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Direito Administrativo I 2013 09 23(1)

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Direito Administrativo I
Prof. Gustavo Binenbomj
Aula 2 – 23/09/2013
Alunos: Ana Luiza, Daniel Soares e Maria Clara.
Vamos dar seguimento a esse conjunto de 3 ou 4 aulas iniciais sobre o objeto, o conceito da disciplina e os fundamentos daquilo que se convencionou chamar de regime jurídico administrativo. Pois esse é o primeiro conceito que eu apresento a vocês sobre o qual eu não falei na aula passada. Nós vimos que Direito Administrativo é uma disciplina que tem por objeto de estudo a chamada função administrativa do Estado. Evidentemente se trata aqui de uma redução para fins didáticos porque no amplo leque, leque bastante complexo de competências desempenhadas pelo Estado no mundo contemporâneo nem sempre é possível com total nitidez se identificar e se apartar, separar a função administrativa de um conjunto amplo de funções que nós pela tradição ligada a um principio de separação de poderes, chamamos de função legislativa e função jurisdicional do Estado.
Mas para fins de didáticos e de primeira abordagem da disciplina, todo aluno deve compreender que o objeto de estudo do Direito Administrativo é centrado na ideia de função administrativa. Nós até fizemos aquela distinção no final da aula passada entre a expressão administração pública da expressão Administração Pública. A primeira expressão designa o conceito objetivo, operacional, funcional e por isso é quase sinônimo de função administrativa do Estado, aquilo que o velho administrativista brasileiro, cuja obra vem sido atualizada, o Prof. Miguel Seabra Fagundes, definia como: “Administrar é aplicar a lei de ofício, é cumprir os ditames legais independentemente de provocação com vista ao atendimento do interesse da coletividade.” Nesse sentido a administração pública se confunde com a função administrativa e constitui o cerne do objeto de estudo do Direito Administrativo. Já a segunda expressão, Administração Pública, com letras maiúsculas, designa um aspecto subjetivo, estrutural, organizacional do Direito Administrativo e se confunde com o conjunto de órgãos e entidades criados pelo Direito para desempenhar as tarefas administrativas. Então quando eu me refiro a Administração Pública, eu estou me referindo ao conjunto de órgãos e entes incumbidos pela lei de realizar, de desempenhar funções administrativa.
Vimos também na aula passada que não há uma coincidência total (??? 05:09) entre o objeto do Direito Administrativo e as funções típicas do poder Executivo, embora o poder Executivo seja encarregado precipuamente, primariamente, principalmente de exercer essas funções, por isso o Direito Administrativo envolve em grande quantidade normas que tratam da disciplina, da organização e do funcionamento do poder Executivo, mas todos nós sabemos que a função administrativa que é típica, que é característica do poder Executivo também é desempenhada residualmente, atipicamente pelos demais poderes do Estado: poder judicante, poder jurisdicional, poder Judiciário e pelo poder Legislativo, assim como também pelos chamados órgãos constitucionalmente autônomos, que na Constituição de 88 assumiram essa função – Ministério Público e os Tribunais de Contas. 
Então embora o Direito Administrativo cuide primariamente de normas que organizam e disciplinam o funcionamento do poder Executivo, ele se espraia, ele alcança todos os poderes do Estado naquilo que diz respeito a tarefas, a funções que possam ser enquadradas naquilo que é de função administrativa. 
E é nesse sentido que nós tentamos aqui nesse primeiro quadro sintetizar os conteúdos estudados pelo Direito Administrativo sob o ponto de vista da ciência do Direito Administrativo são estudados sob o ponto de vista do Direito Administrativo positivo são matérias disciplinadas por normas de Direito Administrativo. Que matérias são essas, que conteúdos são esses? 
Em primeiro lugar a organização da estrutura e a disciplina do funcionamento dos órgãos e entidades administrativas. Como a gente disse, estamos falando aqui da Administração Pública, de letras maiúsculas, que abarca principalmente órgãos e entidades do Poder Executivo, mas não é incorreto dizer que existe uma Administração Pública do poder Legislativo, do poder Judiciário, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas. Ministério Público eu me refiro no singular, porque é uma instituição uma, embora exista o Ministério Público da União e o Ministério Público dos Estados, e aos Tribunais de Contas no plural porque existe um Tribunal de Contas da União com autonomia administrativa e financeira próprias, e Tribunais de Contas dos Estados.
Em segundo lugar, define funções, delimita competências, estabelece os fins da administração pública, ou seja, é um direito que trata da administração pública, com letras minúsculas, tem um aspecto objetivo, funcional, operativo. O que é administrar, qual é o conteúdo dessa função que o Direito Administrativo vai atribuir aos órgãos e entidades do Estado e quais os fins que serão perseguidos por esses órgãos e entidades estabelecidos nessas normas de Direito Administrativo? A resposta é: depende, depende da forma de administração do Estado presente em cada Constituição, depende da evolução democrática de cada sociedade que tem de fazer escolhas através dos seus representantes eleitos ou através de mecanismos de democracia direta. Depende do conteúdo do direito positivo democraticamente estabelecido que cria os órgãos e entidades e comete a esses órgãos e entidades poderes, que para o Direito Administrativo são competências vinculadas a determinados fins de interesse público.
