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Livro Medicina Ambulatorial Caps 56 ao 62

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CAPÍTULO 56
Estratégias Preventivas para as Doenças Crônicas Não Transmissíveis
As doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) são hoje responsáveis pela maior carga de morbidade e mortalidade no mundo. Na região das Américas, três de cada quatro mortes são atribuídas a DCNTs, e cerca de um terço delas ocorre antes dos 70 anos de idade.1 No Brasil, as DCNTs responderam por 74% das mortes ocorridas em 2010,2 e provavelmente por percentual ainda maior da carga total de morbidade (ver Capítulo Condições de Saúde da População Brasileira).
A carga social atribuída às DCNTs é muito grande em decorrência de sua alta morbidade, do elevado custo associado ao seu tratamento, bem como das limitações produzidas na qualidade de vida e trabalho, incluindo aposentadorias precoces. Como bem documentado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), essas doenças estão atingindo as populações mais vulneráveis com maior força, acarretando um desafio aos sistemas de saúde e ao crescimento e desenvolvimento econômico e social das nações.3
Além disso, considerando o envelhecimento populacional e a epidemia de obesidade que assola o mundo, a carga global só tende a aumentar. No Brasil, os custos anuais envolvidos com o tratamento das DCNTs, e a perda de produtividade delas decorrente, são estimados em 72 bilhões de dólares.4
FATORES DE RISCO PARA AS DCNTs NO BRASIL
O Capítulo Condições de Saúde da População Brasileira apresenta o quadro das principais DCNTs no Brasil: as principais causas de mortalidade (doenças cardiovasculares, câncer, doença respiratória crônica e diabetes) e outras com grande carga de morbidade (transtornos neuropsiquiátricos e problemas musculoesqueléticos).
Até bem pouco tempo, pensava-se que as DCNTs fossem problemas prioritários das regiões mais desenvolvidas (Sul e Sudeste) do Brasil, mas hoje sabe-se que sua mortalidade é semelhante nas cinco regiões. Observa-se, também, que os maiores incrementos recentes na mortalidade por diabetes aconteceram justamente no Norte e no Nordeste.5
Frente ao desafio das DCNTs, o Brasil vem adotando políticas públicas para seu controle, com ênfase nos seus principais fatores de risco – tabagismo, consumo prejudicial do álcool, alimentação insalubre e sedentarismo.
O controle do tabagismo é um grande exemplo do sucesso das políticas públicas no Brasil nas últimas décadas. A prevalência de tabagismo caiu de 35% em 1989 para 17% em 2008.5 Mais recentemente, entre 2006 e 2011, a redução continua, sobretudo em homens, que mostraram quedas de 0,6 pontos percentuais/ano em dados do inquérito telefônico Vigitel.6 Apesar disso, há muito ainda por ser feito. Hoje, há mais de 24 milhões de fumantes no Brasil, sendo que 80% deles começaram a fumar antes dos 18 anos, e 20% antes dos 15 anos.7 Em 2009, a Pesquisa Nacional sobre Saúde do Escolar, realizada em escolas públicas e privadas das 27 capitais brasileiras, mostrou que 24% das crianças entre 13 e 15 anos experimentaram cigarros e 6% relataram ter fumado cigarro pelo menos um dia nos últimos 30 dias anteriores à pesquisa.8
As tendências observadas para os demais fatores de risco não têm sido tão encorajadoras. Cerca de 30% dos brasileiros assiste mais do que três horas de televisão por dia, um hábito sedentário de lazer.6 Paralelamente à mecanização crescente da sociedade nas últimas décadas e a pouca preocupação com um desenvolvimento urbano que encoraje vida ativa no deslocamento para escola/trabalho e lazer, a frequência de atividade física regular do brasileiro caiu substancialmente: apenas 17% realizam atividade física por um mínimo de 30 minutos/dia no deslocamento ao trabalho/curso/escola; e apenas 30% realizam um mínimo de 150 minutos/semana de atividade moderada ou leve, ou 75 minutos/semana de atividade vigorosa no lazer. Observa-se uma leve tendência para melhora, que precisa ser confirmada nos próximos anos.
O consumo excessivo de bebidas alcoólicas (mulheres 4 ou mais drinques e homens 5 ou mais drinques, em uma mesma ocasião, no último mês) é muito prevalente, estimado em 16% em 2006 e em 17% em 2011 (26% nos homens). Entre os 36% da população que referem consumir bebidas alcoólicas, quase metade o faz de forma excessiva (47%).6
As tendências no consumo alimentar também são preocupantes, com destaque para a redução na ingestão de alimentos tradicionais básicos (arroz, feijão e hortaliças) e para o aumento na ingestão de alimentos processados, ricos em açúcar, gorduras de origem animal e sódio.9,10 Na verdade, o estado nutricional da população passou rapidamente de um quadro de carência alimentar entre os menos favorecidos da sociedade, para outro caracterizado por obesidade, atingindo todas as categorias sociais.6,11,12
O grande vilão é a obesidade, pela elevada carga de morbimortalidade. A prevalência de sobrepeso/obesidade nas capitais brasileiras está aumentando 1,2%/ano em homens e 1,5%/ano em mulheres. Cerca de 50% da população hoje já apresenta excesso de peso (obesidade/sobrepeso). Como consequência, as prevalências de hipertensão e diabetes estão aumentando. Frear o ganho de peso incessante da população brasileira exige intervenções efetivas e integradas, que atuem nos seus principais determinantes – atividade física e alimentação, desde e até antes do nascimento.10
PLANO DE ENFRENTAMENTO
A OMS declarou que as DCNTs constituem uma epidemia que ameaça a saúde global, o alcance das metas de Desenvolvimento do Milênio e as iniciativas de redução da pobreza, e conclamou os países a enfrentá-las.3
A Organização das Nações Unidas (ONU), pela segunda vez em sua história, convocou uma Reunião de Alto Nível para abordar uma questão de saúde em setembro de 2011, colocando essas doenças na agenda política global, como uma prioridade internacional e de todos os governos.13
Em resposta a esse desafio, o governo brasileiro elaborou o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Brasil, 2011-2022.12 Em consonância com as políticas globais, o plano foca suas ações em quatro principais grupos de doenças crônicas (doenças cardiovasculares, respiratórias crônicas, câncer e diabetes, responsáveis por 80% dos óbitos das DCNTs2) e em seus principais fatores de risco modificáveis: tabagismo, consumo prejudicial de álcool, inatividade física e alimentação não saudável.14 Esses fatores de risco estão também relacionados com várias outras DCNTs, incluindo transtornos neuropsiquiátricos e problemas musculoesqueléticos, de modo que seu controle pode desencadear melhorias adicionais quanto a essas doenças.
O Plano de Enfrentamento foi organizado em três eixos prioritários:
→Promoção da saúde, incluindo a diminuição da prevalência de fumo; reestruturação de espaços urbanos e programas de incentivo à atividade física; dezenas de ações em prol de uma alimentação saudável ao longo da vida, incluindo acordos com o setor produtivo para diminuir o teor de elementos nutricionais como sal e açúcar, que são nocivos quando presentes em demasia; regulamentação e fiscalização da compra e do consumo de álcool; e criação de programas de incentivo ao envelhecimento ativo.
→Cuidado integral, com a implementação da linha de cuidado ao paciente com condição crônica em todos os níveis de atenção, com ênfase na atenção primária.
→Vigilância, informação, avaliação e monitoramento, com o objetivo de monitorar as doenças e seus fatores de risco, utilizando e fortalecendo os sistemas de informações em saúde.
Essas e outras ações visam alcançar metas específicas que serão monitoradas nos próximos 10 anos, entre as quais estão a redução da taxa de mortalidade prematura por DCNT em 2% ao ano; a contenção do crescimento da obesidade em todos os ciclos de vida; a redução do tabagismo, do consumo de sal e do consumo prejudicial de álcool; o aumento do consumo de frutas e hortaliças, e da prática de atividade física; e o controle da hipertensão.
AÇÕES POPULACIONAIS
As recomendações internacionais são unânimes em priorizar ações populacionais na prevenção e no controle das DCNTs.3,15,16
A estratégiade focar ações em indivíduos de alto risco, consagrada na prática médica, é insuficiente para controlar os problemas ligados a fatores de risco muito frequentes. Isso porque a maioria das doenças e mortes se origina em indivíduos de menor risco (muito mais numerosos) e que estão, em geral, expostos a doses menores e socialmente mais aceitáveis de vários fatores de risco simultâneos. Para essas pessoas, estratégias populacionais de promoção de saúde são mais efetivas. No entanto, para reduzir a morbimortalidade dos acometidos por DCNTs e melhorar sua qualidade de vida, as intervenções clínicas voltadas a grupos específicos são necessárias e complementam as ações populacionais.
A grande variabilidade internacional nas taxas padronizadas de mortalidade por DCNTs17 ilustra bem que a determinação das doenças crônicas é mais social do que biológica.18,19 Isso porque a forma em que a sociedade se organiza determina a carga de doença de seus membros e, nesse contexto, intervenções educativas individuais isoladas são pouco efetivas se a sociedade não propiciar um ambiente que estimule e viabilize estilos saudáveis de vida.
Da mesma maneira que o controle das doenças diarreicas dependeu da disponibilidade de água limpa e saneamento, e os acidentes de trânsito, de estradas seguras e leis de trânsito efetivas, algumas ações específicas podem ser primordiais na redução das DCNTs. Um bom exemplo é a política de combate ao fumo, que estabeleceu medidas legislativas em relação à publicidade, venda e consumo do tabaco.5 Ações semelhantes, abordadas em maior detalhe adiante, são efetivas também no enfrentamento de outros fatores de risco.
Ações populacionais frequentemente extrapolam o setor saúde e envolvem estratégias intersetoriais. O documento produzido na reunião da ONU de setembro de 2011 orienta o estabelecimento de políticas multisetoriais que criem ambientes de promoção de saúde para o empoderamento de indivíduos, famílias e comunidades a fazerem, em seu dia a dia, escolhas mais saudáveis de vida.
