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[FLORESTAN FERNANDES] K.MARX E F. ENGELS A HISTÓRIA DOS HOMENS

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2. K. MÁRX E F. ENGELS: 
A HISTÓRIA DOS HOMENS * 1
i
t
I
Feuerbach
Oposição entre concepção materialista e idealista 
[Introdução]
Como informam os ideólogos alemães, a Alemanha atraves­
sou nos últimos anos uma revolução sem precedentes. Iniciado com
* O presente texto integra o primeiro capítulo de A ideologia alemã, o qual é 
intitulado “Feuerbach”. Baseamos a revisão da tradução n a edição M a r x , K . 
e E n g e l s , F. Werke. Berlim, Dietz Verlag, 1969. v. III, p. 17-36. Revisão técnica 
da tradução e tradução das notas de Marx por Viktor von Ehrenreich.
1 As notas indicadas por asteriscos são do próprio Marx ou de Engels, consti­
tuindo às vezes porções riscadas no manuscrito original. As notas numeradas 
são do presente revisor, a não ser que haja indicação de serem do editor alemão. 
Afastamo-nos do uso em português não grifando expressões que porventura apa­
reçam em língua estrangeira, pois os grifos são usados por Marx para acentuar 
o significado dos respectivos termos. Observe-se ainda que os cabeçalhos das 
diversas partes do capítulo sobre “Feuerbach” foram introduzidos pelos editores 
alemães com base em anotações que Marx e Engels fizeram nas margens do
183
Strauss 2, o processo de decomposição do sistema hegeliano desenvolveu- 
-se até uma fermentação mundial a que foram arrastadas todas as “potên­
cias do passado” . Em meio ao caos generalizado, formaram-se poderosos 
impérios para de imediato sucumbirem, emergiram momentaneamente 
heróis para logo em seguida serem novamente atirados de volta à obscuri­
dade por rivais mais intrépidos e mais poderosos. E ra uma revolução, 
frente à qual a francesa é uma brincadeira de criança, uma luta mundial 
ante a qual as lutas dos diádocos 3 parecem ninharia. Os princípios se 
suplantavam uns aos outros e os heróis do pensamento investiam uns 
contra os outros com uma precipitação inaudita, e nesses três anos de 
1842-[18]45 se puseram mais coisas em ordem na Alemanha do que 
em três séculos.
E tudo isso teria se passado no pensamento puro.
Trata-se, contudo/de um evento interessante: do processo de apodre­
cimento do espírito absoluto. Após o apagar da última fagulha de vida, 
as diversas partes componentes deste capuí m ortuum 4 entraram em 
decomposição, entraram em novas combinações, e formaram novas subs­
tâncias. Os industriais da filosofia, que até então haviam vivido da explo­
ração do espírito absoluto, lançaram-se agora sobre as novas combina­
ções. Cada um deles, com o maior afã possível, cuidou de vender ao 
desbarato a parte que lhe coubera. Mas isso não poderia se passar sem 
concorrência. De início ela foi conduzida de modo relativamente burguês 
e sério. Mais tarde, quando o mercado alemão havia sido saturado e 
a mercadoria, apesar de todo esforço, não encontrava ressonância alguma
manuscrito. Também os adotamos, e indicamos por três pontos entre colchetes 
[ . . . ] onde pulamos trechos, tudo segundo a ordem da edição supracitada. Cons- 
pectus siglorum: colchetes [ ] indicam adições e /ou complementos do editor alemão, 
barras duplas / / / / acréscimos e/ou complementos do presente revisor, tradução 
de termos que no original constam em outra língua que não o alemão ou aposição 
do respectivo termo alemão quando a simples tradução não permite entrever de 
que termo se trata no respectivo contexto. As regras aqui adotadas para revisão 
também foram seguidas na tradução que nos coube de alguns trechos deste 
mesmo texto.
2 David Friedrich Strauss (1808-1874), influenciado por Hegel, negou a histori- 
cidade dos eventos narrados no evangelho, vendo neles uma tradição mítica. 
Defendeu uma fé nova, livre da tradição cristã.
3 Os diádocos (do grego diadochoi, “sucessores”) eram os antigos amigos e gene­
rais de Alexandre Magno, que após a morte deste dividiram o Império Macedônio 
e lutaram entre si, apoiando-se mutuamente em alianças efêmeras e mutáveis, 
pelo poder sobre todo o território do império. No decurso destas lutas (fim do 
século IV a.C. até início do século III a.C.) foram eliminados todos os herdeiros 
legítimos da casa de Alexandre. O império deste último, que nunca ultrapassara 
uma reunião frouxa de unidades territoriais administrativo-militares, esfacelou-se 
com estas guerras e deu azo ao surgimento do sistema de vários Estados caracte­
rístico da época helenística.
4 Literalmente “cabeça morta”, na química uma expressão usual para os resíduos 
de destilação. Aqui no sentido de “resíduos”, “restos”. (N. do ed. al.)
k.
184
no mercado mundial, de acordo com o habitual procedimento alemão o 
negócio passou a ser adulterado pela produção em série e produção 
simulada, piora da qualidade, adulteração da matéria-prima, falsificação 
das etiquetas, compras simuladas, manobras cambiais e um sistema de 
crédito destituído de qualquer base real. A concorrência desembocou 
numa luta encarniçada, a qual nos é agora construída e apregoada como 
uma reviravolta de proporções histórico-universais, como engendradora 
dos mais prodigiosos resultados e conquistas.
Para apreciar corretamente esse pregão do mercado filosófico, que 
desperta mesmo no peito do honesto burguês5 alemão um agradável 
sentimento nacionalista, para deixar patente a mesquinharia, a mediocri­
dade provinciana de todo esse movimento neo-hegeliano e especialmente 
o contraste tragicômico entre as realizações efetivas destes heróis e as 
ilusões sobre essas realizações, é preciso assistir ao espetáculo inteiro 
a partir de um ponto de vista situado fora da Alemanha *.
A . A ideologia em geral, nomeadamente a alemã j
Até os seus mais recentes esforços a crítica alemã não abandonou
o terreno da filosofia. Longe de examinar os seus pressupostos filosóficos 
gerais, todas as suas questões até cresceram no chão de um determinado 
sistema filosófico, o hegeliano. Jazia uma mistificação não só em suas
* [Riscado no manuscrito o seguinte:] Por conseguinte, à crítica especial 
dos representantes singulares deste m ovim ento fazem os preceder algumas 
observações gerais { . Estas observações bastarão para assinalar o ponto de 
vista da nossa crítica na medida em que tal for necessário à compreensão 
e à fundam entação das críticas particulares subseqüentes. A ntepom os estas 
observações exatam ente a Feuerbach porque ele é o único que pelo menos 
fez um progresso e em cujas questões se pode entrar de bonne foi //à.<t boa 
f é / ' } 53, as quais iluminarão mais de perto os pressupostos ideológicos 
comuns a todos eles.
1. A ideologia em geral, em especial a filosofia alem ã
Só conhecem os uma única ciência, a ciência da história. A história 
pode ser considerada sob dois aspectos, ser dividida na história da natureza 
e na história dos homens. Mas não se deve separar ambos os aspectos; 
enquanto existirem hom ens, história da natureza e história dos hom ens se 
condicionarão mutuamente. A história da natureza, a assim chamada ciência 
natural, não nos importa aqui; mas terem os que adentrar a história dos 
homens, já que quase toda a ideologia se reduz ou a uma concepção dis­
torcida desta história ou a um a abstração total dela. A ideologia mesma é 
só um dos aspectos desta história.
5 “Biirger” significa tanto “burguês” quanto “cidadão”.
5a O texto entre chaves { } está riscado horizontalmente no manuscrito. (N. 
do ed. al.)
185
respostas, mas já nas perguntas mesmas. Esta dependência para com 
Hegel é a razão pela qual nenhum desses críticos mais recentes sequer 
tentou uma crítica mais abrangente do sistema hegeliano, por mais que 
cada um deles afirme estar além de Hegel. A polêmica deles contra 
Hegel e entre si mesmos se limita a cada um deles extrair um aspecto 
do sistema hegeliano e voltá-lo tanto contra o sistema inteiro quanto 
contra os outros aspectos extraídos pelos outros. No início extraíram-se 
categorias hegelianas puras e não falsificadas, tais como/ / as categorias 
d e / ' substância e autoconsciência, mais tarde estas categorias foram 
profanadas com nomes mais mundanos, como gênero, o único, o homem, 
etc.
No seu conjunto desde Strauss até Stirner 6, a crítica filosófica alemã 
restringe-se à crítica das representações 7 religiosas *. Partia-se da reli­
gião efetiva e da teologia propriamente dita. No decurso ulterior era 
determinado diversamente o que poderia ser consciência religiosa, repre­
sentação religiosa. O avanço consistia em subsumir também as repre­
sentações metafísicas, políticas, jurídicas, morais e outras supostamente 
dominantes sob a esfera das representações religiosas ou teológicas; igual­
mente em declarar a consciência política, jurídica, moral como consciência 
religiosa ou teológica e o homem político, jurídico e moral, em última 
instância “o homem”, como religioso. O domínio da religião foi pressu­
posto. Pouco a pouco toda relação dominante foi declarada como uma 
relação da religião e transformada em culto — culto do direito, culto 
do Estado, etc. Em toda parte só se estava às voltas com dogmas e com 
a fé em dogmas. O mundo foi canonizado numa extensão cada vez 
maior até que finalmente o venerável São M ax 8 pôde santificá-lo en 
bloc / e m b lo c o / ' e com isso terminar de uma vez por todas com a 
questão.