Finalmente, a relação entre órgãos e entidades, funções administrativas desses órgãos e entidades e os particulares. O Direito Administrativo não é um direito puramente do Estado, é um direito que faz a interface, a relação entre o Estado e a sociedade civil, entre a Administração Pública e os particulares. De que forma o Estado pode fiscalizar e aplicar sanções aos particulares, de que forma o Estado pode restringir o direito de ir e vir das pessoas, o direito de propriedade das pessoas, em que circunstancias o Estado pode até suprimir o direito de propriedade por meio de um instituto chamado desapropriação? Tudo isso está nessa relação, nesse conceito relacional entre Estado e sociedade que também é disciplinado pelo Direito Administrativo. 
Todo o Direito Administrativo cuidará no seu cerne desses três conteúdos: como é que se organiza a estrutura, como é que se disciplina a atuação, a operação, a aplicação da lei ao caso concreto e como é que os particulares devem se comportar diante do poderio estatal, como é que os particulares tem seus direitos ora restringidos, ora protegidos diante das funções que o Estado tem a desempenhar por força da vontade dos próprios cidadãos expressa nas leis da República.
Chegamos a esses três conteúdos essenciais, fundamentais do Direito Administrativo a partir de uma ideia de Direito Administrativo que é filha do liberalismo político. Vimos na aula passada que o Direito Administrativo tem o seu surgimento e o seu desenvolvimento, pelo menos o seu desenvolvimento embrionário, talvez a gente possa dizer aqui o desenvolvimento que na Europa Continental se dá ao longo do séc. XIX, até o Direito Administrativo adquirir autonomia cientifica, uma identidade disciplinar, é uma disciplina jurídica que tem categorias e institutos próprios. Demorou muito tempo para a gente falar em contrato administrativo como uma categoria distinta da teoria geral dos contratos do Direito Civil, demorou muito para se estudar o ato administrativo como uma categoria destacada da teoria geral dos atos jurídicos que nós herdamos do Direito Civil. Desapropriação – mas como é possível suprimir o direito de propriedade de um particular sem o seu consentimento? Tudo isso era algo muito novo, muito estranho até meados do séc. XIX e o Direito Administrativo é que vai dar uma contribuição para se exigir uma racionalidade jurídica a esses institutos que até então simplesmente não existiam.
No mundo anglo-saxônico, Inglaterrae EUA, só muito tempo depois as faculdades começaram a estudar o Direito Administrativo e ensinar aos bacharéis o Direito Administrativo, por uma razão muito simples: resistiu-se muito naqueles países a admitir a existência de um direito diferenciado para a Administração Publica daquele aplicável às relações entre particulares. Isso era considerado algo arbitrário e autoritário porque o que se dizia era que a Administração Pública, que o Estado deveria estar sujeito não apenas as mesmas leis, mas também aos mesmos juízes que julgavam os litígios entre os particulares. Todo o Direito Administrativo que nós herdamos da nossa colonização ibérica é a antítese disso, o Direito Administrativo que nós aprendemos, e estudamos, e praticamos até hoje no Brasil é o Direito Administrativo da diferenciação do direito privado. As normas do Direito Administrativo quase que se definem, adquirem uma identidade própria a partir do seu caráter derrogatório, do seu caráter exorbitante do direito privado. O que é algo que exorbita? É algo que ultrapassa algo que não se mantém nas balizas, algo que não se mantém aprisionado aos conceitos, aos limites do direito privado.
O exemplo que eu acabei de dar é um exemplo ótimo para a compreensão do caráter diferenciado do Direito Administrativo em relação ao direito privado – comparem, por favor, um instituto típico do Direito Civil, que é a compra e venda de um bem qualquer, e outro instituto típico do Direito Administrativo que é a desapropriação. No que é que eles se distinguem? Em diversos aspectos, mas no essencial um contrato é fruto de um acordo de vontades sobre o querer realizar a compra e venda o objeto da compra e venda e seu preço. A desapropriação é o oposto disso, o Estado tem que identificar um determinado interesse da sociedade que supere o interesse do proprietário em manter-se proprietário e fixar um preço considerado justo à luz das regras do mercado e impõe unilateralmente a sua vontade ao particular, que ainda que não deseje alienar o seu bem, tem que se submeter a vontade estatal, ao poderio estatal. Então essa é a característica fundamental do Direito Administrativo, é uma palavra que existe em espanhol, em francês, mas em português não tem uma tradução tão clara, vocês vão ver nos livros que essa palavra é quase que um neologismo, chama potestade estatal. Potestade é o que o Estado pode fazer e os particulares não podem – poderio do Estado diante dos particulares, e essa é a nota característica do Direito Administrativo.
Como nós vimos na aula passada, o surgimento e o desenvolvimento embrionário do Direito Administrativo ao longo do séc. XIX na Europa Continental e só no séc. XX no mundo anglo-saxônico, nas duas grandes famílias do direito universal é associado ao liberalismo político, as conquistas das revoluções liberais, a afirmação por um lado do Estado de Direito, a subordinação da Administração Pública à vontade da lei, a ideia de juridicização do poder, de captura do poder pelo Direito e de outro lado a ideia de separação dos poderes, quer dizer, você tendo a repartição funcional das tarefas estatais, do poder do Estado, você consegue apartar a função administrativa por aproximação das funções legiferante e jurisdicional. E aí o que se tem é a ideia de que o Direito Administrativo é a subordinação da função administrativa aos comandos da lei sob a fiscalização do poder Judiciário. Quer dizer, toda vez que a administração se desvincular ou pretender se divorciar da vontade da lei, o cidadão se manifesta dizendo que há uma ação judicial e que o poder Judiciário vai garantir a fidelidade, a subordinação da administração pública aos comandos da lei. A ideia básica para o Direito Administrativo: criar um sistema que o Estado de Direito e separação de poderes garantam que o Estado existirá em função da vontade dos cidadãos expressa na lei, garantida por um Judiciário independente que vai assegurar a aplicação da lei toda vez que a Administração Pública pretender dela se afastar. 
