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HISTÓRIA MEDIEVAL OCIDENTAL CAPITULO 1 IDADE MÉDIA IDADE DAS TREVAS

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HISTÓRIA MEDIEVAL OCIDENTAL
CAPÍTULO 1 - IDADE MÉDIA: IDADE DAS TREVAS?
Beatriz Nogueira de Sousa
INICIAR
Introdução
Atualmente, os programas jornalísticos e a imprensa brasileira, como um todo, classificam ações violentas e preconceituosas como medievais. Nas redes sociais, são comuns publicações que atribuem retrocessos políticos ou ações de perseguição às mulheres como um “retorno a Idade Média”. Você já parou para analisar qual a origem dessa visão pejorativa do período medieval? Não é por acaso que esse tipo de comentário até hoje vem à tona. A visão de mundo medieval que temos foi construída ao longo dos séculos, sendo instrumentalizada de acordo com os interesses de cada época. Neste capítulo, nossa intenção é desmistificar a visão forjada a partir do período renascentista de que a Idade Média foi uma época de trevas sem desenvolvimento técnico, científico e artístico algum. Para isso, a primeira questão que deve ser respondida é: o que de fato é o período medieval? Por isso, no primeiro tópico de nosso estudo, entenderemos um pouco mais sobre a periodização e o recorte historiográfico que define o que ficou conhecido como “Idade Média”. A partir daí, discutiremos a questão da migração bárbara para o Império Romano do ocidente e seu papel no início da era medieval. Os bárbaros migraram ou invadiram? É verdade que tudo o que era romano foi destruído e substituído por instituições bárbaras? Os bárbaros são um grupo homogêneo? Em seguida, no segundo tópico, buscaremos caracterizar a trajetória política do Reino Franco, central para o entendimento da formação do sistema feudal como um todo, partiremos para a questão do feudalismo e concluiremos com uma análise das relações sociais medievais. Por último, faremos uma reflexão sobre o surgimento do milenarismo e o peso que essa vertente religiosa terá no imaginário coletivo e nas apreensões do homem medieval. Bons estudos!
O mundo medieval    
Em um primeiro momento, definir o que é o mundo medieval não é tarefa fácil. Neste desse tópico de estudo, procuraremos elucidar questões formativas para o início do estudo da Idade Média ocidental. Quais os parâmetros de análise usados mais comumente? Como definir o que é o período medieval? A Idade Média foi homogênea? Qual a ligação entre o início do período medieval e as invasões bárbaras na Europa central? Trataremos dessas questões a seguir.
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Figura 1 - O mundo na dimensão atual, com todos os continentes existentes, só passa a ser representado no final do período medieval.Fonte: Martin Behaim Map (1492) A. E. Nordenskjold (1889), WikiMediaCommons, 2018.
A Idade Média pode ser analisada por várias perspectivas, uma delas é a periodização. Sobre a periodização medieval, há intenso debate historiográfico. Tradicionalmente, a Idade Média é considerada um período de mil anos do continente europeu, iniciada com a queda do império romano do ocidente em 476 e terminada em 1453 com a queda de Constantinopla. Contudo, alguns vão situá-la como iniciada em 392, com a alçada do cristianismo como religião oficial do império. Outros irão situar seu final em 1492, com o descobrimento da América e consequente ruptura do pensamento escatológico medieval que essa descoberta causou. Fato é que, assim como em outros segmentos da História, a periodização ideal é sempre aquela que corresponde a um determinado objetivo de análise.
Conceituando o mundo medieval
Perspectivas inovadoras sobre a periodização medieval surgirão a partir da chamada “Terceira geração dos annales”, geração do periódico francês que refuta a “História dos Acontecimentos”, ou seja, a história baseada apenas em acontecimentos políticos e grandes personalidades. A terceira geração será liderada por Jacques Le Goff e Emmanuel Le Roy Ladurie, e se baseará diretamente no método analítico proposto por Fernand Braudel (1992).
Exemplificando melhor, para um historiador que estuda História da Igreja, fica claro que a Idade Média em termos religiosos e de mentalidade se inicia em 392 e termina com a reforma protestante, que dá novas diretrizes para o pensamento religioso europeu, em 1517. Contudo, para um historiador interessado em História Política, o mesmo recorte já não se adequa, mas sim outro que leve em consideração a especificidade de sua análise. Sendo a história uma construção e interpretação permanente, é natural que as periodizações, formulações e objeto de estudo estejam sempre em mutação. 
Uma proposta de periodização da Idade Média que merece destaque é a desenvolvida por Jacques Le Goff (1998), a chamada “longa Idade Média”. Medievalista Francês, Le Goff é membro do movimento historiográfico conhecido como “Escola dos Annales”, que inova nas perspectivas de análise da História como um todo, propondo principalmente o estudo de novos temas e a interdisciplinaridade entre a História e as demais áreas de conhecimento.
Fernand Braudel (1992) divide o tempo histórico em três: o factual, o conjuntural e o estrutural. O tempo factual seria o dos acontecimentos pontuais e imediatos, o que podemos chamar de “jornalístico”. São exemplos: um atentado, uma batalha, a morte de um rei e a posse de outro. O tempo conjuntural é um tempo um pouco mais longo, como por exemplo, um reinado. O estrutural, que é o amplamente defendido por Braudel, é aquele lento, quase imóvel, que aborda as mudanças naturais, os modos de produção como o capitalismo, ou as estruturas mentais. Ele é o tempo da “Longa Duração”, e por meio da análise dele é que podemos observar as grandes mudanças na História.
Para melhor entendimento da periodização de Le Goff da Idade Média e de suas propostas de análise, recomendamos a leitura da obra Para um novo conceito de Idade Média: tempo, trabalho e cultura no Ocidente (1979). Nessa obra, o autor discute a mudança do conceito de Idade Média pelo estudo de novos temas. Do mesmo autor, recomendamos ainda a leitura da obra Uma Longa Idade Média, publicada em 1998.