Os velhos hegelianos haviam concebido 9 tudo tão logo fosse redu­
zido a uma categoria lógica de Hegel. Os jovens hegelianos criticavam
* [Riscado no manuscrito o seguinte:] . . . a qual se apresentou com o 
reclamo de ser a que salva o mundo de todo o mal. A religião foi constan­
temente encarada e tratada como arquiinimiga, como causa última de toda 
a situação que repugnava a estes filósofos.
6 Referência a Max Stirner, pseudônimo de Kaspar Schmidt (1806-1856), adepto 
da esquerda hegeliana e defensor de um individualismo extremo em sua obra 
Der Einzige und sein Eigentum (O único e a sua propriedade).
7 “Vorstellungen”, ou seja, “representações mentais”.
8 Alusão irônica a Max Stirner. Cf. nota 6.
9 Na linguagem usual “begreifen” significa “compreender”. Mas aqui se faz valer 
o sentido técnico do verbo na tradição hegeliana, devido a ser aparentado de 
“Begriff” = “conceito”.
/
tudo ao introduzirem sub-repticiamente representações religiosas em tudo 
ou ao declararem tudo como teológico. Quanto à fé Tio domínio da 
religião, dos conceitos e do universal no mundo existente, os jovens 
hegelianos concordavam com os velhos hegelianos. Só que uns combatiam 
como úsurpação o domínio que os outros celebravam como legítimo.
Já que nestes jovens hegelianos as representações, pensamentos, 
conceitos, enfim os produtos da consciência autonomizada por eles são 
tidos como os verdadeiros grilhões da humanidade, exatamente como 
são declarados como vínculos verdadeiros dà sociedade humana pelos 
velhos hegelianos, compreende-se que os jovens hegelianos também só 
tenham que lutar contra estas ilusões da consciência. Já que de acordo 
com a imaginação deles as relações dos homens, o seu inteiro agir e 
fazer, as suas cadeias e barreiras são produtos da sua consciência, esses 
jovens hegelianos propõem de modo conseqüente aos homens o postu-1 
lado moral de trocarem a sua consciência presente pela consciência 
humana, crítica ou egoísta, e de através disso eliminarem as suas bar­
reiras. Esta exigência de mudar a consciência desemboca na exigência 
de interpretar diferentemente o que existe, isto é, reconhecê-lo mediante 
uma outra interpretação. Os ideólogos neo-hegelianos, apesar de suas 
frases pretensamente “abaladoras do mundo”, são os maiores conserva­
dores. Os mais jovens entre eles encontraram a expressão correta para 
a sua atividade quando afirmam lutar tão-somente contra “f r a s e s Só 
que eles esquecem que eles mesmos nada contrapõem a estas frases senão 
frases e que de modo algum combatem o mundo existente efetivo quando 
combatem apenas as frases deste mundo. Os únicos resultados que esta 
crítica filosófica pôde alcançar foram alguns esclarecimentos em termos 
de história da religião, e ainda assim unilaterais, sobre o cristianismo; 
as suas outras afirmações são todas só ornamentos ulteriores da sua 
reivindicação de ter fornecido, com estes esclarecimentos insignificantes, 
descobertas para a história universal.
Nenhum desses filósofos teve a idéia de perguntar pela interconexão 
da filosofia alemã com a realidade efetiva alemã, pela interconexão da 
crítica deles com a própria circunstância material deles.
*
Os pressupostos com os quais começamos não são arbitrários, nem 
dogmas, são pressupostos efetivos dos quais só é possível abstrair na 
imaginação. Eles são os indivíduos efetivos, a sua ação e as suas con­
dições materiais de vida, tanto as encontradas aí quanto as engendradas 
pela própria ação deles. Estes pressupostos são portanto constatáveis 
por via puramente empírica.
186
187
^ O primeiro pressuposto de toda a história humana é naturalmente 
a existência de indivíduos humanos vivos *. O primeiro estado de coisas 
a se constatar é portanto a organização corporal desses indivíduos e a 
relação com a natureza restante que aquela lhes dá. Obviamente não 
podemos entrar aqui em detalhes sobre a constituição física dos homens 
mesmos, nem sobre as condições naturais que os homens encontram aí, 
as condições geológicas, oro-hidrográficas, climáticas e outras **. Toda 
historiografia tem que partir dessas bases naturais e de sua transfor­
mação pela ação do homem no curso da história.
Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela 
j religião, pelo que se queira. Eles mesmos começam a se distinguir dos 
j animais tão logo começam a produzir os seus meios de vida, um passo 
j condicionado pela sua organização corporal. Ao produzirem os seus 
/ meios de vida, os homens produzem indiretamente a sua vida material 
mesma.
\ O modo pelo qual os homens produzem os seus meios de vida de­
pende inicialmente da constituição mesma dos meios de vida encontrados 
aí e a ser produzidos. Este modo da produção não deve ser considerado 
só segundo o aspecto de ser a reprodução da existência física dos indi­
víduos. Ele já é antes uma maneira determinada de atividade desses 
indivíduos, uma maneira determinada de manifestar em a sua vida, um 
m odo. de vida determinado. Os indivíduos são assim como manifestam 
a sua vida. O que eles são coincide portanto com a sua produção, 
tanto com o que produzem quanto também com o como produzem. 
Portanto, o que os indivíduos são depende das condições materiais da 
\ sua produção.
/ Essa produção só se faz presente com o aumento da população.
Ela mesma pressupõe por sua vez um intercâmbio dos indivíduos entre 
| si. A forma deste intercâmbio é por sua vez condicionada pela produção 10.
* [Riscado no manuscrito o seguinte:] O primeiro ato histórico destes 
indivíduos, pelo qual se distinguem dos animais, não é o de que eles pensam, 
mas sim o de que começam a produzir os seus meios de vida.
** [Riscado no manuscrito o seguinte:] Mas estas relações condicionam não 
só a organização originária dos homens, a que emana da natureza, nomea­
damente as diferenças raciais, mas também todo o seu desenvolvimento ou 
não-desenvolvimento ulterior até os dias de hoje.
10 Aqui o termo “intercâmbio” / / — “Verkehr” (não confundir com “Austausch” 
= “troca” no sentido econômico estrito) / / inclui o intercâmbio material e espi­
ritual entre indivíduos isolados, grupos sociais e países inteiros. Marx pretende 
mostrar que o intercâmbio material, sobretudo o intercâmbio dos homens no pro­
cesso de produção, constitui a base de qualquer outro intercâmbio. (N. do ed. al.) 
Em A ideologia alemã os termos “Verkehrsform” = “forma de intercâmbio”, 
“Verkehrsweise” = “modo de intercâmbio” e “Verkehrsverháltnisse” = “relações 
de intercâmbio” procuram expressar tentativamente o conceito de “Produktions-verhãltnisse” — “relações de produção”, conceito então em formação.
188
As relações11 das diferentes nações entre si dependem de até que 
ponto cada uma delas desenvolveu as suas forças produtivas, a divisão 
do trabalho e o comércio 12 interno. Esta proposição é universalmente 
reconhecida. Mas não apenas a relação / 'B e z ie h u n g /' de uma nação 
com outra, mas também toda a estrutura interna desta nação mesma 
depende do estágio de desenvolvimento da sua produção e do seu co­
mércio / 'V e rk e h r / ' interno e externo. O grau de desenvolvimento 
alcançado pela divisão do trabalho mostra da maneira mais visível até 
que ponto estão desenvolvidas as forças produtivas de uma nação. Cada 
força produtiva nova, na medida em que não seja uma extensão mera­
mente quantitativa das forças produtivas já conhecidas até então (como, 
por exemplo, o arroteamento de terras), tem como conseqüência uma 
nova especialização / 'A u sb ild u n g /' da divisão do trabalho.
A divisão do trabalho dentro de uma nação acarreta inicialmente 
a separação entre o trabalho comercial e industrial e o trabalho agrícolí 
\ e com isso a separação entre cidade e campo e a oposição dos interesse i
I entre ambos. O seu desenvolvimento ulterior leva à separação entle o 
/ trabalho comercial e o industrial. Ao mesmo tempo, pela divisão do 
/ trabalho desenvolvem-se por sua vez, no interior destes diferentes ramos, 
diversas subdivisões entre os indivíduos que cooperam em determinados 
] trabalhos. A colocação dessas subdivisões singulares umas frente às outras 
j está condicionada pelo modo de exploração do trabalho agrícola, indus­
trial e comercial (patriarcalismo, escravidão, estamentos, classes). 
} Quando o intercâmbio //V erk eh r/Z é mais desenvolvido, as mesmas 
relações / 'V e rh ã ltn isse / ' se mostram nas ligações / 'B ez ieh u n g en /' entre 
as diversas nações.
Os diversos estágios no desenvolvimento da divisão do trabalho são 
outras tantas diversas formas de propriedade; quer dizer, cada novo 
> . estágio da divisão do trabalho determina também as relações dos indi- 
" 0 víduos entre si com referência ao material, instrumento e produto do 
'r trabalho.
f A primeira forma de propriedade é a propriedade tr ib a l13. Corres- 
ponde a um estágio não desenvolvido da produção no qual um povo se
, À • V ------------------
r 11 Aqui “Beziehungen”, literalmente “relações”, embora não se trate do termo 
( técnico marxista “Verháltnis”, costumeiramente traduzido por “relação” (por exem- 
/ ' pio, “Produktionsverháltnisse” = “relações de produção”). Sempre que possível 
traduziremos “Beziehung” por “referência”; quando for imperiosa sua tradução 
por “relação” agregaremos o termo alemão entre barras duplas / / / / .