Ações intersetoriais de caráter legislativo e regulatório, por serem de baixo custo e abrangerem grande parte da população, são centrais nas ações preventivas.3,15
Ação intersetorial é a articulação entre distintos setores da sociedade para pensar de forma conjunta um problema complexo como a saúde e corresponsabilizar-se pela sua garantia como um direito humano e de cidadania. Juntos, mobilizam-se para a formulação de intervenções de promoção à saúde20 nos campos de educação, emprego e trabalho, segurança social e financeira, habitação, transporte, justiça e desenvolvimento rural e urbano.21,22 Um bom exemplo, já em curso, é a articulação entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério de Saúde para garantir alimentos saudáveis nas escolas.23
O papel do setor saúde é de organizar a articulação intersetorial e tornar cada vez mais visível que o processo saúde-adoecimento é um efeito de múltiplos fatores, pertinentes a diversos setores da sociedade, que precisam compor as suas agendas preventivas. É fundamental que os demais setores ampliem seu espectro de atuação ao construir suas políticas específicas, considerando seu impacto em questões de saúde e abrindo caminho para que os esforços de todos sejam mais efetivos e eficazes.20
Dentre as ações intersetoriais, as ações de regulação e legislação são as abordagens mais custo-efetivas na redução dos fatores de risco para DCNTs.
A diminuição de mortalidade no trânsito após a aplicação da Lei Seca (e sua variabilidade conforme o rigor da sua aplicação, p. ex., no Rio de Janeiro) é um bom exemplo disso.24 Os acordos entre o Ministério da Saúde e a Associação Brasileira de Indústrias de Alimentação para reduzir o teor de sódio em alimentos são outro exemplo recente de uma ação conjunta governo–indústria na direção certa.
Essas ações requerem grande apoio político do governo e da sociedade, pois as empresas atingidas por ações que visam à adequação do ambiente a uma vida mais saudável frequentemente reagem de forma intempestiva para defender seu mercado. A história da indústria do fumo é regada desses exemplos.25 Investiu e continua investindo pesadamente em estratégias de marketing a fim de atrair novos consumidores para os seus produtos, em especial as crianças e os adolescentes, apesar dos riscos bem conhecidos do fumo. Além disso, faz lobby para evitar a adoção de medidas regulatórias e de impostos e incentivos fiscais que ameacem seu futuro. Embora com ações menos gritantes, as indústrias de alimentação e de bebidas alcoólicas costumam agir de maneira semelhante. A sociedade precisa se organizar para evitar que essas ingerências surtam efeito.
O aumento de impostos para coibir um determinado comportamento é outra abordagem populacional efetiva que extrapola o setor saúde, como no caso de aumento de impostos sobre cigarros.26,27
Por último, o marketing social visando à aculturação pode criar ou levar à mudança de atitudes e comportamentos e, assim, ajudar a alcançar o objetivo pretendido.28 Quando aplicado à saúde pública, o marketing social torna-se uma ferramenta poderosa para promover estilos de vida saudáveis. Bem planejadas, as ações de marketing social podem ajudar os indivíduos a realizarem as mudanças que objetivam a melhoria da saúde e de sua qualidade de vida.29 Fotografias nos maços de cigarros são um exemplo de marketing social. A mensagem da importância de atividade física é outro exemplo.
Principais ações previstas
Ações contra o tabagismo
A OMS e a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco orientam as ações contra tabagismo por meio da estratégia MPOWER,30 um pacote de seis medidas economicamente viáveis. Cada letra da sigla MPOWER corresponde a uma das seis intervenções recomendadas:
	(Monitor)
	Monitorar o uso do tabaco e políticas de prevenção.
	(Protect)
	Proteger as pessoas da fumaça do tabaco.
	(Offer)
	Oferecer ajuda para a cessação do tabagismo.
	(Warn)
	Alertar sobre os malefícios causados pelo tabaco.
	(Enforce)
	Aplicar proibições de publicidade, promoção e patrocínio.
	(Raise)
	Elevar a tributação incidente sobre o tabaco.
Medidas dessa natureza vêm sendo adotadas de forma crescente para o controle do tabagismo no Brasil desde a década de 1980, frutos de leis aprovadas no Congresso Nacional e de decretos presidenciais.
O Programa Nacional de Controle de Tabaco, do Instituto Nacional de Câncer, orienta as atuais atividades antitabaco no Brasil.31 Entre as principais ações, estão as intervenções voltadas para a prevenção da iniciação e a promoção da cessação de fumar, além da redução da poluição ambiental causada pela fumaça de produtos do tabaco. Outro ponto importante são as ações regulatórias, como a proibição da propaganda de cigarros, a exigência de advertências em maços de cigarro sobre os riscos decorrentes do consumo, o aumento das alíquotas dos impostos para 85% e a proibição de fumódromos. Recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu os aditivos de sabor do cigarro para inibir a iniciação do hábito.
Ações para coibir o uso excessivo de bebidas alcoólicas
A OMS estimula a prevenção de consumo prejudicial de álcool por meio de várias estratégias:
→Liderança, conscientização e compromisso do governo.
→Restrição da disponibilidade de bebidas alcoólicas.
→Aumento do preço, geralmente através de impostos.
→Políticas e contramedidas contra dirigir intoxicado.
→Restrições na propaganda e marketing, em geral, de bebidas alcoólicas.
→Aumento da conscientização da população sobre os problemas associados ao consumo prejudicial.
→Organização de serviços e atividades de tratamento.
Exemplo de atividade bem-sucedida em vários municípios é a Lei 11.705, conhecida como “Lei Seca” por proibir o consumo de praticamente qualquer quantidade de bebida alcoólica por parte dos condutores de veículos.32 A fiscalização e a apreensão de muitos motoristas fez com que vários estabelecimentos criassem estratégias para manter seus clientes, oferecendo serviço de motoristas;e a sociedade se organizou estimulando campanhas como a escolha do motorista da rodada.
Promoção de hábitos ativos de vida e redução do sedentarismo
Várias atividades populacionais aumentam a atividade física33 da população. Entre elas estão:
→Abordagens informativas.
→Marketing de massa.
→Mensagens curtas endereçadas a grupos específicos.
→Abordagens comportamentais e sociais.
→Introdução de apoio social para a atividade física em comunidades e locais de trabalho.
→Estratégias nas escolas que englobam educação física, atividades de sala de aula, esportes após as aulas e transporte ativo.
→Abordagens ambientais e políticas.
→Criação e melhoria de acesso aos locais adequados para a prática de atividade física e esportes combinadas com atividades informativas que estimulam seu uso.
→Design e planejamento urbano em níveis micro (ruas) e comunitários.
→Políticas e práticas de transporte ativo.
→Políticas e planejamento comunitário, em geral.
No Brasil, a principal ação do governo federal no combate ao sedentarismo na atualidade é o Programa Academia da Saúde.34-36 Seu objetivo é contribuir para a promoção da saúde da população a partir da implantação de polos com infraestrutura, equipamentos e quadro de pessoal qualificado para a orientação de práticas corporais e de atividade física no lazer e modos de vida saudáveis. Esses polos serão espaços públicos construídos para o desenvolvimento de atividades como orientação para a prática de atividade física; promoção de atividades de segurança alimentar e nutricional e de educação alimentar; práticas artísticas (teatro, música, pintura e artesanato) e organização das ações do Programa em conjunto com a equipe de saúde local e usuários.
Frente à cobertura atualmente limitada deste programa, outras abordagens complementares se fazem necessárias. Esforços de marketing social como Agita São Paulo37 visam transmitir a mensagem de que um nível adequado de atividade física é fundamental para manter a saúde. Estratégias mais amplas envolvendo atividades e programas de atividade física gratuitos à população pela municipalidade têm se demonstrado benéficas.38Vários municípios têm trabalhado para desenvolver um espaço urbano que estimule maior atividade física, por exemplo, mediante ciclovias e maiores áreas para pedestres.
Promoção da alimentação saudável
Uma alimentação saudável pressupõe o enfoque prioritário de resgate de hábitos e práticas alimentares regionais, inerentes ao consumo de alimentos locais, minimamente processados, culturalmente referenciados, acessíveis e de elevado valor nutritivo, bem como a adoção de padrões alimentares mais variados em todas as fases do ciclo de vida. Nesse particular, a iniciativa de incentivar o consumo de legumes, verduras e frutas, também apoiada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)/OMS, vem sendo proposta e construída de forma intersetorial, na perspectiva de agregar os parceiros necessários à sua implementação e, assim, contribuir para a garantia de acesso da população a esse grupo de alimentos. Essa iniciativa, além de estimular o consumo de alimentos saudáveis regionais, pode auxiliar na geração de emprego e renda em comunidades com tradição agrícola ou de agricultura familiar, no âmbito de uma Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.39
Dessa forma, a promoção de alimentação saudável requer políticas públicas integradas constando de:
→Ações educativas; acesso à merenda escolar saudável.
→Incentivos para produção, distribuição e comercialização de alimentos saudáveis.
→Legislação oportuna quanto aos teores de sal, açúcar e gorduras nos alimentos industrializados, às informações nutricionais em produtos industrializados e ao conteúdo das propagandas que atingem as crianças.40
Ações específicas para reduzir os níveis de sal e gorduras trans dos alimentos, promover a amamentação adequada e alimentação complementar, restringir a propaganda de alimentos insalubres, sobretudo para crianças, estão entre as melhores apostas e intervenções efetivas recomendadas pela OMS.3 Para reforçar essa estratégia, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) recentemente divulgou recomendações sobre marketing de alimentos e bebidas não alcoólicas para crianças, com orientações sobre como limitar propagandas que estimulam a compra de produtos que prejudicam a saúde.41
Enfrentamento da epidemia da obesidade
A melhoria da alimentação e dos níveis de atividade física da população é também a principal estratégia no combate à obesidade em todos os ciclos de vida. O governo brasileiro está desenvolvendo o “Plano Intersetorial de Prevenção e Controle da Obesidade: promovendo modos de vida e alimentação adequada e saudável para a população brasileira”, cujo objetivo geral é prevenir e controlar a obesidade na população brasileira, por meio de ações intersetoriais, promovendo a alimentação adequada e saudável e a prática habitual de atividade física.10 Especificamente, pretende, entre outros objetivos:
→Melhorar o padrão de consumo de alimentos da população brasileira de forma a reverter o aumento de sobrepeso e a obesidade.