Não parece a vocês que tem alguma coisa fora do lugar nessa história? De um direito que baseado na vontade superior do Estado, na potestade estatal, no poderio do estado que se impõe ao cidadão, por exemplo, tomando e (? 18:50) unilateralmente sua propriedade privada, limitando seus direitos de liberdade, de propriedade, impondo tarefas aos cidadãos, criando o campo do direito público fiscal, criando as ações, que são obrigações pecuniárias que os cidadãos tem que pagar ao Estado. Não tem alguma coisa estranha, quer dizer, um direito fundamentalmente ligado a preservação da lógica da autoridade estatal, normas derrogatórias do direito privado, que é um direito pautado na igualdade entre os particulares, enquanto que o Direito Administrativo é fundado na desigualdade entre o cidadão e o Estado. Tem alguma coisa nessa história que não soava plausível. 
Quando se vai verificar efetivamente como é que as normas de Direito Administrativo foram construídas, não a partir da imaginação dos juristas, mas a partir da investigação dos cientistas políticos, dos sociólogos, a gente vê que o Direito Administrativo pode ser associado a essa lógica do liberalismo como uma espécie de ideal utópico a ser acalcando. A ideia de utopia lá do Erasmo de Roterdã pode ser comparada com aquela linha do horizonte – o sujeito dá um passo pra frente e a linha do horizonte dá um passo pra trás, porque o objetivo da linha do horizonte não é ser alcançada, é fazer o cara andar pra frente. Talvez isso daqui seja o que os cientistas políticos chamam de hipótese contrafática do Direito Administrativo, mas na realidade a historia tal como ela se construiu ao final do séc. XVIII, ao longo do séc. XIX e até os nossos dias é uma história muito mais complexa. Se a gente vai a França pós-revolucionária, pós- Revolução Francesa, o que aconteceu na Revolução Francesa? Os cidadãos saíram as ruas, todos são iguais, abolição dos privilégios das classes dominantes, abaixo a nobreza, os nobres dominavam o poder Judiciário... Segue-se a isso anarquia, o terror do Robespierre e a ditadura de Napoleão Bonaparte, tanto que a revolução do povo mesmo só vai acontecer muito tempo depois no séc. XIX, na França. E essas conquistas não são conquistas imediatas, não há uma virada histórica com a Revolução Francesa, existe uma contra-Revolução dentro da Revolução, e aí dentro dessa contra-Revolução surge o Direito Administrativo. 
Como é que ele surge? O que eu quero dizer com isso – como é que surgem as normas de Direito Administrativo? A norma de agir, norma agendi da Administração Pública. Não é do direito legislado, o direito legislado existiu na França, por exemplo, Código Civil Napoleônico, surgiu na era das grandes codificações, cadê o Código de Direito Administrativo? Não existiu como não existe até hoje. Onde é que foram sendo catalogadas essas normas? Como é que elas foram sendo construídas? É preciso então entender essa lógica do Estado francês que se reproduz em quase todos os países da Europa Continental, que vai também se reproduzir nas colônias desses países – na África e na América Latina. Que lógica é essa? Na França, as normas de Direito Administrativo, em sua grande maioria, surgem da criação jurisprudencial de um órgão de cúpula do Poder Executivo que era o chamado Conselho de Estado. 
O que é esse Conselho de Estado? Não existe nada parecido nos países ligados a tradição anglo-saxônica. Conselho de Estado era uma organização situada no topo do poder Executivo francês que era encarregada de dar a ultima palavra, ou seja, de dizer o direito, portanto, de jurisdizer, o exercícios da jurisdição – dizer o direito ao caso concreto. Encarregado de dizer o direito, em caráter definitivo, de todo e qualquer conflito que envolvesse a Administração Pública de um lado e o particular do outro lado. Alguém vai dizer: “ah professor, mas você está superestimando a importância desse Conselho de Estado”. Por que ele é tão importante? Ele é tão importante porque o Conselho de Estado, ele exerce as suas funções com tamanha liberdadeem relação ao poder Legislativo e ao poder Judiciário que ele acaba se tornando a pedra de toque do Direito Administrativo francês – ele é um órgão não apenas criador das normas, mas aplicador dessas normas em qualquer conflito entre Administração e particulares. 
Exemplo, para voltar a um exemplo que é talvez o mais claro do poderio estatal. Não havia uma norma legal que dissesse que a Administração pode, diante de uma razão de interesse público, suprimir a propriedade privada, adquirir essa propriedade mediante a uma compensação ao particular, não havia. O que se dizia era: se o particular concordar, resolve como uma compra e venda. Se não concordar, Conselho de Estado resolve. O que fez o Conselho de Estado? Criou o instituto da desapropriação. O instituto da desapropriação que é um parente distante do confisco estatal. Todas as ordenações que existiam no Brasil permitiam o confisco de bens de pessoas que não eram católicas: judeus, mouros – estavam todos sujeitos a mesma norma geral. Chegou o Príncipe Regente (PR), quando chegou a família real o povo brincava que significava Ponha-se na Rua. Era um modo de desapropriação sem pagamento de indenização. O que fez o Conselho de Estado? Criou um instituto jurídico chamado de desapropriação, dando ele, de um lado, um caráter de instrumento da realização do interesse público, que ali se construiria uma rua, um hospital público, uma escola. Mas, por outro lado, preservando, em alguma medida, o direito do particular o que se dá ou que se dava como pagamento de uma compensação, que depois nós chamaríamos de uma justa indenização.