É pensando nesse sentido, que Le Goff (1998) propõe sua “longa Idade Média”, contudo, ele ainda vai além. Para ele, a o Renascimento não se opõe à Idade Média, sendo o marco de seu fim. Muito pelo contrário: o renascimento comercial e artístico do século XVI é apenas mais um dos renascimentos que a Idade Média proporcionou, desde o renascimento carolíngio. Sendo assim, o renascimento é parte da Idade Média, e não momento de ruptura e início da Idade Moderna. 
Devemos entender a Idade Média como um processo, não como uma estrutura rígida, que começa e termina com hora marcada. Sendo assim, a melhor proposta de análise para o historiador que busca estudar a Idade Média é sempre levar em conta o contexto próprio do local e do objeto observado.
O princípio de tudo: invasões ou migrações bárbaras?
Comumente se acredita que os primeiros séculos medievais foram um declínio do mundo romano. Pouco a pouco, os bárbaros teriam substituído tudo que era romano por seus próprios costumes e instituições. Contudo, quem são os bárbaros?
Sabemos que o nome “bárbaro” tem significado romano e abarca todos aqueles que são estrangeiros ao império romano, e que consequentemente não falam latim. Essa definição não parece um pouco generalista? Atualmente, sabemos que os povos bárbaros são, na verdade, diversos povos diferentes, oriundos principalmente do norte da Europa, que por razões diversas foram obrigados a entrar em território romano. São eles: os Vândalos, os Suevos, os Alanos, os Francos, os Ostrogodos, os Lombardos, e os Anglos e Saxões. É evidente que uma gama tão grande de povos não poderia ter as mesmas características e que a ideia do bárbaro e do próprio germânico é algo meramente acadêmico, pois eles não são um bloco homogêneo. Todavia, por qual motivo os bárbaros vieram para o império romano? 
As causas são variadas, assim como os povos. Não podemos impor um único motivo a todos os povos, nem uma única forma de chegada. Acredita-se que a maior parte dos bárbaros entrou no Império Romano de forma natural, sem grandes choques. Eles seestabeleceram nas regiões fronteiriças do grande império e aos poucos, por meio de acordos pacíficos e até mesmo por aceitarem determinadas tarefas delegadas pelos romanos em troca de algum benefício, eles se misturaram ao império, pouco a pouco criando raízes e desenvolvendo seus costumes. 
Você quer Ver?
A Saga dos Vikings (CHAPMAN, 1995) é um filme interessante para que possamos entender a forma como a guerra e o ideal guerreiro eram estruturas bárbaras intrínsecas ao desenvolvimento social desses povos. O filme se passa no século IX, e é de origem Alemã.
Com o declínio do poder de Roma, naturalmente esses bárbaros se organizaram e elegeram suas instituições originárias como a melhor forma de governo, mas sempre adaptando as práticas governamentais dos romanos. Para a maior parte dos bárbaros, podemos falar muito mais em migração do que em uma invasão, propriamente dita. Não podemos deixar de apontar o início do ataque de Atila, o Huno, chefe de estado da Ásia extremamente imperialista e violento, em 375 (ARRUDA, 1996), como uma das causas que provocaram o deslocamento dos germânicos que se situavam na região de fronteira para dentro do Império Romano. 
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Figura 2 - Os povos Bárbaros têm origem em sua maioria no norte da Europa, local onde há fácil acesso ao mar, mas também ao restante do continente europeu por terra.Fonte: DUBY, 1987, p. 36.
A partir da década de 1970 (SILVA, 2008), grande parte dos historiadores abandonou a ideia de invasões bárbaras, substituindo tal conceito pelo de migrações. O termo invasão transparece a existência de dois blocos antagônicos: o mundo romano de um lado, e o germânico de outro. Contudo, essa concepção não é verdade. Isso é comprovado com a análise do comportamento de Clóvis, o primeiro rei dos Francos.
Clóvis foi o responsável por unir as tribos francas e dar origem ao Reino Franco, tornando-se, desse modo, o primeiro rei dos Francos. Ele é considerado o fundador da França e o primeiro rei católico convertido entre os germânicos. Além disso, sua dinastia teria dado origem à Dinastia Merovíngia, a primeira do Reino Franco após a queda do Império Romano do Ocidente.
Você Sabia?
Diferentemente da figura que se tem no imaginário popular, os Celtas são uma civilização de origem bárbara que não é coesa como grupo. Desse modo, podemos ver vestígios da cultura celta em diversos povos do norte da Europa, como por exemplo, os Batavos, os Belgas e os Bretões (POWELL, 1959). 
Clóvis não teria rompido com os romanos, em um primeiro momento. Os conflitos nesse período, em geral, ocorriam entre os próprios reis bárbaros, configurando-se, assim, como conflitos mais locais do que estatais, levando em conta o contexto do Império. 
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Figura 3 - Os castelos medievais são construídos de modo a parecer uma fortaleza. Dessa forma, eles servem para proteção contra inimigos humanos e inimigos naturais.Fonte: ExFlow, Shutterstock, 2018.
Esse exemplo foi mencionado por nós para que fique claro que nada na História ocorre de forma abrupta. O homem do século V não acordou um belo dia e se viu no período Medieval. Tudo na História ocorre nas entrelinhas, de forma estrutural, aos poucos. Os bárbaros não invadiram destruindo tudo que era romano e originaram os seus reinos. Muitas instituições e costumes foram aproveitados e adaptados dentro da lógica de cada povo bárbaro, que conta com um contexto local próprio.
