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Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63 jul..set. 1994

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enfoque: 
pontos de vista: 
5 
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63 jul./set. 1994 ISSN 0104-1037 1 
Qual é a questão? 
EDUCAÇÁO INDÍGENA NO BRASIL: conquistas e desafios 
Marina Kahn (CTI/SP) 
Bruna Franchetto (Museu Nacional/UFRJ) 
O que pensam outros especial istas? 
11 
18 
38 
54 
69 
78 
O QUE É ENSINO BILÍNGÜE: a metodologia da gramática contrastiva 
Ruth Maria Fonini Monserrat (UFRJ) 
EDUCAÇÃO BILÍNGÜE, LINGÜÍSTICA E MISSIONÁRIOS 
Maria Cândida Drumond Mendes Barros (Museu Paraense 
Emílio Goeldi/CNPq) 
A CONQUISTA DA ESCOLA: educação escolar e movimento 
professores indígenas no Brasil 
Marcio Ferreira da Silva (UNICAMP) 
ENTRE O SILÊNCIO EM LÍNGUA PORTUGUESA E A PÁGINA BRANCA 
DA ESCRITA INDÍGENA 
Nietta Lindemberg Monte (CPI/AC) 
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NAS ESCOLAS INDÍGENAS 
Tereza Machado Maher (UNICAMP) 
"DA LÍNGUA QUE SE TEM À LÍNGUA QUE SE QUER": 
a educação escolar indígena e sua língua de realização 
Waldemar Ferreira Netto (USP) 
88 
93 
100 
105 
117 
122 
137 
145 
DA ALDEIA AO PARLAMENTO: a educação escolar indígena na nova LDB 
Luis Donisete Benzi Grupioni (MARI/USP) 
A ETNOMATEMÁTICA NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE 
UMA ESCOLA INDÍGENA 
Ubiratan DAmbrósio (UNICAMP) 
UM MAPA DO QUE PODE SER A GEOGRAFIA NAS ESCOLAS INDÍGENAS 
Márcia Spyer Resende (UFMG) 
O ENSINO DE HISTÓRIA PARA POPULAÇÕES INDÍGENAS 
Circe Maria Fernandes Bittencourt (USP) 
EDUCAÇÃO INDÍGENA E O MANEJO SÓCIO-ECONÔMICO DOS RECURSOS 
FLORESTAIS: a experiência Xikrin 
Isabelle Vidal Gianini (USP e Instituto Socioambiental) 
AS EXTENSÕES DO OLHAR: a arte na formação de professores ticunas 
Jussara Gomes Gruber (Magüta: Centro de Documentação 
e Pesquisa do Alto Solimões) 
"EDUCAÇÃO INDÍGENA "VERSUS" EDUCAÇÃO PARA ÍNDIOS: 
sim, a discussão deve continuar... 
Marina Kahn (CTI/SP) 
espaço aberto: Manifestações rápidas, entrevistas , propostas , experiências , traduções, etc . 
OS CURSOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS: depoimentos 
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
OBSERVAÇÕES SOBRE UMA SOCIEDADE ÁGRAFA EM PROCESSO 
DE AQUISIÇÃO DA LÍNGUA ESCRITA 
Renato Antonio Gavazzi (CPI/AC) 
O DIA DA CRIAÇÃO ENTRE OS TICUNA 
Monique Deheinzelin (Magüta: Centro de Documentação 
e Pesquisa do Alto Solimões) 
DIVAGAÇÕES EM TORNO DO COMO E POR QUE A ARITMÉTICA 
EM CONTEXTO INDÍGENA 
Luís Carneiro (Coordenadoria de Assuntos Indígenas da Fundação Cultural/Acre) 
DIRETRIZES PARA A POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO 
ESCOLAR INDÍGENA 
MEC/SEF 
151 
160 
172 
175 
resenhas: A CONQUISTA DA ESCRITA: encontros de educação 
indígena — Loretta Emiri e Ruth Monserrat 
Marta Valéria Capacla 1 89 
LINGÜÍSTICA INDÍGENA E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA LATINA — Lucy Seki (Org.) 
Priscila Faulhaber 1 94 
bibliografia: Luiz Otávio P. da Cunha (DEDOC/FUNAI) 
Em Aberto, Brasilia, ano 14, n.63, jul./set. 1994 3 
Cleide Albuquerque Moreira (DEDOC/FUNAI) 
Maria Helena Gutemberg Caldas (DEDOC/FUNAI) 199 
painel: APRESENTAÇÃO 
CARTA AO LEITOR 
RESUMOS DE PESQUISAS 
Em Aberto, Brasilia, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
ENFOQUE: Qual é a questão? 
EDUCAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL: conquis tas e 
desafios 
Marina Kahn* 
Bruna Franchetto** 
Tendo em vista os inúmeros artigos já publicados que dão conta 
da trajetória histórica da Educação Indígena no Brasil, que começou 
na Colônia e vem se configurando até hoje, como um processo a 
serviço da assimiliação dos grupos indígenas à sociedade nacional, 
optamos, neste artigo, que pretende introduzir o leitor sobre o tema 
desta coletânea, tratar da Educação Indígena tal como vem sendo 
conceitualizada e implementada nesses últimos dez anos1. 
Tomamos como ponto de partida duas premissas. A primeira é 
que, ao longo deste texto, vamos utilizar a expressão Educação 
Indígena numa assumida aquiescência à naturalização que esses 
termos sofreram. Ou seja, Educação Indígena acabou tendo como 
referente o sistema formal, institucionalizado na e pela sociedade 
não-indígena, baseada no letramento e na escola. Consideramos, 
* Antropóloga, coordena o Projeto de Educação Waiãpi, do Centro de Trabalho 
Indigenista (CTI) e é pesquisadora no Centro Ecumênico de Documentação e 
Informação (CEDI), em São Paulo. 
** Lingüista e antropóloga do Museu Nacional/UFRJ. Assessora o projeto de 
educação no Parque Indígena do Xingu. 
1
 Para quem não teve oportunidade de acesso a essas leituras, recomendamos duas 
especificamente: a de Priscilla F. Barbosa (1984) e Aracy Lopes da Silva (1981). 
então, que tudo o que se formulou e executou até agora é mais 
Educação Escolar Indígena do que Educação Indígena propria-
mente dita, entendida esta última como sendo o conjunto dos 
processos de socialização e de transmissão de conhecimentos pró-
prios e internos a cada cultura indígena. 
A segunda premissa é admitir a impossibilidade de se definir 
com nitidez a real política de Educação Indígena colocada atual-
mente em prática no Brasil. Se ao longo da história do país, ela 
sempre andou ao lado da religião e das doutrinas humanitárias 
e positivistas, que nortearam a formulação da política indigenista 
brasileira, hoje, com as conquistas alcançadas na última Consti-
tuição referente aos direitos indígenas, parece haver um jogo de 
forças contraditórias entre as posições progressistas garantidas 
na lei e a efetiva consecução desses princípios. Ou seja, verifica-
mos que há uma dificuldade de se compatibilizar as conquistas 
obtidas na defesa dos direitos humanos e especialmente das mino-
rias étnicas no Brasil, com o ideário positivista que impregna 
nossa doutrina indigenista. 
Há uma evidente tensão, irresolvida e talvez irresolvível, entre 
princípios que afirmam a pluralidade cultural e lingüística, e 
que exortam não só o respeito bem como a alimentação dessa 
pluralidade e uma visão sedimentada por uma longa história, 
que legitima e consolida práticas em todos os níveis, que cor-
roboram e alimentam a homogeneização e a hegemonia de uma 
cultura e de uma língua — "as nacionais"2. 
2
 Para um aprofundamento no assunto, sugerimos a leitura dos trabalhos de 
Antônio Carlos Souza Lima, não publicados, mas disponíveis em bibliotecas de 
Faculdades de Ciências Sociais: "Aos Fetichistas... 
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
Até os anos 70, podemos identificar um projeto claro, explícito 
e pragmático que norteou a Educação Indígena no Brasil: cateque-
se e socialização para a assimilação dos índios na sociedade bra-
sileira, já que a tradição indigenista se pautava no estímulo a 
formas sociais e econômicas que geravam dependência e subordi-
nação da terra e do trabalho indígena a uma lógica de acumulação. 
O lema era integrar, civilizar o índio, concebido como um estrato 
social submetido a uma condição étnica inferior, quando vistos 
nos moldes da cultura ocidental cristã. Isto se confirma quando 
os órgãos oficiais de tutela — o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) 
e depois a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) — estabeleceram 
convênios com instituições religiosas de diferentes credos, para 
que elas se incumbissem de implantar o trabalho escolar dentro 
das aldeias. O Estado tutor jamais se preocupara em colocar em 
prática uma política de educação específica para o índio que não 
fosse a voltada para a integração. Antropólogos e lingüistas eram 
chamados para darem pareceres sobre os convênios estabelecidos 
com as instituições religiosas, mas não para idealizarem e reali-
zarem uma proposta de Educação Escolar Indígena. 
A partir dos anos 80, haverá uma mudança neste quadro, mas 
instalar-se-á certa ambigüidade nas formas de se traçar e im-
plantar uma política de Educação Indígena. Ambigüidade, porque 
não haverá uma revolução nas práticas que deveriam conduzir 
os rumos da EducaçãoIndígena, mas sim uma grande transforma-
ção nas concepções que vão nortear o convívio do Estado brasileiro 
com sua realidade indígena. Os anos 80 foram o marco na afirma-
ção dos movimentos indígenas organizados no Brasil, motivados 
também pelo caminho construído pelas organizações civis de apoio 
ao índio para a conquista dos seus direitos formais, garantidos 
em lei, via Constituição. Foi, então, o início de uma mobilização 
dos próprios sujeitos índios para conquistas políticas que vinham 
sendo lançadas na arena de um país que sempre se orgulhou de 
sua democracia racial e uniformidade lingüística. A mobilização 
indígena apoiada pelas instituições civis de apoio à causa pos-
sibilitou a inédita aceitação do direito dos índios de serem di-
ferentes, uma conquista que tentará romper com a tradição assimi-
lacionista que prevalecia nas legislações anteriores, abrindo-se 
espaço para a superação do tradicional exercício da tutela pater-
nalista que sempre marcou a relação do Estado com os povos indí-
genas no Brasil. Ou seja, surgiram leis promissoras para um país 
onde as formas de intervenção definidas pelo Estado preocupavam-
se primordialmente em evitai' a destruição física dos povos indí-
genas, mas, em contrapartida, assumiam como inevitável o desapa-
recimento das culturas indígenas. A experiência histórica demons-
trava, entretanto, que o processo de mudança desencadeado pela 
presença dos brancos majoritários ao redor das sociedades in-
dígenas conduzia a reformulações socioculturais, mas não à trans-
formação dos índios em não-índios; conseguiu-se que esta consta-
tação fosse assimilada pela nova legislação através do reconheci-
mento da existência e manutenção das minorias étnicas no país. 
