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Capítulo 3 O problema

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32 JUREMA ALCIDES CUNHA
MÓDULO II – Questões Básicas
3
O problema
Jurema Alcides Cunha
Opsicodiagnóstico é um processo, desen-cadeado quase sempre em vista de um en-
caminhamento, que tem início numa consul-
ta, a partir da qual se delineiam os passos do
exame, que constitui uma das rotinas do psi-
cólogo clínico. Entretanto, tal tipo de avalia-
ção decorre da existência de um problema pré-
vio, que o psicólogo deve identificar e avaliar,
para poder chegar a um diagnóstico.
Não obstante, entre a emergência de sinais
ou sintomas precoces e incipientes, nem sem-
pre fáceis de detectar ou de identificar, e a che-
gada à primeira consulta, podem surgir mui-
tas dúvidas, fantasias e busca de explicações,
que retardam a ajuda, podem agravar o pro-
blema e, eventualmente, interferem na objeti-
vidade do relato do caso.
Dizem que “os sintomas estão presentes
quando os limites da variabilidade normal são
ultrapassados” (Yager & Gitlin, 1999, p.694).
Então, se considerarmos a aparente continui-
dade entre ajustamentos que as mudanças de
rotina impõem, os estados emocionais asso-
ciados a acontecimentos da vida diária, as rea-
ções a situações estressantes freqüentes e os
sintomas iniciais de um transtorno mental, evi-
dencia-se a dificuldade de julgar quando se
configura um problema que necessita de uma
avaliação clínica. E tal dificuldade tanto pode
ser sentida pelo sujeito como pelas pessoas que
convivem com o paciente, inclusive por aque-
las que podem ser classificadas como agentes
de saúde mental (como professores, orienta-
dores, padres, médicos, etc.).
Já em 1970, Shaw e Lucas lembravam que
muitos pais hesitam em considerar certo com-
portamento do filho como motivo de preocu-
pação, alegando que muitas crianças podem
apresentá-lo, no que muitas vezes têm razão.
Freqüentemente, é a falta de distinção entre
desajustes ocasionais e prolongados que faz
com que as pessoas confiem no tempo para
que desapareçam. Às vezes, há certa tolerân-
cia quanto a comportamentos que devem ser
superados, seja porque deixaram de ser pro-
porcionais às suas causas, porque uma deter-
minada idade foi ultrapassada, por normas
mais flexíveis do ambiente ou, ainda, porque
alguém da família apresentava os mesmos sin-
tomas na infância.
Quando o problema ocorre com um adul-
to, pode-se verificar uma tendência a enfren-
tá-lo sem ajuda, ou uma tentativa de explicá-
lo em termos de fatores circunstanciais e, as-
sim, talvez resolvê-lo através de mudanças ex-
ternas. De qualquer maneira, desde o surgi-
mento do problema e até a consulta, “a natu-
reza e a expressão dos sinais e sintomas psi-
quiátricos são profundamente alteradas pelos
recursos pessoais, capacidades de enfrenta-
PSICODIAGNÓSTICO – V 33
mento [coping] e defesas psicológicas do pa-
ciente” (Yager & Gitlin, 1999, p.692).
Esta pré-história de um estudo de caso é
importante porque a percepção da dificulda-
de, a gravidade maior ou menor atribuída a
um ou a vários sintomas, as dúvidas sobre a
existência de patologia, a confiabilidade de
quem possa ter sugerido uma avaliação psico-
lógica, para não falar em atitudes preconcei-
tuosas sobre a possibilidade de doença men-
tal, além de outros fatores, tudo pode influir
na dinâmica da interação clínica, na maior ou
menor atitude de colaboração durante a tes-
tagem e na seletividade das informações pres-
tadas. Conseqüentemente, se a consulta foi
precedida de uma fase tumultuada e crítica,
com forte sobrecarga emocional, pode haver
uma facilitação da ocorrência de percepções
distorcidas, de fantasias variadas e de um in-
cremento de defesas dificultando a coleta de
dados.
Cabe, pois, ao psicólogo examinar as cir-
cunstâncias que precederam a consulta, ava-
liar as maneiras de perceber o problema e de-
limitá-lo, atribuindo a sinais e sintomas sua sig-
nificação adequada. Esta não é uma tarefa fá-
cil, principalmente para o psicólogo iniciante.