1.2 A Idade Média como problema historiográfico
Pensando no título Idade Média, o que vem a sua mente? A palavra "média" dá a entender que se trata de um período intermediário, de passagem, algo que ocupou espaço até que outra coisa realmente relevante viesse à tona. Ainda podemos ir além: o que é algo médio? Mediano? Atualmente, entendemos algo médio como algo comum, normal, sem grandes floreios. De imediato, é natural que ao pensarmos em Idade Média, pareça-nos que nada de muito relevante para o desenvolvimento humano ocorreu no período. Essa impressão não ocorre por acaso. O uso do termo já explicita uma visão de que a época se configuraria como mera ponte entre a antiguidade e o capitalismo.
1.2.1 As principais correntes historiográficas
O homem medieval não tinha nenhuma pista de que vivia no período medieval. Para ele, assim como para nós atualmente, o período no qual ele vivia nada mais era que a idade contemporânea, o tempo presente. É partir do Renascimento Italiano que, aos poucos, surge uma distinção para o período de mil anos marcado pelo feudalismo e pela atividade agrícola em seus primeiros anos, principalmente. Mas, por que os renascentistas tinham tanta aversão ao período medieval?
Francesco Petrarca (1304-1374) foi um humanista italiano, poeta, considerado o criador do soneto formado por 14 versos. Ele é quem pela primeira vez vai se referir ao período medieval como tenebrae, ou seja, a “Idade das Trevas” (BISHOP, 1961).
A visão extremamente pejorativa do período medieval como um período estagnado vem, de fato, dos renascentistas. Esse movimento é conhecido como Renascimento, pois remete diretamente ao “renascer” da cultura clássica greco-romana. A Idade Média passa, então, a ser vista como uma ruptura com a perfeição e a beleza da idade antiga, uma interrupção nas artes e na cultura. 
Figura 4 - O antropocentrismo é uma característica renascentista que coloca o homem no centro de tudo.Fonte: ARCHITECTEUR, Shutterstock, 2018.
Essa percepção é desenvolvida pelos renascentistas principalmente por dois motivos: primeiro, pelo fato de o renascimento italiano estar intimamente ligado à ascensão da burguesia mercantil, burguesia essa que teme o período medieval por se tratar de um período em que sua atividade comercial de certo modo é cerceada, regulamentada e dificultada por diversos reis, dado o contexto de fragmentação política. Segundo, pela necessidade de ter algo a que se fazer oposição. Se o Renascimento retoma o que há antes da Idade Média, é um recurso retórico tangível tentar pintá-la como algum tipo de vilã que foi superada pela inteligência e laicismo do homem do século XV. Sobre essa discussão, os dados históricos são nos fornecidos por Hilário Franco Jr. (2001).
O século XVIII é ainda mais radical ao condenar a Idade Média. Por seu forte apelo pelo laicismo da sociedade e das instituições políticas, os iluministas permeados pelas “luzes” da razão humana, não admitem uma sociedade em que a Igreja é a principal articuladora política e social. Assim, o estereótipo da Idade das Trevas persiste. O filósofo francês Montesquieu (1689-1755) ainda afirma que o cristianismo é o grande problema do período medieval.
O romantismo da primeira metade do século XIX, porém, começa a desmistificar esse paradigma. Nas artes e na literatura, a Idade Média ressurge como um período idílico no qual há amores impossíveis, aventuras e paisagens sombrias. Com o movimento romântico, a estética medieval volta a ter audiência.
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Figura 5 - Os filósofos iluministas foram os grandes responsáveis pela divulgação da ideia da Idade Média como idade das trevas. Na imagem, o filósofo Montesquieu.Fonte: Everett Historical, Shutterstock, 2018.
Além disso, na segunda metade século XIX (FRANCO JR., 2001), com o advento do Positivismo, há uma reinvenção da Idade Média. Isso se dá por conta da ascensão dos nacionalismos, que projetam para o período medieval também uma noção de nação. A intenção é dar legitimidade histórica para o argumento nacionalista.
1.2.2 Da antiguidade tardia a alta Idade Média    
Na historiografia até o século XX (ARRUDA, 1996), prevaleceu a percepção geral de que o Império Romano teria entrado em declínio e sido substituído prontamente pelas instituições e costumes dos bárbaros invasores. Atualmente, surgiu o conceito de Antiguidade Tardia, outra perspectiva de análise que explicaremos neste subtópico. 
A Antiguidade Tardia nada mais é do que um período de transição entre a Idade Antiga e a Idade Média. Ela refuta a ideia de substituição abrupta etambém a concepção de que os bárbaros invadiram e destruíram todas as estruturas do Império Romano por onde passavam.
Todavia, a ideia da Antiguidade Tardia também foi alvo de debate historiográfico após sua criação. De um lado, havia os defensores dessa perspectiva e, de outro, os autores que preferem chamar os primeiros séculos após a queda do Império Romano do ocidente de “Primeira Idade Média” ou “Alta Idade Média”.
Os defensores da Antiguidade Tardia têm como seus patronos o historiador suíço Jacob Burckhardt e o belga Henry Pirenne, que se voltam e dão ênfase para as continuidades com relação ao Império, não para as mudanças. Nessa perspectiva, o âmbito do estudo cultural e das mentalidades é privilegiado – não é coincidência Burckhardt ser conhecido por suas obras no campo da História da Arte, bem como pelo uso de nomenclaturas positivas para descrever o período, substituindo palavras como “final” e “decadência” do Império por conceitos como “transformação” e “interação”. Sendo assim, esse momento passa a ser um momento não de ruptura brusca, mas de passagem.