Quando falamos em sociedade civil mobilizada pela questão das 
minorias, referimo-nos às inumeras organizações não-governa-
mentais de apoio ao índio; a setores progressistas da Igreja 
Católica (Conselho Indigenista Missionário — CIMI, ligado dire-
tamente à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil — CNBB) 
e protestante (principalmente luteranos e anglicanos) dispostos 
a rever sua inserção na história do país como os agentes do con-
tato com os povos indígenas. Todos pretendem propiciar discus-
sões que resgatem o trabalho de recuperação da identidade étnica 
dos povos indígenas. 
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
As universidades também se mobilizam: centros e cursos de lin-
güística incrementam os levantamentos e estudos das línguas 
indígenas; antropólogos subsidiam projetos de educação escolar 
indígena (geralmente encaminhados por agências não-governa-
mentais); matemáticos, geógrafos e historiadores dedicam-se cada 
vez mais aos estudos do que se passou a designar por Etnoconhe-
cimentos e, surpreendentemente, os pedagogos são os que de-
monstram uma inserção ainda tímida na área. 
Nessa conjuntura, em relação à problemática indígena em geral 
e, mais especificamente, na formulação de uma prática pedagógica 
junto às comunidades, podemos apontar, hoje, a existência de duas 
vertentes da ação indigenista no campo da Educação Indígena: 
1) a vertente oficial, patrocinada pela Funai e pelas secretarias 
estaduais ou municipais de educação, em que se transpõem nas 
escolas indígenas o modelo das escolas rurais e, às vezes, até 
urbanas para dentro das aldeias. Nesta mesma vertente oficial, 
podemos localizar as escolas das missões religiosas, cuja funda-
mentação teórica é mais elaborada que as escolas do governo: 
sustentam-se nas escolas bilíngües, eficientes instrumentos 
civilizatórios que tornam os índios leitores do Evangelho traduzi-
do em suas línguas maternas3 . 
2) a segunda vertente tem sua origem nos anos 80, quando aque-
les setores organizados da sociedade civil que já apontamos, en-
campam, principalmente através das organizações não-governa-
mentais, atividades de intervenção e assessoria a comunidades 
3
 O artigo de Maria Cândida Barros, nesta coletânea, aprofunda esta questão. 
indígenas em seus projetos políticos. Podemos dizer que o processo 
de reconquista dos territórios indígenas foi decisivo na demanda 
por um ensino escolar formal nas aldeias, e as organziações de apoio 
tiveram papel fundamental junto à FUNAI, no sentido de pressiona-
rem o governo no reconhecimento das terras indígenas. As lideran-
ças indígenas, ao se dirigirem às autoridades federais, ou mesmo 
no contato direto com as forças políticas locais interessadas em suas 
terras — madeireiros, mineradoras, garimpeiros e fazendeiros — 
foram percebendo que a escola implantada há anos em suas aldeias 
era de muito pouca serventia: oferecia-lhes uma matemática incapaz 
de fazer os índios controlarem anos de trocas comerciais injustas; 
um código escrito limitado à leitura alienada de trechos da Bíblia 
ou de patéticos bê-a-bás, ou ainda de textos que empobrecem e in-
fantilizam fragmentos da tradição oral. 
Nesse contexto é que nasceram propostas de escolas que, embora 
poucas (algumas já têm quase quinze anos de trabalho contínuo), 
se voltam sobretudo para a formação de professores indígenas, 
acompanhamento das escolas e definição de currículos específicos. 
Essas escolas, tidas como "alternativas", vêm sendo gradativa 
e crescentemente implantadas a partir de demandas das associa-
ções ou lideranças indígenas, ou a partir da interlocução mantida 
entre pesquisadores e comunidades indígenas. É neste momento 
que emergem as demandas por escola onde eles, índios, querem 
efetivamente conquistar aquilo que não têm: o domínio da leitura 
e escrita de uma língua, seja a sua própria, seja o português, 
a língua oficial no país. 
Essas "escolas alternativas" é que tornaram necessária a busca 
de assessoria dos pesquisadores, dentro de algumas universidades 
do país, que começavam a perceber o enorme campo de trabalho 
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
na área dos etnoconhecimentos. São as universidades brasileiras, 
aliadas à ação de organizações não-governamentais, que têm ten-
tado formular e viabilizar uma política nacional de Educação 
Indígena cujos princípios básicos são: 1) a vinculação e reco-
nhecimento das escolas indígenas no Sistema Nacional de Educa-
ção; 2) o uso das línguas maternas e incorporação dos processos 
próprios de aprendizagem como base de implantação da escola 
formal; 3) o desenvolvimento de programas, currículos e materiais 
didáticos específicos e diferenciados para as escolas indígenas; 
4) preparação de recursos humanos especializados para a forma-
ção de professores indígenas. 
Esses princípios foram finalmente encampados pelo Ministério 
da Educação e constam num documento oficial intitulado "Diretri-
zes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena", for-
mulado em 1992, por força de um decreto presidencial de 1990 
que transferiu da FUNAI para o MEC a tarefa de garantir a esco-
larização dos grupos indígenas no Brasil. Não há consenso a res-
peito dos benefícios desse decreto e não é nosso objetivo avaliá-lo. 
Destacaríamos apenas a dupla face dessa nova medida: de um 
lado, é um ganho no aspecto legitimador das eventuais ações que 
venham a ser tomadas no sentido de colocar em prática uma polí-
tica nacional de Educação Escolar Indígena, poder nunca forneci-
do para a FUNAI (ou conquistado por ela); por outro, entrega-se 
o poder real de gerenciamento dessas políticas nas mãos dos mu-
nicípios que, em sua maioria, são absolutamente antiindígenas. 
O MEC não tem, no Brasil, poder executivo e repassa aos Estados 
e Municípios as verbas necessárias para que cada um desenvolva 
seus projetos de governo. Até agora, quatro anos depois de assina-
do o decreto, o MEC ainda não conseguiu impor-se como agencia-
dor das ações educativas nas áreas indígenas. A FUNAI se vê 
cada vez mais esfacelada, e os municípios com crescente autono-
mia para traçar e implantar suas políticas públicasinvestem, 
sobretudo na Amazônia, no trabalho de apagar qualquer vestígio 
de presença indígena nos seus limites, reflexo daquela concepção 
integracionista mencionada acima. Em nível local, as práticas 
integracionistas — às vezes violentamente integracionistas —, 
já mencionadas, continuam dominantes. 
O desafio continua lançado. Resta saber por qual prioridade: con-
seguir que o Sistema Nacional de Educação repense imediatamen-
te a concepção de educação para o país e formule, depois, um 
conceito de educação para minorias; ou que faça as duas coisas 
concomitantemente. O que é preciso redimensionar e contestar 
é o atual discurso disseminado nas repartições públicas "preocu-
padas com nossos indígenas", remetendo-se a uma falsa sensação 
de dever cumprido. Com muita freqüência, mudou apenas a rou-
pagem do dizer: o discurso incorpora o tirânico clichê antropológi-
co do "determinismo cultural", as frases de efeito do jargão peda-
gógico do "aprender-construindo-em-processo" e da inevitabilidade 
do "ensino bilíngüe". O fazer continua o mesmo. Além disso, a 
experiência histórica brasileira nos tem revelado outra verdade: 
não basta uma Constituição. É preciso que as políticas gerais 
de governo reflitam seus princípios em práticas abrangentes e 
interventoras, de modo a garantir uma transformação no direcio-
namento das ações públicas voltadas para o "social". Este é um 
problema de ordem nacional, que atinge a todos que não podem 
pagar para ter sua escola: brancos, pobres e minorias étnicas, 
em geral. 
Nosso intuito, ao organizarmos este número do Em Aberto, é con-
tribuir para a mudança de rumos — do dizer e do fazer — da 
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
chamada Educação Indígena, no momento em que parece abrir-se 
um espaço para reformulações, no âmbito da política oficial, 
através do próprio Ministério da Educação. Procuramos, assim, 
dar alguma substância às discussões que têm sido travadas no 
Comitê de Educação Escolar Indígena, no seu trabalho de assesso-
ria e de definição das novas "Diretrizes para a Política Nacional 
de Educação Escolar Indígena". Nesse contexto, achamos impor-
tante oferecer ao público, entre outras coisas, reflexões, críticas 
e polêmicas sobre aspectos da Educação Indígena e relatos de 
experiências alternativas, divulgando idéias e projetos não-oficiais 
que poderão — é o nosso desejo — influenciar positivamente a 
própria política oficial. 
Referências bibliográficas 
BARBOSA, Priscilla F. Educação e política indigenista. Em Aber-
to, Brasília, v.3, n.21, p.1-11, maio/jun. 1984. 
CADERNOS EDUCAÇÃO BÁSICA: série institucional. Brasília: 
MEC, SEF, DPEF, 1993. v.2 
SILVA, Aracy Lopes da. A questão da educação indígena. São 
Paulo: Brasiliense, 1981. cap.: A filosofia e a pedagogia da 
educação indígena: um resumo dos debates. 
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
PONTOS DE VISTA: O que pensam outros especialistas? 