12 Aqui também ocorre o termo “Verkehr”, mas obviamente não em seu sentido 
amplo como mais acima e sim no seu sentido mais estrito de “comércio”, “tráfico”.
13 Nos anos quarenta do século XIX o termo “tribo” desempenhou um papel mais 
importante nas ciências históricas do que hoje. Designava uma comunidade de 
seres humanos descendentes do mesmo ancestral, abrangendo portanto os conceitos 
modernos “gens” (pequenas populações com um nome tribal comum) e “tribo”. 
(N. do ed. al.)
189
alimenta da caça e da pesca, da pecuária e no máximo da agricultura. 
Neste último caso, pressupõe uma grande extensão de terras não culti­
vadas. Nesse estágio a divisão do trabalho ainda está muito pouco desen­
volvida e,se limita a ampliar ainda mais a divisão natural de trabalho 
dada ha família. Por conseguinte, a estruturação social se limita a esten­
der a família: chefes tribais patriarcais, abaixo deles os membros da/ 
tribo e finalmente os escravos. A escravidão latente na família desen­
volve-se só aos poucos com o crescimento da população e das neces­
sidades 14 e também com a expansão do intercâmbio / V e r k e h r / exte­
rior, tanto da guerra como o da troca.
A segunda forma é a antiga propriedade estatal e comunal, a qual 
emerge nomeadamente da união de várias tribos numa cidade mediante 
contrato ou conquista e na qual subsiste a escravidão. Ao lado da pro­
priedade comunal já se desenvolve a propriedade privada mobiliária e 
mais tarde também a imobiliária, mas como uma forma anormal subor­
dinada à propriedade comunal. Apenas em sua comunidade é que os 
cidadãos têm poder sobre os seus trabalhadores escravos, estando já 
por isso ligados à forma da propriedade comunal. É a propriedade privada 
comunal dos cidadãos ativos, os quais, frente aos escravos, são obrigados 
a permanecer nesse modo natural de associação. Daí que toda a estrutura 
da sociedade baseada nesse modo, e com ela o poder do povo, decai no 
mesmo grau em que se desenvolve nomeadamente a propriedade privada 
imobiliária. A divisão do trabalho já está mais desenvolvida. Já encon­
tramos a oposição entre cidade e campo, mais tarde a oposição entre 
Estados que representam os interesses do campo e da cidade e, mesmo 
dentro das cidades, a oposição entre indústria e comércio marítimo. A 
relação de classes entre cidadãos e escravos já está inteiramente formada.
O fato da conquista parece contradizer toda essa concepção da 
história. Até agora, fez-se da violência, da guerra, da pirataria, do assalto, 
etc., a força motriz da história. Aqui só podemos nos limitar aos pontos 
principais e tomar por conseguinte só o exemplo mais flagrante, a des­
truição de uma civilização antiga por um povo bárbaro e, a partir disso, 
a formação de uma nova estrutura da sociedade que começa desde o 
início. (Roma e os bárbaros, o feudalismo e a Gália, o Império Romano 
Oriental e os turcos.) Entre os próprios povos bárbaros conquistadores, 
a guerra mesma ainda é, como já mencionamos acima, uma forma regu­
lar de intercâmbio, explorada com um afã tão maior quanto mais o 
aumento da população, dado o modo de produção tradicional e rudi­
mentar unicamente possível para eles, cria a necessidade /B e d ü r f n i s / 
de novos meios de produção. Na Itália, ao contrário, através da concen­
tração da propriedade da terra (causada, além de pela compra e endivi­
damento, também ainda, pela herança, à medida que, dada a dissolução
14 “Bedürfnisse”, ou seja, “necessidades" no sentido de carências fundadas na natu­
reza biológica do ser humano, bem como de desejos ligados a elas.
190
dos costumes e casamentos raros, as velhas linhagens se extinguiam paula­
tinamente e as suas posses passavam às mãos de poucos) e da transfor­
mação das mesmas em pastos (que era causada, além de pelas causas 
econômicas de costume vigentes ainda hoje, pela importação de cereais 
conseguida através do saque ou como tributo e daí a conseqüente falta 
de consumidores para o cereal italiano) a população livre quase desa­
pareceu, os escravos- sempre voltavam a morrer e tinham constan­
temente que ser substituídos por novos. A escravidão permanecia a base 
do conjunto da produção. Os plebeus, situados entre homens livres e 
escravos, nunca conseguiram ser mais do que proletariado lumpen 15. 
De maneira geral Roma nunca foi além de cidade, mantendo com as 
províncias uma ligação quase que só política, a qual naturalmente podia 
ser de novo rompida por acontecimentos políticos.
Com o desenvolvimento da propriedade privada surgem aqui pri­
meiro as mesmas relações que reencontraremos na propriedade privada 
moderna, só que então em escala muito maior. De um lado, a concen­
tração da propriedade privada, que começou muito cedo em Roma 
(prova-o a lei agrária de Licínio 16) e que se processou bastante rapida­
mente desde as guerras civis e principalmente sob os imperadores; por 
outro lado e em conexão com tudo isso, a transformação dos pequenos 
camponeses plebeus num proletariado que, dada a sua posição interme­
diária entre cidadãos proprietários e escravos, nunca chegou a um desen­
volvimento autônomo.
A terceira formaé a propriedade feudal ou estamental. Se a Anti­
guidade partia da cidade e do seu pequeno território, a Idade Média 
partia do campo. A população existente, escassa e dispersamente distri­
buída sobre uma vasta área e que não sofria nenhum grande crescimento 
devido a conquistadores,, condicionava esse ponto de partida transfor­
mado. Em oposição à Grécia e à Roma, o desenvolvimento feudal começa 
portanto sobre um terreno muito mais extenso, preparado pelas conquis­
tas romanas e pela expansão da agricultura inicialmente ligada àquelas. 
Os últimos séculos do Império Romano em decadência e a conquista 
pelos bárbaros destruíram uma massa de forças produtivas; a agricultura 
foi a pique, a indústria decaiu pela falta de mercado, o comércio estava 
adormecido, ou violentamente interrompido, a população urbana e rural
15 Em alemão: “Lumpenproletariat”. “Lumpen” significa literalmente “trapo”, 
“farrapo de pano”; nós o adotamos em português na expressão acima por já ter 
se incorporado ao uso na tradição marxista.
16 Segundo a lei agrária dos tribunos do povo romano Licinius e Sextius, aceita 
no ano de 367 a.C. como resultado da luta dos plebeus contra os patrícios, um 
cidadão romano não podia estar de posse de mais de 500 jugera (cerca de 125 ha) 
da propriedade estatal da terra (ager publicus). Depois dessa data, as reivindi­
cações de terras por parte dos plebeus foram satisfeitas ao lhes serem passadas 
partes das conquistas feitas em campanhas militares. (N. do ed. al.)
191
havia diminuído. Essas relações existentes e o modo de organização da 
conquista por elas condicionado desenvolveram a propriedade feudal 
sob a influência da constituição do exército germânico. Tal como na 
propriedade tribal e comunal, ela se baseava por sua vez numa coleti­
vidade frente à qual estão como classe imediatamente produtora não 
mais os escravos, tal como na antiga, mas os pequenos camponeses 
servos. Simultaneamente com a formação completa do feudalismo, acres- 
centa-se ainda a oposição às cidades. A estrutura hierárquica da posse 
da terra e os seus sequazes armados, o que se ligava àquela, davam à 
nobreza o poder sobre os servos. Tal como a antiga propriedade comunal, 
essa estrutura feudal era uma associação frente à classe produtora domi­
nada; só que a forma de associação e a relação com os produtores 
imediatos eram diversas, pois havia condições diversas de produção.
Nas cidades, a propriedade corporativa, a organização feudal do 
artesanato correspondia à estrutura feudal da posse da terra. Aqui a 
propriedade consistia principalmente no trabalho de cada indivíduo. A 
necessidade da associação contra a nobreza predatória associada, a neces­
sidade de mercados públicos 17 numa época em que o industrial era ao 
mesmo tempo comerciante, a crescente concorrência dos servos evadidos 
que afluíam às cidades prósperas, a estrutura feudal de todo o território 
instauraram as corporações', o capital pequeno de artesãos isolados, 
poupado aos poucos, e o número estável deles durante o crescimento 
demográfico desenvolveram a relação de oficiais e aprendizes, dando 
origem nas cidades a uma hierarquia semelhante à do campo.
Durante a época feudal, a propriedade principal consistia portanto 
de um lado na propriedade da terra com trabalho de servos acorrentado 
a ela, de outro o trabalho próprio com capital pequeno dominando o 
trabalho de oficiais. A estrutura de ambos era condicionada pelas rela­
ções de produção limitadas — a cultura diminuta e rudimentar do solo 
e a indústria artesanal. No florescimento do feudalismo se deu pouca 
divisão do trabalho. Cada feudo encerrava a oposição entre cidade e 
campo; é claro que a estruturação por estamentos era muito acentuada, 
mas além da separação em príncipes, nobreza, clero e camponeses no 
campo e em mestres, oficiais, aprendizes e logo também plebe de diaris­
tas nas cidades, não se deu nenhuma divisão significativa. Na agricultura 
ela era dificultada pela cultura parcelada, ao lado da qual emergia a 
indústria doméstica dos camponeses mesmos, na indústria o trabalho não
17 Traduzimos dois termos diferentes por “necessidade”: “Notwendigkeit” e “Be- 
dürfnis (sobre este cf. nota 14). Traduzimos por “mercado público”, no sentido 
de um espaço físico onde vários produtores e/ou comerciantes põem os seus 
produtos à venda, a expressão “gemeinsame Markthallen”. “Markt” é “mercado” 
no sentido amplo, “Halle” designa um espaço amplo coberto, o adjetivo “ge- 
meinsam” significa “em comum”, também no sentido de “comunal” ou “comu­
nitário”.