As críticas a esse modelo giram em torno do fato de ser difícil ter precisão nos marcos cronológicos. Já que não há ruptura brusca em diversos aspectos segundo essa visão, quando realmente podemos situar o final da Antiguidade Tardia? Será que é possível, antropologicamente falando, situar exatamente o que é continuidade e o que não é em uma cultura que já convivia com a outra séculos atrás? Realmente, as fronteiras analíticas são nebulosas.
O conceito de Alta Idade Média, que difere em alguns aspectos da Antiguidade tardia, é a perspectiva defendida por alguns historiadores. O primeiro ponto a ser colocado por essa vertente é que essa coexistência entre princípios romanos e germânicos não é simétrica, posto que ocorre principalmente mediada pela difusão do cristianismo, que seria a amálgama entre as civilizações romana, cristã e germânica. 
Segundo Hilário Franco Jr. (2001, p. 15), o caráter sagrado da monarquia imperial, a rígida estrutura social e o cristianismo foram herdados dos romanos. Dos germânicos, as obrigações servis, o juramento de honra entre chefes e guerreiros e a descentralização política.
Desse modo, podemos observar que, ademais a discussão em torno do melhor conceito a ser aplicado nesse período ser o de Antiguidade Tardia ou o de Alta Idade Média, fato é que a concepção de destruição e ruína total do mundo romano, frente ao avanço das hordas bárbaras, não é coerente para esse período de estudo, uma vez que, ao analisar as estruturas que formaram a Idade Média, notamos a coexistência de elementos tanto romanos quanto germânicos.
1.2.3 O medievalismo no Brasil
Você já ouviu falar em Idade Média no Brasil? Geralmente é muito difícil para os brasileiros conseguirem observar no Brasil alguma herança medieval. Aquele mundo, repleto de armaduras – que cozinhariam nossos guerreiros vivos, caso fossem utilizadas no clima tropical brasileiro –, de cavaleiros, castelos e fortificações, parece distante do nosso contexto social. Contudo, o Brasil possui muito mais influências medievais do que você pode imaginar.
Essas influências estão ligadas à colonização do Brasil pelos Portugueses. São eles que trazem por meio do processo de colonização diversas estruturas cuja origem está no período medieval propriamente dito. Contudo, Weckann (1993) restringe a permanência dessas estruturas no Brasil apenas até o século XVII. 
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Figura 6 - Grande parte dos pontos turísticos do Nordeste Brasileiro são ligados ao sistema colonial e, portanto, segundo Hilário Franco Jr. (2001), teriam alguma influência medieval. Na imagem, o Pelourinho, na Bahia.Fonte: lazyllama, Shutterstock, 2018.
O primeiro aspecto que nos remete a uma similaridade com a organização medieval é a distribuição da terra nos primeiros anos da colonização brasileira. No Brasil, a organização territorial gira em torno de um poder central e das capitanias hereditárias. As capitanias são grandes domínios que possuem governantes locais, os donatários. 
Para entendimento da relação entre Idade Média e o presente, recomendamos a leitura de A Idade Média: nascimento do ocidente, de Hilário Franco Júnior, publicada em 2001. Essa obra tem caráter panorâmico e nos traz grandes discussões gerais sobre o estudo do período medieval no Brasil.
Além disso, Franco Júnior (2001) irá pontuar alguns outros aspectos brasileiros que considera como herdeiros diretos do Medievalismo Ibérico. Um dos aspectos é a economia agrária, que persistirá até os dias atuais no Brasil, iniciada, segundo ele, não só pela facilidade geográfica do nosso território, mas também por conta da estrutura econômica europeia desse período. É evidente que a questão brasileira foi muito particularizada pelo sistema colonial e posteriormente pelo neocolonialismo e a indústria, contudo para Franco Júnior (2001), a origem está nessa herança ibérica. O mesmo autor ainda cita a literatura de cordel nordestina e o imaginário da literatura brasileira, repletos de referências ao Rei Arthur e a Carlos Magno, bem como o sistema patriarcal típico da era feudal e 11 feriados do calendário brasileiro como, por exemplo, o carnaval e a procissão do círio, cuja origem é medieval.
1.3 Estruturas da sociedade medieval    
A sociedade Medieval pode ser entendida a partir de vários aspectos. Contudo, devemos sempre ter em mente que cada região terá algumas particularidades que não necessariamente corresponderão ao modelo aqui explicitado. Cabe a nós, então, entender o modelo geral de funcionamento social desse período e, a partir daí, analisar de forma crítica se é possível aplicá-lo a todas as regiões e como ele se adapta a determinados contextos. 
Você já se perguntou qual foi o processo de transição que deu origem ao que conhecemos como sistema feudal? De que maneira uma sociedade extremamente mercantilizada, tal como a romana, evolui para uma sociedade na qual as trocas são o mote geral da economia?  Qual a origem da mão de obra servil, majoritariamente camponesa? Para entender essas questões, começaremos por uma abordagem contextual do Reino Franco ao Império Carolíngio, que nos explica a origem da organização territorial da Alta Idade Média, passando, então, a uma elucidação do que é o feudalismo e o sistema feudal, e de que forma ele influencia e modifica a sociedade nesse período, finalizando com uma abordagem das estruturas sociais resultantes de todo esse processo.
1.3.1 Do reino franco ao império carolíngio
O entendimento da formação sociopolítica do Reino Franco é essencial para a compreensão das principais características da sociedade medieval, posto que sua organização territorial modificará o panorama da posse de terra e da divisão de poder na Europa.
A primeira dinastia dos Francos é chamada de Merovíngios (481-751), pois se acredita que descendiam de Meroveu. 