Da onde o Conselho de Estado tirou isso? Da lei? Foi construção jurisprudencial. Foi assim com o poder de polícia, foi assim com conceito de serviço público, com o conceito de ato administrativo, com as categorias e os institutos fundamentais do direito administrativo. 
Qual era a importância disso? Foi se criando, ao longo dos anos, um conjunto de normas que só poderiam ser algo distinto do direito particular, do direito privado. Se o direito privado é baseado na igualdade entre as partes e na autonomia da vontade das partes, o direito administrativo era baseado na desigualdade das partes e na supremacia do interesse público sobre os interesses dos particulares. Esse é o direito administrativo real. E se você tem um órgão que é capaz de criar o direito para além da lei e às vezes até contra lei praeter legem ou até contra legem. E este órgão tem um poder de jurisdizer, de aplicar, de empregar a jurisdição, então em caráter definitivo como órgão de cúpula do Poder Executivo entra em qualquer conflito entre o Estado Francês e os particulares, este órgão também exerce, além da legislação, exerce também a jurisdição. 
Ora, o órgão que exerce além de funções administrativas como é do próprio Poder Executivo e é do próprio Poder Executivo, em geral, mas também legisla e judica e exerce a jurisdição. Isso é a antítese de qualquer ideia de separação de poderes, isso é uma enorme concentração de poderes. Isso é uma concentração de poderes própria do antigo regime dos Estados Absolutistas. Talvez o direito administrativo tenha surgido daí como um discurso de legitimação dos governos pseudoliberais que se seguiram às Revoluções Liberais do final do século XVIII. Mas não é possível se com honestidade intelectual se dizer que o direito administrativo surge milagrosamente com o propósito liberal de limitação do poder e democrático de subordinação do poder do Estado à vontade dos cidadãos, não é assim que ele se constrói. Existiam razões relevantes para isso. A primeira razão: os revolucionários franceses desconfiavam muito do Poder Judiciário da França, porque ele sempre foi tomado pelos nobres e entregar a jurisdição ao Poder Judiciário significava quase que colocar a raposa para tomar conta do galinheiro. É claro que eles não queriam continuar isso e, ao mesmo tempo, temiam as massas que a ideia liberal básica era de contenção de poder e se a Administração tivesse totalmente subordinada a lei, evidentemente, ninguém sabia aonde isso poderia chegar. 
Então, o que acontece, pelo menos, nesse momento inicial. Não estou dizendo que a história do direito administrativo sempre foi essa. Não estou me filiando a nenhuma concepção historicista específica como particípio, estou apenas tentando uma visão realista, sincera da história para que vocês entendam como direito administrativo se formou, compreendam como ele evoluiu, ao longo dos anos, e como ele ainda pode evoluir daqui pra frente. Nosso estágio no Brasil é um estágio intermediário, e esse processo é um processo com avanços e retrocessos. Ora surge uma lei de transparência administrativa, Lei de Acesso a Informação (Lei 12527/2011). A lei de processo administrativo de 1999 (Lei 9784/99) é uma das melhores leis de processo administrativo do mundo, mas o Brasil continua praticando, por exemplo, uma lei geral de desapropriação de 1941 (Decreto-Lei 3365/1941) que é um decreto-lei editado pelo ditador Getúlio Vargas em 1941 com o Congresso fechado. É um conjunto de institutos ainda muito autoritário, que vai ser infiltrado pela Constituição de 1988, mas convive com um ambiente totalmente diferenciado daquele que o decreto-lei de 1941 foi editado.
Desse confronto entre ideais a serem perseguidos, parcialmente alcançados e a história do direito administrativo, o legado desse confronto entre ideais e realidade foi a construção de um regime jurídico administrativo que é um regime jurídico aplicável a Administração Pública e suas relações entre os particulares. Um regime fundado basicamente na preservação da lógica da autoridade estatal, muito mais do que preocupado com a proteção de direitos, a promoção de direitos individuais, coletivos, direitos sociais. O direito administrativo tem uma estrutura instrumental ao poder. O que eu quero dizer com isso? Fundamentalmente ele está preocupado em viabilizar o exercício do poder. Isso é importante. Não é possível ter um Estado que seja um tubarão sem dentes, ou não é possível um Estado que possa exercer, por exemplo, jus puniendi na esfera administrativa que se requer que o Estado, por exemplo, combata degradação ambiental sem que ele tenha na ponta da cadeia o poder de aplicar pesadas sanções sobre presos. Não é possível ordenar o trânsito, infelizmente, apenas com campanhas de educação, é necessário que o Estado tenha o poder sancionatório. A disciplina da vida coletiva exige autoridade, mas o ponto fundamental aqui é que desde sua formação o direito administrativo é pautado pela lógica da autoridade. E esta lógica da autoridade criou institutos que dão ao Estado-administração o poder muito amplo, a tal ponto dessas características serem consideradas essenciais a própria identidade do direito administrativo. É, nesse sentido, que a gente fala que o regime jurídico administrativo é um conjunto de normas derrogatórias ou exorbitantes do direito privado, fundadas na atribuição de prerrogativas especiais a Administração Pública. 