SINAIS E SINTOMAS
Fala-se em sinais e sintomas na psicologia e na
psiquiatria, mas tal terminologia é oriunda da
medicina. Em sentido lato, tais termos têm uma
acepção comparável nas três áreas. Em geral,
referem-se a sinais, para designar comporta-
mentos observáveis, “achados objetivos” (Ka-
plan & Sadock, 1999b, p.584), enquanto os sin-
tomas são experiências do sujeito, são por ele
sentidos. Entretanto, essa diferenciação se tor-
na vaga ou praticamente inexistente no âmbi-
to da doença mental, porque esta envolve es-
tados internos, psicopatologia subjetiva, difí-
cil de descrever. E, “em comparação com os
transtornos médicos” – salientam Yager e Git-
lin (1999) – “os transtornos psiquiátricos não
podem ser entendidos sem uma completa ava-
liação e compreensão do amplo contexto das
queixas do paciente” (p.694). Por outro lado,
os medos, por exemplo, são sentidos pelo su-
jeito, mas também podem se expressar atra-
vés de comportamentos observáveis.
Parece que, se tomarmos num sentido am-
plo, a distinção torna-se uma questão de pon-
to de vista. Shaw (1977), por exemplo, afirma-
va que “sintoma é um sinal” (p.8), porque se
torna significativo na medida em que eviden-
cia uma perturbação. Então, é considerado
como um sinal de perturbação, que pode pre-
cocemente servir de alerta, mesmo que não
tenha sido registrada qualquer queixa explíci-
ta, isto é, mesmo que não tenha se verificado
a identificação de um sintoma.
Por outro lado, na prática, fala-se em sin-
toma quando parece possível atribuir-lhe
uma significação mais clínica. Pode-se, en-
tão, afirmar “que os sintomas estão presen-
tes quando os limites da variabilidade nor-
mal são ultrapassados” (Yager & Gitlin, 1999,
p.693).
CRITÉRIOS USUAIS DE DEFINIÇÃO
DE UM PROBLEMA
Um problema é identificado quando são reco-
nhecidas alterações ou mudanças nos padrões
de comportamento comum, que podem ser
percebidas como sendo de natureza quantita-
tiva ou qualitativa.
Se, como observam Kaplan e Sadock
(1999b), a maioria das manifestações de trans-
tornos psiquiátricos representa variações de di-
ferentes graus de um continuum entre saúde
mental e psicopatologia, então, na maior par-
te das vezes, as mudanças percebidas são de
natureza quantitativa.
Pode-se falar, em primeiro lugar, em altera-
ções autolimitadas, que se verificariam pela
presença de um exagero ou diminuição de um
padrão de comportamento usual, dito normal.
Tais mudanças quantitativas podem ser obser-
vadas em várias dimensões, como na ativida-
de (motora, da fala, do pensamento), no hu-
mor (depressão vs. euforia), em outros afetos
(embotamento, excitação), etc. Freqüentemen-
te, esse tipo de alterações surge como respos-
ta a determinados eventos da vida, e a pertur-
34 JUREMA ALCIDES CUNHA
bação é proporcional às causas, ficando cir-
cunscrita aos efeitos estressantes dos mesmos.
Não obstante, se sua intensidade for despro-
porcional às causas e/ou tal alteração persistir
além da vigência normal dos efeitos das mes-
mas (por exemplo, no luto patológico), já pode
ter uma significação clínica. Naturalmente,
deve ser considerada a possibilidade de outras
variações, quando uma alteração aparentemen-
te pareceu ser autolimitada, mas reaparece sob
diferentes modalidades, numa mutação sinto-
mática, ou da mesma maneira, repetitivamen-
te, de forma cíclica.
Por certo, esses critérios de intensidade e/
ou persistência podem ser também aplicados
à dimensão desenvolvimento, considerando os
limites de variabilidade para a aprendizagem
de novos padrões de comportamento, para
certos comportamentos imaturos serem supe-
rados, em determinadas faixas etárias. Por
exemplo, o controle definitivo do esfíncter ve-
sical deve ser alcançado, no máximo, ao redor
dos três anos. Então, um episódio de aparente
fracasso em fase posterior não teria maior sig-
nificação, se fosse uma reação a uma situação
estressante. Mas sua persistência já pode re-
presentarum sinal de alerta, justificando-se
uma avaliação clínica.
Note-se que aqui estamos utilizando um
julgamento clínico. Entretanto, sobre questões
de desenvolvimento, há muita coincidência
entre o senso comum e o que é sancionado
pela ciência. A expectativa social, porém, às
vezes, não é corroborada pelas normas e cos-
tumes de uma ou outra família. Nota-se que,
na prática, as famílias podem diferir na deter-
minação de quais são os limites da variabilida-
de normal, por rigidez ou, pelo contrário, por
protecionismo. Isso faz com que determinado
comportamento pareça sintomático num de-
terminado ambiente familiar, mas não em ou-
tro. Por outro lado, nem sempre os problemas
que chamam a atenção da família são clinica-
mente os mais significantes. Num estudo de
80 crianças, realizado por Kwitko (1984), hou-
ve diferença quanto à média dos sintomas in-
formados e a registrada pelos técnicos duran-
te o exame. Por outro lado, as queixas de fami-
liares referiam-se mais a sintomas que pertur-
bavam a rotina da vida cotidiana, ignorando
alguns sintomas mais graves.