Clóvis, neto de Meroveu, foi o responsável pela organização política efetiva do Reino Franco, com sua política de expansão contida, dos acordos entre romanos e bárbaros promovidos por ele de modo a unificar o reino de maneira mais pacífica e por conta de sua conversão ao cristianismo ortodoxo, que homogeneizou ainda mais os bárbaros francos aos romanos remanescentes. Assim, podemos dizer que Clóvis usou de estratégias muito sagazes que colaboraram para o sucesso da unificação dos Francos em um grande reino. Entre 486 e 507, Clóvis venceu os Alamanos na batalha de Tolbiac, os Burgúndios em Dijon e os Visigodos (ARRUDA, 1996).
Com a morte de Clóvis, o reino foi dividido entre seus filhos. Dessa forma, o Reino Franco foi fragmentado em três grandes territórios, o Norte, cuja posse ficou para Clotário, o Leste, de Thierry, e o Centro, de Clodomiro.
Clótario e seu filho, Clotário II, tentaram reunificar o Reino Franco. Apesar de suas tentativas, os três reinos continuaram a gozar de uma relativa autonomia entre si, sendo o grande nexo entre eles a figura do Majordomus, cargo criado para administração do reino e chefiada nobreza (ARRUDA,1996).
Os majordomus terão supremacia política de 640 até 751 d.C., com a ascensão da Dinastia dos Carolíngios. Nesse período, os reis merovíngios receberam a alcunha de reis indolentes, uma vez que largaram a administração do reino para viver em ócio. 
Pepino, o Breve (714-768) é herdeiro de Carlos Martel e considerado o primeiro rei carolíngio, ascendendo ao poder com auxílio da influência  eclesiástica. Será prefeito do palácio, ou seja, Majordomus, de 741-751 e conhecido como “O Breve” ou “O Moço”. Seu apelido, “breve”, faz referência à sua baixa estatura (ARRUDA, 1996).
O último rei merovíngio coroado foi Childerico III. Com auxílio do Papa, Pepino, o Breve, filho de Carlos Martel (714-740), conseguiu colocar em reclusão monasterial Childerico III, coroando-se rei dos Francos. Assim, começa uma nova dinastia no Reino Franco, intimamente ligada ao papado e ao catolicismo.  A relação com a Igreja é tão estreita nesse período, que Pepino, o Breve, irá doar o Ducado de Roma, o Exarcado de Ravena e a Pentápole para a Igreja, formando assim o Patrimônio de São Pedro, origem do Estado do Vaticano. 
O Patrimônio de São Pedro, ou seja, o conjunto de domínios independentes da Igreja na península Itálica é marcado por uma história repleta de conflitos. O único estado que se manteve totalmente sob os domínios da Igreja até os dias atuais é o Estado do Vaticano (ARRUDA, 1996).
Pepino irá dividir seu reino entre seus filhos Carlos Magno e Carlomano. Com a morte do segundo, Carlos Magno torna-se rei do Reino Franco como um todo, governando de 771 até 814 d.C. O reinado de Carlos Magno será muito profícuo para os Francos, contudo ele só será sagrado imperador em 800 d.C.
Logo no começo de seu reinado, Carlos Magno iniciará uma política de domínio e expansão nos territórios inimigos. Com uma sucessão de vitórias e o grande alargamento do território Franco, cada vez mais Carlos Magno ganhará prestígio junto ao papa, que via no líder carolíngio uma oportunidade de proteção, já iniciada com Pepino, o Breve. Desse modo, na missa de natal de 800 d.C., o Papa Leão III coroa Carlos Magno imperador dos romanos, dando aos domínios carolíngios o título de império (ARRUDA, 1996).
Você notou algo estranho na coroação? O papa coroa Carlos Magno imperador dos romanos, não apenas imperador franco. Desse modo, sob o título de Carlos Augusto, tal como os romanos intitulavam seus imperadores, Carlos Magno retoma o Império Romano do Ocidente, que havia desaparecido em 476. É claro que na prática o Império Carolíngio não correspondia ao que havia sido o Império Romano em seu apogeu. Contudo, a simbologia em torno desse título bem como as tradições, são importantes para a legitimação de Carlos Magno nesse momento.
O Império foi dividido em 200 condados, cada um sob governo de um Conde auxiliado por um bispo. Além disso, nos territórios dominados, Carlos Magno resguardava a particularidade de cada povo, o que era um mecanismo inteligente de contenção de possíveis conflitos e resistências. Todavia, é importante ressaltar que ainda que a particularidade de cada povo fosse de certo modo respeitada, o batismo no cristianismo era obrigatório (ARRUDA, 1996).
Para garantir a obediência dos condes, o Imperador criou o cargo de Missi Dominici, funcionários que percorriam o império representando o imperador e reivindicavam o juramento de fidelidade e o cumprimento das leis, que se chamavam Capitulares. Os Capitulares seriam o primeiro compilado de leis escritas do período Medieval. Além disso, o Império contava também com uma chancelaria e a assembleia dos condes, convocada três vezes ao ano. 
Com a morte de Carlos Magno em 814 d.C., assume seu filho Luís, o Piedoso, que mantém a unidade do Império até sua morte. Contudo, após seu falecimento, seus filhos irão se envolver em luta armada uns contra os outros por conta do território. Desse modo, em 843 d.C., o Império foi divido em três reinos diferentes: a França Oriental, França Ocidental e França Central. O sistema de condados e essa divisão em três grandes reinos, associada a capitular de Quirzy-sur-Oise, estabelecida por Carlos, o Calvo, neto de Carlos Magno em 877 d.C., que impunha a hereditariedade dos feudos, se organiza e se fortalece o sistema feudal (ARRUDA, 1996).
1.3.2 Principais características do mundo medieval – O sistema feudal
O Sistema Feudal é o modo de produção de grande parte da Europa Ocidental durante o período Medieval, ou seja, o Feudalismo é o modo de organização socioeconômica dessa época, dando as diretrizes para a distribuição e produção de insumos e o comércio em geral. É importante ressaltar que a sociedade nesse período é essencialmente agrícola e é essa característica que dará o tom das relações de trabalho e comércio como um todo.