192
era dividido de maneira alguma entre os ofícios isolados e muito pouco 
abaixo deles. A divisão entre indústria e comércio era encontrada em 
cidades mais antigas, se desenvolveu nas novas só mais tarde, quando 
as cidades entraram em relação umas com as outras.
Tanto para as cidades quanto para a nobreza fundiária o enfeixa- 
mento de territórios maiores em reinos feudais era uma necessidade 
/ 'B e d ü rfn is / '. A organização da classe dominante, da nobreza, tinha 
por isso em toda parte um monarca à frente.
O fato é portanto este: determinados indivíduos que são ativos 
produtivamente de modo determinado entram nessas relações políticas 
e sociais determinadas. Em cada caso singular a observação empírica 
tem que evidenciar, empiricamente e sem qualquer mistificação e espe­
culação, a interconexão da estrutura social e política com a produção. 
A estrutura social e o Estado emergem constantemente do processo da 
vida de indivíduos determinados; mas desses indivíduos não como pos­
sam aparecer na representação / 'V o rs te llu n g / ' própria ou alheia, e feim 
como são efetivamente, quer dizer, como atuam, produzem material­
mente, portanto como são ativos sob determinados limites, pressupostos 
e condições materiais que independem do seu arbítrio *.
A produção das idéias, representações, da consciência está de início 
| imediatamente entrelaçada na atividade material e no intercâmbio mate-
I rial dos homens, linguagem da vida efetiva. O representar, pensar, o 
/ intercâmbio intelectual dos homens aparecem aqui ainda como afluência 
direta do seu comportamento material. O mesmo vale para a produção 
intelectual tal como se apresenta na linguagem da política, das leis, da 
moral, da religião, da metafísica, etc., de um povo. Os homens são os 
produtores das suas representações, idéias, etc., mas os homens efetivos, 
âtuantes, tal como são condicionados por um desenvolvimento determi­
nado das suas forças produtivas e do intercâmbio correspondente às 
/ mesmas, até as suas formações mais amplas. A consciência nunca pode 
j ser outra coisa do que o ser / /% e \n // consciente, e o ser dos homens
* [Riscado no manuscrito o seguinte:] As representações que estes indivíduos 
se fazem são representações ou sobre a relação deles com a natureza ou 
sobre a relação deles entre si, ou sobre a própria constituição deles. É 
iluminador que em todos estes casos estas representações são a expressão 
consciente — efetiva ou ilusória — das suas relações e atuação efetivas, da 
sua produção, do seu intercâmbio, da sua organização social e política. A 
suposição oposta só é possível quando se pressupõe ainda um espírito à 
parte fora o espírito dos indivíduos efetivos, materialmente condicionados. 
Se a expressão consciente das relações efetivas destes indivíduos é ilusória, 
se em suas representações colocam a sua realidade efetiva de cabeça para 
baixo, então isto é por sua vez uma conseqüência do seu modo limitado de 
atuarem materialmente e das suas relações sociais limitadas que surgem disso.
193
é o seu processo efetivo de vida. Se em toda ideologia os homens e 
as suas relações aparecem como numa câmera obscura18, virados de 
cabeça para baixo, este fenômeno decorre tanto do seu processo histó­
rico de vida quanto a inversão dos objetos na retina decorre do seu/ p r o c e s s o / imediatamente físico.
Inteiramente em oposição à filosofia alemã que desce do céu para 
a terra, aqui se sobe da terra para o céu. Em outras palavras, não se 
parte do que os homens dizem, imaginam, se representam, também não 
de homens ditos, pensados, imaginados, representados, para daí se chegar 
aos homens de carne e osso; parte-se de homens efetivamente ativos e 
a partir do processo efetivo de vida deles é também apresentado o 
desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de 
vida. Também as imagens nebulosas no cérebro dos homens são subli- 
mações necessárias do seu processo material de vida, empiricamente 
constatável e ligado a pressupostos materiais. Com isso a moral, religião, 
metafísica e qualquer outra ideologia e as formas de consciência corres­
pondentes a elas, não mantêm mais a aparência de autonomia. Não têm 
história, não têm desenvolvimento, mas desenvolvendo a sua produção 
material e o seu intercâmbio material os homens mudam, com esta sua 
realidade efetiva, também o seu pensamento e os produtos do seu pensa­
mento. Não a consciência determina a vida, mas a vida determina a 
consciência. No primeiro modo de consideração parte-se da consciência 
como o indivíduo vivo, no segundo, que corresponde à vida efetiva, 
parte-se dos indivíduos vivos efetivos e considera-se a consciência apenas 
como a consciência deles.
Esse modo de consideração não é sem pressupostos. Parte dos pres­
supostos efetivos, não os abandona um instante sequer. Os seus pressu­
postos são os homens em seu processo de desenvolvimento efetivo, empi­
ricamente intuível e sob condições determinadas, e não os homens fecha­
dos em si e fixados em alguma fantasia. Tão logo este processo ativo da 
vida seja apresentado, a história deixa de ser uma coleção de fatos 
mortos, tal como ainda o é mesmo entre os empiristas abstratos, ou uma 
ação imaginária de sujeitos imaginários, como entre os idealistas.
Lá onde termina a especulação, na vida efetiva, aí começa portanto 
a ciência positiva, efetiva, a exposição do exercício prático, do processo 
prático de desenvolvimento dos homens. Cessam as frases da consciência,
o seu lugar tem que ser ocupado por saber efetivo. A filosofia autônoma 
perde o seu medium de existência com a exposição da realidade efetiva. 
Na melhor das hipóteses ela pode dar lugar a um resumo dos resultados
18 Designação de uma caixa à prova de luz dotada de um pequeno orifício através 
do qual entram raios luminosos que projetam, na parede oposta ao mesmo, a 
figura invertida de objetos colocados diante do dito orifício. Ao que tudo indica 
foi construída pela primeira vez por Leonardo da Vinci.
mais gerais que se deixam abstrair da consideração do desenvolvimento 
histórico dos homens. Estas abstrações não têm de maneira alguma valor 
por si, separadas da história efetiva. Elas apenas podem servir para 
facilitar a ordenação do material histórico, para indicar a seqüência 
dos seus estratos isolados. Mas de maneira alguma dão, assim como a 
filosofia, uma receita ou esquema segundo o qual as épocas históricas 
possam ser ajustadas. Ao contrário, a dificuldade primeiro começa onde 
/ / a lg u é m / inieia a consideração e ordenação do material, seja de uma 
época passada ou do presente, a exposição efetiva. A eliminação destas 
dificuldades está condicionada por pressupostos que de modo algum 
podem ser dados aqui, mas que resultam primeiro do estudo do processo 
efetivo de vida e da açãó dos indivíduos de cada época. Recortamos aqui 
algumas destas abstrações que usamos frente à ideologia, e as elucida­
remos em exemplos históricos.
[1.] História
Entre os alemães desprovidos de pressupostos temos que começar 
constatando o primeiro pressuposto de toda existência humana e portanto 
também de toda história, a saber, o pressuposto de que os homens pre­
cisam estar em condições de viver para poderem “fazer história” *. Mas 
para viver é preciso antes de mais nada comer e beber, morar, vestir, 
e ainda algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é portanto engen­
drar os meios para a satisfação dessas necessidades, produzir a vida 
material mesma, e isto é um ato histórico, uma condição básica de toda 
a história que ainda hoje, como há milênios, precisa ser preenchida a 
cada dia e a cada hora tão-somente para manter os homens vivos. Mesmo 
quando a sensorialidade, como em São Bruno 1!), está reduzida a um 
bastão, ao mínimo, ela pressupõe a atividade de produção deste bastão. 
Em toda concepção histórica, portanto, a primeira coisa é observar esse 
fato fundamental em todo o seu significado e em toda a sua extensão 
e colocá-lo onde de direito. Os alemães, como se sabe, nunca fizeram 
isso, por conseguinte nunca tiveram uma base terrena para a história e 
conseqüentemente nunca tiveram um historiador. Embora também tomas­
sem de maneira altamente unilateral a interconexão deste fato com a 
assim chamada história, principalmente enquanto estavam presos à ideolo­
gia política, os franceses e os ingleses ainda assim fizeram as primeiras
* (N ota marginal de M arx:] Hegel. Relações geológicas, hidrográficas, etc. 
Os corpos humanos. Necessidade / B e d ü r f n i s / , trabalho.
19 Referência irônica a Bruno Bauer (1809-1882), teólogo que foi aluno de Hegel 
e que, com base nos ensinamentos do seu mestre, exerceu aguda crítica às inter­
pretações vigentes da Bíblia, tentando ver historicamente o fenômeno do cris­
tianismo.
tentativas para dar uma base materialista à historiografia ao serem os 
primeiros a escrever histórias da sociedade burguesa 20, do comércio e 
da indústria.