Quando as mudanças percebidas são de
natureza qualitativa, habitualmente chamam
a atenção por seu cunho estranho, bizarro, idi-
ossincrásico, inapropriado ou esquisito e, en-
tão, mesmo o leigo tende a associá-las com
dificuldades mais sérias. Apesar disso, ainda
que sejam geralmente tomadas como sinal de
perturbação, eventualmente poderão ser expli-
cadas em termos culturais ou subculturais.
Pode-se afirmar que “um comportamento ou
experiência subjetiva definidos como sintomá-
ticos em um contexto podem ser perfeitamen-
te aceitáveis e estar dentro dos limites normais
em outro contexto” (Yager & Gitlin, 1999,
p.694). Uma manifestação inusitada, do pon-
to de vista qualitativo, deve, assim, ser julgada
dentro do contexto em que o indivíduo está e,
como sintoma, será tanto mais grave se for
compelida mais por elementos interiores do
que pelo campo de estímulos da realidade, que
é praticamente ignorada. Entretanto, é preci-
so ficar bem claro que um sintoma único não
tem valor diagnóstico por si, o que vale dizer
que nenhum sintoma é patognomônico de uma
determinada síndrome ou condição reconhe-
cida. Assim, “todos os sintomas psiquiátricos
devem ser considerados como inespecíficos –
vistos em uns poucos e, mais provavelmente,
em muitos transtornos” (Yager & Gitlin, 1999,
p.694).
Dada a relatividade dos critérios usuais na
definição de um problema, a abordagem cien-
tífica atual para a determinação diagnóstica
advoga o uso de critérios operacionais. É, pois,
necessário que o paciente apresente um certo
número de características sintomatológicas,
durante um certo período de tempo, para ser
possível chegar a uma decisão diagnóstica.
PROBLEMAS PSICOSSOCIAIS E AMBIENTAIS:
ACONTECIMENTOS DA VIDA
O conceito de estresse, termo cunhado no
âmbito da pesquisa endocrinológica, pela me-
tade do século XX, teve o seu sentido extrema-
mente expandido para explicar, de um modo
PSICODIAGNÓSTICO – V 35
geral, “a relação entre o indivíduo e o ambien-
te e se comprovou particularmente útil duran-
te a Segunda Guerra Mundial” (Klerman, 1990,
p.34).
Na realidade, pode-se dizer que a impor-
tância atribuída ao estresse, no campo da saú-
de mental, é de certa maneira herdada do con-
ceito de crise que, originário de investigações
com sobreviventes de desastres, por vezes de
grandes proporções, resultou aplicável a uma
grande variedade de situações pessoais. Atual-
mente, crise se refere mais a uma reação, as-
sociada à especificidade de uma situação ou
fase, e envolve uma perturbação, relacionada
com a dificuldade de manejá-la pelos meios
usuais. Pode-se afirmar que o conceito de crise
é extremamente útil em termos de diagnósti-
co, especialmente para o entendimento do fun-
cionamento psicológico do indivíduo em pon-
tos nodais do desenvolvimento, por exemplo.
Já a ênfase do conceito de estresse pare-
ce que está no impacto, no fato de se consti-
tuir como um fator potencial para conse-
qüências futuras, que podem variar em ter-
mos do poder do estressor e da vulnerabili-
dade do sujeito.
Durante a Segunda Guerra Mundial, foram
desenvolvidos extensos projetos para pesqui-
sas sobre “o papel do estressor como um pre-
cipitador da doença mental” (Klerman, 1990,
p.34). A comprovação supostamente encontra-
da pelas observações de estressores em situa-
ções de guerra foi aplicada a estressores civis e
caiu como uma luva no ambiente de insatisfa-
ção da comunidade psiquiátrica da época com
o modelo médico, que adotou a pressuposi-
ção teórica de um continuum de saúde men-
tal-doença mental, dando ao impacto provo-
cado pelo estresse a significação de um fator-
chave para o desenvolvimento de transtornos
mentais.