A Igreja Católica proibiu terminantemente a usura, que consiste no empréstimo de dinheiro cobrando-se juros. Para eles, essa prática era pecaminosa, pois o tempo é propriedade apenas de Deus e portanto, não pode ser vendido para obtenção de lucro (FRANCO JR., 2001). 
Quando os germânicos chegam até o Império Romano, eles se deparam com um contexto de crise. A crise romana tem diversas motivações, mas uma delas é a crise do escravismo. O escravo em Roma era feito escravo ou por conquista ou por dívida, e com o fim das conquistas e da expansão romana, o número de escravos cai bruscamente prejudicando a produção. A mão de obra livre não é suficiente para suprir a carência da força de trabalho escrava e assim, cai a produção agrícola, o comércio urbano e o consumo do artesanato. As cidades cada vez mais se tornam despovoadas e a sociedade romana começa a se modificar. 
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Figura 7 - A vida na Europa Medieval era permeada pelas atividades no campo. Nesta imagem, temos uma representação romantizada do que seria uma camponesa medieval.Fonte: Poter_N, Shutterstock, 2018.
Esse contexto romano se mescla com as tradições bárbaras. O comitatus, juramento de fidelidade do guerreiro germânico ao senhor, aos poucos vai se adaptando e dando origem ao comitatus medieval, que é o juramento entre vassalo e suserano. O colonato romano, prática adotada no contexto da crise para cultivo das terras, na qual o senhor cedia parte de seu território para cultivo de uma pessoa pobre mediante pagamento de impostos, dará origem ao sistema de vassalagem e também de servidão medieval. Assim, surge o Feudalismo – fruto da síntese entre o contexto romano e o contexto germânico.
O Incrível Exército de Brancaleone (MONICELLI, 1966), do diretor Mário Monicelli é uma comédia italiana gravada em 1966, considerada um clássico, a qual retrata o cotidiano de um atrapalhado exército medieval. Esse filme retrata de maneira descontraída o encontro desse exército com Bárbaros, bruxas, reis e até a peste negra.
O funcionamento do sistema feudal é baseado nos diferentes usos da terra Que era dividida entre domínio, manso senhorial e manso servil. O domínio era toda a terra de um latifúndio específico, que era dividida entre posse coletiva e posse exclusiva. A terra de posse coletiva eram os bosques e pastos, onde todos podiam usufruir dos recursos naturais. A posse exclusiva, era chamada de reserva senhorial. Geralmente, em um feudo, o manso senhorial ocupava metade do espaço ou mais. O restante da área cultivável era o manso servil, no qual os servos podiam cultivar colher e vender, desde que pagassem tributos ao senhor.
Quem trabalhava nos feudos era o servo, e por isso o trabalho é chamado de servil. A servidão é diferente da escravidão, na medida em que o servo é um homem livre, apesar da terra cultivada por ele não lhe pertencer. A relação que o servo tem com o senhor é uma relação repleta de obrigações, e é justamente a imposição dessas obrigações que define o status de servo. Em troca, além da cessão da terra, o senhor protege seus camponeses e não pode expulsá-los da terra. Ou seja, toda a base da produção agrícola Medieval é oriunda do trabalho do pequeno camponês que se torna servo porque dependeda terra para poder subsistir, tornando-se então juridicamente preso ao senhorio.
As principais obrigações feudais, são mensuradas por meio do tamanho do manso doado ao servo. Quanto maior o manso e consequentemente, a família, maior o número de obrigações. São elas: as prestações, corveia, talha, banalidades, mão morta e censo. Asprestações são a obrigação em receber em sua residência os nobres de passagem, principalmente os barões, alimentando e hospedando toda a comitiva. A corveia consiste no trabalho forçado dos servos alguns dias da semana na terra do senhor, não só na agricultura, mas também em construções e reparos, e é muito importante posto que é a base para o funcionamento do sistema senhorial, uma vez que garante literalmente o sustento do senhor. Devemos ressaltar que a variedade e a quantidade de alimentos na mesa do senhor o distinguirão dos demais. Quanto maior a fartura, maior a importância do senhor. A talha é a cessão obrigatória de parte da produção agrícola dos servos ao senhor, as banalidades, imposto pelo uso dos grandes instrumentos agrícolas do senhor, como o moinho, o celeiro e o forno. A mão morta é um tributo pago na ocasião da morte do servo, e o censo uma espécie de mensalidade paga somente pelos servos. 
Além dessas obrigações ao senhor, os servos também têm de pagar o encargo denominado tostão de Pedro, que a Igreja cobrava. Há ainda taxas de casamento, de justiça, e por nascimento. Em suma, toda a vida no contexto Medieval para o servo gira em torno de onerações e obrigações.
Entretanto, o Feudalismo não se desenvolveu da mesma forma em todas as regiões da Europa. Na região do Império Carolíngio, a mescla entre elementos romanos e germânicos se deu de forma mais equilibrada. Por conta disso é que o modelo feudal propriamente dito se organiza a partir dali e é exportado para outras regiões da Europa. 
O nível de técnica nos primeiros anos do Feudalismo era medíocre, e por isso a produtividade era baixa e o contexto era de fome. Desse modo, o trabalho tornou-se cada vez mais rotineiro e não havia especialização da mão de obra.  A grande técnica utilizada por todos de modo a garantir a produção era da rotatividade das terras. Nesse modelo, a terra era dividida em três campos diferentes, nos quais se alternava o tipo de cultivo, sendo que a cada ano um dos campos de terra descansava. Nota-se que a produtividade dessa técnica não era muito grande, pois apesar de o pousio do campo ser positivo uma vez que adiava seu esgotamento, um terço da terra cultivável não produziria por ano.
