais que não causem danos se executadas 
com rigor inflexível em todas as ocasiões e sobre todas as pessoas que caiam sob sua 
alçada, deixa-se ao poder executivo uma certa liberdade de ação para deliberar a seu 
critério acerca de muitas questões não previstas nas leis. 
 168. Sobre este ponto da prerrogativa será levantada a velha pergunta de quem há de ser 
o juiz do uso correto desse poder. Respondo: entre um poder executivo em função com uma 
tal prerrogativa e um legislativo que dependa da vontade desse poder para sua reunião não 
pode haver juiz sobre a Terra, assim como não pode haver nenhum entre o legislativo e o 
povo caso o executivo ou o legislativo, quando em suas mãos tiverem o poder, pretendam 
ou se dediquem a escravizar ou destruir o povo. Nesses casos e em todos aqueles em que 
não há juiz sobre a Terra, o povo não tem outro remédio, além do apelo aos céus. Pois os 
governantes, exercendo em tais tentativas um poder que o povo jamais colocara em suas 
mãos (e não se pode supor que o povo consinta jamais que qualquer um o governe para seu 
prejuízo), fazem o que não têm direito algum de fazer. E onde quer que o corpo do povo ou 
cada homem individualmente for privado de seu direito ou estiver submetido ao exercício 
de um poder sem direito e não tiver a quem apelar sobre a Terra, todos têm a liberdade de 
apelar aos céus sempre que julguem ter a causa suficiente importância. Portanto, embora o 
povo não possa ser juiz, de modo a ter, segundo a constituição dessa sociedade, qualquer 
poder superior para determinar e passar uma sentença efetiva no caso, ele contudo reserva 
para si, por uma lei anterior e superior a todas as leis positivas dos homens, uma suprema 
decisão última, que pertence a toda a humanidade quando não houver a quem apelar sobre a 
Terra, de julgar se tem ou não justa causa para dirigir seu apelo aos céus. E a esse 
julgamento não se pode renunciar, não estando em poder de homem algum submeter-se a 
outro de maneira a dar-lhe liberdade de o destruir, pois Deus e a natureza nunca 
permitiriam que um homem abandonasse a si mesmo a ponto de descuidar de sua própria 
preservação. E, já que não pode tirar a própria vida, tampouco pode dar a outro o poder de 
lha tirar. E que ninguém pense ver nesse direito o fundamento de uma desordem perpétua, 
pois ele não opera, até que o inconveniente seja tão grande que a maioria o sinta e dele se 
canse, julgando necessário remediá-lo. Desse perigo, porém, o poder executivo e os 
príncipes sábios devem guardar-se; e é a coisa, dentre todas as demais, que mais precisam 
evitar, pois é a mais perigosa. 
 
 
CAPÍTULO XV – DOS PODERES PATERNO, POLÍTICO E 
DESPÓTICO, CONSIDERADOS EM CONJUNTO 
 
 
 169. Embora eu tenha tido antes a ocasião de falar em separado destes [poderes], mesmo 
assim, tendo os grandes equívocos recentes sobre o governo surgido, como suponho, da 
confusão entre esses poderes distintos, talvez não seja despropositado considerá-los em 
conjunto. 
 170. Em primeiro lugar, pois, o poder paterno ou pátrio poder é somente aquele que os 
pais têm sobre os filhos, para governá-los para bem deles até chegarem ao uso da razão ou a 
um estado de conhecimento em que se possa supor serem capazes de entender a lei, seja 
esta lei da natureza ou a lei municipal de seu país, pela qual terão de governar a si mesmos. 
 171. Em segundo lugar, o poder político é aquele que todo homem, possuindo-o no 
estado de natureza, passa às mãos da sociedade, e desta forma aos governantes que a 
sociedade estabeleceu, com o encargo expresso ou tácito de que seja utilizado para o bem 
desta e a preservação de suas propriedades. Ora, esse poder, que todo homem tem no 
estado de natureza e cede à sociedadeem todos os casos em que ela possa garanti-lo, é o de 
usar, para a preservação de sua propriedade, os meios que julgar convenientes e que a 
natureza lhe permita, e de punir a transgressão da lei da natureza em outros de modo (de 
acordo com o melhor de sua razão) a conduzir da maneira mais acertada possível a 
conservação de si mesmo e do resto da humanidade. De modo que, sendo o fim e a medida 
desse poder, quando nas mãos de todos os homens no estado de natureza, a conservação de 
toda a sociedade, isto é, da humanidade em geral, ele não pode outro fim ou medida, 
quando estiver nas mãos do magistrado, que o de conservar os membros dessa sociedade 
em suas vidas, liberdades e posses. E, portanto, não pode ser um poder arbitrário e absoluto 
sobre suas vidas e haveres, que devem ser preservados tanto quanto possível, e sim um 
poder de elaborar leis e de anexar a elas penalidades tais que favoreçam a conservação do 
todo suprimindo aquelas partes, e apenas aquelas, que sejam corruptas a ponto de ameaçar 
as partes boas e saudáveis, sem o que nenhuma severidade é legítima. E esse poder tem sua 
origem apenas no pacto, no acordo e no consentimento mútuo daqueles que formam a 
sociedade política. 
 172. Em terceiro lugar, o poder despótico é o poder absoluto e arbitrário que um homem 
tem sobre outro, para tirar-lhe a vida quando quiser. Trata-se de um poder que nem a 
natureza concede, pois não fez tais distinções entre um homem e outro, nem pode um pacto 
conferir, pois, não tendo o homem um tal poder arbitrário sobre sua própria vida, não pode 
dar a outrem um tal poder sobre ela: ele é efeito apenas da perda do direito à própria vida 
que o agressor ocasiona, ao colocar-se em estado de guerra com outrem. 
 
