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Encefalopatia hipóxico-isquêmica grave em recém nascidos de termo - incidência e evolução clínica Grave hypoxic-ischemic encephalopathy in term newborns - incidence and outcome Setor de Neonatologia do Departamento Materno- Infantil e Saúde Comunitária do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina. 1 Professor Adjunto. Responsável pelo Setor de Neonatologia. 2 Neonatologistas. Depto. MISC 3 Neuropediatras. Depto. de Clínica Médica. Angela Sara Jamusse de Brito1 Ana Berenice Ribeiro Carvalho2 Ligia Lopes Ferrari2 Eliana Wanderley3 José Aparecido Andrade3 Resumo No período de outubro de 1982 à dezembro de 1990 de 17.428 nascimentos da Mater- nidade do Hospital Universitário de Lon- drina, 72 RN a termo apresentaram encefalopatia hipóxico-Isquêmica grave (graus II eIII da classificação de Sarnat). A incidência foi 4.1/1000 nascidos vivos. Trinta RN tiveram mau prognóstico (1.7/ 1000) sendo 13 óbitos e 17 seqüelas neuro- lógicas. Não houve associação significativa de mau prognóstico com Apgar igual ou in- ferior a 3 no primeiro minuto e igual ou inferior a 5 no quinto minuto e início e controle das crises convulsivas e concomitante aspiração de mecônio. Os ca- sos de mau prognóstico estiveram relacio- nados com necessidade de assistência ventilatória e comprometimento da função renal Recomenda-se melhor assistência pre- natal e monitorização intraparto nas gesta- ções de risco e medidas terapêuticas preco- ces e agressivas ao RN comprometido. Apesar dos avanços conquistados nas últi- mas décadas sobre bioquímica e biofísica fetal permitindo a monitòrização do feto, a asfixia neonatal ainda contribui para altos índices de morbiletalidade do RN, assim como a má qualidade dé sobrevida com se- qüelas neurológicas graves. Ó termo encefalopatía hipóxico-isquêmica (EHI) refere-se às alterações neurológicas em recém-nascidos decorrentes de hipóxia perinatal10. Nos RN que sofreram fenômenos hipóxico- isquêmicos perinatais têm sido descritas le- sões em múltiplos órgãos e sistemas sendo o sistema nervoso central e os rins os mais afe- tados. As alterações neurológicas costumam manifestar-se com alterações do nível de consciência, do tonus muscular e, nos casos mais graves, com presença de convulsões343. As convulsões neonatais têm sido destaca- das não só pelo difícil manejo como tam- bém por sua relação com o aparecimento de seqüelas neurológicas tardias6-9. O objetivo deste estudo é mostrar a inci- dência e a evolução de EHI grave em RN a termo e relacionar alguns fatores de risco para seqüelas neurológicas e óbito. Metodologia De outubro de 1982 a dezembro de 1990, todos os RN a termo da Maternidade do Hospital Universitário de Londrina que tive- ram encefalopatía hipóxico-isquêmica grave foram estudados seguindo um protocolo pre- determinado quanto às observações das alte- rações do SNC, tratamento das convulsões e acompanhamento após alta. Considerou-se RN com EHI grave aqueles que apresentaram alterações precoces do tono muscular e do nível de consciência, acompanhados ou não de convulsões, sen- do caracterizados como grau II ou EI da clas- sificação de Samat10. Esses RN também apre- sentavam um ou mais dos seguintes fatores: 1. Variações consideradas anormais da FC fetal durante o trabalho de parto (FC < 100 ou > 160, presença de Dips) com ou sem eliminação de mecônio; 2. índice de Apgar < 5 no 1Q ou 5Q minutos de vida; 3. Necessidade de reanimação na sala de parto, utilizando máscara com O2 sob pres- são ou entubação endotraqueal. Nas primeiras seis horas de vida era realiza- do exame neurológico observando as alte- rações de tônus, reflexos e nível de consci- ência, seguindo os critérios utilizados e des- critos por Samat10, para estadiamento do grau de encefalopatía. O exame era repeti- do diariamente. Os RN foram rigorosamente observados quanto ao aparecimento de crises convulsivas, incluindo tanto as do tipo sutil como as de movimentos tónico-clónicos repetitivos ou isolados segundo a classifica- ção proposta por Volpe13. Foram conside- radas convulsões de fácil controle aquelas que cederam com uso de fenobarbital isola- do e de difícil controle as que necessitaram associação com hidantoinato. Complementando o estudo foi realizado EEG antes da alta do RN e nos retornos ambulatoriais do ó9 e 129 mês. Em alguns RN realizou-se punção liquórica e/ou ultrasso- nografia. Os RN também foram avaliados quanto à função renal através da quantidade de uri- na eliminada, dosagens plasmáticas e urinarias de sódio, potássio, uréia e creatinina e respectiva depuração. Na alta os RN eram agendados para revisão no ambulatório de retomo do berçário após uma semana. Os outros retornos eram reali- zados aos 2,4,6 e 12 meses. O desenvolvi- mento neurológico era evaliado pelo "screening test" de Sheridan11. Todos os RN eram acompanhados no ambulatório de neuropediatria, para avaliação neurológica e orientação terapêutica específica. Quando necessário as crianças eram enca- minhadas a fisioterapia. Foram definidos dois grupos de RN quanto a evolução: 1 - Normal - compreendendo os RN com desenvolvimento neuromotor normal. 