Por conseguinte, podemos notar que o sistema feudal engendra em si três principais características: a produção agrícola, a servidão e o comércio baseado em trocas. Sendo assim, podemos observar que era uma sociedade de rara mobilidade social, uma vez que não era possível a ascensão por meio do dinheiro, já que possuir dinheiro não era possuir poder nesse período. O poder está intimamente ligado à posse de terra, pois é ela que dará ao senhor o direito de cobrar as obrigações dos camponeses. A terra nesse período não é um bem público, mas sim um bem hereditário, transmitido por meio da primogenitura e dá o status de nobreza, dependendo da linhagem, o que também impede o acesso à terra pelas populações mais pobres. Além disso, o território do rei, nesse período, é uma extensão da pessoa do rei, ou seja, um bem particular.
1.3.3 O funcionamento da sociedade medieval
Para entender o funcionamento da sociedade medieval, precisamos retomar mais uma vez o período de decadência do Império Romano. A crise geral fez com que os espaços de atuação individual da população ficassem restritos ao que o contexto caótico possibilitava. Desse modo, as populações pobres foram se acomodando nos extratos sociais, principalmente aqueles voltados para o campesinato. A gênese da formação social medieval se dá nesse período diretamente atrelada à crise da escravidão, que era a principal força de trabalho em Roma. Isso somado ao processo de ruralização cria a figura do colono, ou seja, do rendeiro. O rendeiro não recebe salário e não deve corveia. O rendeiro pode ser interpretado como uma melhoria em relação ao escravo, mas um retrocesso em relação ao trabalho livre.
A sociedade Medieval é considerada o que chamamos de sociedade trifuncional, dividida basicamente em oratores, bellatores elabatores, ou seja, uma sociedade em que há rara mobilidade social. As posições sociais são delegadas por via hereditária. Tradicionalmente, fala-se em três ordens sociais: os que lutam, que correspondem à nobreza, os que oram, que são os membros do clero e os que trabalham, ou seja, os servos. É interessante observarmos que essa divisão é justificada com base na vontade de Deus, que tem a sociedade celestial também trina, em Pai, Filho e Espírito Santo. Em suma, o homem medieval deveria acreditar que nasceu para aquela função e que não deve refutá-la. Cada pessoa estava presa na sua função, assim como seus descendentes.
A sociedade em termos gerais divide-se entre senhor e servo. O senhor é definido pela posse da terra por direito hereditário, pelo monopólio do poder em todas suas esferas, (com exceção do poder eclesiástico), com ênfase no poder militar, e pelo uso do trabalho servil com mão de obra. Os senhores são os membros da nobreza. O servo é aquele que faz o uso útil da terra, trabalhando nela diretamente e devendo obrigações ao senhor. Além desses dois segmentos basilares da sociedade, temos ainda em menor número os ministeriais, escravos, que desaparecem na Baixa Idade Média, e os vilões.
É importante ressaltar que a organização política nesse período é baseada no localismo, ou seja, o poder não é centralizado diretamente no rei, mas sim no senhor. Contudo, alguns senhores são submissos a outros em troca também de proteção. Isso se dá por meio de um juramento de fidelidade, selado com um beijo, que transforma o menor senhor em vassalo do maior, que se torna suserano. Entre suserano e vassalo há também obrigações, assim como entre senhor e servo. O suserano deve obrigatoriamente ceder um feudo ao vassalo, proteção militar e garantia da hereditariedade da posse da terra. O vassalo deve prestar serviço militar e proteção ao suserano em caso de aprisionamento ou qualquer outro problema que afete diretamente a vida do suserano. Deve ainda enviar seu filho para ser armado cavaleiro e presentear as filhas do senhor na ocasião de seu casamento. A figura do rei surge como o grande suserano. 
1.4 O ano mil: milenarismo cristão
O período medieval é marcado pelo imaginário fantasioso. Em um mundo em que fantasmas, dragões, florestas encantadas e outros seres são reais, é natural que o mito tenha uma força de coerção social muito grande. É nesse contexto que vem à tona os princípios milenaristas. Baseados em interpretações apocalípticas do texto bíblico, essa visão vai abalar o mundo medieval. Atrelada à pedagogia penitencial promovida pela Igreja, à insegurança e ao medo da morte abrupta sem salvação da alma e ao final dos tempos, a crença no milenarismo marcará muito fortemente traços de mentalidade coletiva nesse período, e dará norte para grande parte das ações coletivas e religiosas.
1.4.1 Características do ano mil – o advento do milenarismo
O ano 1000 é um momento marcante na história medieval. Não só por conta da expansão feudal e agrícola ocorrida a partir do século XI, intimamente atrelada ao contexto das cruzadas, mas também por conta da ascensão do fenômeno que chamamos de milenarismo. 
A palavra milenarismo já nos dá uma pista a que ela se refere: algo ligado ao advento do primeiro milênio da era cristã. Toda a origem dos diversos movimentos e vertentes milenaristas está ligada a profecias que não são novas no cristianismo, mas resultado do pensamento escatológico cristão.
Mas, o que é o pensamento escatológico cristão?
A escatologia pode ser entendida como um estudo do fim. Esse fim pode ser o das coisas, da vida do indivíduo ou até mesmo da sociedade e do mundo como o conhecemos. Ou seja, o tempo escatológicotem um ritmo linear e evolutivo, com a gênese (criação do mundo), o auge (nascimento de Cristo) e o fim (juízo final). Para os cristãos, o tempo é finito, assim como, portanto, a história. Sendo assim, a Igreja se apropria e usa esse conceito para pregar o medo do final dos tempos, coroado com o apocalipse cristão.