Em segundo lugar, a primeira necessidade satisfeita, a ação da satisfa­
ção e o instrumento da satisfação já adquirido levam a novas necessidades
— e esse engendramento de novas necessidades é o primeiro ato histó­
rico. Mas aqui já se patenteia de imediato de que mente é filha a grande 
sabedoria histórica dos alemães que, onde lhes falta o material positivo 
e onde não se debatem absurdos teológicos nem políticos nem literários, 
não deixam acontecer história alguma, mas o “tempo pré-histórico”, 
sem no entanto nos esclarecerem como se passa desse absurdo da “pré- 
-história” à história propriamente — embora, por outro lado, a sua 
especulação histórica se atire de maneira bastante particular sobre esta 
“pré-história” porque acreditam estar aí seguros ante a ingerência do 
“fato bruto” e, ao mesmo tempo, porque aí podem soltar as rédeas dos 
seus impulsos especulativos, engendrando e derrubando hipóteses aos 
milhares.
\ A terceira circunstância //V erh ã ltn is //, o que já de antemão entra
no desenvolvimento histórico, é a de que os seres humanos 21 que reno­
vam a sua própria vida diariamente começam a fazer outros seres huma­
nos, isto é, a se reproduzirem — a relação entre homem e mulher, pais 
e filhos, a família. Essa família, que no começo é a única relação social, 
torna-se mais tarde, onde o crescimento das necessidades / 'B ed ü rfn isse /' 
engendra novas relações sociais e o crescimento populacional novas 
necessidades, uma relação subordinada (exceto na Alemanha) e tem então 
que ser tratada e desenvolvida segundo os dados empíricos existentes e 
não segundo o “conceito de família” , como se costuma fazer na Alerria-
1 nha *. De resto, esses três aspectos da atividade social não devem ser
* Construção de casas. Entre os selvagens com preende-se por si m esm o que 
cada fam ília tenha a sua própria caverna ou choupana, assim com o entre 
os nômades cada fam ília tem uma tenda separada. Esta econom ia doméstica 
separada só é tornada ainda mais necessária pelo desenvolvim ento ulterior 
da propriedade privada. Entre os povos agrícolas a econom ia dom éstica em 
com um é tão impossível quanto o cultivo em comum do solo. A edificação 
de cidades foi um grande progresso. Em todos os períodos até agora, con­
tudo, asuperação / / A u fh cb u n g ,/ da econom ia separada, que não deve ser 
separada da superação da propriedade privada, era im possível já porque as 
condições materiais para tanto não estavam presentes. A instituição de uma 
econom ia doméstica em comum pressupõe o desenvolvim ento da maqui-
20 “Bürgerliche Gesellschaft” também significa “sociedade civil”.
21 Até agora sempre traduzimos “Mensch” por “homem” no sentido de “indivíduo 
pertencente à espécie humana”. Mas no curso deste parágrafo, e só deste, o 
traduziremos por “ser humano” para diferenciar de “Mann”, “homem”, no sentido 
de “indivíduo da espécie humana pertencente ao sexo masculino”.
196
tomados como três estágios diferentes, mas tão-somente como três aspec­
tos ou, escrevendo claro para os alemães, como três “momentos” que 
existiram simultaneamente desde o início da história e desde os primeiros 
homens, fazendo-se valer ainda hoje na história.
produção da vida, tanto da própria pelo trabalho quanto da 
alheia pela procriação, aparece agora já de imediato como uma relação 
j dupla — de um lado como relação natural, de outro como relação 
/ social — , social no sentido de que com isto se entende a cooperação de 
/ vários indivíduos, não importando sob que condições, de que modo e 
/ , para que finalidade. Depreende-se disto que um determinado modo de 
í produção ou estágio industrial está sempre unido a um determinado 
modo de cooperação ou estágio social, este modo de cooperação sendo 
ele mesmo uma “força produtiva”, /d e p re e n d e - s e / que a quantidade 
das forças produtivas acessíveis aos homens condiciona o estado social 
/ e que portanto a “história da humanidade” precisa ser trabalhadá e 
estudada sempre em conexão com a história da indústria e da troca, Mas 
/ também está claro como é impossível escrever tal história na Alemanha, 
pois para tanto faltam aos alemães não apenas a capacidade de concepção 
j e o material, mas também a “certeza sensorial”, e além do Reno não se 
j pode fazer experiência alguma sobre estas coisas porque lá não trans- 
\ corre mais história alguma. Já de antemão mostra-se portanto uma 
interconexão materialista dos homens entre si, condicionada pelas ne- 
?(' cessidades /B e d ü r fn is s e / e pelo modo de produção e sendo tão velha 
" quanto os homens mesmos — uma interconexão que assume sempre 
t formas novas e que portanto oferece uma “história”, também sem que 
exista qualquer besteira política ou religiosa que ainda mantenha suple-
- ' mentarmente unidos os homens.
Somente agora, depois de já termos observado quatro momentos,
atro aspectos das relações sociais originárias, achamos que o homem 
nbém tem “consciência” *. Mas também isso não de antemão, como 
nsciência “pura” . O “espírito” tem em si de antemão a maldição de 
r “afetado” pela matéria, que aqui se faz presente na forma de camadas
naria, da utilização das forças naturais e de muitas outras forças produtivas
— por exem plo, de aquedutos, da ilum inação a gás, da calefação a vapor, 
etc., superação [da oposição] de cidade e campo. Sem estas condições, a 
econom ia em com um não seria ela m esm a uma nova força de produção, 
ou seja, seria um mero capricho e só levaria a uma econom ia de convento.
— O que era possível patenteia-se na congregação em cidades e na edifi­
cação de casas com unais para fins determinados singulares (prisões, casernas, 
etc .) . Compreende-se por si que a superação da econom ia separada não 
deve ser separada da superação da família.
* Os hom ens têm história porque têm que produzir a sua vida, e a tem que 
/ p r o d u z i r / de m odo determinado', isto está dado por sua organização 
física; da mesma maneira que a sua consciência.
197
de ar em movimento, de sons, em suma de linguagem. A linguagem é 
tão velha quanto a consciência — a linguagem é a consciência efetiva, 
prática também existente para outros homens, portanto também existente 
primeiro para mim mesmo, e assim como a consciência a linguagem 
surge somente da necessidade / 'B e d ü rfn is / ', da emergência de inter­
câmbio com outros homens *. Onde existe uma relação lá ela existe 
para mim; o animal “se comporta” 22 perante nada e de maneira alguma. 
Para o animal a sua relação com outros não existe como relação. Já 
de antemão, portanto, a consciência é um produto social e assim continua 
enquanto em geral existirem homens. Naturalmente a consciência é pri­
meiro mera consciência sobre o meio circundante sensorial mais próximo 
e consciência da interconexão limitada com outras pessoas e coisas fora 
do indivíduo que se torna consciente; é ao mesmo tempo consciência da 
natureza, que de início se coloca frente aos homens como um poder 
inteiramente alheio, onipotente e inatingível, perante o qual os homens 
se comportam de maneira puramente animal, pelo qual se deixam im­
pressionar tal como os animais; é portanto uma consciência puramente 
animal da natureza (religião da natureza).
De imediato se vê então que esta religião da natureza ou este com­
portamento determinado perante a natureza está condicionado pela forma 
da sociedade e vice-versa. Aqui, como em toda parte, a identidade entre 
natureza e homem também surge de maneira tal que o comportamento 
limitado dos homens perante a natureza condiciona o seu comportamento 
limitado uns para com os outros, e que o seu comportamento limitado 
uns para com os outros condiciona o seu comportamento limitado peran­
te a natureza precisamente porque a natureza ainda está muito pouco 
modificada historicamente, e de outro lado a consciência da necessidade 
//N otw endigkeit// de entrar em contato com os indivíduos circundantes 
/ / é / / o início da consciência de que ele vive de maneira geral numa 
sociedade. Esse início é tão animal quanto a vida social mesma nesse 
estágio, sendo mera consciência gregária, e aqui o homem se distingue 
do carneiro só pelo fato de a consciência tomar nele o lugar do instinto 
ou pelo de o seu instinto ser um ^ in s t in to ,/ consciente. Esta consciência 
tribal ou carneiral recebe o seu desenvolvimento e formação posterior 
através da crescente produtividade, do aumento das necessidades e do 
crescimento populacional subjacente a ambos. Com isso desenvolve-se 
a divisão do trabalho, que em sua origem nada mais era do que a
* [Riscado no manuscrito o seguinte:] Minha relação com o meu m eio cir­
cundante é minha consciência.
22 O verbo “sich verhalten zu” pode ser traduzido por “ter a atitude diante de” 
no duplo sentido de “relacionar-se com” e de “comportar-se perante”, é cognato 
dos substantivos “Verhalten” = “comportamento” e “Verháltnis” = “relação” 
(no sentido técnico marxista).
divisão do trabalho no coito, depois divisão do trabalho que se faz 
espontânea ou “naturalmente” em virtude da disposição natural (por 
exemplo, força física), das necessidades, dos acasos, etc., etc. A divisão 
do trabalho só se torna efetivamente divisão a partir do instante em que 
se instaura uma divisão do trabalho material e do intelectual *. A partir 
desse instante a consciência pode efetivamente imaginar que é algo outro 
do que a consciência da prática existente, / p o d e im a g in a r/ efetiva­
mente representar algo sem representar algo efetivo — a partir desse 
instante a consciência está em condições de se emancipar do mundo e 
passar à formação da “pura” teoria, teologia, filosofia, moral, etc. Mas 
mesmo quando essa teoria, teologia, filosofia, moral, etc., entram em 
contradição com as relações existentes, isso só pode acontecer pelo fato 
de que as relações sociais existentes entraram em contradição com a força 
de produção existente — o que de resto pode também acontecer num 
determinado círculo nacional de relações pelo fato de a contradição 
se instalar não neste âmbito nacional, mas entre esta consciência nacional 
e a práxis das outras nações **, isto é,entre a consciência nacional e 
a consciência universal de uma nação.