Ainda no DSM-III-R (APA, 1987), que já com-
portava a avaliação multiaxial, havia a orienta-
ção de avaliar a gravidade da ocorrência de
estresse, no ano anterior, quanto ao “desen-
volvimento de um novo transtorno mental”, à
“recorrência de um transtorno mental anterior”
e quanto à “exacerbação de um transtorno
mental já existente” (p.18).
Dado o rigor científico introduzido nas pes-
quisas sobre estresse, poucos cientistas assu-
miriam hoje em dia uma posição tão extrema-
da. Ainda se mantém como um conceito extre-
mamente importante, no que se refere a duas
categorias diagnósticas, o Transtorno de Estres-
se Agudo e o Transtorno de Estresse Pós-trau-
mático. Ademais, o Eixo IV do DSM-IV (APA,
1995) ainda é reservado para “o relato de pro-
blemas psicossociais e ambientais que podem
afetar o diagnóstico, tratamento e prognósti-
co dos transtornos mentais”, especificados nos
Eixos I e II (p.30).
Por exemplo, embora pesquisas salientem
a existência de uma associação entre fatores
socioeconômicos e esquizofrenia, “poucos te-
óricos sustentam, atualmente, que um ambien-
te socioeconômico fraco causa esquizofrenia,
mas poucos duvidam que este tem um efeito
importante sobre o seu curso” (McGlashman
& Hoffman, 1999, p.1035).
A AVALIAÇÃO DA PSICOPATOLOGIA*
Num sentido lato, psicodiagnóstico consiste,
sobretudo, na identificação de forças e fraque-
zas no funcionamento psicológico e se distin-
gue de outros tipos de avaliação psicológica
de diferenças individuais por seu foco na exis-
tência ou não de psicopatologia.
Falando em psicopatologia, é bom lembrar
que pesquisadores nessa área têm destacado
modelos de psicopatologia utilizados. Referem-
se ao modelo categórico e ao modelo dimen-
sional (Dobson & Cheung, 1990).
O modelo categórico, de enfoque qualita-
tivo, exemplifica-se pelo julgamento clínico
sobre a presença ou não de uma configuração
de sintomas significativos. Já o modelo dimen-
sional, de enfoque quantitativo, exemplifica-
se pela medida da intensidade sintomática.
Tradicionalmente, o psiquiatra tem dado
mais ênfase ao modelo categórico, embora
*Grande parte deste tema foi apresentado pela autora,
no VIII Congresso Nacional de Avaliação Psicológica,
Porto Alegre, 1999.
36 JUREMA ALCIDES CUNHA
cada vez mais não ignore a importância do
modelo dimensional. Já o psicólogo, na práti-
ca, costuma dar ênfase ao modelo dimensio-
nal. Na realidade, avaliar diferenças individuais
envolve algum tipo de mensuração. Além dis-
so, o enfoque quantitativo oferece fundamen-
tos para inferências com um grau razoável de
certeza. Mas o psicólogo utiliza, também, o
modelo categórico. Na maioria das vezes, po-
rém, associa o enfoque quantitativo e o quali-
tativo, no desenvolvimento do processo psico-
diagnóstico, utilizando estratégias diagnósti-
cas (entrevistas, instrumentos psicométricos,
técnicas projetivas e julgamento clínico) para
chegar ao diagnóstico.
É evidente que, conforme o objetivo, o pro-
cesso diagnóstico terá maior ou menor abran-
gência, adotará um enfoque mais qualitativo
ou mais quantitativo, e, conseqüentemente, o
elenco deestratégias ficará variável no seu
número ou na sua especificidade.
Embora o psicodiagnóstico tenha um do-
mínio próprio, o seu foco na existência ou não
de psicopatologia torna essencial a manuten-
ção de canais de comunicação com outras
áreas, precisando o psicólogo estar atento para
questões que são fundamentais na determina-
ção de um diagnóstico.
TRANSTORNOS MENTAIS E
CLASSIFICAÇÕES NOSOLÓGICAS
Se abrirmos o Novo Dicionário Aurélio (Ferrei-
ra, 1986), na página 1.703, vamos encontrar que
transtorno é sinônimo de perturbação mental.
Entende-se que se pode categorizar, como tal,
uma diversidade de condições, que se situam
entre o que se costuma caracterizar como nor-
malidade e patologia. Portanto, é uma expres-
são menos compatível com a antiga concep-
ção de doença mental. Não obstante, temos
de convir que, semanticamente, bastaria o ter-
mo transtorno, embora a sua significação não
modificasse a crítica feita à expressão transtorno
mental, que, “infelizmente, implica uma distin-
ção entre transtornos ‘mentais’ e transtornos ‘fí-
sicos’, que é um anacronismo reducionista do
dualismo mente/corpo” (APA, 1995, p.xx).