O QUE É ENSINO BILÍNGÜE: a metodologia da 
gramática contrast iva 
Ruth Maria Fonini Monserrat* 
Queremos aprender o português para entender a cabeça 
do branco. (Vários índios brasileiros, em várias ocasiões) 
O documento Diretrizes para a Política Nacional de Educação 
Escolar Indígena do MEC (1993), em consonância com o espírito 
da nova Constituição, reza que "a Educação Escolar Indígena 
deve ser intercultural e bilíngüe, específica e diferenciada" (p.10). 
Ao apresentar a situação heterogênea das sociedades indígenas 
em relação ao uso de suas línguas e da língua portuguesa, o mes-
mo documento ressalta que "essa situação sociolingüística assim 
como o momento histórico atual e suas implicações de caráter 
psicolingüístico fazem com que se assuma a educação escolar indí-
gena como sendo necessariamente bilíngüe: 
a) cada povo tem o direito constitucional de utilizar sua língua 
materna indígena na escola, isto é, no processo oral e escrito de 
todos os conteúdos curriculares, assim como no desenvolvimento 
e reelaboração dinâmica do conhecimento de sua língua; 
b) cada povo tem o direito de aprender na escola o português co-
mo segunda língua, em suas modalidades oral e escrita, em seus 
vários registros — formal, coloquial, etc." (p. l l ) . 
* Professora adjunta da UFRJ, coordenadora do Seminário Permanente de Educa-
ção e Estudos Indígenas (Sepeei) da Faculdade de Letras da UFRJ, membro do 
Comitê de Educação Escolar Indígena como representante das universidades. 
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
Passar da teoria à prática é, como sempre, o mais difícil. No caso 
concreto da Educação Escolar Indígena hoje, no Brasil, é preciso 
distinguir inicialmente duas situações: o processo escolar para 
crianças e o processo de formação de professores índios. 
Preponderou até pouco tempo e ainda perdura em muitos casos 
a situação em que não-índios, ou índios de etnias distintas da dos 
alunos, eram ou são professores de crianças em escolas das aldeias. 
A língua utilizada no ensino é a portuguesa, e os currículos e mate-
riais utilizados são os das escolas não indígenas. Os resultados, 
negativos sob qualquer ponto de vista — seja o psicológico, seja 
o cultural, seja o da eficiência do aprendizado —, são sobejamente 
conhecidos e não necessitam aqui de maiores comentários. 
Há, no entanto, outras situações em que a educação escolar infan-
til nas aldeias já vem sendo conduzida, pelo menos parcialmente, 
na língua materna do grupo, por professores da mesma etnia 
dos alunos. Mas esses professores, em sua maioria, não têm for-
mação específica para o magistério, nem dispõem de materiais 
didático-pedagógicos adequados ou suficientes. São obrigados a 
se restringirem, o mais das vezes de forma bastante precária, 
às primeiras etapas da alfabetização e aos rudimentos da aritmé-
tica. Neste último caso, inevitavelmente entra o português já de 
início, através dos nomes dos números e de sua contagem, prática 
habitualmente inexistente fora da experiência de contato com 
a sociedade majoritária. 
Desde a conferência da UNESCO de 1951, tornou-se axiomático 
que a língua mais adequada para a alfabetização é a materna. 
Há, é certo, argumentos contrários ao uso da língua materna, 
entre os quais avultam os referentes aos problemas práticos da 
educação bilíngüe: carência de professores bilíngües e de ma-
teriais didáticos adequados ou suficientes, ausência de estan-
dardização e normalização da maioria das línguas vernáculas, 
quando não do próprio código escrito, vocabulário reduzido, etc. 
Mas, apesar de tudo isto, a verdade é que, desde aquela época, 
proliferaram os programas de educação em língua materna em 
todo o mundo, dando origem a múltiplos modelos de educação 
bilíngüe. 
Tais modelos se diferenciam em função do lugar, em termos quan-
titativos e qualitativos, reservado ao ensino/aprendizagem e à 
utilização da língua materna no processo escolar global. Ou seja, 
pode ocorrer: 
a) o uso quase exclusivo da língua materna durante o primeiro 
ou os dois primeiros anos de escolaridade, acompanhado da pre-
sença da língua oficial unicamente na modalidade oral; 
b) a transição para a língua dominante a partir do segundo ou 
terceiro ano, como língua de ensino das disciplinas curriculares, 
mantendo-se a língua materna apenas como língua de comunica-
ção entre os alunos ou como objeto de ensino de uma disciplina 
particular — "língua materna"; 
c) a distribuição das línguas segundo disciplinas ou habilidades 
específicas ensinadas, etc. 
Assim, a ênfase dada à língua materna é usada como critério 
para distinguir vários métodos: o método direto, os programas 
bilíngües de transição, os de manutenção lingüística e o bi-
lingüismo institucional (cf. González Lorenzo, 1985). 
12 
O método direto — apesar de mostrar-se permissivo e aceitar 
o uso da língua materna pela criança, enquanto ela não adquiremaior domínio da língua dominante (e apesar de que esta seja 
introduzida em sua modalidade oral antes da alfabetização pro-
priamente dita) — na verdade representa uma versão moderna 
dos velhos métodos que visavam à assimilação das minorias imi-
grantes ou autóctones à língua e cultura dominante. 
Quanto aos métodos bilíngües de transição, seus efeitos são tão 
ou mais nefastos para o futuro da língua autóctone que os do 
método direto, na medida em que eles "não conseguem evitar 
a erosão das línguas minoritárias" (id., ibid., p.l42). E fácil 
comprender por que isso acontece: é que na prática, por inércia 
ou falta de preparo dos professores, por carência de materiais 
didático-pedagógicos adequados, e tc , paulatinamente a língua 
materna vai sendo relegada e por fim abandonada de todo. 
Eliminadas as duas abordagens acima referidas, por inadequadas, 
pode-se dizer que o que interessa às sociedades indígenas é um 
processo escolar de manutenção lingüística, em que o ensino bi-
língüe aponte para o fortalecimento, mas, mais ainda, para a 
possibilidade de desenvolvimento de suas línguas maternas como 
instrumento eficiente de afirmação de sua identidade socioeconô-
mico-cultural frente à sociedade majoritária. 
Um processo como este exige a utilização da língua indígena não 
apenas como veículo de comunicação entre os alunos, ou restrita 
aos primeiros anos de freqüência à escola, ou às classes de lin-
guagem. A língua indígena precisa ser "estudada", modernizada, 
ampliada, normatizada e normalizada, mas tal processo só pode 
ser efetivamente posto em marcha se houver, por parte dos seus 
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
usuários — em primeiro lugar os professores indígenas —, a cons-
ciência da importância dessa tarefa, clara vontade política dire-
cionada nesse sentido, e participação ativa e continuada em todas 
as etapas do processo. 
Não basta, porém, toda a (boa) vontade e toda a consciência do 
mundo, para que as coisas se realizem como as idealizamos. Os 
professores índios, as comunidades indígenas em geral, as enti-
dades que as apóiam, e o próprio MEC, via Comitê de Educação 
Escolar Indígena, reivindicam que toda a escolarização feita nas 
aldeias fique a cargo de professores indígenas. Com isto, cumprir-
se-ia uma das condições necessárias para que a escola possa de-
senvolver programas de manutenção lingüística. Mas, para isto 
se tornar realidade, é absolutamente imprescindível que esses 
professores, sem abandonarem sua atuação corrente nas escolas, 
tenham paralelamente formação especializada que, ao mesmo 
tempo: 
a) contemple sua necessidade de informações e conhecimentos 
relativos aos vários campos e aspectos da cultura dominante, 
a fim de que, a partir das informações e etnoconhecimentos re-
lativos a suas próprias culturas, possam operar a síntese crítica 
necessária para que, "ao mesmo tempo em que se assegura e se 
fortalece a tradição e o modo de ser indígena, fornecem-se os ele-
mentos para a relação positiva com outras sociedades" (Diretrizes 
para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena, 1993, 
p.12); contemple, além disso, e crucialmente, sua necessidade 
de "dominarem" a língua portuguesa; 
b) contemple sua formação específica como professores, e, em pri-
meiro lugar, como alfabetizadores em sua língua materna; sem 
esquecer, porém, que também aqui eles terão de operar a síntese 
entre métodos e procedimentos requeridos pelo ensino/aprendiza-
gem na situação específica da sala de aula (realidade estranha 
à cultura tradicional) e os métodos e procedimentos de ensino/ 
aprendizagem característicos de suas culturas; 
c) contemple sua formação como pesquisadores das próprias cul-
turas, capazes de compreender, analisar e explicitar os etno-
conhecimentos do seu povo, sem o que não poderão processar as 
várias e necessárias sínteses acima referidas. 
Voltando, então, à referência inicial sobre o necessário caráter 
bilíngüe e intercultural da Educação Escolar Indígena, é mister 
concluir que, pelo menos por ora, todos os esforços e ações no sen-
tido de se alcançarem essas metas devem se concentrar na for-
mação bilíngüe e intercultural dos professores indígenas. 
Nessa trajetória, é de extrema importância o trabalho conjunto 
e a ajuda mútua entre índios (alunos/professores-em-formação) 
e não-índios (assessores/especialistas de distintos campos), pois 
a rigor todos ainda estão engatinhando, buscando o rumo daquilo 
que poderá se tornar futuramente Magistério Indígena, Professor 
Indígena ou Formador de Professores Indígenas. 
Para que um dia se possam exercer na prática escolar indígena 
os direitos de "aprendizagem" do português e ao mesmo tempo 
de "utilização", "desenvolvimento" e "reelaboração dinâmica" das 
línguas maternas indígenas, é preciso se ter compreensão clara 
das condições e das características necessárias para que um pro-
grama bilíngüe apresente resultados positivos e eficazes. 
13 Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
Pode-se considerar, com Widdowson (1987, ao referir-se a artigo 
de Hornby publicado em 1946), que o aprendizado de uma língua 
apresenta três aspectos principais: "a aquisição do conhecimento 
da língua", "o domínio do uso da língua" e o "desenvolvimento 
do sentimento da língua". 