2 - Óbito ou seqüela - compreendendo os RN que foram a óbito ainda no berçário e os que na evolução tiveram seqüelas ^ neuro- lógicas consideradas moderadas (epilepsias) ou graves (retardo neuropsico-motor com paralisia cerebral nas diversas formas). A idade mínima para avaliar a evolução foi de um ano. Não foram compreendidos neste estudo os RN com seqüelas neurológicas mí- nimas e problemas de escolaridade. Foi usado o teste X2 para comparar variá- veis. Usou-se 0,05 ou 5% como nível de rejeição da hipótese de nulidade. Resultados Características obstétricas A idade materna variou de 15 a 45 anos; 22,2% nunca receberam cuidados pré-natais tendo algumas chegado ao hospital em período expulsivo, sem condições de avaliação prévia da vitalidade fetal. As intercorrências mais fre- qüentes durante a gestação foram hiperten- são, hemorragias e infecção urinaria. Foi diagnosticado sofrimento fetal durante o trabalho de parto em 77,7 % dos casos, caracterizado por variações da freqüência cardíaca fetal acompanhado ou não de eli- minação de mecônio. Quanto ao tipo de parto, 57 % foram cesareana; em 9,7% utilizou-se fórceps e 32 % foram normais. Em 25 % dos RN havia circular de cordão. Características neonatais Cinqüenta (69,4 %) dos RN eram do sexo masculino e 22 (30, 5%) eram femininos. Todos tinham mais de 37 semanas de gesta- ção e o peso médio era de 3.270 gramas. Dezenove (26,3%) eram de peso pequeno para a idade gestacional. O Apgar de 1Q e 5Q minutos estão na tabela l, e as complicações neonatais mais freqüentes na tabela 2. A maioria dos RN (49=69%) tiveram con- vulsões nas primeiras 24 horas de vida (Tabela 3). Trinta e sete (51,3%) RN tiveram convul- sões de fácil controle, necessitando somen- te barbitúricos como tratamento específico. Em 32 (45%) foi necessária a associação com hidantoinato; excepcionalmente houve ne- cessidade de outra droga além de baibitúrico e hidantoinato. A dose média efetiva de barbitúrico usada foi de 25 mg/kg. Todos os RN receberam dexametasona IV após a primeira convulsão. Não houve predomínio de um tipo de convulsão, Os RN muitas vezes iniciaram com movimentos mastiga- tórios, de deglutição, natatorios e, posterior- mente movimentos tónicos-clónicos de um ou mais membros, unilateral ou generaliza- do. Outras vezes apresentaram inicialmente hipertonía de membros com ou sem outros movimentos. Quanto ao estadiamento da EHI, 38 (52,7%) RN foram estádio II e 34 (47,2%) estádio III. O tempo médio de internação foi 12 dias e o de reaparecimento do reflexo de sucção foi de 6 a 7 dias. Evolução Durante o período estudado, houve 17.428 nascimentos. Setenta e dois RN tiveram en- cefalopatía hipóxico-isquêmica grave (4,17 1000 nascidosvivos). Treze dos 72 RN fo- ram a óbito, sendo a maioria nas primeiras horas de vida. Dezessete RN tiveram seqüe- las neurológicas, que variaram desde epi- lepsia a retardo neuro-psico-motor grave com tetraplegia espástica. Vinte e sete RN foram considerados normais e 15 RN não retornaram para as revisões ou retornaram até idade insuficiente para avaliar o desen- volvimento (Tabela 4). Vinte e três RN (67,6%) que evoluíram para seqüela ou óbi- to apresentaram clinicamente alterações características do estadiamento HI de Samat. A tabela 5 apresenta o resultado da compa- ração de 27 RN com evolução normal e 30 RN que tiveram seqüelas neurológicas ou que foram a óbito; relaciona-se com Apgar do 1Q e 5Q minutos, início e manejo das cri- ses convulsivas, necessidade de ventilação assistida, comprometimento da função renal e aspiração de mecônio. Discussão Em nosso estudo, a incidência de encefalopa- tía hipóxico-isquêmica moderada e grave (grausnem)foi de 4.1 por 1000RN, pouco mais alta que a relatada na literatura que apre- senta variações de 2.021 e 3.623 por 1000 RN. Esta incidência mais alta reflete nossas condi- ções ou sejam, hospital de referência que atende gestantes de alto risco, de baixo