No DSM-IV (APA, 1995), é reapresentada a
definição de transtorno mental que foi incluí-
da no DSM-III e no DSM-III-R, não por parecer
especialmente adequada, mas “por ser tão útil
quanto qualquer outra definição disponível”
(p.xxi).
Na tradução brasileira dessa classificação,
consta que transtorno mental pode ser con-
ceituado “como uma síndrome ou padrão com-
portamental ou psicológico clinicamente im-
portante, que ocorre no indivíduo”, registran-
do-se, a seguir, “que está associado com sofri-
mento (...) ou incapacitação (...) ou com um
risco significativamente aumentado de sofri-
mento atual, morte, dor, deficiência ou perda
importante da liberdade” e, ademais, “não
deve ser meramente uma resposta previsível e
culturalmente sancionada a um determinado
evento, por exemplo a morte de um ente que-
rido”. Além disso, independentemente da cau-
sa original, “deve ser considerada no momen-
to como uma manifestação de uma disfunção
comportamental, psicológica ou biológica no
indivíduo” (p.xxi). Comportamentos socialmen-
te desviantes não são considerados transtor-
nos mentais, a não ser que se caracterizem
como sintoma de uma disfunção, no sentido
já descrito.
A partir dessa conceituação, vê-se que é cla-
ra a exigência de uma associação com sofri-
mento ou incapacitação ou, ainda, com risco
de comprometimento ou perda de um aspec-
to vitalmente significante. Em segundo lugar,
fica evidente que os sintomas devam ser com-
portamentais ou psicológicos, embora possa
haver uma disfunção biológica. Em terceiro
lugar, esse conceito descaracteriza os serviços
e os membros da comunidade de saúde men-
tal como agentes de controle social, no mo-
mento em que considera que um conflito en-
tre indivíduo e sociedade pode ser identifi-
cado como um desvio, condenável pelos pa-
drões sociais, mas que, por si, não é tido
como transtorno mental, a menos que, ao
mesmo tempo, constitua o sintoma de uma
disfunção.
Essa caracterização de transtorno mental é
apresentada pelo DSM-IV, que é a edição mais
recente da classificação oficial nos Estados
PSICODIAGNÓSTICO – V 37
Unidos. Depois de muitas modificações em re-
lação à abordagem e classificação da psicopa-
tologia, durante o século XX, o DSM-IV recapi-
tulou o conceito de transtornos distintos, mas
com um enfoque “ateórico com relação às cau-
sas” (Sadock & Kaplan, 1999, p.727). O mode-
lo pode ser considerado categórico, mas a clas-
sificação nosológica passou a se basear em cri-
térios operacionais ou critérios diagnósticos es-
pecíficos, que constituem “uma lista de carac-
terísticas que devem estar presentes para que
o diagnóstico seja feito” (Sadock & Kaplan,
1999, p.727). Isso não pressupõe “que todos
os indivíduos descritos como tendo o mesmo
transtorno mental são semelhantes em um
grau importante” (APA, 1995, p.xxi).
O DSM-IV prevê a possibilidade de uma ava-
liação multiaxial, sendo que toda a classifica-
ção dos transtornos mentais consta nos Eixos I
e II. O Eixo III prevê a inclusão de transtorno
físico ou condição médica adicional. O Eixo
IV é reservado para o registro de problemas
psicossociais e ambientais, e no Eixo V é fei-
to o julgamento do nível geral de funciona-
mento do paciente, conforme a Escala de Ava-
liação Global de Funcionamento (vide APA,
1995, p.33).
O DSM-IV é compatível com a classificação
utilizada na Europa, a CID-10, desenvolvida
pela Organização Mundial da Saúde (OMS,
1993). “Todas as categorias usadas no DSM-IV
são encontradas na CID-10, mas nem todas as
categorias da CID-10 estão no DSM-IV” (Sado-
ck & Kaplan, 1999, p.727).
Para quem trabalha com psicodiagnóstico,
é essencial a familiaridade com os sistemas de
classificação nosológica, já que a nomenclatu-
ra oficial dos transtornos é extremamente útil
na comunicação entre profissionais, além do
fato de que outros documentos, como atesta-
dos, além de laudos, podem exigir o código do
transtorno de um paciente. Confira cuidado-
samente todos os critérios a partir de suas hi-
póteses diagnósticas, pondere bem sobre
todas as características do caso, examine o que
diferencia o caso de outros transtornos e te-
nha em mente critérios usados para a exclusão
de outros diagnósticos (Consulte o capítulo Uso
do Manual, no DSM-IV, bem como Sadock &
Kaplan, 1999, p.737).
	Cap_03

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