 
CAPÍTULO XIX – DA DISSOLUÇÃO DO GOVERNO 
 
 
 220. Quando o governo é dissolvido, o povo se vê livre para prover por si mesmo um 
novo legislativo, diferente do outro pela mudança das pessoas ou da forma, ou de ambas, 
conforme julgar mais adequado à sua segurança e bem. Pois a sociedade não pode jamais, 
por culpa de terceiros, perder o direito natural e original de preservar-se, o que só pode ser 
feito por um legislativo estabelecido e uma execução justa e imparcial das leis por este 
elaboradas. Mas o estado da humanidade não é tão miserável que não seja capaz de usar 
esse remédio antes que seja tarde demais para procurar outro. Dizer ao povo que pode 
prover por si mesmo instituindo um novo legislativo, quando – por opressão, artimanhas ou 
por ter sido entregue a um poder estrangeiro – o antigo já não existe, é dizer-lhe que pode 
esperar alívio quando for tarde demais e o mal estiver além de toda cura. Na verdade, não é 
mais que pedir-lhe que primeiro seja escravo para só então cuidar da sua liberdade; e, 
quando estiver sob o peso dos grilhões, dizer-lhe que pode agir como se fosse livre. Tal 
procedimento é, no mínimo, mais uma zombaria que um alívio, e os homens nunca poderão 
estar protegidos da tirania se não houver meios para escapar dela até a ela estarem 
inteiramente submetidos. E, portanto, é por isso que eles têm não só o direito de se livrarem 
dela, como também o de evitá-la. 
 222. A razão pela qual os homens entram em sociedade é a preservação de sua 
propriedade; e o fim para o qual elegem e autorizam um legislativo é a formulação de leis e 
o estabelecimento de regras como salvaguarda e defesa da propriedade de todos os 
membros da sociedade, para limitar o poder e moderar o domínio de cada parte ou membro 
desta. Pois, como não se pode jamais supor ser a vontade da sociedade que o legislativo 
tenha o poder de destruir aquilo que todos têm o propósito de proteger ao entrar em 
sociedade, e em nome de que o povo se submete aos legisladores por ele próprio 
instituídos, sem que tais legisladores tentem violar ou destruir a propriedade do povo ou 
reduzi-lo à escravidão sob um poder arbitrário, colocar-se-ão em estado de guerra com o 
povo, que fica, a partir de então, desobrigado de toda obediência e deixado ao refúgio 
comum concedido por Deus a todos os homens contra a força e a violência. Logo, sempre 
que o legislativo transgrida essa regra fundamental da sociedade e, seja por ambição, seja 
por medo, insanidade ou corrupção, busque tomar para si ou colocar nas mãos de qualquer 
outro um poder absoluto sobre a vida, as liberdades e as propriedades do povo, por uma tal 
transgressão ao encargo confiado ele perde o direito ao poder que o povo lhe depôs em 
mãos para fins totalmente opostos, revertendo este ao povo, que tem o direito de resgatar 
sua liberdade original e, pelo estabelecimento de um novo legislativo (tal como julgar 
adequado), de prover a própria segurança e garantia, que é o fim pelo qual vive em 
sociedade. O que disse aqui a respeito do legislativo em geral é válido também para o 
executor supremo que, sendo depositário de um duplo encargo a ele confiado, o de fazer 
parte do legislativo e o da suprema execução da lei, age contra ambos quando busca 
estabelecer sua própria vontade arbitrária como lei da sociedade. 
 225. As revoluções não acontecem a cada menor desgoverno dos negócios públicos. 
Grandes equívocos por parte dos governantes, muitas leis erradas e inconvenientes e todos 
os desvios da fraqueza humana serão tolerados pelo povo sem motim ou murmúrios. Mas 
quando uma longa série de abusos, prevaricações e ardis, tendendo na mesma direção, torna 
o propósito visível para o povo, que não pode deixar de perceber a que está submetido e de 
ver para onde está indo, não é de estranhar que ele então se levante e trate de depositar o 
mando em mãos que possam garantir-lhe os fins para os quais o governo foi originalmente 
constituído. Sem isso, os nomes antigos e as formas solenes não só estão longe de ser 
melhores, como são ainda piores que o estado de natureza ou a anarquia pura; os 
inconvenientes são igualmente grandes e próximos, mas o remédio está mais afastado e 
mais difícil. 
 240. É nesse ponto, provavelmente, que se coloca a questão comum sobre quem há 
de ser o juiz, se o príncipe ou o legislativo age contrariamente ao encargo confiado? É 
possível que os homens de má índole e facciosos espalhem [essa tese] entre o povo, quando 
o príncipe está apenas fazendo uso da prerrogativa que lhe é devida. A tal respondo que o 
povo será o juiz. Pois quem mais poderá julgar se tal depositário ou deputado age 
corretamente e segundo o encargo a ele confiado, senão aquele que os designou e que deve, 
por esse motivo, conservar o poder de afastá-lo quando falharem em seu encargo? Se tal é 
razoável nos casos particulares, por que deveria ser diferente naqueles de maior 
importância, em que o bem de milhões está em jogo e também onde o mal, se não for 
evitado, é maior e a reparação muito difícil, custosa e arriscada?

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