nível sócio econômico, muitas vezes sem ter rece- bido assistência pré-natal. Embora sendo hos- pital de referência a monitorização intrapaito adequada nem sempre é realizada. Dos 72 RN estudados, 30 (41,7 %) tiveram mau prognóstico, ou seja, evoluíram para óbito ou seqüela neurológica. A incidência de mau prognóstico foi de 1.7 por 1000 RN a termo. Na literatura, em al- guns estudos como os de Finer & cols.2> 3> no Canadá, foi de 1.5 por 1000; Levene5 na Inglaterra encontrou 1.0 por 1000 e entre nós, Funayama4 em Ribeirão Preto 1.5 por 1000. Nos estudos que incluem RN prematuros a incidência de óbito e seqüelas é bem maior como 5.3 por 1000, no estudo de Mulligan6. Os RN que apresentam convulsões pós-asfi- xia por sofrimento fetal têm sido estudados por vários autores, com algumas diferenças nos resultados. Existe afirmação que a con- vulsão por si só está relacionada com mau prognóstico9 enquanto outro estudo de- monstrou não existir relação2. Nosso estudo não demonstrou relação do prognóstico com o início e controle das convulsões. Finer2-3> em seus resultados encontrou que as convulsões que iniciam com menos de 24 horas de vida estão relacionadas com mau prognóstico, as- sim como aquelas que não são controladas apenas com fenobarbital. Em nosso estudo o Apgar O à 3 no 1° minu- to de vida e o Apgar < 5 no 5° minuto necessitando de intensivas manobras de re- animação, não interferiram no prognóstico, concordando com as conclusões dos estu- dos de Sykes & cois.12 que interrogam o va- lor do índice de Apgar como reflexo do grau de asfixia do RN. Outros autores7 en- contraram 44 % de óbito em RN que perma- neceram com Apgar O a 3 no 5° minuto. Alguns autores5 estudaram a sensibilidade e especificidade quanto ao prognóstico do Apgar do 5° e 10° minuto, mostrando que o Apgar do 10° minuto é o de maior valor preditivo para prognóstico, com especifici- dade de 95%. Levene5 concluiu que quando os RN apresentam Apgar maior que 5 no 10 0 minuto não terão evolução anormal. Em nosso estudo 47% dos RN necessitaram de assistência ventilatória e 33,3 % tiveram comprometimento da função renal mos- trando a gravidade dos casos. Nestas duas situações houve associação positiva com mau prognóstico. Perlman & Tack8 também encontraram associação positiva de oliguria com mau prognóstico. Acreditamos ainda poder diminuir a morta- lidade e melhorar a qualidade de sobrevida em nosso meio, com medidas conhecidas tais como identificação de gestações de alto risco e efetivação, nesses casos, da adequa- da monitorização do trabalho de parto com assistência imediata ao nascimento e terapia agressiva precoce ao recém-nascido. Summary Seventy-two term infants born at the University Hospital of Londrina were identified to have hypoxix-ischemic encephalophathy (HIE). Using the Sarnat criteria for HIE classification all were grade II and III. The incidence of HIE was 4.1/ 1000 live births. Thirten (18%) infants died during the nursery stay; 17 (23.6%) had significant handicap; 26 (37.5%) were nor- mal and in 15 (20.8%) the follow up was not available. Chi square analyses were used to document relationship between some variable and outcome. The prognostic was not related to Apgar score <3 at one minute, < 5 at five minutes, age and control of the seizures and meconium aspiration. There was significant relationship between the prognostic and the need of assisted ventilation and renal function impairment. We stress the importance of antenatal care and continuons intrapartum monitorization in high-risk pregnancy and early recognition and agressive therapy to the newborn. Referências 1. DOCHERTY, A. &CONGDON, P. 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ROSE,A.L&LOMBROSO,CT.-Astudyofdinical, pathological, and eletroencephalographic features in 137 full-term babies wich a long term follow-up. Pediatrics 45:404,1970. 10. SARNAT, B. B. & SARNAT, M. S. - Neonatal encephalopaúy following fetal distress. Arch Neurol. 33:969,1976. 11. SHERIDAN, M. D. - From birth to five years, children's developmental progress. The NFER - Nelson Publishing Company Ltd., 1981. 12. SYKES, G. S. et al. - Do Apgar score indicate asphyxia? Lancet 2:494,1982. 13. VOLPE, J. J. - Neurology of the Newborn. Second Edition. Philadelphia, W. B. Saunders, 1987. Aceito para publicação em 11 de novembro de 1992. Endereço para correspondência - Dra. Angela Sara Jamusse de Brito Setor de Neonatologia Hospital Universitário de Londrina Cx. Postal 6001 Londrina-PR-86051
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