Exemplo: (o aluno fala de prazo prescricional que é diferente para a Administração Pública. O professor dá o conceito de prescrição: é o fato jurídico decorrente da passagem do tempo que opera a extinção de pretensões do credor em face do devedor). O professor então corrige o aluno dizendo que na relação da Administração com particulares em juízo, a Administração goza de prerrogativas diferenciadas, por exemplo, o prazo para a Administração contestar qualquer ação é o prazo contado em quádruplo e para recorrer de qualquer decisão o prazo é contado em dobro. É uma norma prevista no art. 188 do CPC. Como se justifica esta norma? Do ponto de vista do princípio da isonomia, da isonomia formal ela seria inadmissível, seria possível explicar e assim que eu explico, do ponto de vista da isonomia material, a Administração Pública é onipresente, tem processos espalhados, a União, por exemplo, pelo Brasil inteiro. Há uma dificuldade de gestão nesse acervo, os órgãos da Advocacia Pública não são totalmente estruturados e por isso sedá um prazo maior para a Administração coletar informações, apresentar sua defesa, suas contestações num prazo quatro vezes maior que o particular e seus recursos num prazo duas vezes maior. 
O direito administrativo não explica essa norma dessa maneira, ele diz: existe um princípio maior situado no cerne do regime jurídico administrativo que é o princípio da supremacia do interesse público sobre os interesses dos particulares. Quando o Estado litiga com o particular em juízo, este princípio da supremacia do interesse público se desdobra numa norma processual específica que é essa norma que confere o prazo em dobro para recorrer e prazo em quádruplo para a Administração Pública contestar pedido de particulares. Então essa é uma lógica típica dessa ideia de direito administrativo fundada na preservação da autoridade estatal, quer dizer, o Estado defende o interesse de todos e se o interesse de todos goza de supremacia sobre o interesse de cada um, o Estado em juízo deve ter um prazo muito maior para que o interesse de todos prevaleça sobre o interesse de cada um. O quádruplo para contestar, o dobro para recorrer e assim por diante. 
Ele começa a partir de uma pergunta inaudível de um aluno falar do regime precatório. Se qualquer particular não paga uma dívida decorrente de uma condenação judicial, o que o credor pode pedir? Partir para um processo de execução, em geral, penhora de bens do patrimônio do devedor e com a penhora desses bens, o juiz vai lá separa constrição judicial, penhora é a segregação de um bem do patrimônio do devedor para satisfação do credor. Essa possibilidade não existe em face do poder público, esta também é uma prerrogativa especial. O poder público inscreve suas dívidas no seu orçamento e deve ter a prerrogativa de pagar no ano seguinte ao trânsito em julgado de uma sentença condenatória que lhe seja desfavorável.
 E aí há inúmero outros exemplos. Se vocês pensarem no regime do serviço público. O serviço público é a atividade de entrega de prestações materiais que o Estado faz aos particulares. A todo um regime jurídico próprio dos serviços públicos baseado na ideia de que os serviços públicos são totalmente diferentes da atividade econômica privada. A ideia de serviço público é baseada nessa diferenciação das atividades econômicas privadas. 
O poder de polícia do Estado dá ao Estado uma série de privilégios, de prerrogativas, de fiscalização, de posição unilateral de vontades sobre os particulares que é algo típico de um conjunto normativo voltado para preservação da autoridade estatal sobre os particulares. 
Pergunta que eu faço a vocês é a seguinte: qual a consequência prática na ideia que vocês fazem dessa história do direito administrativo da criação de um direito baseado na lógica da autoridade, da preservação da autoridade estatal sobre os direitos dos particulares? Vocês acham que, ao longo do tempo, aconteceu com o direito administrativo? 
Respostas inaudíveis. 
Para que essa noção serve? Como ela pode servir de instrumento para limitar direitos individuais? 
(resposta de um aluno) Tem a ver com a relação do interesse público primário.
Ele pega um gancho de um aluno e começa a falar. Se você pega os regimes autoritários da América Latina do século XX, todas elas partiram do exercício do poder não do Parlamento, não pelos juízes, o poder pelo Poder Executivo, através do direito administrativo. É pra quem tem interesse, eu recomendo, é uma leitura rápida de 15 a 20 minutos. É uma conferência que virou um artigo. Tá na internet. O maior administrativista do Brasil até o surgimento do professor Celso Antônio Bandeira de Melo na década de 1980, o professor Heli Lopes Meirelles. O professor Heli Lopes Meirelles era o maior administrativista do Brasil que trabalhou no DOPS. Como assim? Direito administrativo era isso. Ele escreveu esse artigo de 1972 de uma conferência proferida na Escola Superior de Guerra chamado de “Poder de Policia e a doutrina da Segurança Nacional”. A parit da ideia de que o poder de polícia do Estado é o poder reconhecido ao Estado de limitar direitos individuais em nome do interesse coletivo, do interesse público. Ele associava esse interesse público a ideia de Segurança Nacional, de combate ao inimigo externo e interno que era a subversão. Com base nesse poder, ele justificava todas as medidas arbitrárias que o governo autoritário militar começou no Brasil em 1964. Por exemplo, censura. O que é a liberdade de expressão individual diante do interesse coletivo, de preservar a moralidade da educação das nossas crianças e adolescentes, a preservação da democracia contra a propaganda comunista e a preservação da lógica de poder do regime em face de ameaças da oposição. Com isso, ele justificou todo regime de censura estatal oficial, regendo o Brasil até o final dos 1980. 