No mais, é inteiramente indiferente o que a consciência enceta 
sozinha; de toda essa porcaria nós só recebemos o resultado de que esses 
três momentos, a força de produção, o estado social e a consciência, 
podem e têm que entrar em contradição uns com os outros porque com 
a divisão do trabalho está dada a possibilidade, até mesmo a realidade 
efetiva, de que a atividade intelectual e material — de que a fruição e 
o ' trabalho, produção e o consumo, tocam a indivíduos diferentes, a 
possibilidade de que não entrem em contradição jazendo só no fato de 
ser de novo superada a divisão do trabalho. De resto, compreende-se por 
si que os “fantasmas”, “vínculos”, “essência superior”, “conceito”, “es­
crúpulo”, nada mais são do que a expressão intelectual idealista, a repre­
sentação aparentemente do indivíduo isolado, a representação de barreiras 
e cadeias bastante empíricas dentro das quais se movimenta o modo de 
produção da vida e a forma de intercâmbio ligada a ele.
Com a divisão do trabalho, na qual estão dadas todas essas contra­
dições e que por sua vez repousa na divisão natural do trabalho na 
família e na separação da sociedade em famílias isoladas contrapostas 
umas às outras, também está dada ao mesmo tempo a repartição, e pre­
cisamente a repartição desigual, tanto quantitativa quanto qualitativa, do 
trabalho e dos seus produtos, a propriedade já tendo portanto o seu 
gérmen, a sua primeira forma na família, onde a mulher e as crianças 
são escravos do homem. A escravidão latente na família, claro que ainda 
muito rudimentar, é a primeira propriedade, de resto já correspondendo
* [Nota marginal de Marx:] Primeira form a dos ideólogos, padres, coincide.
** [N ota marginal de M arx.] Religião. Os alemães com a ideologia com o tal.
199
aqui inteiramente à definição dos economistas modernos, segundo a qual 
//& p ropriedade^ é a disposição sobre força de trabalho alheia. No 
mais, divisão do trabalho e propriedade privada são expressões idênticas
— numa se enuncia com referência à atividade o que na outra se enuncia 
com referência ao produto da atividade.
Além disso, com a divisão do trabalho está dada ao mesmo tempo 
a contradição entre o interesse do indivíduo singular ou da família singu­
lar e o interesse comunitário de todos os indivíduos que mantêm inter­
câmbio entre si; e, claro, esse interesse comunitário existe não apenas 
na representação, como “universal”, mas primeiro na realidade efetiva 
como dependência mútua dos indivíduos entre os quais o trabalho está 
dividido. E finalmente a divisão do trabalho nos oferece logo o primeiro 
exemplo de que, enquanto os homens se encontram na sociedade natural, 
enquanto pois existe a cisão entre o interesse comum e o privado, por­
tanto enquanto a atividade não está dividida voluntariamente mas sim 
naturalmente, o próprio ato do homem se lhe torna um poder alheio 
que está frente a ele, que o subjuga ao invés de ele dominá-lo. Pois 
assim que o trabalho começa a ser dividido, cada um tem uma esfera 
de atividade exclusiva e determinada que lhe é impingida e da qual não 
pode fugir; ele é caçador, pescador ou pastor ou crítico crítico /'k ritischer 
K ritik er^ e tem que continuar a sê-lo se não quiser perder os meios 
para viver — ao passo que na sociedade comunista, onde ninguém tem 
uma esfera de atividade exclusiva, mas pode se treinar em qualquer 
ramo de seu agrado, a sociedade regula a produção geral e me torna 
com isso possível fazer hoje isso, amanhã aquilo, de manhã caçar, de 
tarde pescar, à noite cuidar do rebanho, depois da refeição fazer crítica 
como me aprouver, sem jamais me tornar caçador, pescador, pastor 
ou crítico. Essa fixação da atividade social, essa consolidação do nosso 
próprio produto num poder coisal sobre nós que escapa do nosso con­
trole, que contraria as nossas expectativas, que aniquila os nossos cál­
culos, é até hoje um dos momentos principais no desenvolvimento histó­
rico; é exatamente a partir desta contradição entre o interesse particular 
e o comunitário que o interesse comunitário assume como Estado uma 
configuração autônoma, separada dos interesses efetivos globais e indi­
viduais, e / / assum e// ao mesmo tempo como comunitariedade ilusória, 
mas sempre sobre a base real dos laços existentes em cada aglomeração 
familiar e tribal, tais como os laços de sangue, língua, divisão do trabalho 
em maior escala e outros interesses — e particularmente, como o desen­
volveremos mais adiante, ^ so b re a base real dos in teresses^ de classes 
já condicionadas pela divisão do trabalho, ^ c la s se s / '' que se destacam em 
cada agrupamento humano desse tipo e das quais uma domina todas as 
outras. Segue-se disto que todas as lutas dentro do Estado, a luta entre de­
mocracia, aristocracia e monarquia, a luta pelo direito ao voto, etc., etc., 
nada mais são do que as formas ilusórias nas quais são conduzidas as 
lutas efetivas entre as diversas classes (os teóricos alemães não pescaram
200
uma sílaba disso, apesar de que se deu a eles uma orientação suficiente 
nos Anais franco-alemães e na Sagrada família) e além disso /seg u e -se 
q u e / toda classe que aspira à dominação, também quando a sua domi­
nação, como é o caso do proletariado, condiciona a superação de toda 
a antiga forma da sociedade e da dominação em geral, tem que primeiro 
conquistar para si o poder político a fim de apresentar novamente o seu 
interesse como o universal, a que ela está forçada num primeiro instante. 
Exatamente porque os indivíduos apenas buscam o seu interesse parti­
cular, que para eles não coincide com o interesse comunitário, o univer­
sal / s e n d o / a forma ilusória da comunitariedade, este se faz valer 
como um interesse “alheio” a eles e “independente” deles, como um 
interesse “universal” ele mesmo novamente particular e peculiar, ou eles 
mesmos têm que se moverem nesse dilema, tal como na democracia. 
Por outro lado, então, a luta prática desses interesses particulares que 
sempre vão constante e efetivamente contra os interesses comunitários 
e os comunitários ilusórios torna necessária a intervenção e o refreameijto 
práticos pelo interesse “universal” ilusório como Estado. O poder social, 
isto é, a força multiplicada de produção que surge através da cooperação 
entre os diversos indivíduos condicionada na divisão do trabalho, aparece 
a estes indivíduos, e isto porque a cooperação mesma não é voluntária 
mas natural, não como o seu poder próprio, unido, mas como um poder 23 
alheio situado fora deles, do qual não sabem nem de onde nem para 
onde e que portanto não podem mais dominar, que ao contrário percorre 
uma seqüência peculiar de fases e de estágios de desenvolvimento inde­
pendentes da vontade e da marcha dos homens, até mesmo dirigindo 
esta vontade e esta marcha.
Esta “alienação” , para permanecermos compreensíveis ao filósofo, 
naturalmente só pode ser superada sob dois pressupostos práticos. Para 
que se torne um poder “insuportável” , isto é, um poder contra o qual 
se revoluciona, é preciso que ela tenha engendrado a massa da huma­
nidade como completamente “sem propriedade” e isto ao mesmo tempo 
em contradição com um mundo existente de riqueza e de cultura, ambos 
pressupondo um grande aumento da força produtiva, um alto grau do 
seu desenvolvimento — e de outro lado este desenvolvimento das forças 
produtivas (com o qual já está simultaneamente dada a existência empí­
rica presente no existir dos homens que se dá em escala de história 
universal, ao invés de em escala local) também é um pressuposto prático 
absolutamente necessário porque sem ele só se generalizaria a carência 
/ M a n g e l / , como a penúria também recomeçaria ‘portanto a briga pelo 
necessário e se instauraria toda a merda anterior, porque além disso
23 Aqui se trata do termo “Gewalt”, noscasos anteriores de “Macht”, o segundo 
significando “poder” num sentido mais abstrato e o primeiro “poder” como “ins­
tância de poder” (os três poderes, por exemplo), mas também podendo signjficar 
“violência”.