Os dois primeiros aspectos têm a ver com o uso instrumental 
e utilitário da língua. Mesmo tendo mudado, no decorrer das últi-
mas décadas, as correlações valorativas entre conhecimento e 
uso — inicialmente se supunha que era preciso primeiro conhecer 
o sistema e os códigos da língua, e o uso viria como decorrência 
disso; mais tarde, pensou-se o contrário, que a atividade comuni-
cativa, o uso prático da língua, é que era fundamental para se 
poder conhecer a língua — de qualquer forma "os dois enfoques 
estão centrados no domínio prático, utilizando a linguagem como 
instrumento para uma comunicação efetiva" (Widdowson, 1987, 
p.174). 
A preocupação de Widdowson, assim como a nossa no caso da 
formação de professores indígenas, é com o terceiro aspecto, 
aquele que se refere ao "desenvolvimento do sentimento" da 
língua. Tal "sentimento" só se adquire "através de elevada 
conscientização das possibilidades expressivas inerentes à 
natureza mesma da linguagem. O sentimento, sob esta interpreta-
ção, é o reconhecimento das formas lingüísticas como formulações 
de maneiras particulares de entender a realidade. E, em outras 
palavras, uma concepção da linguagem como instrumento cultu-
ral" (id., ibid., p.175). 
Não é outra senão essa, a nosso ver, a visão subjacente à frase 
epígrafe deste trabalho, reiteradamente expressa por índios de 
distintos povos: "Queremos aprender o português para entender 
a cabeça do branco." 
Este aspecto da aprendizagem de uma língua é fundamental para 
que o termo "intercultural" aplicado à Educação Escolar Indígena 
tenha sentido. Quando a ênfase é posta apenas no aprendizado 
do uso comunicativo da língua, não se consegue desenvolver a 
consciência de como as línguas "refletem as atitudes culturais, 
as idéias e preocupações das pessoas que as falam", e portanto 
como elas revelam sua "cabeça". 
E claro que os três aspectos apontados são necessários no ensino/ 
aprendizagem de uma língua. "Há, em resumo, um lugar para 
o "estudo" e outro para o "aprendizado" das línguas" (Widdowson, 
1987, p. 180). E se, no caso dos índios em relação à aprendizagem 
do português, tal estudo sozinho não basta para garantir a cons-
ciência intercultural, ele pode contribuir, sob a condição de estar 
estreitamente associado ao estudo da própria língua, para propor-
cionar o conhecimento necessário sobre o qual se baseia a inter-
culturalidade. 
Pode aqui surgir dúvida sobre tal centramento na própria língua 
— que, tendo objetivo cultural, pressupõe orientação integradora: 
isso não acarretaria prejuízo ou retardo noaprendizado da língua 
para fins utilitários de comunicação? "Não parece haver nenhuma 
razão convincente para supor que o centrar-se na própria língua 
iniba o aprendizado do uso da mesma. Pelo contrário, a forma 
lingüística, da mesma maneira que as concepções de consciência 
cultural, e suas projeções potenciais como função comunicativa 
podem ser concebidas como unidades de aprendizagem para o 
desenvolvimento da consciência cultural e da suficiência. Desta 
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
maneira, o conhecimento aparece como a base para o sentimento 
e o uso das línguas." (id., ibid., p.178) 
O autor vê a possibilidade de colocar em prática tais princípios 
e pressupostos através de pedagogia que se apóie em "compara-
ções" entre as línguas, para desenvolver uma metodologia que 
incorpore as análises diferenciais que se forem processando. Sabe-
se que este tipo de atividade já é utilizado, de forma não siste-
mática, em muitos cursos de línguas, com a finalidade de facilitar 
seu aprendizado instrumental. Widdowson propõe que ela se torne 
a base metodológica de um ensino que vise ao estudo cultural 
da linguagem. 
Na formação dos professores indígenas, essa metodologia contras-
tiva permitiria que se fossem processando e sistematizando — 
ao mesmo tempo em que se apreendem as estruturas gramaticais 
do português — as estruturas básicas, muitas vezes ainda não 
abordadas em nenhum estudo lingüístico, de suas línguas 
maternas. 
Os estudantes poderiam, por exemplo, analisar contrastivamente 
certos campos léxicos na sua língua e na estrangeira (língua in-
dígena e português, no nosso caso), "comprovando como esses 
campos refletem estruturas de pensamento e comportamento, 
como os termos emprestados de outras línguas se ajustam a ne-
cessidades culturais, etc.O grupo poderia ser conduzido também 
à busca de como os conceitos elementares de estado, tempo, pro-
cesso e causalidade são codificados de maneira diferente segundo 
a sintaxe da língua; ou como diferentes relações sociais se codi-
ficam em termos de direções em diferentes línguas e como estas 
são utilizadas para expressar valores de poder e solidariedade" 
(Widdowson, 1987, p.177). 
O interessante no estudo contrastivo de duas línguas é que, mais 
que qualquer outro, ele está referido diretamente à experiência 
lingüística do aluno, podendo, por isso, despertar seu interesse 
e envolvê-lo de forma criativa no processo de percepção e análise 
consciente das estruturas gerais de sua própria língua e da língua 
"do outro", de sua própria cultura e da cultura "do outro", por 
conseguinte. 
Sabe-se que é fundamental, no trabalho com as línguas — tanto 
a indígena como a portuguesa — o papel do lingüista como asses-
sor do aluno/professor indígena. Mas em que consiste concreta-
mente a assessoria lingüística no caso específico do trabalho 
contrastivo com as duas línguas? Que tipo de atividades são ou 
podem ser desenvolvidas? 
Situação típica em que se pode desenvolver essa atividade é a 
encontrada nos cursos/encontros para formação de professores 
índios, onde os participantes já dominam, bem ou mal, a escrita 
em sua língua materna indígena (a situação especial, minoritária, 
em que o português se tornou a língua materna de um povo indí-
gena, coloca problemas de outra natureza, não abordados aqui). 
A situação ideal de haver um assessor lingüista mais ou menos 
permanente, na área de cada língua, é utópica. Em alguns desses 
cursos, os alunos/professores pertencem a uma única etnia, em 
outros, a várias etnias diferentes. Ilustra-se abaixo, sem iden-
tificar os protagonistas, uma situação real ocorrida em 1993. 
Alunos/professores da mesma etnia. Um deles já é professor na 
aldeia, tendo começado a alfabetização dos demais na língua in-
dígena, que todos utilizam como primeira língua. Há vários pro-
blemas não resolvidos de ortografia. O alfabeto proposto tenta-
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
tivamente em ocasião anterior pelo assessor permanente não-indí-
gena junto com o lingüista assessor vem sendo testado na prática 
pelo professor índio. 
O lingüista coordena os trabalhos lingüísticos no curso, que tem 
uma semana de duração. Primeira tarefa para todos os partici-
pantes: representar em mapa o território do povo, identificando 
as estradas, aldeias, rios, e t c , com os nomes escritos na língua 
e em português. A seguir, discussão coletiva (na língua) sobre 
as realizações de cada um, com retificações e complementações, 
quando é o caso. O lingüista anota para si as discrepâncias orto-
gráficas observadas. Depois, cada um dos participantes escreve 
em seu caderno algo sobre um dos rios mencionados. Os textos 
(de duas a três linhas, em geral) são escritos no quadro por seus 
autores, e depois lidos oralmente. Aí começam as observações 
do lingüista sobre as discrepâncias observadas na escrita e se 
faz a análise coletiva das questões surgidas, para que a decisão 
final seja realmente fruto do consenso. 
Muitos conteúdos de lingüística, normalmente só abordados em 
cursos especializados de nível superior, são tratados durante esse 
tipo de sessão de trabalho, que se repete durante o curso, com 
outros textos produzidos. Dessa forma, no caso em pauta, pude-
ram ser analisados, contrastivamente com o português, alguns 
aspectos gramaticais (morfológicos e sintáticos) e fonológicos da 
língua, como o paradigma possessivo nominal, o sistema número/ 
pessoa no verbo, a pluralidade nos nomes, os modos verbais, entre 
outros. Os textos elaborados e corrigidos pelos alunos com seu 
professor e assessores, e devidamente ilustrados, integrarão o 
primeiro livro de leitura nessa língua, e serão utilizados na escola 
como material didático para a alfabetização das crianças. 
Em outros contextos, já se tem trabalhado com a descoberta, ex-
plicitação e sistematização dos sistemas nativos de classificação 
zoológica e botânica, entre outros, para fins de elaboração coletiva 
de vocabulários bilíngües, ou mesmo enciclopédicos em relação 
a dada cultura. 
O trabalho com a sistematização gramatical da língua indígena 
— sempre numa abordagem contrastiva com o português — quer 
"matar dois coelhos de uma só cajadada": por um lado, visa à 
feitura de gramáticas descritivas e pedagógicas das línguas em 
foco; por outro, através da compreensão e paulatino domínio das 
estruturas gramaticais do português, pretende contribuir para 
que os índios na escola atinjam mais rapidamente aquele "senti-
mento da língua" portuguesa que lhes permitirá não apenas "en-
tenderem a cabeça do branco", mas também moverem-se como 
cidadãos no terreno da língua oficial e das múltiplas culturas 
do país comum de índios e não-índios, o Brasil. 
A meta (sonho?) é conseguir, paulatinamente, em esforço que 
congregue toda a comunidade e não apenas os professores (em 
que pese seu papel fundamental no processo) elaborar e sistema-
tizar na escrita os etnoconhecimentos indígenas tradicionais e 
atuais nas várias áreas —com todos os acréscimos, modificações 
ou perdas dos últimos em relação aos primeiros. Mas, para tal, 
vale reiterar: é imprescindível que os professores indígenas se 
tornem, além de tudo o que necessitam saber e fazer, também 
pesquisadores de suas próprias línguas. 
Se, e quando, tudo isso for feito — inicialmente no processo de 
formação especializada de índios para o magistério indígena e 
depois, nas próprias escolas indígenas, no processo de escolariza-
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
ção infantil —, aí, sim, a Educação Escolar Indígena, pelo menos 
no que se refere à linguagem, poderá ser chamada, com proprie-
dade, de intercultural e bilíngüe. 
Referências bibliográficas 
DIRETRIZES para a política nacional de educação escolar indí-
gena. Brasília: MEC, 1993. 