Por que isso? De onde vem isso? De uma noção distorcida de interesse público, de supremacia do interesse público sobre os interesses particulares. É bem verdade que o liberalismo entrou em crise, surgiu um Estado Social, a ideia de busca de igualdade material entre as pessoas. Mas, o direito administrativo eu ouso dizer que tem pouco a ver com isso. Tem-se parcialmente, tangencialmente. O direito administrativo está muito preocupado em garantir a fortificação do príncipe, viabilizar o exercício do poder sem ser perturbado pelos órgãos de controle e pelos cidadãos em geral. É assim que ele surge, não quer dizer que ele seja assim até hoje. Essa é a sua estrutura básica, sua estrutura visceral. Quando você pensa em um instituto, todos vocês vão aprender, o que é discricionariedade administrativa. O que é discricionariedade administrativa? É a margem de conveniência e oportunidade decisória que a lei dá ao administrador. Então o administrador que decide. Ao longo dos anos, a discricionariedade administrativa se tornou um poder sem controle, um poder sem justificativa. É quase que uma margem de poder fora da lei. Então, a discricionariedade administrativa é o instituto do direito administrativo que se prestou para tornar incontrastável perante o direito, perante a lei, o exercício de um poder que foi considerado conveniente, oportuno, em um determinado momento. 
Este tipo de associação é fundamental que vocês façam desde o momento inicial, quando começarem a estudar o direito administrativo. Isso eu não falo em detrimento da disciplina que é uma disciplina que evoluiu muito, que progrediu muito em muitos campos, mas essa estrutura básica continua presente no direito administrativo. E, se conhecê-la tem alguma função, não só uma função didática- compreensível, também tem uma função explicativa de como o direito administrativo chegou até aqui e uma função prospectiva, do que ele pode vir a se tornar. Por exemplo, o processo administrativo é uma coisa muito recente no Brasil, o processo administrativo democrático em que o cidadão tem o direito ao contraditório, ampla defesa, ao devido processo legal. 
Darei um exemplo: nós herdamos do direito português um instituto chamado Verdade Sabida. Isso existia em todos os estatutos de servidores públicos, sobretudo nos estatutos dos servidores públicos militares. E aí com a Constituição de 1988, menos de 25 anos atrás, os administrativistas começaram a falar: “Talvez não tenha sido recepcionado pela Constituição de 1988 que assegura no rol de garantias e direitos individuais, o direito ao contraditório e poder responder de acordo com devido processo legal”. A verdade sabida era o seguinte: existem para determinadas infrações consideradas leves e de gravidade mediana, aquela situação que todo mundo sabe que aquele servidor praticou a infração. Quem é que vai afirmar que ele praticou? O superior hierárquico, o chefe. Para essas infrações que todo mundo sabe que ele praticou, são de gravidade leve ou mediana, não precisa de processo. O chefe faz uma ata e diz que é verdade sabida que o João Pedro atrasou-se durante o mês de setembro por vários dias ao invés de chegar no horário, chegava 13h30 etc. Se era perseguição pessoal, se era inimizadepela sua preferência política, se era descontentamento por uma resposta que você deu, é verdade sabida. Não é um instituto do antigo regime, é um instituto do direito administrativo que existiu até ontem no direito administrativo brasileiro.
Qual a importância do contraditório e da ampla defesa? É um instituo democrático. O sujeito tem direito de fazer a acusação, tem direito de responder, arrolar testemunhas, produzir provas e ele tem que aplicar a sanção de maneira fundamentada. E ao fazê-lo, no caso brasileiro, ainda é possível o recurso ao poder judiciário. Isso se transformou isso evoluiu, mas era um instituto basicamente autoritário, chefe era para dizer se praticou ou não a infração, se é verdade sabida, o chefe apenas declara uma verdade que todos sabem, proclama que ela aconteceu e aplica a sanção. Evidentemente isso dava margem a todo tipo de arbitrariedade, a todo tipo de injustiça, o direito administrativo era o fiador dessas arbitrariedades e dessas injustiças.
Uma lei de 1800 é considerada, nessa história romantizada do direito administrativo, como uma espécie de certidão de nascimento do direito administrativo, é uma lei que organizou a administração pública francesa, definiu as competências dos órgãos. Mas há uma outra lei, aqui no campo da historia real, de 1790, que criou a chamada jurisdição administrativa, que existe até hoje na França. A jurisdição administrativa é um conjunto de órgãos situado dentro da justiça do poder executivo que exercem o monopólio da jurisdição nas relações entre particulares e administração. Por exemplo, se um carro oficial bate em alguém na França, esse alguém não tem direito de ação perante o poder judiciário, tem que postular perante os órgãos da jurisdição administrativa. O supremo tribunal administrativo é o conselho de Estado, que existe até hoje. Não há interferência do judiciário na jurisdição administrativa e a última palavra sobre o direito aplicado nesses conflitos é dado pela jurisdição administrativa e se o órgão compõe o conselho de Estado, a última palavra é dada pelo conselho de Estado. 