201
somente com esse desenvolvimento universal das forças produtivas está 
posto um intercâmbio universal dos homens, por conseguinte de um lado 
gerou o fenômeno da massa dos “sem propriedade” ao mesmo tempo 
em todos os povos (concorrência universal), cada um dos mesmos se 
tornou dependente das revoluções dos outros e finalmente pôs os indi­
víduos empiricamente universais, que chegaram à história universal, no 
lugar dos indivíduos locais. Sem isso 1) o comunismo só poderia existir 
como uma localidade, 2) os poderes do intercâmbio não teriam eles 
mesmos podido se desenvolver como poderes universais e portanto insu­
portáveis, mas teriam permanecido “circunstâncias” supersticiosas de 
ordem local, e 3) toda ampliação do intercâmbio suprimiria 24 o comu­
nismo local. O comunismo só é empiricamente possível “ repentina” e 
simultaneamente como ato dos povos dominantes, o que pressupõe o 
desenvolvimento universal da força produtiva e o comércio mundial 
^ W e ltv e rk eh r^ ligado a ele. De outra maneira, como a propriedade, 
por exemplo, teria em geral podido ter uma história, assumir figuras 
diversas e impelir a propriedade da terra, segundo as diversas condições 
existentes, do parcelamento à concentração em poucas mãos na França, 
da concentração em poucas mãos ao parcelamento na Inglaterra, como 
é efetivamente o caso de hoje? Ou como é que o comércio, que nada 
mais é do que a troca de produtos entre diversos indivíduos e nações, 
domina o mundo inteiro pela relação entre oferta e procura — uma 
relação que, como já disse um economista inglês, paira sobre a Terra 
como o destino antigo e com mãos invisíveis distribui felicidade e infeli­
cidade aos homens, funda reinos e destrói reinos, faz surgir e desaparecer 
povos — enquanto com a superação da base, da propriedade privada, 
com a regulação comunista da produção e com o aí situado aniquila­
mento da alienidade com a qual os homens se comportam perante o 
seu próprio produto, o poder da relação entre oferta e procura se dissol­
ve em nada e os homens retomam sob o seu controle a troca, a produção, 
o modo do seu comportamento recíproco?
Para nós o comunismo não é um estado que deva ser instaurado, 
um ideal pelo qual a realidade efetiva tenha que se guiar. Chamamos 
comunismo o movimento efetivo que supera o estado de coisas de hoje. 
As condições deste movimento resultam dos pressupostos existentes agora. 
De resto, a massa de simples trabalhadores — força massiva de trabalha­
dores isolada do capital ou de qualquer satisfação limitada — e por 
isso também a perda não mais temporária desse trabalho mesmo como 
uma fonte segura de vida pela concorrência pressupõe o mercado mun­
dial. Portanto' o proletariado só pode existir em termos de história uni­
versal, assim como o comunismo, a sua ação, só pode estar presente 
enquanto existência “histórico-universal” em geral; existência histórico-
24 Aqui o contexto justifica traduzir por “suprimir” o verbo “aufheben”, o qual 
via de regra traduzimos por “superar”.
202
-universal dos indivíduos, quer dizer, existência dos indivíduos que está 
imediatamente ligada à história universal.
A forma de intercâmbio condicionada pelas forças existentes de 
produção em todos os estágios históricos até hoje, e que por sua vez 
as condiciona, é a sociedade civil /b ü rg erlich e G ese lschaft/ que, como 
já fica patente do que precede, tem a família simples e a família com­
posta, a assim chamada tribalidade, como o seu pressuposto e base, e 
cujas determinações mais precisas estão contidas no que precede. Já aqui 
se mostra que esta sociedade civil é o verdadeiro palco e foco de toda a 
história e que contra-senso é a concepção de história até hoje existente, 
a qual se limita às altissonantes ações principais e às do Estado, des- 
curando das relações efetivas *.
A sociedade civil abrange o conjunto do intercâmbio material dos 
indivíduos dentro de um determinado estágio de desenvolvimento das 
forças produtivas. Abrange o conjunto da vida comercial e industrial de 
um estágio e nesta medida ultrapassa o Estado e a nação, embora ppr 
outro lado ela novamente se faça valer para fora como nacionalidade 
e tenha que se estruturar como Estado para dentro. A expressão sociedade 
civil veio do século XVIII, quando as relações de propriedade já haviam 
se destacado da coletividade antiga e medieval. A sociedade civil 25 como 
tal só se desenvolve com a burguesia; a organização social que se desen­
volve imediatamente da produção e do intercâmbio, que em todos os 
tempos forma a base do Estado e da superestrutura idealista restante, 
foi entretanto constantemente designada com o mesmo nome.
[2.] Sobre a produção da consciência ** 2,1
É claro que na história até o presente momento é igualmeifte um 
fato empírico que, com a extensão da atividade a uma escala de história 
universal, os indivíduos foram sendo cada vez mais subjugados a um
* [Riscado no manuscrito o seguinte:] A té hoje consideramos principalmente 
só um dos aspectos da atividade humana, o trabalhar a natureza / / realizado/ / 
pelos homens. O outro aspecto, o trabalhar os hom ens / r e a l i z a d o / ' pelos 
hom en s. , .
Origem do Estado e a relação do Estado com a sociedade civil.
25 Mantemos essa tradução também aqui, embora “sociedade burguesa” se ade­
quasse melhor ao contexto.
** O texto alemão de A ideologia alem ã tomado por base de nossa tradução está 
publicado em M à r x , K . e E n g e l s , F . W erke. Berlim, Dietz Verlag, 1969. v. III, 
p. 37-40, 46-50 e 73-7 . Traduzido por Viktor von Ehrenreich.
2l* Sobre as convenções adotadas nesta tradução cf. nota 1, p. 182.
/
poder que lhes era alheio 27 (cuja opressão eles se representavam então 
como chicana do assim chamado espírito universal, etc.), um poder 
que se tornou cada vez mais massivo e que em última instância se 
evidencia como mercado mundial. Mas está fundado de maneira igual­
mente empírica que este poder, tão misterioso para os teóricos alemães, 
será dissolvido pela derrubada do estado social existente mediante a 
revolução comunista (sobre isso ver mais abaixo) e pela superação da 
propriedade privada, idêntica àquela revolução, e então será conseguida 
a libertação de cada indivíduo singular na mesma medida em que a 
história se transformar completamente em história universal. Segundo o 
dito acima está claro que a riqueza espiritual efetiva28 do indivíduo 
depende totalmente da riqueza das suas relações efetivas. É só através 
disso que cada indivíduo será libertado das diversas barreiras nacionais 
e locais, posto em relação prática com a produção (também com a 
espiritual) do mundo inteiro e posto em condições de adquirir a capa­
cidade de desfrutar desta produção multifacética da Terra inteira (cria­
ções do homem). A dependência de todos os lados, esta forma natural 
de cooperação dos indivíduos em escala de história universal, será trans­
formada por esta revolução comunista no controle e dominação cons­
ciente destes poderes que, engendrados a partir da ação recíproca entre 
os homens, até agora os impressionaram e dominaram como poderes 
inteiramente alheios. Por seu turno esta concepção pode ser formulada 
especulativo-idealistamente, isto é, fantasiosamente, como “auto-engen- 
dramento do gênero” (a “sociedade como sujeito” ), podendo através 
disso a série sucessiva de indivíduos ligados entre si ser representada 
como um único indivíduo que realiza o mistério de engendrar a si mesmo. 
Claro que aqui se mostra que os indivíduos se fazem uns aos outros 
física e espiritualmente, mas não se fazem nem na insensatez de São 
Bruno nem no sentido do “único”, do homem “feito” .
Esta concepçãoda história repousa portanto sobre o seguinte: desen­
volver o processo efetivo de produção partindo da produção material 
da vida imediata e tomar como base de toda história a forma de inter­
câmbio ligada com este modo de produção e engendrada por ele, logo a 
sociedade civil //bürgerliche G eselschaft^ em seus diversos estágios, e 
tanto apresentá-la em sua ação como Estado quanto explicar a partir dela 
o conjunto das diversas produções teóricas e formas da consciência, reli­
gião, filosofia, moral, etc., etc., e seguir o seu processo de surgimento a
203
27 Literalmente “lhes era estranho”. Traduziremos o adjetivo “frem d” por “alheio” 
devido a ser cognato do substantivo “Entfremdung” = “alienação”.
28 Para maior simplicidade traduziremos o adjetivo “wirklich” por “efetivo”, em-, 
bora talvez fosse mais correto e completo “efetivamente real” ou “realmente 
efetivo”. Reservaremos “real” para os adjetivos alemães “real” e “reell”.
204
partir dessas produções, onde naturalmente também se poderá apresentar a 
coisa 29 em sua totalidade (e por isso também a ação destes diversos aspec­
tos uns sobre os outros). Ela não tem que procurar por uma categoria em 
cada período, tal como a concepção idealista da história, mas permanece 
constantemente no terreno efetivo da história, não explica a práxis a partir 
da idéia, explica as formações de idéias a partir da práxis material e de 
acordo com isso também chega ao resultado de que todas as formas e pro­
dutos da consciência não podem ser resolvidos pela crítica intelectual30, 
mediante resolução em “autoconsciência” ou transformação em “apari­
ções”, “fantasmas” , etc., mas só mediante a derrubada prática das relações 
sociais reais das quais emergiram estas baboseiras idealistas — que não a 
crítica mas que a revolução é a força motriz da história também da 
religião, filosofia e demais teorias 81. Ela mostra que a história não termi­
na com resolver-se em “autoconsciência” como “espírito do espírito”, 
mas que nela a cada estágio se encontra um resultado material, uma 
soma de forças de produção, uma relação historicamente criada com a 
natureza e dos indivíduos entre si que é transmitida a cada geração 
por sua predecessora, uma massa de forças produtivas, capitais e circuns­
tâncias que de um lado bem que é modificada pela geração nova, mas 
que de outro lado também lhe prescreve as suas próprias condições 
de vida e lhe dá um desenvolvimento determinado, um caráter específico
— portanto que as circunstâncias fazem os homens tanto quanto os 
homens fazem as circunstâncias. Esta soma de forças produtivas, capitais 
e formas sociais de intercâmbio que cada indivíduo e cada geração encon­
tra aí como algo dado, é o fundamento real daquilo que os filósofos 
se representaram como “substância” e “essência do homem”, daquilo 
que apoteotizaram e combateram, um fundamento real que não é nem 
um pouco perturbado em seus efeitos e influxos sobre o desenvolvimento 
dos homens pelo fato de se rebelarem contra isso os filósofos na quali­
dade de “autoconsciência” e “único”. Estas condições de vida encon­
tradas aí pelas diversas gerações também decidem se o abalo revolu­
cionário que retorna periodicamente na história será suficientemente forte 
ou não para pôr abaixo a base de tudo o que existe, e se estes elementos 
materiais de uma revolução total, a saber, de um lado as forças produ­
29 “Sache” não é tão neutro quanto “coisa”, mas também não chega a ser “objeto” 
no sentido de “coisa posta à consideração de um sujeito”. Traduziremos “Sache” 
de maneira insuficiente por “coisa” e o respectivo adjetivo “sachlich” por 
“coisal”.