→Revalorizar o consumo dos alimentos regionais e preparações tradicionais, e promover o aumento da disponibilidade de alimentos adequados e saudáveis à população.
→Desenvolver estratégias que desloquem o consumo de alimentos processados, energeticamente densos e com altos teores de açucares, gorduras e sódio para alimentos básicos, com destaque para grãos integrais, leguminosas, oleaginosas, frutas, hortaliças e pescados.
→Promover a prática habitual de atividade física, sobremaneira em ambientes de trabalho, ambientes urbanos seguros e em escolas, atingindo todas as fases do curso da vida.
COMPLEMENTARIDADE DAS AÇÕES CLÍNICAS
O atendimento clínico e as demais atividades da atenção primária à saúde (APS), incluindo as ações dos agentes comunitários de saúde (ACS),42 são meios eficazes para promoção de saúde e prevenção de doenças crônicas e fazem parte do Plano de Enfrentamento das DCNTs.12,43 O sucesso na prevenção de DCNTs na APS depende mais de ações de promoção à saúde e de prevenção primária, por meio de ações educativas e de estímulo à autonomia e empoderamento, do que do rastreamento de doenças, e dos múltiplos medicamentos e exames, em especial aqueles de alta tecnologia e custo. Por essa razão, elas são priorizadas nesta seção.
O sucesso da abordagem dos problemas materno-infantis na APS pode servir como modelo para o enfrentamento das DCNTs. O quadro de saúde materno-infantil brasileiro, antes dramático, melhorou expressivamente com a adoção de estratégias de ações coletivas (p. ex., saneamento, maior educação das mães), junto de ações clínicas enfocadas em educação em saúde e empoderamento das mães (p. ex., estímulo ao aleitamento materno), prevenção (p. ex., maior atenção ao pré-natal e a uma puericultura padronizada, vacinas) e tratamentos clínicos simples (p. ex., sais de reidratação oral e antibióticos para crianças com suspeita de pneumonia) a partir de dados facilmente obtidos na APS por meio da anamnese e do exame clínico. O desafio é implementar agora ações da mesma ordem para o enfrentamento das DCNTs, priorizando educação e autonomia, prevenção e tratamentos simples. Dentro dessa perspectiva, e dada a primazia das ações populacionais, são de suma importância o apoio e o engajamento do médico também nessas ações coletivas.
A regulação da publicidade de alimentos, tabaco, álcool e o estabelecimento de políticas públicas para a criação de ambientes condizentes com estilos de vida saudáveis não podem ser entendidos como restrições à liberdade da escolha individual, mas sim como ações que impactam na saúde pública por ajudar pessoas a evitarem e minimizarem comportamentos que colocam em risco sua saúde. Políticas fiscais de tributação para bens e serviços insalubres, diferentemente daquelas para bens e serviços saudáveis, não podem ser interpretadas como ganância fiscal, mas como ações coletivas em prol de uma sociedade mais saudável.O clínico de APS pode transmitir essa visão a seus pacientes e apoiar essas posições em todas as iniciativas da comunidade, participando de debates e apoiando entidades locais (escolas, igrejas, associações comunitárias) que podem exigir orientação técnica para se engajar efetivamente no processo.
CAPÍTULO 57
Abordagem para Mudança de Estilo de Vida
Os agravos crônicos são em grande parte decorrentes de comportamentos e hábitos de vida inadequados, e o controle desses agravos requer coordenação e integração do cuidado e corresponsabilização do indivíduo. As estratégias de educação em saúde têm sido muito enfatizadas nesse processo, mas, para a mudança desses comportamentos e hábitos, elas nem sempre são suficientes. São necessários também vontade individual, estratégias motivacionais e apoio profissional. Para aumentar a efetividade desse trabalho, pode-se recorrer a uma série de técnicas e abordagens especiais que são tratadas neste capítulo.
O comportamento sofre influência de aspectos demográficos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e psicológicos. Essa influência pode se dar em três níveis: pessoal, interpessoal e comunitário –, e diversas teorias apoiam intervenções em cada um desses níveis (FIGURA 57.1).1 Neste capítulo, é dada maior ênfase aos modelos mais pesquisados ou práticos para uso cotidiano na atenção primária à saúde.
COMPREENDENDO O PROCESSO DE MUDANÇA
A motivação é um aspecto-chave para compreender por que uma pessoa age de certa maneira e para ajudá-la a modificar seu comportamento. É, portanto, o que fomenta um determinado comportamento e o combustível que o alimenta. A motivação pode mudar ao longo do tempo. Aquilo que motiva um sujeito hoje pode não ser um motivador amanhã.2
Diversas teorias e modelos buscam explicar os comportamentos e sugerem formas de se alcançar uma mudança comportamental.3
Segundo a teoria social cognitiva de Bandura, fatores ambientais (variáveis externas) e disposições intrínsecas de cada sujeito (variáveis internas) interferem no comportamento humano e estão fortemente inter-relacionados. Intervenções em algumas dessas variáveis podem promover a mudança efetiva do comportamento.4 Por exemplo, a fim de conseguir fazer escolhas para uma alimentação saudável, é importante que a pessoa consiga transformar as informações que recebe sobre alimentação em atitudes que garantam uma alimentação saudável. Para isso, é fundamental conhecer os fatores que motivam as pessoas ou as impedem de realizar modificações em seu comportamento.5
FIGURA 57.1 → Modelos teóricos de acordo com o nível de influência.
Fonte: Adaptada de Breinbauer e Maddaleno.1
Os fatores ambientais podem ter impacto positivo ou negativo sobre a motivação do sujeito. Um exemplo de motivador extrínseco negativo poderia ser o alto custo de dietas mais saudáveis, e um fator extrínseco positivo, o suporte de um familiar ou de amigos para mudar um comportamento alimentar não saudável.2
São, portanto, inúmeras as condições e situações com potencial para influenciar a avaliação e a tomada de decisão das pessoas na escolha por um determinado tipo de hábito de vida (mais saudável) em detrimento de outro com maior impacto deletério para a saúde. Nessa mudança, existem agentes que podem atuar como fatores predisponentes, reforçadores ou facilitadores (FIGURA 57.2).
Dentre as várias teorias ou estruturas conceituais para abordagem no nível pessoal, a que mais chama a atenção – pelo crescente número de publicações relacionadas – é o modelo transteórico.
Modelo transteórico
Desenvolvido na década de 1980 pelos pesquisadores norte-americanos Prochaska e DiClemente, o modelo transteórico (MTT) engloba diferentes teorias da Psicologia Social. Foi desenvolvido inicialmente em um contexto clínico que envolvia comportamentos de adicção, como o de fumar. Contudo, sua aplicação foi aos poucos sendo expandida para outros contextos de adoção e manutenção de comportamentos relacionados com a saúde, como, por exemplo, alimentação saudável e atividade física.3,6,7 É constituído por quatro construtos: estágios de mudança do comportamento, processos de mudança, equilíbrio de decisões e autoeficácia.3,6
Estágios de mudança de comportamento
Segundo o MTT, há cinco estágios de mudança de comportamento:3,6,7
→Pré-contemplação (“I won’t”): Não considera a possibilidade de mudar, nem se preocupa com a questão.
→Contemplação (“I might”): Admite o problema, é ambivalente e considera adotar mudanças eventualmente (a mudança poderá ocorrer nos próximos seis meses).
→Preparação (“I will”): Inicia algumas mudanças, planeja, cria condições para mudar, revisa tentativas passadas (a mudança poderá ocorrer nos próximos 30 dias).
FIGURA 57.2 → Fatores que influenciam na mudança de comportamento.
Fonte: Adaptada de Breinbauer e Maddaleno.1
→Ação (“I am doing”): Implementa mudanças ambientais e comportamentais, investe tempo e energia na execução da mudança (a mudança vem ocorrendo há menos de seis meses).
→Manutenção (“I have been doing”): Dá continuidade ao processo de trabalho iniciado com a ação, para manter os ganhos e prevenir a recaída (a mudança vem ocorrendo há mais de seis meses).
Não é incomum que indivíduos que se encontram nos estágios mais avançados do comportamento (ação e manutenção), em algum momento do seu processo de evolução pelos estágios de mudança do comportamento-alvo, retornem a estágios anteriores, o que leva a uma reclassificação, chamada de recaída (FIGURA 57.3). A recaída é, portanto, a falha em se manter em um estágio, com a consequente retomada do hábito ou comportamento anterior.3,6
De acordo com Prochaska, DiClemente e Norcross, o indivíduo não caminha nos estágios de forma linear-causal; isto é, uma vez atingida alguma mudança, a pessoa não necessariamente se manterá neste estágio. Por isso, o processo de mudança é mais bem representado como uma espiral, que pressupõe movimento, e na qual as pessoas podem progredir ou regredir através dos estágios de comportamento.6
É essencial reconhecer o estágio de mudança de comportamento no qual o indivíduo se encontra para identificar sua evolução no processo e tomar decisões sobre a metodologia a ser utilizada na abordagem de forma mais personalizada, realista e fundamentada.