A linguagem da lei é tão interessante que vale a pena ser mencionada, a lei proibia os juízes togados, os membros do poder judiciário, de controlar a administração pública francesa. A linguagem era mais flagrantemente repulsiva, dizia assim: é proibido ao juiz da nação perturbar as atividades administrativas do poder executivo sob pena de prisão. Foi uma lei que criminalizou o controle jurisdicional da administração pública na França cominando a esse crime a pena de prisão. Isso evidentemente era uma lei protetiva da estrutura de poder contra indesejáveis interferências do poder judiciário. 
Alguém pode dizer que o poder judiciário estava dominado pelos nobres, que havia uma intenção da administração pública francesa de promover reformas sociais que seriam inviabilizadas pelo poder judiciário. Isso pode ser, mas o fato é que houve uma grande reforma social, tanto que as revoluções francesas do século XIX foram as revoluções que envolveram as massas, etc. E uma grande transformação social efetiva acontece até o final do século XIX, início do século XX, com realmente o surgimento de um Estado com maiores preocupações socais.
Comentário inaudível de aluna 
A ideia é dar um choque de realidade e dizer que o direito administrativo, pelo menos, não nasce nem se desenvolve com propósitos eminentemente garantísticos, democráticos e nobres, mas ao mesmo tempo, ao dar esse choque de realidade, é uma exortação a se saber o quanto evoluiu e o quanto ele ainda precisa evoluir para alcançar esse estágio idealizado.
É verdade que o direito administrativo mais do que uma doutrina construída atrelada ao poder, isso no Brasil e em diversos países da Europa continental, foi uma disciplina construída por homens de Estado, nem sempre estadistas. Normalmente homens incrustados na estrutura do Estado. Por exemplo, o maior administrativista português até o final do século passado, anos 90, chamava-se Marcelo Caetano, foi ministro do Salazar, ditador totalitário português que foi deposto pela revolução dos cravos em 1974, sucedeu ao próprio Salazar depois como primeiro ministro. Marcelo Caetano é um grande administrativista, é um homem com ideias mais do que autoritários, uma visão totalitária de Estado e sociedade, em que os cidadãos são membros de uma coletividade em que eles são peças a serviço de um projeto maior de bem-estar, o projeto de uma grande nação, projeto desenvolvimentista nacional, aí qualquer ideia organicista você pode escolher um objetivo a ser alcançado, mas aí os cidadãos ao invés de serem fins em si mesmo, são meios nesse projeto maior de sociedade e o direito administrativo é o instrumento que dá um pseudo caráter de justiça a isso, a forma de juridicizar essas relações sem que você parta para o puro arbítrio. Está tudo sendo feito de acordo com o Estado de direito, só que é o Estado de direito administrativo essencialmente totalitário.
Comentário inaudível de aluna
Ela disse que leu no livro do professor Marçal que o direito administrativo, pelo menos no momento atual, na contemporaneidade, tem o compromisso não apenas em viabilizar o funcionamento do Estado, mas em proteger e promover os direitos fundamentais do cidadão. Por isso é o meu livro de preferência para que vocês estudem o direito administrativo por ele. Mas a gente não tem direito de ensinar a vocês, num curso formativo, que é o curso de graduação, sem partir de uma etapa anterior, se você comparar o livro do Marçal com os dois grandes livros anteriores do direito administrativo, que foram Ely Lopes Meireles, anos 70 e 80, e professor Celso Antônio, que foi considerado o maior administrativista pelo menos até meados dos anos 90 no Brasil, são livros com uma lógica completamente diferente dessa lógica garantista e comprometida com direitos fundamentais como é a obra do professor Marçal Justen Filho. Então o que a gente está falando aqui é justamente dessa transição do direito administrativo como ele sempre foi para o que ele pode passar a ser.
Mas ainda não responderam a minha pergunta, o Bernardo fez um ensaio, a Camila falou da preocupação com a igualdade material entre as pessoas e os problemas do liberalismo clássico que era dar igualdade de armas a quem era desigual do ponto de vista econômico-social, as assimetrias de poder entre as pessoas, o Marcelo criticou o Estado autoritário, direito administrativo a serviço de projetos totalitários de poder. Mas a pergunta fundamental é: o quanto de poder deve ser cometido ao Estado e o quanto deve ser preservado nas mãos dos cidadãos como direitos protegidos e promovidos pelo próprio Estado? Qual é o papel do direito administrativo em um Estado democrático de direito? 
Aluno: Pode ser uma boa referência a questão de que o Estado não pode ser um fim em si mesmo, o fim dele tem que ser a coletividade. Então pode ser um primeiro limite.
Professor: Somos nós como indivíduos ou somos nós como coletividade difusa? Somos ambos. Em que medida temos direitos a ser protegidos e garantidos como indivíduos, temos direitos de ser tomados como coletividade.
Comentários de alunos
Professor: Eu fiz uma pergunta deliberadamente aberta, como uma pergunta prescritiva, é claro que como viver é conviver, há uma necessária ponderação, necessário sopesamento entre a dimensão individual e a dimensão coletiva da vida de todos nós e em cada sociedade, em da lugar, em cada tempo tem uma maneira de realizar esse sopesamento. Agora fazendo uma pergunta em caráter mais descritivo, aí a pergunta já é direcionando a resposta: qual deve ser a relação entre o direito administrativo e o direito constitucional no nosso país?