GONZALEZ LORENZO, Manuel. Bilingüismo en Galicia: proble-mas y alternativas. Santiago de Compostela: Universidad 
de Santiago de Compostela, 1985. 
WIDDOWSON, H.G. Estudio del lenguaje y aprendizaje del len-
guaje. In: SIGUAN, M. (Coord.). Lenguay educación en Euro-
pa. Barcelona: Promociones Publicaciones Universitarias, 
1987. p.171-180 (ICE. Colección seminario, 19). 
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
EDUCAÇÃO BILÍNGÜE, LINGÜÍSTICA E MISSIONÁRIOS* 
Maria Cândida Drumond Mendes Barros** 
Na América Latina, o lingüista se tornou figura central dos proje-
tos de alfabetização nas línguas indígenas, sobrepondo-se ao peda-
gogo e ao antropólogo na direção dos projetos de Educação Indíge-
na. Nesse uso aplicado da lingüística, as fonologias das línguas 
indígenas deixaram de ser sistemas de escrita exclusivo dos lin-
güistas, para ser também, e principalmente, modelo de alfabeto 
para as comunidades indígenas. O postulado fonológico "para 
cada fonema, um só símbolo" passou a ser válido também para 
a escola indígena ("para cada fonema, uma só letra"). 
Neste trabalho pretendo traçar uma história da concepção de 
lingüística como ciência aplicada à Educação Indígena na América 
Latina, paralelamente à história da atuação do Summer Institute 
of Linguistics (SIL)1 nos países latino-americanos. Não é possível 
se referir a esse modelo de educação sustentado em bases lingüís-
ticas, sem fazer menção aos missionários do SIL. A formulação 
desse projeto educacional se deu no México, na década de 30, 
a partir da aliança entro os indigenistas mexicanos e os missioná-
rios do SIL, e se difundiu na América Latina a partir da Segunda 
* Reprodução resumida de artigo publicado no Boletim de Antropologia do MPEG, 
v.9, n.2, 1993. 
** Do Museu Paraense Emílio Goeldi/CNPq. 
1
 No Brasil, a Sigla SIL tornou-se Sociedade Internacional de Lingüística. 
Guerra Mundial, através dos mesmos missionários. A alfabetiza-
ção em língua indígena propagou-se na América Latina como 
parte do processo de evangelização. 
Na última parte deste trabalho, apresento considerações teóricas 
a respeito do antagonismo fenomenológico e social entre a escrita 
e a oralidade (Ong, 1982; Harris, 1980; Goody, 1986). A polaridade 
entre essas duas formas de uso da linguagem impede postular 
uma relação de correspondência unívoca entre elas, da maneira 
como está suposto no lema acima mencionado: "para cada fonema 
um só símbolo/para cada fonema, uma só letra". A polaridade entre 
escrita e oralidade põe em jogo o postulado da "naturalidade" do 
uso da escrita fonológica por falantes de comunidades ágrafas. 
A lingüística americanista como uma escrita para a comu-
nidade científica 
Para a Linguistic Society of America, o objeto de estudo "língua" 
se definia como manifestação oral e a sua escrita ortográfica como 
seu substituto. Oralidade e escrita se diferenciavam enquanto 
realidade versus representação. A dimensão oral da língua não 
era possível de ser representada pela escrita ortográfica, conside-
rada como uma forma artificial e arcaica de representação 
(Bloomfield, 1942, p.8). O pouco valor científico das escritas 
ortográficas se devia a que sobre elas imperavam critérios extra-
lingüísticos, impostos pela tradição ou pelo poder prescritivo de 
um grupo, como o das academias. 
O lingüista requeria que uma escrita especial fosse capaz de esta-
belecer um quadro fiel da oralidade e, ao mesmo tempo, reproduzis-
se o sistema lingüístico subjacente a todas as línguas do mundo. 
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
Esse objetivo era logrado através do uso do alfabeto fonético, da 
análise fonológica e morfológica. O desiderato da lingüística era 
que o sistema de escrita científica estabelecesse uma representação 
da oralidade por correspondência unívoca, ou seja, que fizesse cor-
responder a cada elemento da oralidade um símbolo gráfico. 
O alfabeto fonético permitia distinguir som de letra, ao estabele-
cer uma escrita organizada pela forma de articulação física de 
sons, ordenada por meio de um quadro indicando o modo de arti-
culação (fricativo, oclusivo, etc.) e o ponto de articulação (velar, 
bilabial, etc.) no aparelho fonador. 
A objetividade da escrita do lingüista não se limitava à reprodu-
ção fiel dos sons. Seu trunfo maior estava na possibilidade de 
representação de outros níveis da língua, o fonológico e o morfoló-
gico, menos aparentes enquanto fenômeno físico. O "fonema" ou 
o "morfema" revelavam um nível subjacente à manifestação física, 
com valor de realidade psicológica para o falante nativo. 
Até a década de 30, as questões em torno do alfabeto fonético 
e da análise fonológica de línguas indígenas, debatidas no Lin-
guistic Society of America (LSA), se destinavam apenas ao seu 
uso pelos lingüistas, como se depreende do artigo coletivo "Some 
ortographic recommendations. Arising out of discussions by a 
group of six Americanist linguistics", escrito por George Herzog, 
Stanley Newman, Edward Sapir, Mary Haas Swadesh, Morris 
Swadesh e Charles Voegelin (1934). 
"Lingüística americanista" era o ramo da disciplina dedicado 
ao estudo das línguas indígenas segundo o modelo de Franz Boas. 
Uma marca da lingüística americanista na LSA foi considerar 
sem relevância, na definição de seu objeto de estudo, a diferencia-
ção teórica entre língua literária e ágrafa. A teoria lingüística 
se apresentava como um método geral e as línguas indígenas 
estavam igualadas, em termos teóricos e metodológicos, às línguas 
indo-européias. 
O postulado científico da igualdade entre as línguas, defendido 
pela lingüística americanista, teve importância para a formação 
de um discurso político-científico contrário às idéias evolucionis-
tas, que ordenavam as línguas entre primitivas (ágrafas) e civili-
zadas (literárias). As idéias evolucionistas no âmbito da lingua-
gem passaram a ter o valor de preconceito anticientífico. 
Nem todas as correntes lingüísticas minimizaram a diferença 
entre línguas orais e literárias como a tradição americanista; 
apesar de todas reconhecerem a anterioridade da oralidade, elas 
variaram em relação ao grau de importância dado à escrita no 
âmbito do seu objeto de estudo. 
A corrente lingüística que predominou no âmbito do estudo das 
línguas indígenas não foi o Círculo de Praga, mas sim o modelo 
da Linguistic Society of America. Isso fez com que prevalecesse 
nesse domínio a posição de não-caracterização das línguas indíge-
nas pelo seu caráter ágrafo e de tomar a oralidade e a escrita 
científica como uma relação de correspondência unívoca. Esse 
estilo de estudo das línguas indígenas iria favorecer, mais tarde, 
a transformação da lingüística americanista em ciência aplicada. 
A origem do modelo de educação indígena bi l íngüe 
baseado na l ingüíst ica 
A passagem da lingüística americanista de ciência pura (sem 
compromissos utilitaristas) à ciência aplicada surgiu no México 
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
através da aliança entre indigenistas mexicanos e missionários 
do SIL, além da participação de alguns membros da Linguistic 
Society of America, como Morris Swadesh e Norman McQuown. 
Dessa aliança, a escrita lingüística passou a ser difundida 
também nas escolas indígenas. 
O período da pós-revolução no México foi marcado pelo enfrenta-
mento entre a Igreja Católica e o governo. Como a forma de oposi-
ção à Igreja, o governo criou uma rede de escolas estatais com 
o objetivo de substituir as escolas católicas. A educação do Estado, 
cunhada de "socialista", deveria ser de base positivista, e o seu 
professor deveria ter o papel de "soldado de Ia revolución en tiem-
po de paz" (Townsend, 1952, p.8.1). 
Os intelectuais mexicanos tiveram uma grande participação na 
montagem da escola pública. Entre os temas educacionais mais 
controvertidos estava o da escola indígena (Heath, 1972; Cifuen-
tes Garcia, 1981).Um grupo defendia que esta deveria utilizar 
o mesmo programa das escolas rurais. Outra proposta era a dos 
indianistas, que defendiam uma escola para a população indígena 
diferenciada da educação rural. Esta posição foi defendida pela 
Sociedad Indianista Mexicana e por antropólogos. Sua oficializa-
ção como posição de governo ocorreu durante a gestão de Elias 
Calles e Lazaro Cardenas. 
O consenso entre os dois grupos era de que a escola deveria ser 
o principal instrumento de integração da população indígena ao 
Estado nacional. A proposta dos indigenistas não se resumia a 
um modelo de escola. Eles defendiam a montagem de uma buro-
cracia com base na antropologia, a quem caberia a direção dos 
programas de governo para as áreas indígenas. A influência de 
Franz Boas no discurso indigenista mexicano levou a perda de 
ênfase que o conceito de raça tinha como forma de diferenciação 
do índio em relação a população nacional, e sua substituição pelo 
critério de "língua". 
La diferencia fundamental que existe entre Ia ra-
za indígena y el resto de la población mexicana, 
es sin duda el idioma. El color de Ia piel, Ia for-
mula del cabello, el índice cefálico y muchas otros 
características somáticas o antropológicas, aun 
cuando tienen uma importancia grande, dadas 
Ias relaciones que hay entre soma y psique, no 
pueden compararse ni son tan evidentes como Ias 
diferencias lingüísticas. (Basauri, 1937, p.57) 
Um sinal dessa mudança conceituai aparece no censo de 1930, 
que, em vez da categoria de raça, utiliza "língua" como critério 
para identificar a população indígena (Departamento Autonomo 
de Asuntos Indígenas, 1940, p.34). 
O estudo das línguas indígenas passou a auxiliar a integração 
nacional. A existência de línguas indígenas não constituía obs-
táculo nacional; na visão dos indigenistas mexicanos, línguas 
indígenas poderiam ser usadas como um método mais eficaz de 
ministrar conhecimentos científicos e informações sobre a nação, 
quando utilizadas na sala de aula pelos professores indígenas. 