O MTT possibilita avaliar o momento em que ocorre a mudança de comportamento e como ela ocorre. Segundo esse modelo, o sujeito pode transitar pelos estágios – avançando ou retrocedendo –, e os estágios de mudança dão a dimensão temporal do modelo, ou seja, mostram quando ocorre a mudança.8
Processos de mudança
Os processos de mudança descrevem como ocorre a transição de um estágio para outro. Eles englobam atividades e experiências diversas de enfrentamento do problema em foco que um indivíduo vivencia durante o processo de tentativa de mudança de um comportamento indesejado, sejam elas encobertas e/ou aparentes. Os processos podem ser cognitivos ou comportamentais.8
FIGURA 57.3 → Estágios de mudança de comportamento e recaída.
É importante ressaltar que alguns processos são mais adequados a determinados estágios do que a outros; portanto, deve-se manter um equilíbrio na utilização de cada um deles, para não usá-los de forma excessiva ou em estágios inapropriados. Esses equívocos podem prejudicar a ocorrência de uma mudança ou mesmo precipitar uma recaída (relapso) em um estágio precoce.8
Equilíbrio de decisões
O equilíbrio de decisões é outro componente do MTT e ocorre no momento em que o sujeito avalia as situações que são favoráveis e aquelas que são desfavoráveis à sua modificação de comportamento.9
Autoeficácia
A autoeficácia é um termo com origem na teoria social cognitiva de Bandura, da década de 1970, e que diz respeito à confiança que o sujeito tem em si mesmo de que conseguirá mudar o seu comportamento, como, por exemplo, em relação a hábitos de alimentação inadequados e baixos níveis de atividade física, e manter esses comportamentos em situações que ponham à prova sua nova postura.3,6-8
Aplicabilidade clínicado MTT
Alguns autores apontam limitações do MTT para avaliar comportamentos como atividade física e alimentação. Brug e colaboradores consideram o MTT mais adequado para comportamentos como o tabagismo, nos quais o objetivo-alvo de mudança é muito mais claro e fácil de reconhecer. Comportamentos relacionados com “alimentação saudável” ou “exercícios regulares” são objetivos mais “nebulosos”.10 Toral e Slater ressaltam que o comportamento alimentar envolve centenas de alimentos, enquanto o tabagismo envolve o consumo de um único item, o cigarro. Além disso, em relação ao tabagismo, o objetivo principal é eliminar o hábito de fumar, ao passo que em uma intervenção nutricional não se elimina a prática de alimentar-se!11
Mesmo assim, o algoritmo de mudança de estágio do MTT vem sendo aplicado para outros comportamentos, como ingestão de cálcio por escolares, com o objetivo de prevenir a osteoporose na idade adulta por meio de estratégias de intervenção,10 programa de educação sobre o diabetes direcionado à comunidade,11 e rastreamento de câncer de mama por mamografia.12 Vários capítulos deste livro abordam o uso do MTT como modelo, quadro teórico ou linha-guia em intervenções específicas.
A tarefa de modificar hábitos de vida está longe de ser fácil. A complexidade dos comportamentos e as variáveis internas e externas mantenedoras ou reforçadoras do comportamento-alvo a ser modificado são importantes forças a serem vencidas no processo. Dominar os conceitos e as técnicas necessárias para promover a mudança comportamental é imprescindível para o sucesso de qualquer intervenção, seja individual ou em grupo.
TÉCNICAS DE ABORDAGEM
Diversas técnicas de abordagem para mudança comportamental têm sido utilizadas:
1.Apelo ao medo. Baseada em estudos nos anos de 1950 e 1960, essa técnica demonstra eficácia a curto prazo para comportamentos ocasionais ou medo intenso. Normalmente, a abordagem é desnecessária e insuficiente.
2.Apelo à informação. Programas baseados em informação, para serem bem-sucedidos, devem obedecer a determinados critérios:
→Ilustrar com casos de mudança de comportamento bem-sucedidos em vez de estatísticas a respeito dos maus hábitos e doenças advindas desses comportamentos.
→Discutir aspectos positivos e negativos da opção ou não pela mudança comportamental proposta.
→Usar argumentos fortes no início e ao final da mensagem passada.
→Emitir mensagens curtas, claras e diretas com conclusões explícitas.
→Balancear o nível da informação a partir da demanda.
3.Comunicação persuasiva e efetiva. Este tipo de comunicação atrai a atenção, é compreensível, funciona como uma mola propulsora ao comportamento recomendado e é fácil de recordar. Tal abordagem é especialmente eficiente quando o indivíduo se encontra nas etapas iniciais do processo de mudança comportamental.
Estar atento ao estágio de mudança do comportamento em que o indivíduo se encontra é fundamental para a escolha correta da técnica utilizada para um caso particular. Um indivíduo que se encontra no estágio de pré-contemplação ou contemplação deve, antes de tudo, ser motivado, para somente depois passar pelo processo de educação. A entrevista motivacional é uma ferramenta muito útil nesses estágios.
ENTREVISTA MOTIVACIONAL
Criada pelo psicólogo americano William Miller, a entrevista motivacional incorpora elementos de outras abordagens terapêuticas, como a terapia centrada no indivíduo e terapias breves, agregando alguns conceitos novos. O objetivo principal é promover a mudança de comportamento. Foi desenvolvida inicialmente para ser aplicada ao consumo de álcool, tabaco e outras drogas, pois até então vários tipos de tratamento pregavam que só poderiam ajudar as pessoas quando elas o desejassem.13,14
Essa abordagem pode ser utilizada para qualquer problema de saúde mental, dificuldades de relacionamento, desenvolvimento de comportamentos saudáveis (adoção de dietas saudáveis e práticas esportivas), bem como na educação e promoção de saúde. É destinada a indivíduos que não reconhecem que precisam mudar algum aspecto de seu comportamento habitual, que recusam tratamento, ou que se sentem em uma dualidade (ambivalência) muito grande. Pode ser usada em uma única entrevista, mas costuma ser empregada em quatro a cinco consultas.13,14
A entrevista motivacional envolve um espírito de colaboração, participação e autonomia tanto do indivíduo quanto do profissional. Ambos vão criando alternativas em que a motivação para a mudança é construída de forma natural e espontânea. É uma técnica de abordagem centrada nas necessidades do indivíduo e suas experiências, evitando o confronto direto com o indivíduo. É semiestruturada, procurando identificar e trabalhar com a motivação do indivíduo. Estimula a autoeficácia a partir do momento em que o indivíduo consegue realizar as mudanças propostas, gerando assim um forte impulso para mudar hábitos e estilo de vida.13,14
Os cinco princípios básicos dessa abordagem são descritos a seguir:13,14
1.Expressar empatia. Significa aceitar a postura do indivíduo, tentando entendê-lo, sem julgamento. Acolher a partir do que Rogers definiu como uma “escuta técnica reflexiva” (reflective listening) de forma que esclareça e amplie sua experiência pessoal, sem que o profissional imponha sua opinião. Implica solidariedade emocional do profissional tentando compreender os pensamentos e as emoções do indivíduo, colocando-se no seu lugar. A resposta empática é uma competência adquirida na qual o profissional é treinado para compreender e aceitar o que o outro é. Essa solidariedade pode ser expressa por meio de gestos (tocando levemente o paciente) e palavras (p. ex., “Eu entendo que você se sentiu mal com aquilo que aconteceu.”). Além de ouvir o que o paciente diz, o profissional responde ao que ouve, decodifica aquilo que ouviu e repete para o indivíduo na forma de uma afirmação (p. ex., “Deixe-me ver se entendi o que você está dizendo […].”). Dessa forma, o profissional estabelece uma relação profissional-indivíduo baseada na troca, visando à autonomia, à liberdade de escolha do indivíduo e ao desenvolvimento de sua autoeficácia.
Além disso, é essencial auxiliar o indivíduo a lidar com sua ambivalência, tomando-a como algo normal e que faz parte do processo de mudança.
2.Desenvolver discrepância. Significa fazer um contraponto entre o atual comportamento do indivíduo (p. ex., o sedentarismo) e seus objetivos mais amplos (p. ex., controlar os níveis de glicose, praticar atividades físicas e perder peso). É muito importante que o indivíduo se conscientize das consequências de sua conduta e perceba a diferença entre seu comportamento atual e seus objetivos futuros. Aumentar os níveis de conflito entre o atual comportamento e seus valores pessoais é uma estratégia interessante. Uma das melhores formas de gerar mudança consiste em trabalhar a emoção gerada pelo desconforto da dúvida e/ou do conflito do indivíduo. Para aumentar a eficácia na mudança, é fundamental que o indivíduo verbalize suas discrepâncias e seja estimulado a apresentar argumentos para a mudança.
3.Evitar discussões (confrontações diretas). Deve-se evitar discutir e debater sobre a importância de uma mudança para evitar o estabelecimento de resistências. Argumentações diretas e tentativas para convencer tendem a produzir oposição ante as instruções, ordens ou sugestões para a mudança, sobretudo quando o paciente tem a sensação de que sua liberdade está sendo cerceada. Antes de informar, é apropriado perguntar se ele deseja ser informado, com frases como “Quer que eu lhe explique alguma coisa sobre […]?”. É importante ser parcimonioso em relação à quantidade de informações a ser passada, sendo mais útil ir informando aos poucos e se certificando de que a informação foi compreendida, sempre centrado no conflito do indivíduo. Discussões são reflexos, muitas vezes, de um confronto entre o profissional e o indivíduo com seu problema, com a consequente rotulação do problema-alvo (p. ex., o profissional espera que o indivíduo se assuma comoalcoólatra).
4.Dissipar a resistência (em vez de enfrentá-la). Todo profissional deve estar atento ao “timing” do indivíduo e saber usar os vários momentos de um processo de mudança para poder influenciar suas percepções. Essa habilidade profissional pode fazer com que o indivíduo considere as novas perspectivas, mas sempre tomando o cuidado para não fazer imposições. Existem diversas estratégias para lidar com a resistência:
→Reflexão simples. Significa constatar que o indivíduo discorda ou que ele sente algo, permitindo explorar melhor a situação em vez de aumentar as defesas (p. ex., o paciente diz: “Não sou eu que tenho problemas. Se bebo, é porque minha esposa está sempre me enchendo […].”; o profissional fala: “Parece que a razão de você beber tem relação com seus problemas conjugais.”).