Resposta inaudível de aluno
Professor: Na medida em que cada um de nós pode ter uma visão diferenciada sobre o quanto da vida individual deve ceder diante de interesses coletivos e vice versa, a constituição acaba sendo esse elo fundamental que dá uma liga ao tecido social, como se fosse o documento fundamental do contrato social, estabeleceesses limites entre a dimensão social e a dimensão coletiva da vida em sociedade. E é a partir da constituição que o direito administrativo tem que ser construído, porque qualquer outra ideia de interesse publico desvencilhada, apartada dessa lógica constitucional fundamental carecerá de legitimidade. E isso é talvez o ponto fundamental do direito administrativo, uma fuga do direito constitucional.
 Quando se estuda, por exemplo, o poder de polícia, se pensa: o que é o poder de polícia do Estado? Ele é definido até hoje nos manuais assim: é o poder reconhecido ao Estado de impor limitações aos direitos individuais de liberdade e propriedade em prol do interesse público. Primeira pergunta: qual interesse público? Segunda pergunta: qual é o limite dessas limitações? Que podem ao mesmo tempo limitar legitimamente, mas podem ser arbitrárias a ponto de manietá-las de forma que não exista liberdade ou não exista direito de propriedade em um determinado país.
Então o ponto fundamental dessa segunda aula, além dos conteúdos formais que é fundamental que vocês estudem, é vocês pensarem. Vamos dar um exemplo concreto: desapropriar é importante? É útil? É importante, é útil e é fundamental que o Estado tenha o poder de desapropriar. Não é que eu me filie a doutrina do Washington Luiz “governar é abrir estradas”, mas abrir estradas é importante, construir escolas é importante, construir hospitais é importante, incorporar bens ao patrimônio da coletividade para que eles tenham uma utilidade pública é importante. Qual é a importância do direito de propriedade individual? Também é fundamental. Então um exemplo concreto, na CF de 1988, por um solução compromissória, uma solução de sopesamento, o constituinte tomou uma decisão.
Art. 184- Compete à União (e só a União, no caso do Brasil) desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. 
É um poder importante. Tem um lugar no Brasil, que é um país com déficit de distribuição equitativa de terras, tem lugar no Brasil. Mas essa mesma constituição diz no art. 185:
Art. 185- São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I- a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;
II- a propriedade produtiva.
Boa ou má, mais a direita ou mais a esquerda, essa foi a escolha do constituinte. O que essa escolha revela? O mesmo Estado que tem o poderio de desapropriar para fins de reforma agraria, tem o dever de preservar a pequena e a média propriedade, a propriedade produtiva. O Estado a todo tempo é chamado a realizar objetivos transindividuais que interessam a todos nós como coletividade indivisa e a proteger e promover direitos individuais de todos e de cada um de nós. 
Quando o estado do Rio de Janeiro criou uma fundação autárquica chamada Universidade do Estado do Rio de Janeiro e colocou em funcionamento as suas faculdades, a faculdade de direito existe ao mesmo tempo para proporcionar a cada um de vocês individualmente o direito ao acesso ao ensino superior, a prover o seu próprio sustento, a tornarem-se cidadãos capazes de progredir materialmente. Mas ao mesmo tempo formar ativos sociais, operadores do direito que contribuam para o progresso social, papel civilizatório que o direito tem. Existe supremacia de uma dimensão sobre a outra? O mesmo Estado que promove a reforma agrária de um lado, protege o direito de propriedade individual de outro. 
Essas questões estão fundamentalmente traçadas na constituição a partir de uma matriz básica e devem ser construídas democraticamente através do debate público, através dos mecanismos democráticos, discutidos no parlamento, nas instâncias administrativas. Isso é construído, não é um dado. A ideia fundamental de supremacia do interesse público é que existem razões públicas, razões de Estado dadas às quais todos nós estamos subordinados, e que o Estado é um mero instrumento para a sua realização, que tem o direito a via para a legitimação de todas as ações que o Estado precisa fazer para alcançar essas razões.
Um outro exemplo: liberdade de expressão. Um monte de gente fala um monte de bobagem nas redes sociais, na imprensa, no dia a dia, mas a liberdade de expressão é o único meio de construção social, reconhecimento, de busca da verdade, ainda que para os relativistas, ou de afastamento das maiores mentiras. Há interesse social maior do que garantir a todos e a cada um a liberdade de expressão? Qual é o papel do estado? Garantir a liberdade de expressão, como direito individual de todos e de cada um. 
Então não há essa clara supremacia de um interesse publico transindividual e estatal sobre os interesses particulares. A vida numa sociedade democrática, num estado democrático de direito, numa democracia constitucional, pressupõe a garantia de posições individuais e seu sopesamento proporcional com projetos de interesses coletivos. O direito administrativo não está de um lado ou de outro. 
Se alguém perguntar: professor, quando a constituição assegura que a propriedade produtiva e a propriedade única pequena e média deve ser preservada da desapropriação é a supremacia do interesse particular sobre o interesse público. Se alguém perguntar: mas há a supremacia do interesse particular sobre o interesse público ou do interesse público sobre o interesse particular? A resposta é: não há resposta correta para pergunta errada. Essa pergunta está errada.
O papel do direito administrativo é atuar nos dois campos, a partir de uma matriz constitucional democraticamente formada e de leis que estabeleçam limites razoáveis e proporcionais. Esses limites, cada um de nós pode ter uma ideia, mas ele só se constrói na esfera pública, numa discussão constante sobre o tamanho da nossa liberdade individual e o tamanho da limitação a essa liberdade em prol de valores compartilhados coletivamente. Esse é o papel do direito administrativo numa sociedade democrática, que não foi, na sua origem, o papel atribuído a ele.

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