A angústia escatológica é um tema que permeará todo o período medieval a partir do ano 1000, tornando-se de fato uma obsessão coletiva.
Esse anseio escatológico se dá em decorrência não só da percepção gerada pela morte em larga escala decorrente das sucessivas pestes, mas também pelo quadro conjuntural geral do período que compreende a segunda metade do século XIV e primeira metade do XV (SOUSA, 2014). Nesse período, há uma sucessão de adversidades que acometem o Ocidente, reforçando assim a angústia escatológica, como o avanço turco, o cisma cristão e com ele os boatos a respeito da chegada do Anticristo, a guerra dos cem anos e o reaparecimento de alguns focos de peste. 
Com essa percepção, vê-se a ascensão de duas principais visões escatológicas – A milenarista e a do juízo final. A milenarista, mais otimista, dado que prega um período de mil anos de paz, no qual Cristo retornaria e Satã estaria acorrentado no inferno, e a do juízo finalmais ameaçadora, dada a triagem dos eleitos para o paraíso. Essas duas visões são construídas com base em interpretações divergentes das visões de Daniel.
Nos séculos XIV e XV (SOUSA, 2014), cada vez mais esses anseios terão audiência, principalmente com a polêmica do cisma cristão, que culmina na acusação dos papas serem o Anticristo. Essa angústia escatológica é fomentada pela Igreja com a intenção de educar o homem medieval de acordo com o que deveria ser feito por ocasião da aproximação do juízo final.
Todo esse movimento ganha força a partir do ano 1000 especificamente em decorrência da interpretação do Livro de João 20,7-10, que estabelece a crença de que após a segunda vinda de Cristo, se iniciaria um período de mil anos de felicidade, que terminaria com o apocalipse e o juízo final, coroado pela ressurreição dos mortos. O homem medieval vive, então, à espera de que esse desfecho se cumpra.
1.4.2 Vertentes do milenarismo cristão
Grande parte dos movimentos milenaristas vê a salvação seguindo os seguintes aspectos enumerados pelo historiador Norman Cohn (1980):
1) a salvação sempre será miraculosa, na medida em que terá a presença de agentes sobrenaturais seja para realizar seu advento ou para realizá-lo de forma propriamente dita;
2) coletiva, já que até o início da percepção de julgamento individual da alma a partir do século XIII, a noção de salvação para o cristianismo é em grupo;
3) terrena, uma vez que o cenário do remate dos tempos é a terra e não o além e total, já que não será possível voltar ao estado anterior e iminente, uma vez que pode acontecer a qualquer momento.
O livro O Ano Mil, de Georges Duby (1980), trabalha com a questão dos milenarismo na Europa Ocidental. Por meio dessa leitura, você poderá aprofundar seus conhecimentos sobre as diversas seitas milenaristas surgidas a partir do ano mil, de modo a tentar entender de que forma os milenarismo medievais ainda hoje repercutem.
Os movimentos milenaristas do período Medieval são muito variados e transitam entre o pacifismo da doutrina cristã, no sentido de seguir seus dogmas de modo a não sofrer a danação infernal, e os movimentos mais agressivos e radicais, quase sempre ligados aos mais pobres.
No decorrer do ano 1000, surgem diversos grupos considerados pela Igreja heréticos, como os Valdenses, os Cátaros e os franciscanos espirituais, que pregam um retorno aos pensamentos de Francisco, após o século XIII. Esses grupos são enquadrados pela Igreja como seitas, pois divergem em alguns aspectos do cristianismo oficial, ainda que se mantenham cristãos (COHN, 1980).
Todavia, podemos perceber que hoje alguns desses princípios considerados heréticos foram incorporados ao cristianismo oficial católico, como por exemplo, a tradução da Bíblia para outros idiomas diferentes do latim. O que justifica essa mudança de alguns dogmas católicos é justamente a capacidade de adaptação ao contexto político que a Igreja Católica demonstra ter no decorrer dos séculos. 
O ano 1000 constitui-se como um grande marco no período medieval, principalmente no que diz respeito ao âmbito das mentalidades (COHN, 1980). O milenarismo surge como teoria que vai nortear o comportamento do homem, por um lado colaborando para o desenvolvimento de movimentos heréticos que pregam a reforma da Igreja, resultado do medo do juízo final e de ser comprometido por falta de decoro por parte dos bispos e clérigos, e por outro fortalecendo o poder da Igreja que, a partir daí, ganha escopo para desenvolver uma pedagogia do medo própria, que corrobora com o reforço de seus dogmas e maior submissão dos fiéis. 
Síntese
Concluímos o primeiro capítulo do nosso curso sobre História Medieval Ocidental. Por meio desse estudo, você teve acesso aos primeiros problemas historiográficos levantados sobre o início do período medieval, como escolha de periodização, nomenclatura dos períodos e gênese da sociedade feudal.
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
entender que na historiografia, a periodização de uma determinada época é sempre alvo de debate e depende do objeto de análise do historiador;
perceber o fato de que o termo “Idade das Trevas” tem sua gênese no Renascimento e seu uso é pejorativo. Hoje, movimentos entre os historiadores buscam reverter essa concepção, demonstrando que o período medieval foi muito profícuo no âmbito das artes, literatura e ciência;
compreender a questão de que a relação entre servo e senhor é pautada pelo pagamento de obrigações. São elas: as prestações, corveia, talha, banalidades, mão morta, entre outras. Além disso, há também o Tostão de Pedro, tributo pago à Igreja;
aprender que além da relação entre servo e senhor, há também a relação entre vassalo e suserano. Baseada no juramento de fidelidade e na honra, em que ambos prometem proteção mútua;
compreender que o ano 1000 tem como principal característica o advento e fortalecimento do anseio escatológico, resultado da popularização de profecias do final dos tempos.
Referências bibliográficas
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