→Reflexão amplificada. Consiste na devolução ao indivíduo do que ele disse de uma forma amplificada ou mesmo exagerada (p. ex., o paciente diz: “Eu consigo controlar minha bebida.”; o profissional devolve: “Então quer dizer que você não tem nada a temer, que o álcool não é um problema para você.”). Comentários dessa natureza emitidos em tom sarcástico podem surtir efeito inverso e, portanto, aumentar a resistência. O apropriado é fazê-lo diretamente, de forma a apoiar o paciente.
→Reflexão de dois lados (double-sided). Consiste em uma abordagem baseada na escuta crítica. É constatar o que o paciente diz e acrescentar a isso o outro lado da ambivalência, utilizando material fornecido antes (p. ex., o paciente diz: “Está bem, eu tenho problemas com minha família e meu chefe por causa das ressacas frequentes, mas eu não sou alcoólatra.”; o profissional fala: “Você não tem dificuldade em assumir que a bebida está lhe prejudicando, mas não quer ser taxado de alcoólatra.”).
→Mudança do foco de atenção do indivíduo de algo que parece uma barreira para sua evolução.
→Concordância, mas com uma mudança sutil de direção.
→Ênfase na escolha e no controle pessoal. Assegurar frequentemente que a última palavra é do paciente ajuda a diminuir a relutância à mudança (p. ex., o profissional diz: “Ninguém pode mudar o seu hábito. Afinal, quem decide é você.”).
→Reinterpretação. Consiste em colocar os comentários do indivíduo em outro contexto ou mesmo dar-lhe nova interpretação, alterando o sentido original (p. ex., o paciente diz: “Eu não aguento mais tentar, parar e não conseguir; eu desisto.”; o profissional responde: “Realmente, muitas vezes é difícil ver uma luz no fim do túnel. Eu percebo seu esforço em parar e admiro você por isso. Lembre-se do processo de mudança que discutimos: quanto mais vezes você passar pelas fases de mudança de seu hábito, mais chance terá de chegar à manutenção daquilo que quer alcançar.”).
→Paradoxo terapêutico. É como dizer ao indivíduo “Ok, talvez seja melhor mesmo você não fazer a dieta e não tomar seus medicamentos […].” de uma forma calma, de modo que o indivíduo resistindo ao terapeuta possa mover-se adiante, assumindo que quer se tratar. É uma estratégia que requer muita experiência do profissional e, portanto, deve ser usada com cuidado.
5.Estimular a autoeficácia. Trata-se de apoiar e reforçar o sentimento de autoeficácia. Experiências exitosas anteriores reforçam a crença da pessoa na sua capacidade de conseguir alcançar seu objetivo. O apoio terapêutico pode vir da análise dos resultados, potencializando a sua positividade (p. ex., “Parabéns, é muito difícil parar de fumar e você conseguiu!”). Não podemos nos esquecer de que o paciente é responsável por escolher e concretizar a mudança. Ao profissional cabe prestar assistência, se ele assim o desejar.
Técnicas de apoio narrativo
Carl Rogers alegou que uma relação interpessoal centrada na pessoa oferece a atmosfera ideal para a mudança, permitindo uma sensação de ambiente seguro, causando grande impacto nos resultados clínicos e na satisfação. Existem técnicas que ajudam o indivíduo a sentir-se aceito e compreendido:
1.Questões abertas. Essas perguntas permitem e incentivam o indivíduo a explicar-se aumentando assim a sua percepção do problema, já que, quando uma pessoa fala, ela elabora informações e emoções associadas ao que está dizendo (p. ex., “Como este problema afeta sua vida?” ou “Quais aspectos da sua saúde que mais lhe preocupam?”).
2.Escuta reflexiva. Outra habilidade fundamental consiste em averiguar o que o indivíduo quer dizer e devolver o que ele acabou de dizer por meio de afirmações que podem ser de cinco tipos:
→Repetição de uma palavra dita pelo indivíduo e que o profissional julgue importante.
→Refraseamento. É similar ao item anterior, mas se pode mudar uma palavra ou alterar um pouco a frase original.
→Paráfrase. Há uma releitura do que foi dito, quando o profissional intui o significado do que foi falado pelo indivíduo utilizando outras palavras.
→Apontamento emocional. Caracteriza-se como a forma mais profunda de reflexão. São frases que revelam sentimentos ou emoções: “Percebo que você está um pouco triste” ou “Parece que este assunto lhe emociona”.
→Silêncios. Quando utilizados de forma adequada, ajudam o indivíduo a refletir. De forma não verbal, o profissional está dizendo que o entende e o aceita. Possibilita ao indivíduo a auto-observação sobre o que disse e sente.
3.Reestruturação positiva. Significa afirmar e apoiar o indivíduo destacando seus aspectos positivos por meio de frases que denotem a compreensão do profissional a respeito do que diz, dessa forma reabilitando a autoestima e a autoeficácia do indivíduo.
4.Resumo. Significa tentar destacar os aspectos mais cruciais do que foi dito pelo indivíduo.
5.Afirmações de automotivação. Incentivar mediante questões proferidas em diferentes aspectos:
→Reconhecimento do problema: “De que maneira isso tem sido importante para você?”.
→Manifestação de preocupação: “Como você se sente com relação à sua forma de beber?”.
→Intenção de mudança: “Quais são as razões para mudar?”.
→Otimismo para a mudança: “O que lhe faz pensar que você poderia mudar caso o desejasse?”, “O que mais […]?”.
Técnicas para aumentar o nível de conscientização com relação à mudança
1.Reforçar as formas de expressão verbal e não verbal das afirmações do indivíduo.
2.Tornar as decisões equilibradas, o que significa indicar os aspectos positivos e negativos de ambos os comportamentos que o indivíduo tenha explicado: “Você diz que fumar é ruim por […]; ao mesmo tempo, é bom por […].”.
3.Estimular o planejamento de uma ação pedindo exemplos concretos (Como? Quando? De que maneira?).
4.Usar os extremos, imaginando as piores consequências possíveis.
5.“Olhar para trás e para frente”, visualizar com o indivíduo como era antes de adquirir o hábito e/ou como ele ficará depois de largá-lo.
6.Explorar valores realmente importantes para a vida do indivíduo (p. ex., “O que é importante em sua vida?”).
7.Fazer o papel de “advogado do diabo” é uma técnica muito arriscada e só deve ser usada por um profissional experiente e em situações extremas. Consiste em “concordar” com o indivíduo que seu caso é “insolúvel” e que é melhor ele manter o hábito, “já que não tem jeito mesmo […]”.
Armadilhas a serem evitadas
Existem algumas atitudes que podem retardar ou dificultar o processo de mudança e geram resistência nas pessoas. Dentre elas:
1.Fazer perguntas fechadas. Fazer perguntas fechadas faz com que o indivíduo responda com frases curtas e simples (pergunta fechada/resposta curta). A relação “profissional ativo/indivíduo passivo” não facilita a reflexão e preparação por parte do indivíduo. Por isso se preconizam perguntas abertas e escuta reflexiva. Como regra, deve-se evitar três perguntas fechadas seguidas.
2.Confrontar a negação. Esta é a armadilha mais frequente. Quanto mais se confronta o indivíduo com sua situação, mais este tende a se tornar resistente e relutante a mudanças (p. ex., com respostas como “Não creio que é tão grave esquecer as coisas quando eu bebo.”).
3.Assumir o papel de “expert”. Oferecer, com as melhores intenções, respostas e soluções para oindivíduo, levando-o a assumir um papel passivo, é uma intervenção totalmente contrária à abordagem da entrevista motivacional.
4.Rotular. Classificar um indivíduo com rótulos que muitas vezes exercem certo tipo de estigma sobre as pessoas causa uma resistência desnecessária (p. ex., “Você é um alcoólatra.”).
5.Focalizar o problema prematuramente. Concentrar-se cedo demais no problema quando o indivíduo quer falar sobre outros assuntos que lhe digam respeito e que são mais extensos pode levá-lo a se distanciar e ficar na defensiva. Iniciar assuntos com foco nas preocupações do indivíduo facilita a tarefa.
6.Culpar. Não despender tempo para analisar de quem é a culpa pelo problema evita que o indivíduo fique na defensiva. A culpa é irrelevante e convém enfrentá-la com reflexão e reformulação das preocupações do indivíduo.
Tendo em vista a motivação ser um estado mutável, é apropriado pensar em estratégias que aumentem a probabilidade de mudança. Existem vários estudos sobre o que motiva as pessoas a mudarem e a aderirem ao tratamento. As seguintes estratégias, representadas pelo acrônimo ABCDEFGH, são um resumo da literatura, lembrando que não há soluções mágicas e que uma abordagem efetiva em geral associa várias dessas estratégias:
A.Aconselhar (giving Advice). Algumas vezes, um conselho claro, na hora certa e da forma correta pode fazer a diferença. Deve-se identificar o problema ou a área de risco, explicar por que a mudança é necessária e recomendar uma mudança específica.
B.Remover barreiras (remove Barriers). Uma pessoa no estágio de contemplação pode considerar o tratamento, mas estar preocupada em fazê-lo devido a alguns obstáculos como custo, transporte, horário, etc. Essas barreiras podem interferir não apenas no início do tratamento, mas também no processo de mudança, já que muitas vezes elas são mais de atitude, por exemplo quando a pessoa ainda não sabe se vale a pena mudar. Nesses casos, a abordagem deve ser mais cognitiva do que prática, auxiliando o indivíduo a identificar essas barreiras e a vencê-las, assistindo-o na busca de soluções práticas para o problema.