El lenguaje se ha tomado ya como hilo conductor 
hacia Ia mentalidady Hacia Ias necesidades prác-
ticas de la pida indígena; el estudio del lenguaje 
es Io que abre el camino para su integración na-
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
cional. (Investigaciones Lingüísticas, v.4, n.l/2, 
1937, p.155) 
Uma das primeiras medidas do Departamento Autonómo de 
Asuntos Indígenas, criado no governo Cardenas, foi organizar 
a "1a Asamblea de Filólogos y Lingüistas", com objetivo de discutir 
o programa para a Educação Indígena. O ponto de partida foi 
a defesa do uso da língua indígena na educação oficial. 
Convocar a todos los estudiosos para hacertes 
compreender Ia necessidad y Ia importancia de 
estudar el problema de Ia educación indígena, 
buscando un mejoramiento por medio de Ia utili-
zación de Ias lenguas indígenas. (Departamento 
Autonómo de Asuntos Indígenas, 1940, p.xiii). 
A função da educação em língua indígena continuava sendo a 
de incorporação dos índios à sociedade nacional. O ensino do 
espanhol estava presente na escola, porém separado pedagogica-
mente do aprendizado da escrita e da leitura. A proposta era 
introduzir a escrita pela língua indígena, e o aprendizado do 
espanhol como língua estrangeira. 
O grupo indígena Purepecha, no estado de Michoacan, falantes 
do Tarasco, foi escolhido como balão de ensaio das propostas 
educativas. Ali se implantaria uma campanha de alfabetização 
em Tarasco que sintetizaria a proposta Indigenista. 
O projeto Tarasco se tornou o primeiro programa de educação 
pública na América Latina que oficializou a alfabetização na 
língua indígena e a lingüística como modelo da escrita da escola. 
O lingüista estava presente em todas as fases da escola: era o 
responsável pela elaboração de um alfabeto na língua e chefe 
do grupo dos professores indígenas. 
A reunião de 1939 representou um divisor de águas na área de 
estudo de línguas indígenas no México. Antes dela, os estudos 
de línguas indígenas eram feitos pelas "academias de lenguas" 
(Nahuatl, Maya e Otomi), formadas por intelectuais de diversas 
áreas. A partir dela, a Lingüística passou a dominar, e se excluiu 
a Filologia como disciplina pertinente. Outra mudança foi em 
relação ao público ao qual se destinava os escritos em línguas 
indígenas. O objetivo das academias, antes de 39, era decidir e 
unificar uma escrita para uso entre os investigadores, como pro-
pôs o Instituto de Investigaciones Lingüísticas de Mariano da 
Silva Aceves. 
Al estabelecer estos textos indígenas, recogidos de 
viva voz por sus autores, el asunto principal para 
nuestro) Instituto ha sido Ia discusión de los proble-
mas técnicos de ortografia, dada Ia anarquia rei-
nante en esta materia. Estos problemas quedam 
sometidos al estudio de nuestros academias espe-
ciales en cada idioma indígena ,y ya hemos dicho, 
que uno de sus principales objetivos, es precisar 
Ia ortografia del Nahuatl, del Maya, del Otomi 
y demás lenguas en uso, a efecto de facilitar y 
uniformar Ias investigaciones. (Editorial, Inves-
tigaciones Lingüísticas, v.4, n.3/4, 1937, p.183) 
O resultado da análise fonológica passou a ser adequado tanto 
para o cientista como para o falante nativo, e dado o aspecto 
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
técnico da escrita fonológica, o lingüista se tornou o único 
especialista com poder decisório. 
O fonema foi um dos principais conceitos da lingüística posto a ser-
viço da administração pública; observe a referência a Sapir e a sua 
definição de fonema com valor psicológico para o falante nativo: 
Sapir e su alumno Swadesh son en parte los res-
ponsables del desarrollo y de Ia forma definitiva 
de Ia teoria del fonema, teoria tan básica a todo 
estudio lingüístico (Departamento Autonómo de 
Asuntos Indígenas, 1940, p.90). 
Assim, o processo de alfabetização seria mais natural se fosse 
idealizado pelos sons da língua nativa. 
Los sonidos — unidades que en los círculos cien-
tíficos ultimamente han llegado a llamarse fone-
mas — son, para Ia persona que habla un idio-
ma, unidades psicológicas y fonéticas al mismo 
tiempo, a Ias cuales se asocia un significado en 
Ia lengua. Por Io tanto, es facil enseñar al indí-
gena a leer y escribir en su proprio idioma, pro-
porcionandole preferentemente signos unidades, 
es decir, letras simples, que correspondem per-
fectamente a Ias unidades psicofonéticas reconoci-
daspor él en Ia lengua. (Departamento Autonómo 
de Asuntos Indígenas, 1940, p.19) 
Uma presença constante em todas as discussões sobre o uso da 
língua indígena na educação foi William Cameron Townsend, 
fundador do Summer Institute of Linguistics em 1935, no México. 
Ele e seu grupo participaram da 1a Assembléia de Filólogos e 
Lingüistas, do l° Congresso Nacional de Educação, do Primeiro 
Congresso Interamericano de Indigenistas, todos eles fóruns de 
defesa da educação em língua indígena. 
Na "1a Assembléia de Filólogos e Lingüistas", vários membros 
do SIL apresentaram trabalhos em fonologia com base para a 
elaboração de uma escrita "prática" (Kenneth Pike, Max Lathrop, 
Eunice Pike, Florence Hansen). A influência de Townsend na 
reunião de 39 e no Projeto Tarasco se deu pela oficialização do 
seu método de alfabetização chamado "psicofonético" (mais tarde 
"psicofonêmico"). 
Antes de ir para o México em 35, Townsend havia traduzido o 
Novo Testamento para a língua Cakchiquel (Guatemala) e, como 
parte dessa tarefa, havia organizado uma escola para a alfabeti-
zação nessa língua, imprescindível para que pudesse haver uso 
do Novo Testamento traduzido. Já no México, Townsend transfor-
mou seu projeto de alfabetização com fins religiosos em um pro-
grama de educação laica, angariando com isso apoio do governo 
e dos intelectuais mexicanos. Sua proposta de educação se firmouatravés da publicação de material didático separado do religioso. 
As cartilhas de alfabetização não eram catecismo ou Novo Testa-
mento, mas sabendo ler os primeiros, o alfabetizado tornava-se 
capacitado para ler os textos religiosos. 
Quando na Guatemala, Townsend não precisou do saber lingüísti-
co. A opção pela evangelização em língua indígena não precisava 
de conceitos como "sistema lingüístico", "língua materna", "fone-
ma", "ponto de vista interno do falante", etc. A inclusão da Lin-
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
güística na formação do membro do SIL foi uma exigência do con-
texto político mexicano, que não reconhecia legalmente a figura 
do missionário. A brecha que Townsend encontrou para fazer o 
seu trabalho de tradução religiosa no país foi através da identi-
dade de lingüista, figura de muito prestígio no indigenismo estatal. 
When we went to Mexico we were willing to be 
ditch-diggers, but Mexico did not want ditch-
diggers; they had plenty. We found, however, they 
did want linguists. (Townsend et al., 1990, p.77) 
O lingüista/missionário Townsend se instalou no México como 
educador, pago como professor rural, e teve mais liberdade para 
desenhar sua política de conversão/educação entre os indigenistas 
mexicanos, do que junto à Central American Mission, de quem 
foi missionário, por quase duas décadas, na Guatemala. 
O missionário do SIL e o indigenista mexicano compartilhavam 
da política para a população indígena. Ambos concordavam com 
que o boteco, o feiticeiro e a Igreja Católica mantinham o índio 
explorado. Ambos propunham a integração dos índios através 
da educação e consideravam o professor indígena como seu agen-
te. As línguas indígenas eram consideradas possíveis de serem 
"incorporadas" como expressão de novas idéias; serviam tanto 
aos missionários tradutores da Bíblia como aos indigenistas inte-
ressados em traduzir discurso do governo ou das leis. As diferen-
ças entre eles se reduziu aos textos que pretendiam traduzir. 
O diálogo mantido entre o missionário evangélico e o indigenista 
anti-religioso no México pode ser ilustrado por um trecho do livro 
Outlook in Mexico, de Alberto Rembao (1942). Ele falava da amiza-
de entre um missionário chamado James Warren ou Dom Santiago, 
e um presidente do México. Para o presidente, o uso da língua indí-
gena na tradução do Novo Testamento e a Lingüística estão incluí-
das na sua política indigenista. Enquanto o presidente vê no mis-
sionário um meio de levar a cabo sua política de integração, o mis-
sionário encontra na política do presidente o caminho para a con-
cretização de seu principal objetivo, a conversão religiosa. 
Como vimos, a concepção de lingüística como ciência aplicada à 
Educação Indígena e da fonologia como uma forma de escrita para 
a população indígena surge do estreito contato entre o SIL e o 
indigenismo mexicano na década de 30. Essa visão da lingüística 
americanista aplicada não foi, contudo, consenso da comunidade 
dos lingüistas americanos. Sol Tax (1945, p.27), em artigo sobre 
"Anthropology and Administration" criticava o caráter prático 
que a lingüística havia tomado ao se envolver nos projetos de alfa-
betização em línguas indígenas. Por outro lado, pouco tempo de-
pois, a lingüística norte-americana reforçou seu caráter de ciência 
aplicada. Durante a Segunda Guerra Mundial, a experiência de 
campo dos lingüistas americanistas teve sucesso como método 
para aprender línguas estrangeiras por parte das forças armadas. 
A difusão do projeto de educação bi l íngüe e do modelo 
de l ingüíst ica aplicada na América Latina 
O Projeto Tarasco teve vida curta entre os Purepecha, mas sobre-
viveu por longos anos como modelo de Educação Indígena nos 
fóruns indigenistas. Em 1940, ele foi apresentado como exemplo 
aos demais países do continente americano durante o Primeiro 
Congresso do Instituto Indigenista Interamericano. Do Instituto, 
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
laboratório do pensamento indigenista mexicano, e criado por 
iniciativa do governo Cardenas para difundir a proposta de uma 
burocracia indigenista formada por antropólogos, participava 
o próprio SIL. 