C.Oferecer opções de escolha (providing Choices). A motivação aumenta quando a pessoa percebe que é capaz de decidir livremente sem influência externa ou sem ter sido coagida. Portanto, é essencial que o profissional ajude o indivíduo a sentir sua liberdade (e como consequência sua responsabilidade) de escolha, oferecendo várias alternativas para o indivíduo.
D.Diminuir o desejo/vontade (decreasing Desirability). Se um comportamento é mantido apesar de suas más consequências, é porque ele também apresenta reforçadores positivos. É preciso identificar esses reforçadores positivos do comportamento do indivíduo que estimulam a manutenção do comportamento, e daí buscar formas de diminuí-los. Nem sempre a simples constatação racional de aspectos negativos relacionados com o comportamento em questão é suficiente para cessá-lo. Técnicas comportamentais podem ser utilizadas, mas isso exige um grande compromisso do indivíduo. Uma abordagem mais genérica consiste em aumentar a consciência do indivíduo para as consequências adversas do comportamento.
E.Praticar empatia (practicing Empathy). Consiste em entender o outro por meio da chamada “escuta crítica”.
F.Dar feedback (providing Feedback). Fornecer feedback ao indivíduo sobre sua atual situação no processo terapêutico é um elemento essencial para motivá-lo à mudança. Portanto, o profissional deve ter sob controle todo o processo, para, inclusive, saber qual direção tomar em um determinado momento do processo terapêutico.
G.Esclarecer objetivos (clarifying Goals). Apenas fornecer feedback não é suficiente. Deve-se também auxiliar o indivíduo a estabelecer objetivos realistas e factíveis.
H.Ajuda ativa (active Helping). O profissional deve estar ativa e positivamente interessado no processo de mudança do indivíduo; atitudes que demonstram cuidados, como um telefonema frente a uma falta, refletem este tipo de ajuda.
TABELA 57.1 →Orientações para cada uma das fases de mudança de estágios do comportamento
	ESTÁGIOS DE MUDANÇA DO COMPORTAMENTO
	TAREFAS
	ESTRATÉGIAS
	AÇÕES/ATITUDES A EVITAR
	Pré-contemplação
	Focar o hábito a ser mudado
Trabalhar a ambivalência e a resistência
Estimular a autoeficácia e a automotivação
	Empatia
Apoio narrativo
Escuta reflexiva
Evitação de armadilhas
Remoção de resistência
	Considerar que o indivíduo tenha conhecimento prévio e que a mudança de comportamento será rápida
	Contemplação
	Aumentar a discrepância
Identificar prós e contras do atual padrão de comportamento
Avaliar o custo-benefício da mudança
	Empatia
Escuta reflexiva
	Criticar a ambivalência do indivíduo
	Preparação
	Aumentar o comprometimento
Fazer com que a pessoa verbalize o desejo de mudar
Elaborar planos de mudança que sejam aceitáveis, acessíveis e efetivos
Ajudar a eleger a melhor estratégia e um plano de ação a ser implementado a curto prazo
	Empatia
Perguntas ativadoras
	Fazer recomendações gerais
Menosprezar pequenas mudanças de comportamento
	Ação
	Implementar estratégias para mudança
Revisar planos de necessidades
Sustentar comprometimento em função das dificuldades (autoconfiança e autocontrole)
Aumentar a autoeficácia
Estabelecer novo padrão para um período de 3 a 6 meses
	Empatia
Apoio narrativo
Perguntas ativadoras
Trabalho das habilidades e técnicas para alterar comportamento
Fornecimento de materiais individualizados
	Fornecer apenas informações gerais
	Manutenção
	Desenvolver a autoconfiança e o autocontrole
Manter os objetivos alcançados
Evitar recaídas
	Empatia
Identificação de situações de risco e elaboração de planos para evitá-las
Saúde como fator principal
Fornecimento de informações, prática detalhada
	Assumir que a ação inicial será permanente
	Recaída (relapso)
	Reconstruir positivamente o processo
Estimular a autoeficácia e a automotivação
	Empatia
Acolhimento
Apoio emocional
Reestruturação positiva
	Criticar recaídas
Fonte: Adaptada de Toral e Slater,11 Lizarraga e Ayarra,15 Kristal e colaboradores16 e Zacarelli.17
CONCLUSÕES
A primeira estratégia da entrevista motivacional é vincular-se ao indivíduo a fim de que ele se posicione frente aos hábitos que precisa mudar. Além disso, deve-se colocar a pessoa no processo de mudança e usar estratégias de comunicação adaptadas a cada necessidade específica.
Em uma etapa posterior, deve-se promover a conscientização da pessoa sobre seu comportamento, aumentar os níveis de contradição entre suas crenças e ações e, por conseguinte, aumentar seus níveis de conflito. Deve-se ainda trabalhar a ambivalência, a autoeficácia e apoiá-la com ajuda ativa.
A TABELA 57.1 resume os estágios de mudança do comportamento, apontando, para cada um deles, tarefas a serem realizadas, as respectivas estratégias, bem como ações/atitudes a serem evitadas.11,15-17
CAPÍTULO 58
Alimentação Saudável do Adulto
REFERÊNCIAS
Patricia Constante Jaime
Ana Carolina Feldenheimer da Silva
Gisele Ane Bortolini
A alimentação saudável pode ser definida como uma alimentação que promova a boa saúde e, como consequência, seja capaz de prevenir uma série de doenças que têm etiologia relacionada com os hábitos de vida, principalmente com a alimentação. Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, uma alimentação saudável deve seguir estes atributos:1
→Acessibilidade física e financeira: deve basear-se predominantemente em alimentos frescos, da época, oriundos da região e adquiridos dentro das possibilidades financeiras das pessoas.
→Sabor, variedade, cor: deve agradar o paladar dos comensais, com sabores, odores e aparência familiares, que gerem prazer e saciedade, além de refletir a cultura local; deve ser composta de alimentos variados, de diversas fontes, como frutas, verduras, legumes, carnes, pescados, feijões, entre outros; deve variar em cor para garantir fontes de vitaminas e minerais, presentes na composição dos alimentos, sobretudo nosin natura.
→Harmonia: deve adequar a quantidade de calorias consumidas respeitando fatores como idade, sexo, nível de atividade física evitando consumo calórico aquém ou além do necessário para a manutenção do peso corporal e da saúde individual e das comunidades; deve também prezar por uma suficiente oferta de micronutrientes, gerando o aporte necessário para o bom funcionamento do corpo humano.
→Segurança sanitária: os alimentos devem ser seguros, livres de contaminantes químicos e físicos, além de estarem livres de microrganismos patológicos que podem representar uma ameaça à saúde da população.
A SAÚDE NUTRICIONAL DA POPULAÇÃO BRASILEIRA
Nas últimas décadas, a situação de saúde da população brasileira sofreu grandes mudanças resultantes das transições demográfica, epidemiológica e nutricional. A desnutrição está hoje virtualmente superada, dando espaço para o excesso de peso e a obesidade – cerca de metade da população adulta brasileira apresenta excesso de peso e, destes, em torno de 15% são obesos. O avanço da obesidade é uma realidade em todas as idades, sexos e classes sociais, com importante aumento das prevalências em crianças e adolescentes, em especial na última década.2
O aumento no excesso de peso e na obesidade é resultante, fundamentalmente, de uma alimentação de baixa qualidade, com consumo excessivo de calorias aliado a um baixo gasto energético. Embora os dados brasileiros coletados desde os anos de 1970 apontem para uma melhoria da disponibilidade de calorias e proteínas alimentares, observa-se uma piora na qualidade dos alimentos disponíveis no domicílio. Sobretudo, há uma diminuição de alimentos protetores da saúde (como a combinação arroz com feijão) e um aumento de alimentos industrializados e prontos para o consumo (como os embutidos, refrigerantes e pratos prontos).
Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008-2009 mostram aumento nas últimas décadas no consumo de alimentos ricos em gorduras, açúcar e sódio. O consumo de frutas, verduras e legumes se mantém estagnado nos últimos anos, embora talvez com uma tendência para aumento mais recentemente.3
O consumo alimentar da população brasileira combina uma dieta tradicional, baseada no arroz e feijão, com alimentos com baixo teor de nutrientes e alto conteúdo calórico. Apresenta ainda tendências crescentes de consumo excessivo de sucos adoçados com açúcar, refrigerantes e refrescos, somado a um baixo consumo de frutas, verduras e legumes. Outros aspectos dignos de nota são consumo excessivo de açúcares e de gorduras saturadas (em 61% e 82% da população, respectivamente); baixa ingestão de fibras (consumo insuficiente em 68% da população); e inadequação na ingestão de micronutrientes importantes para o pleno desempenho das atividades corporais, como ferro, vitamina A, complexo B, C, D, E e K, entre outros, como ácido fólico e zinco.4
ORIENTAÇÃO DIETÉTICA E PREVENÇÃO DAS DOENÇAS CRÔNICAS
O aconselhamento dietético realizado por profissionais de saúde capacitados para esse fim pode ter um impacto positivo na saúde, retardando o aparecimento de doenças crônicas. Embora ainda pouco avaliadas sob o prisma de custo-utilidade, algumas intervenções dietéticas começam a mostrar capacidade de aumentar os anos saudáveis de vida prevenindo o aparecimento de doenças crônicas.5
As múltiplas possibilidades que poderiam ser incorporadas na orientação de uma alimentação saudável para a promoção da saúde e a prevenção de doenças crônicas e suas complicações foram amplamente revisadas.6 Alguns programas foram especificamente delineados para promover mudanças intensivas de estilos de vida com o objetivo de prevenir doenças crônicas, destacando-se, dentre eles, dois estudos para a prevenção do diabetes realizados na Finlândia e nos Estados Unidos.7,8 Diversos países, incluindo o Brasil, desenvolveram diretrizes claras para a promoção da alimentação saudável e mudanças no estilo de vida com vistas à prevenção das doenças crônicas.
Para promover alimentação saudável, é importante reverter a tendência atual do padrão de consumo fortemente baseado em alimentação industrializada e retomar padrões tradicionais com referências locais e culturalmente aceitos. O padrão alimentar da população brasileira – piora da qualidade e quantidade na disponibilidade de calorias totais em todas as regiões do país – é um padrão globalizado que interfere nas tradições locais e não leva em consideração os hábitos tradicionais das populações.9
É importante também que a promoção de uma alimentação saudável ocorra em todas as fases do curso da vida. O aparecimento das doenças crônicas pode resultar não apenas do consumo excessivo de energia e de alguns nutrientes, mas também da subnutrição em algumas fases da vida, portanto a saúde do indivíduo adulto é resultado dos processos alimentares pregressos, e a alimentação e nutrição devem ser uma preocupação desde a vida fetal, perpassando pelo aleitamento materno e pela alimentação na infância, adolescência, idade adulta e velhice.10
O Brasil hoje apresenta um quadro propício para o aumento das doenças crônicas não transmissíveis, quadro este representado pelo envelhecimento da população e pelo aumento dos índices de sobrepeso e obesidade na população adulta. A manutenção do peso dentro dos limites saudáveis é um importante fator para a prevenção de doenças crônicas e problemas futuros em adultos e idosos.
A definição de peso saudável ainda é controversa, mas para a população adulta a tendência é defini-lo a partir do índice de massa corporal (IMC), calculado dividindo o peso (kg) pela altura ao quadrado (m2). Para a população adulta, o IMC médio deve variar entre 21 e 23 kg/m2. Para os indivíduos, a recomendação é a manutenção do IMC entre 18,5 e 24,9 kg/m2 e um ganho de peso na vida adulta não superior a 5 kg.6 É importante avaliar também a distribuição de gordura corporal com o auxílio das medidas de circunferência da cintura ou da razão das circunferências da cintura e do quadril (RCQ).6
A diminuição do peso e, como consequência, a diminuição do IMC geram ganhos para a saúde e diminuição nos riscos associados ao sobrepeso e à obesidade, como diabetes, hipertensão arterial, dislipidemia, alguns tipos de cânceres, entre outros agravos.11 Para o controle do peso, é importante considerar a composição da dieta, o controle das porções ingeridas, a frequência de consumo de alimentos durante o dia e o nível de atividade física12 (ver Capítulo Obesidade: Prevenção e Tratamento).
ORIENTAÇÃO DE UMA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL
Para a prática de uma alimentação saudável, as famílias, indivíduos e coletividades devem planejar o que, como, quanto e com que frequência comer. As recomendações a seguir podem ajudar o profissional de saúde a fazer o aconselhamento mais adequado caso a caso.
Frequência e número de refeições por dia
É importante distribuir as refeições ao longo do dia, realizando pelo menos três refeições (café da manhã, almoço e jantar) e dois lanches saudáveis por dia.1 Um padrão como esse foi mais frequente em pessoas com peso normal ou que mantiveram peso perdido do que em pessoas obesas.13 No entanto, não há evidências suficientes para afirmar que o excesso de peso seja decorrente de um número menor de refeições por dia. Incerteza existe também sobre a necessidade de um padrão de alimentação regular versus um padrão irregular.14 De qualquer forma, o planejamento das refeições pode ajudar no controle das quantidades ingeridas e da qualidade do que se come.
O profissional de saúde pode avaliar o comportamento alimentar dos indivíduos com questões simples, perguntando se toma café da manhã e qual o número de refeições que faz ao longo do dia. Em seguida, pergunta o que come habitualmente nessas refeições. Independentemente do número de refeições ao longo do dia, o indivíduo deve ser capaz de fazer o seu planejamento alimentar, com a distribuição ao longo do dia de diferentes alimentos. Se as refeições forem compostas por alimentos saudáveis (de preferência frescos e integrais) e em quantidades ingeridasadequadas, um maior número de refeições provavelmente irá contribuir para a manutenção do peso corporal. No entanto, se as refeições forem compostas por alimentos ricos em açúcar, gordura e sal (alimentos industrializados), o maior número de refeições contribuirá para o aumento da energia ingerida e, como consequência, para o aumento do peso corporal.
É importante ressaltar que o consumo de alimentos no café da manhã pode desempenhar um papel fundamental no controle do peso, pois influencia no apetite durante o restante do dia, na qualidade da dieta e no metabolismo.12 Em todas as refeições, deve-se dar preferência a alimentos saudáveis, com o consumo regular de frutas, verduras, legumes e alimentos frescos, da época e cultivados localmente. Além da procedência, deve-se observar o tipo de preparação desses alimentos: uma dieta saudável deve ser composta por alimentos crus, cozidos e assados e com ingestão restrita de alimentos fritos e refeições prontas para consumo.1
Os “carboidratos” na alimentação
Os carboidratos compõem a maior proporção de macronutrientes da dieta de indivíduos saudáveis. Segundo a recomendação da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma dieta balanceada deve conter 55 a 75% de carboidratos. Todos os grupos de alimentos, com exceção das carnes, do óleo, das gorduras e do sal, possuem alguma parcela de carboidratos na sua constituição. São classificados em simples ou complexos, dependendo de sua composição. Os carboidratos simples são os açúcares, e os complexos são os amidos, presentes em cereais, tubérculos e raízes.
Alguns alimentos são considerados fontes de carboidratos pelo fato de conterem alta quantidade de carboidratos. Esses alimentos podem ser refinados ou integrais. Os alimentos integrais têm maiores quantidades de fibras, vitaminas e minerais, além de possuírem menor índice glicêmico. São considerados importantes fontes de fibras alimentares.
Priorizar carboidratos complexos e integrais e evitar carboidratos simples
A alimentação deve priorizar carboidratos complexos, evitando carboidratos simples, estes últimos perfazendo, no máximo, 10% das calorias totais da dieta (em uma dieta de 2.000 kcal, no máximo 200 kcal). O consumo excessivo de carboidratos simples pode causar obesidade, doenças crônicas e cárie dental, além de ser prejudicial aos indivíduos com diabetes.1
Outro aspecto a ser observado sobre os carboidratos é o índice glicêmico dos alimentos, uma concepção criada na década de 1980 e que se baseia na velocidade em que a glicose originada dos alimentos é liberada no sangue e como a insulina e a glicemia sanguíneas são determinadas pelo consumo desses alimentos. Esse conceito é importante no tratamento clínico do diabetes e na prevenção de suas complicações, podendo ajudar na prevenção de picos pós-prandiais. Dietas com baixo índice glicêmico também podem trazer resultados positivos para pacientes com dislipidemias, ajudando na redução das gorduras circulantes no sangue. Seu uso no dia a dia, contudo, apresenta limitações, uma vez que a forma de preparo e a combinação dos diversos alimentos na dieta pode gerar diferentes respostas para diferentes indivíduos.
Na escolha dos carboidratos, o mais importante é o tipo de carboidrato predominantemente ingerido na dieta. Carboidratos complexos e integrais têm menores índices glicêmicos, sendo recomendável que componham a maior proporção da dieta; carboidratos simples e refinados possuem efeito glicêmico contrário e devem ser evitados e consumidos em pequenas quantidades.15 O consumo de alimentos integrais pode reduzir o ganho de peso na vida adulta, protegendo os indivíduos contra o excesso de peso.16 Dietas com baixo índice glicêmico, com carboidratos complexos e integrais, auxiliam na melhoria da glicemia em pacientes diabéticos. Esse tipo de dieta também pode ajudar na perda de peso em pacientes com excesso de peso e obesidade e melhoria do perfil de insulina em pacientes não diabéticos, bem como na diminuição do colesterol.17
Alguns estudos apontam para uma possível relação entre dietas com restrição de consumo de carboidratos e perda de peso em pacientes com excesso de peso.18 Em um curto período de tempo, essa relação parece clara, mas estudos que acompanharam pacientes por períodos mais longos não comprovam essa eficácia. Pelo fato de representarem o maior grupo de alimentos para uma alimentação saudável, os carboidratos devem compor a dieta, e sua restrição não parece ter sustentabilidade a longo prazo.
Dietas restritivas estimulam os pacientes a restringirem outros nutrientes além daqueles propostos pelo profissional de saúde, o que pode resultar em uma perda de peso temporária, mas com difícil manutenção. Outro fator importante que deve ser observado quando se propõe a restrição do consumo de carboidratos é a sua relação com a regulação hormonal, sobretudo entre as mulheres, nas quais dietas com baixo teor de carboidratos costumam ter efeitos adversos como depressão, ansiedade e irritabilidade.19
Em suma, alimentos ricos em carboidratos devem ser consumidos diariamente e estar presentes nas refeições principais (café da manhã, almoço e jantar), sendo distribuídos entre cereais (arroz, milho, massas), tubérculos (como batatas) e raízes (mandioca/macaxeira/aipim). É sempre preferível optar pelos grãos integrais e alimentos naturais ou minimamente processados.1
Aumentar o consumo de frutas, verduras e legumes
Recomenda-se a ingestão mínima de 400 gramas de frutas, verduras e legumes por dia (excluindo batatas e outras raízes e tubérculos) para a prevenção de doenças crônicas como as cardiovasculares, câncer, diabetes e obesidade, bem como para a prevenção das deficiências de diversos micronutrientes.6,20
Estima-se que a baixa ingestão de frutas e vegetais seja responsável por cerca de 31% das doenças isquêmicas do coração e 11% dos infartos que acontecem no mundo. Em números, seriam 2,7 milhões de vidas que poderiam ser salvas anualmente se o consumo de frutas e vegetais fosse aumentado.21
Diversos componentes presentes nas frutas, nas verduras e nos legumes atuam de maneira combinada para a prevenção de doenças cardiovasculares e do diabetes. Possuem papel importante as fibras, a frutose, o folato, os antioxidantes, o potássio, o magnésio e a carga glicêmica. Considerando o efeito combinado dos componentes recém-descritos, é importante recomendar o consumo de frutas, verduras e legumes em sua forma integral em vez de prescrever o uso de suplementos isolados.22
O consumo de frutas, verduras e legumes possui relação direta com o peso corporal. O papel na manutenção do peso é atribuído à menor densidade energética desses alimentos, às fibras e à resposta glicêmica.23 A maioria das frutas, verduras e legumes possui poucas calorias, fato que contribui para a manutenção do peso. No entanto, para alcançar esses benefícios, tais alimentos devem ser consumidos sem adição de açúcar ou gorduras.