Na década de 50, o Projeto Tarasco se internacionalizou através 
da Unesco, que passou a recomendar o uso da língua materna 
na alfabetização de crianças em todo o mundo. Morris Swadesh 
e Kenneth Pike foram alguns dos lingüistas que participaram 
das reuniões promovidas pelo órgão. 
Se os mexicanos ajudaram a difundir o projeto Tarasco como mo-
delo de escola indígena, quem montou as escolas bilíngües nos 
demais países da América Latina (Guatemala, Peru, Brasil, Equa-
dor, Colômbia, etc.) foram os missionários do SIL. Depois da 
experiência do México, tornou-se norma da missão participar de 
programas oficiais de Educação Indígena. Os trabalhos no âmbito 
da alfabetização na língua indígena deveriam ser de caráter "uni-
versal" (Bendor, 1981, p.24), ou seja, ser programas de massa, 
e não restritos às escolas da missão. O objetivo era poder direcio-
nar a Educação Indígena oficial para as necessidades de alfabeti-
zação em língua indígena, que é parte imprescindível do projeto 
de conversão, mediada pela tradução da Bíblia. Essa norma rece-
beu críticas no interior do SIL, pois acreditava-se que o envolvi-
mento em programas de educação oficial atrasaria o projeto evan-
gelizador. Townsend, diretor da missão por várias décadas, con-
tra-argumentava que assumir a direção da Educação Indígena 
oficial possibilitaria uma maior difusão da Bíblia. 
Peru e Brasil são dois exemplos de países da América Latina 
onde a missão obteve o monopólio da Educação Indígena oficial, 
de base lingüística. Em nenhum dos dois países havia uma tradi-
ção intelectual de respaldo ao uso da língua indígena na educa-
ção, nem uma concepção da lingüística enquanto ciência aplicada. 
No Peru, o SIL chegou em 45, junto com o crescimento do indige-
nismo e da antropologia. O Instituto Indigenista Peruano foi 
criado em 46, nos moldes do projeto mexicano: um órgão de pes-
quisa em Antropologia que colaboraria com o governo na sua 
atuação junto aos grupos indígenas. A lingüística constava como 
uma subdisciplina da Antropologia. O contexto era favorável para 
que missionários-lingüistas entrassem nos programas oficiais 
de educação. 
O SIL não encontrou no Peru um contexto intelectual com hege-
monia da Antropologia e do indigenismo como o que havia viven-
ciado no México. O órgão indigenista era recente; não havia antro-
pólogos nacionais em número suficiente; o espaço oficial da 
Antropologia Aplicada foi preenchido por instituições estrangeiras 
— Andean Research Institute, Smithsonian Institution, Museu 
de Chicago, Museu de História Natural de Nova York, Universi-
dade de Yale, Columbia, Harvard, Cornell (Peru Indígena, n.9, 
1953). O SIL era apenas uma das várias instituições estrangeiras 
que se instalaram para a tuar junto aos grupos indígenas e não 
era a presença mais importante. Não havia no Peru uma discus-
são em torno da Educação Indígena diferenciada da rural, e não 
se mencionava o uso da língua indígena como parte do processo 
educativo. A revista Peru Indígena acabou se tornando, a partir 
da entrada do SIL, o instrumento de Townsend na defesa da esco-
la em língua indígena. Em vários artigos do órgão do Instituto 
Indigenista Peruano, Townsend defendeu a alfabetização em lín-
gua indígena, através de argumentos integracionistas, tão ao 
gosto dos indigenistas mexicanos e peruanos: 
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
Una vez que puede leer, aunque al principio sea solamente 
en su propio idioma, se le quita el complejo de inferio-
ridad. Comienza a interesarse en cosas nuevas. Se 
interesa en comprar artículos manufacturados — 
implementos, molinos, ropa, etc. Para hacer tales compras 
necesita trabajar más.La producción aumenta y luego 
el consumo también. La sociedad entera, menos el 
cantinero y el brujo, saca provecho. Se descubre que el 
indio vale mas como hombre culto que como fuerza bruta 
sumido en Ia ignorancia (Townsend, 1949, p.43). 
O primeiro convênio do SIL com o governo peruano foi em 1945; 
a missão se propunha a estudar línguas indígenas, preparar car-
tilhas e traduzir leis, informações sobre higiene, técnicas agrícolas 
e literatura de "valor patriótico e moral". Sua área de atuação, 
pelos termos do convênio, seria a Amazônia. Para o governo pe-
ruano, era conveniente que a missão exercesse, na Amazônia, seu 
papel de força de integração da região à economia nacional; o índio 
deixaria de ser um obstáculo para a ocupação da região. Segundo 
Townsend, a Amazônia representava um lugar mitológico para 
o missionário com ambições de pioneiro e desbravador das frontei-
ras do mundo não-evangélico. Havia, além disso, a possibilidade 
futura de expandir a missão para os países contígüos. 
Em 1952, o SIL consegue estabelecer, no Peru, uma escola indíge-
na compatível com sua estratégia de evangelização e é oficializado 
o programa de educação bilíngüe para os grupos indígenas da 
Amazônia através da criação de um curso para formação de 
professores indígenas na base do SIL de Yarinacocha (Brend, 
Pike, 1977, p.74). 
O primeiro curso, em 1953, reuniu 15 alunos de seis línguas dos 
quais onze se formaram como professores. Ao longo de várias 
décadas da escola da selva (Jungle education),os cursos de 
Yarinacocha formaram gerações de índios. O programa de Yarina-
cocha, como Projeto Tarasco, tem como figura central o lingüista, 
agora um membro do SIL. Ele é o responsável pela fase prelimi-
nar da escola, que consiste em fazer análise fonológica, elaborar 
um alfabeto e preparar as cartilhas de alfabetização e os demais 
materiais didáticos. O lingüista é quem define a norma correta 
da escrita, alfabetiza o índio em sua língua e ainda escolhe e ava-
lia os futuros professores. A escola bilíngüe, localizada em aldeia, 
tem muita semelhança com a escola da cidade, pela disposição 
física dos alunos e dos professores na sala, pelas aulas cronome-
tradas, pela disciplina da fila, do hasteamento da bandeira e das 
aulas sobre símbolos nacionais. A única diferença da escola está 
no uso — em seus primeiros anos — de língua indígena. 
O programa de educação bilíngüe do SIL foi recebido com muita 
simpatia por parte dos intelectuais peruanos, como Vargas Llosa. 
O uso da língua indígena e a localização da escola na própria 
aldeia eram sinais de progresso, comparados com a experiência 
dos internatos das missões católicas. A oposição entre essas duas 
experiências de Educação Indígena está presente no romance 
de Vargas Llosa, Casa Verde (1971a), com as figuras de Bonifácia 
e Jum. Pela primeira se enfoca a experiência das escolas-interna-
tos das missões católicas; pela segunda, faz-se ressoar o projeto 
de educação bilíngüe do SIL. O destino da índia Aguaruna Bonifá-
cia, egressa do internato católico, é trabalhar como empregada 
doméstica em casa dos ladinos. Seu fim é a prostituição na Casa 
Verde. O alcaide Aguaruna Jum tem outra história: para evitar 
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
a intermediação dos patrões, ele organiza uma cooperativa e aca-
ba torturado em praça pública, como represália por sua iniciativa. 
A escola do SIL aparece, então, como uma forma de modernização 
das relações sociais na Amazônia: a experiência da escola do SIL 
levara Jum a montar uma cooperativa na sua comunidade, en-
frentando, por isso, os patrões. Jum reage à exploração do mundo 
do contato, ao contrário de Bonifácia, apenas vítima. 
Em um quarto de século de atuação, a escola bilíngüe teve, no 
Peru, um papel importante na forma de ocupação territorial da 
Amazônia peruana. Ela foi um instrumento de sedentarização 
e concentração dos grupos indígenas. Ao redor das escolas vão 
se formando núcleos urbanos, como entre os Ticuna,.que abando-
naram suas casas isoladas ao longo das margens dos rios, para, 
em terra firme, acompanharem a localização das escolas (Rossi, 
1975). A urbanização trouxe problemas novos de saúde e de ali-
mentação, causados pela concentração populacional (Stoll, 1985). 
O primeiro impacto da escola sobre a comunidade não foi tanto 
pela introdução de uma cultura escrita, mas pela mudança econô-
mica que o professor bilíngüe desencadeia no grupo. Ele é um 
dos poucos a receber um salário e não mais faz parte do sistema 
de atividades comunitárias e de retribuição. O professor bilíngüe 
torna-se mais dependente da economia do mercado do que da 
sua comunidade. A direção das cooperativas costuma ser assumi-
da pelo professor, como uma extensão da escola. A educação bilín-
güe acabou por configurar, ao longo do tempo, uma nova modali-
dade de patronagem, não mais em relação ao dono da borracha 
ou ao comerciante, mas em face ao professor bilíngüe. A comuni-
dade se libera dos laços de débitos com os comerciantes, para 
estabelecer relações de dependência com a escola (Stoll, 1985). 
Além dos vínculos com a cooperativa, a escola estreita seus laços 
com a Igreja Evangélica e com o SIL. A educação religiosa está 
presente na escola bilíngüe através da leitura e do estudo da Bí-
blia na língua nativa (Larson, Davis, 1981, p.96). Uma das formas 
de interferência do missionário-lingüista é na seleção dos alunos 
para receber bolsas de estudo do governo; ele sugere a criação 
e localização das escolas, condicionando-as à aceitação, por parte 
do grupo, das regras da missão: não usar as bebidas tradicionais 
e não seguir as práticas do Xamã (Smith, 1981). De fato, em ne-
nhum outro país, o modelo do SIL tem sido aplicado de forma 
tão integral como no Peru (Brend, Pike, 1977, p.72), ao ponto 
de toda a Educação Indígena para a região amazônica ser gerida 
pela missão e financiada pelo governo. 