O papel protetor das frutas, verduras e legumes, em parte, é atribuído aos seus componentes antioxidantes, que também estão presentes em sucos de frutas naturais.22 No entanto, é preferível o consumo da fruta na sua forma in natura, integral, em vez de sucos. Os alimentos na forma sólida resultam em maiores níveis de saciedade do que os sucos, e estes na maioria das vezes recebem adição de açúcar.24
É importante que o profissional de saúde oriente que frutas, verduras e legumes façam parte das principais refeições (café da manhã, almoço e jantar), e que os lanches entre as refeições sejam à base de frutas. A recomendação de 400 gramas de frutas, verduras e legumes por dia pode ser traduzida na mensagem de ingestão diária de, no mínimo, cinco porções.
Exemplos para a ingestão de, no mínimo, 400 gramas/dia (cinco porções):
→Banana – 1 unidade (86 g) + Alface – 2 folhas (16 g) + Tomate – 2 fatias (40 g) + Beterraba cozida – 3 fatias (43 g) + Maçã – 1 unidade (130 g) + Abacaxi – 1 fatia (130 g) = 445 g.
→Pera – 1 unidade (133 g) + Vagemcozida – 3 colheres de sopa (66 g) + Repolho roxo cru – 3 colheres de sopa (30 g) + Laranja – 1 unidade (137 g) + Caju – 1 unidade (60 g) = 426 g.
→Goiaba – 1 unidade (120 g) + Couve-manteiga cozida – 1 colher de servir (42 g) + Berinjela – 2 colheres de sopa (60 g) + Morango – 5 unidades (120 g) + Abacate – 3 colheres de sopa amassado (90 g) = 432 g.
→Caqui – 1 unidade (113 g) + Pêssego – 1 unidade (110 g) + Brócolis cozido – 2 colheres e1/2 de sopa (30 g) + Abóbora – 3 colheres de sopa (105 g) + Acerola – 10 unidades (70 g) = 428 g.
Ingerir diariamente alimentos fontes de fibras
O termo “fibra alimentar” refere-se às partes dos alimentos vegetais que resistem à digestão. As principais fontes de fibra são vegetais como grãos, tubérculos e raízes, frutas, legumes e verduras, leguminosas e outros vegetais ricos em proteínas. Nenhum alimento de origem animal possui fibra alimentar na sua composição.1
As fibras possuem diferentes propriedades que resultam em diferentes efeitos fisiológicos. Por exemplo, a fibra colabora para um esvaziamento gástrico mais lento, contribuindo com a saciedade e, como consequência, com o controle do peso. O esvaziamento gástrico mais lento também pode interferir na concentração de glicose sanguínea pós-prandial. A fibra dietética pode interferir na absorção da gordura e do colesterol, bem como na recirculação do colesterol no fígado e nos ácidos biliares, o que pode resultar na redução da concentração sanguínea de colesterol.25Doenças como obesidade, doença cardiovascular, diabetes tipo 2, doença diverticular e constipação podem ser prevenidas ou tratadas com o aumento e a variação no consumo de fibras provenientes de alimentos.26
A recomendação de ingestão diária de fibras é 25 gramas para mulheres adultas e 28 gramas para homens adultos, na idade de 31 a 50 anos. Esses valores diminuem para 21 gramas e 25 gramas, respectivamente, na idade de 51 a 70 anos.25 De acordo com a POF de 2008-2009, o consumo médio de fibra foi de 18,2 gramas para mulheres e 23,5 gramas para homens, derivado principalmente de frutas, farinha de mandioca, arroz, feijão, legumes e verduras.4 Além de encorajar o consumo desses alimentos para aumentar a ingestão de fibras, pode-se também recomendar a ingestão de alimentos ricos em fibras como pão integral e frutas secas.
O estudo da POF mostrou ainda que o consumo de salgados, refrigerantes, biscoitos salgados e pizza associou-se a menor ingestão de fibra.
Ingerir diariamente vegetais ricos em proteínas: feijões e outros alimentos
Recomenda-se a ingestão de feijão com arroz todos os dias ou, pelo menos, cinco vezes por semana.
O feijão e outras leguminosas como lentilhas, grão-de-bico, ervilha e soja são importantes fontes de proteínas da dieta.1 De acordo com a última POF, homens adultos consomem em média 223,1 gramas de feijão/dia e mulheres adultas consomem 145,4 gramas de feijão/dia.4 É importante que o profissional enfatize a necessidade do consumo desses alimentos, pois se observa tendência à diminuição desse alimento na dieta do brasileiro.4
As leguminosas, quando cozidas, contêm 6 a 11% de proteína. Incluem os feijões de todas as variedades, as lentilhas, as ervilhas secas, a fava, a soja e o grão-de-bico. Os feijões, além de fonte de proteína, contêm carboidratos complexos (amido) e são excelentes fontes de fibra alimentar, vitaminas do complexo B, ferro, cálcio e outros minerais.1
Os feijões são importantes fontes de folato. A recomendação de ingestão diária de folato para mulheres e homens adultos é de 400 μg/dia. A recomendação para mulheres é baseada na dose necessária para prevenção de defeitos do tubo neural (DTN) e para homens com o objetivo da manutenção de concentrações adequadas de folato e homocisteína. A ingestão deficiente de folato resulta na elevação dos níveis de homocisteína, o que contribui para o processo da aterosclerose.27 Diversos estudos sustentam a evidência de que um maior consumo de folato associa-se à diminuição da ocorrência de doenças cardiovasculares.22 Homens adultos consomem em média 468,4 μg de folato/dia; no entanto, 22,6% consomem quantidades abaixo do recomendado para grupos populacionais. Mulheres adultas consomem em média 357,3 μg de folato/dia, sendo que 33,2% não consomem quantidades adequadas.4
O profissional de saúde deve orientar também sobre o consumo de amendoim, castanhas, nozes e sementes, como opção de lanches, ou como ingredientes de diferentes preparações.1
Existem fortes evidências da relação do consumo de nozes e a redução no risco de doenças cardiovasculares. Observa-se redução no risco de desenvolvimento de diabetes tipo 2, sobretudo em mulheres. A longo prazo, o consumo de nozes também se associa a menor peso corporal e a menor risco de obesidade e ganho de peso.28 Estima-se ainda que o consumo de nozes possa reduzir o colesterol LDL em 3 a 19%.29
Alimentos de origem animal ricos em proteínas: carnes, laticínios e ovos
Os alimentos de origem animal, como as carnes de todos os tipos, o leite e seus derivados e os ovos, são as principais fontes de proteína da dieta. São proteínas completas, ou seja, contêm todos os aminoácidos essenciais. Os alimentos de origem vegetal também são fontes de proteína, mas, com exceção da soja, são proteínas incompletas, pois não têm todos os aminoácidos essenciais ou não possuem quantidades suficientes.1Segundo a recomendação da FAO/OMS, o conteúdo energético de uma dieta balanceada deve ser de 10 a 15% de proteína oriunda de alimentos de origem animal e vegetal.6
A anemia em mulheres adultas, no Brasil, é um importante problema de saúde pública que deve ser revertido, a longo prazo, com a promoção da alimentação saudável e o estímulo ao consumo de farinhas fortificadas. De acordo com a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), 29,4% das mulheres apresentam anemia, sendo que a prevalência é mais grave em mulheres residentes na Região Nordeste do Brasil (39,1%).30 De acordo com a última POF, o percentual de inadequação do consumo de ferro em mulheres adultas no país é de 31%, sendo que a média de consumo foi de 10,1 mg.4 A recomendação de ingestão de ferro para mulheres adultas de 19 a 50 anos é de 18 mg/dia.31
As carnes são a principal fonte de ferro da dieta. O ferro heme, que é o ferro presente nas carnes, é mais biodisponível, sendo que sua absorção acontece em percentuais de 20 a 30%. No entanto, o ferro não heme, presente em frutas, verduras, legumes e leguminosas, possui baixa biodisponibilidade e sua absorção é de aproximadamente 2 a 10%, dependendo da composição total da dieta. A absorção será maior se, na mesma refeição, também estiverem presentes alimentos ou compostos que facilitem a absorção do ferro (alimentos ricos em vitamina C, vitamina A e as carnes que potencializam a absorção do ferro não heme e diminuem o efeito de compostos que dificultam a absorção do ferro como cálcio, fitatos e polifenóis).32
Priorizar carnes brancas e evitar carnes processadas
É importante que o profissional de saúde oriente o consumo diário de algum tipo de carne, com a retirada da gordura aparente para torná-la mais saudável. As vísceras também são importantes fontes de ferro, e seu consumo deve ser recomendado com a frequência de uma vez por semana.1 O consumo regular de peixe, na frequência de uma ou duas vezes por semana, resulta na diminuição do risco de doença coronariana e de acidente vascular cerebral.6 Os peixes são fontes de ácidos graxos essenciais.
As carnes vermelhas, em especial as altamente processadas, associam-se a maior risco de diabetes.33 A substituição de uma porção diária de carne vermelha por uma de oleaginosas (nozes, castanhas), leite magro e grãos integrais pode reduzir em 16 a 35% o risco de diabetes. As carnes vermelhas (em especial as processadas) também estão associadas a maior risco de alguns tipos de câncer (pâncreas e colorretal).34,35
Consumir diariamente leite ou seus derivados
Os laticínios, além de fontes de proteínas, também são fonte de cálcio, micronutriente essencial para diversas funções. De

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