No Brasil, o SIL usou como seu cartão de visita o programa de 
educação bilíngüe desenvolvido no Peru e, durante a reunião de 
1954 do Instituto Interamericano Indigenista, ofereceu seus servi-
ços ao SPI (Serviço de Proteção aos Índios). A oferta foi recusada 
e a proposta considerada inconstitucional (Oliveira, 1981), por 
representar o controle de grupos particulares e estrangeiros sobre 
a assistência à população indígena. O ideário positivista do Gene-
ral Cândido Rondon, criador do SPI, defendia a formação de um 
indigenismo estatal e laico, e não via com bons olhos a atuação 
de missões religiosas. 
Na época em que o SIL tentava estabelecer convênios no Brasil, 
o SPI fazia um balanço negativo da situação das escolas do órgão 
e propunha a sua reestruturação (SPI, 1953, p.10). Suas 66 esco-
las em área indígena seguiam o padrão da escola rural, com pro-
gramas de alfabetização em português, de ensino de técnicas (cos-
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
tura, carpintaria, olaria, funilaria, etc.) e de noções de higiene 
(SPI, 1954, p.26; SPI, 1953, p.10). 
A escrita não entrava nos programas escolares; apenas o portu-
guês oral era necessário no mundo rural brasileiro, onde o índio 
ia ser incluído. Uma experiência anterior de alfabetização entre 
as crianças Karajá havia mostrado sua inutilidade. O conheci-
mento da escrita havia caído no esquecimento pela falta de opor-
tunidade e necessidade de usar a escrita. 
A posição de que a alfabetização da população indígena não era 
um conhecimento essencial para a integração do índio ao meio 
rural brasileiro foi compartilhada por Florestan Fernandes, que 
comentava a propósito de Tiago Marques Aipobureu, um Bororo 
educado pelos salesianos em Cuiabá, depois em Roma, e retorna 
ao seu grupo como um marginal: 
Um professor tem prestígio nas "sociedades civilizadas", 
porque os conhecimentos adquiridos na escola são necessá-
rios. Ora, a função social daescola das missões, por 
maior que seja a boa vontade dos missionários, não pode 
ser a mesma A escrita e os conhecimentos correlatos, 
aprendidos na escola, não são indispensáveis para um 
Bororo, enquanto os conhecimentos relativos à caça, por 
exemplo, parecem-lhe fundamentais. A leitura e a escrita, 
mesmo como acontece a grande parte de nossas populações 
rurais, são uma espécie de luxo, porque não correspondem 
a uma necessidade de fato e não têm, por isso, uma fun-
ção definida no sistema sociocultural da tribo. Tiago foi-se 
desinteressando insensivelmente da escola, voltando-se 
para atividades mais congruentes com os padrões cultu-
rais de sua tribo (Fernandes, 1960, p.323). 
A educação bilíngüe não era considerada pertinente como modelo 
para a escola indígena, na opinião da "equipe de etnólogos" do 
SPI, tanto para os grupos aculturados, como para aqueles com 
pouco contato. Os motivos eram a existência de uma enorme di-
versidade de línguas no Brasil, faladas muitas vezes apenas por 
uma centena de pessoas, a falta de material didático em cada 
língua (gramática e alfabetos) e as dificuldades de preparação 
de professores para esta modalidade de escola (SPI, 1954, p.28). 
A alfabetização só teria interesse para grupos mais aculturados 
e, sendo estes já na maior parte das vezes bilíngües, a alfabetiza-
ção em língua indígena não fazia sentido. Isso explicaria a falta 
de interesse com relação às propostas do SIL no Brasil, durante 
a reunião do Instituto Interamericano Indigenista de 1954. 
A aproximação do SIL aos antropólogos e indigenistas brasileiros 
teve mais êxito quando os missionários, ao invés de programas 
de educação bilíngüe, se ofereceram para realizar estudos sobre 
as línguas indígenas. Essa última proposta permitiu ao SIL assi-
nar, em 1957, o primeiro convênio no país, junto ao Museu Na-
cional do Rio de Janeiro. 
O prestígio que os membros de SIL tiveram entre a comunidade 
acadêmica no Brasil se deu pela identificação como discípulos 
de Franz Boas, na tradição da lingüística americanista. 
Não nos esqueçamos que foi pela pesquisa das línguas 
indígenas, organizada por Boas, com o auxílio técnico 
e ulterior desenvolvimento de Sapir e Bloomfield, que se 
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
foi pouco a pouco constituindo a hoje tão brilhante escola 
lingüística norte-americana, de que o Summer Institute 
que conosco coopera, é uma apreciável parcela. (Camara, 
1977, p.65) 
O interesse pela lingüística, enquanto "ciência desinteressada" 
(Camara, 1945, p.5), coincidia com a expectativa de que a lin-
güística americanista permitiria estudos comparativos para co-
nhecer a história das migrações das populações indígenas no 
processo de povoamento do sul do continente. O convênio entre 
o SIL e o Museu Nacional estava voltado essencialmente para 
a documentação das línguas indígenas, e a "escrita", que se procu-
rava estabelecer para todas elas, era para uso da comunidade 
acadêmica. 
O pouco interesse pela versão aplicada da lingüística americanista 
pode ser avaliado no "Plano de Estudo das Línguas Indígenas", 
formulado pelos membros do SIL para o Museu Nacional (1965). 
O tópico sobre alfabetização— incluído em "lingüística aplicada" 
— era considerado a última fase do trabalho, executado apenas 
depois de a língua estar suficientemente analisada fonológica, 
gramatical e lexicalmente. A isso se deve o fato de os relatórios 
do Museu Nacional nâo mencionarem as cartilhas em línguas indí-
genas elaboradas pelo SIL entre 59 e 62 (Terena, 1959; Hixkariana 
e Kaingang, 1961; Sateré-Mawé, 1962). Os relatórios só fazem 
menção dos trabalhos do SIL em termos de vocabulários, análises 
fonológicas e morfológicas e estudos comparativos. Em conseqüên-
cia, nos fóruns acadêmicos brasileiros, o SIL deu menos ênfase 
aos estudos aplicados, atitude diferente da que vimos ele assumir 
no México. Lá havia predominado os estudos fonológicos "práticos", 
voltados para a criação de uma ortografia de línguas indígenas, 
como se pode ver pelos trabalhos apresentados pela missão na 
"1a Asamblea de Filólogos y Lingüistas" e nas publicações do 
"Instituto Mexicano de Investigaciones Lingüísticas". No Brasil, 
ao contrário, houve apenas um trabalho sobre cartilhas, apresen-
tado numa reunião da Associação Brasileira de Antropologia, por 
Dale Kieztman, coordenador do SIL no Brasil naquela época. 
Em 1977, ocasião da avaliação pelo Museu Nacional das ativida-
des do SIL, se constatou que o plano de estudo apresentado em 
57 não havia sido respeitado. Havia casos de línguas pouco ana-
lisadas lingüisticamente, mas com uma grande quantidade de 
material didático: 
Não há, portanto, uma dependência regular entre apro-
dução em lingüística descritiva e o envolvimento em 
atividades educacionais, sendo a constante o trabalho 
educacional. Isso permite caracterizar as atividades do 
Summer Institute of Linguistics como de cunho preci-
puamente pedagógico (Museu Nacional, 1977). 
A identidade do lingüista americanista como alfabetizador em lín-
gua indígena se fortaleceu quando já não existia o SPI e, em seu 
lugar, tinha sido criada a FUNAI (Fundação Nacional do Índio). 
Com a FUNAI, o SIL conseguiu em 69 seu primeiro convênio com 
o órgão indigenista, passando a controlar oficialmente a Educação 
Indígena através da formação de centros de treinamento de pro-
fessores indígenas. O acesso da missão às atividades de Educação 
Indígena não se deu apenas através do convênio de 69, mas sobre-
tudo por uma Portaria da FUNAI, de 1972, que torna obrigatória 
a educação bilíngüe no país. Com isso, o principal instrumento 
de integração da população indígena passou a ser a alfabetização 
em língua indígena e não em português. O modelo de escrita indí-
Em Aberto, Brasília, ano 14, n.63, jul./set. 1994 
gena proposto é a sua definição lingüística: "para cada fonema um 
único símbolo" (FUNAI, Portaria nº 75/72). 
A lei de 72 oficializou o modelo de escola do SIL, tornando um 
direito o que era uma necessidade da estratégia de conversão 
pela tradução. O SIL acabou não sendo apenas a única instituição 
com experiência nessa área, mas, principalmente, o próprio mode-
lo de educação bilíngüe oficializado (Leite, 1984). 
A lei que tornou obrigatória a educação bilíngüe oficializou, tam-
bém, a participação do lingüista (e missionário) como figura cen-
tral. Um exemplo dessa relação estreita entre educação bilíngüe, 
lingüística e missionários do SIL, pode ser encontrado no ofício 
da 8a Delegacia da FUNAI, á respeito de uma escola entre os 
Waimiri, povo Karibe do norte amazônico: 
Considerando que os Waimiri-Atroari são monolíngües, 
sugerimos que o ensino seja ministrado por um docente 
com conhecimento de lingüística. Como o Instituto 
Lingüístico de Verão tem promovido anualmente Cursos 
de Análises e Práticas Lingüísticas, acreditamos que 
podemos recorrer àquela Instituição para indicar-nos um 
ou mais docentes com preparação lingüística para im-
plantar e implementar o ensino formal, se possível bi-
língüe e bicultural, para o grupo Waimiri-Atroari 
(FUNAI, 1984). 
O SIL não conseguiu, contudo, montar no Brasil um programa 
das dimensões dos que existiam no Peru. No Brasil, a participação 
dos missionários tem sido na preparação de material didático, 
no treinamento dos indígenas como professores ou como autores 
de literatura indígena (Brend, Pike, 1977, p.72). Os cursos de 
"Literatura Indígena" se impuseram como uma modalidade de 
difundir a escrita e formar ajudantes para a tradução bíblica. As 
primeiras fases desse tipo de curso são estimular o aluno a escre-
ver sobre suas experiências familiares; já as últimas fases são 
dirigidas para a tradução de temas mais árduos, os textos bíblicos. 
Aspecto importante da influência do SIL nos estudos das línguas 
indígenas no Brasil foi o de ter feito vingar a concepção

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