30 “geistige Kritik”, literalmente “crítica espiritual”.
31 Tradução literal do passus “díe treibende Kraft der Geschichte auch der 
Religion, etc.”, interpretável tanto como (o mais provável) “a força motriz da 
história / e / também //força motriz/" da religião, etc.”, quanto como “a 
força motriz da história / e m geral e / / também / d a h is tó r ia / da religião, etc.”.
205
tivas disponíveis e de outro lado a formação de uma massa revolucionária 
que revoluciona não só contra condições singulares da sociedade existente 
até então, mas contra a “produção da vida” mesma existente até então, 
contra a “atividade global” sobre a qual a sociedade se baseava — se 
estes elementos não estão à mão, então é completamente indiferente para 
o desenvolvimento prático o fato de a idéia desta revolução já ter sido 
enunciada cem vezes — tal como o prova a história do comunismo.
Até aqui toda concepção de história ou deixou total e completamente 
de levar em conta esta base efetiva da história ou só a considerou como 
algo colateral que está fora de qualquer interconexão com o decurso 
histórico. Por conseguinte, a história tem sempre que ser escrita segundo 
um critério que se situa fora dela; a produção efetiva da vida aparece 
como proto-histórica, ao passo que o histórico aparece como o separado 
da vida comum, como o extra-supramundano. A relação do homem com 
a natureza está com isso excluída da história, com o que é engendrada 
a oposição entre natureza e história. Por conseguinte, ela só pôde ver 
na história ações políticas centrais e ações do Estado, bem como lutas 
religiosas e de maneira geral teóricas, tendo em especial que partilhar 
com cada época histórica as ilusões desta época. Por exemplo, se uma 
época imaginar que é determinada por motivos puramente “políticos” 
ou “religiosos”, embora “religião” e “política” sejam apenas formas dos 
seus motivos efetivos, então o seu historiógrafo aceitará esta opinião. 
A “imaginação”, a “representação” destes homens determinados sobre a 
sua práxis efetiva é transformada no único poder ativo e determinante 
que domina e determina a práxis destes homens. Se a forma rudimentar 
em que a divisão do trabalho ocorre entre os indianos e egípcios faz 
emergir o sistema de castas no Estado e na religião destes povos, o 
historiador acredita que o sistema de castas é o poder que engendrou 
esta forma social rudimentar. Enquanto os franceses e os ingleses pelo 
menos se atêm à ilusão política, que ainda está mais próxima da reali­
dade efetiva32, os alemães se movem na região do “espírito puro” e 
fazem da ilusão religiosa a força motriz da história. A filosofia da história 
de Hegel é a última conseqüência, levada à sua “expressão mais pura” , 
do conjunto desta historiografia alemã, na qual se trata não de inte­
resses efetivos, nem mesmo políticos, mas de pensamentos puros que 
então também têm que aparecer a São Bruno como uma série de “pensa­
mentos” dos quais um devora o outro para enfim submergir na “auto- 
consciência”, e ainda mais conseqüentemente este decurso histórico tinha 
que aparecer a São Max Stirner, que não sabe nada acerca de toda a 
história efetiva, como uma mera história de “cavaleiros” , de ladrões e
32 Por “realidade efetiva” traduzimos aqui “Wirklichkeit”, também traduzível por 
“efetividade”. Sobre o respectivo adjetivo “wirklich” cf. nota 28.
206
de fantasmas, de cujas visões ele naturalmente só sabe se salvar na 
“impiedade” *. Esta concepção é efetivamente religiosa, supõe o homem 
religioso como o homem primevo do qual parte toda a história, e em 
sua imaginação coloca a produção de fantasias religiosas no lugar da 
produção efetiva de meios de vida e / d a p ro d u ç ã o / da vida mesma. 
Toda esta concepção da história, junto com a sua solução 33 e as hesi­
tações e escrúpulos que surgem daí, é um assunto meramente nacional 
dos alemães e tem só um interesse local para a Alemanha, como por 
exemplo a importante questão ultimamente tratada de múltiplas ma­
neiras: como propriamente “a partir do reino de Deus se chega ao reino 
dos homens”, como se este “reino de Deus” tivesse existido em outra 
parte senão na imaginação e estes eruditos senhores, sem o saber, não 
vivessem constantemente no “reino dos homens”à procura de cujo cami­
nho estão agora, e como se a diversão científica, pois não é mais do 
que isto, de explicar, o curioso desta miragem teórica não residisse, de 
maneira precisamente inversa, em que se evidencie o seu surgiment^ a 
partir das relações terrenas efetivas. De maneira geral, entre estes alemães 
se trata sempre de resolver em qualquer outro capricho o absurdo encon­
trado aí, ou seja, pressupor que todo este absurdo chega a ter um 
sentido 34 especial a ser descoberto, ao passo que só se trata de explicar 
estas frases teóricas a partir das relações efetivas existentes. A solução 
/ A u flõ su n g / prática, efetiva destas frases, eliminar estas representações 
da consciência dos homens, é efetuada, como já se disse, por circunstân­
cias modificadas, não por deduções teóricas. Para a massa dos homens, 
ou seja, para o proletariado, estas representações teóricas não existem, 
portanto também não precisam ser resolvidas para ela, e se esta massa 
um dia teve algumas representações teóricas, por exemplo religião, então 
há muito que estas já foram dissolvidas 35 pelas circunstâncias.
[ . . . ]
Os pensamentos da classe dominante são os pensamentos dominan­
tes em cada época, ou seja, a classe que é o poder material dominante 
da sociedade é simultaneamente o seu poder espiritual dominante. A
* [N ota m arg inal de M arx :] A assim cham ada h is to riog rafia o b je tiv a con­
sistia p recisam ente em to m ar as relações h istóricas separadam en te da a ti­
v idade. C ará te r reacionário .
38 Tentativa de condensar num termo português os dois sentidos de “Auflõsung” 
em jogo aqui, o de “dissolução” e o de “resolução”, “redução”.
34 Jogo de palavras entre “Unsinn” . = “absurdo”, “asneira”, “bobagem”, e 
“Sinn” “sentido”.
35 Nesta frase, jogo entre os dois sentidos de “auflõsen”, o de “dissolver” e o 
de “resolver”.
207
classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dis­
põe com isso simultaneamente sobre os meios para a produção espiritual, 
de maneira que com isso lhe estão ao mesmo tempo submetidos em 
média os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios para a pro­
dução espiritual. Os pensamentos dominantes nada mais são senão a 
expressão em idéias38 das relações materiais dominantes, as relações 
materiais dominantes formuladas como pensamentos; portanto, as rela­
ções que tornam dominante precisamente esta tal classe, portanto os 
pensamentos da sua dominação. Os indivíduos que constituem a classe 
dominante têm, entre outras coisas, também consciência e por conse­
guinte pensam; logo, na medida em que dominam como classe e deter­
minam o âmbito inteiro de uma época histórica, compreende-se por si 
mesmo que fazem isso em toda a sua extensão, portanto que entre outras 
coisas também dominam como / / seres// pensantes, como produtores 
de pensamentos, regulam a produção e distribuição dos pensamentos do 
seu tempo; que portanto os seus pensamentos são os pensamentos domi­
nantes da época. Por exemplo, num tempo e num país em que o poder 
do rei, a aristocracia e a burguesia lutam entre si pela dominação, em 
que portanto a dominação está dividida, mostra-se como pensamento 
dominante a doutrina da divisão dos poderes, a qual é então enunciada 
como uma “lei eterna” .
A divisão do trabalho, que acima já encontráramos como um dos 
poderes principais da história até hoje, externa-se agora também na classe 
dominante como divisão entre o trabalho material e o intelectual37, 
de maneira que dentro dessa classe uma parte entra em cena como os 
pensadores dessa classe (os ideólogos que a projetam ativamente em 
pensamento, que fazem da elaboração da ilusão dessa classe sobre si 
mesma o ramo principal da sua subsistência), ao passo que os outros 
se comportam mais passiva e receptivamente diante destes pensamentos 
e ilusões por serem, na realidade efetiva, os membros ativos dessa classe 
e por disporem de menos tempo para ter ilusões e pensamentos sobre 
si mesmos. Dentro dessa classe essa sua cisão pode se desenvolver até 
a uma certa contraposição e inimizade entre ambas as partes, mas que 
cai espontaneamente por terra quando de cada conflito prático em que 
a classe esteja ela mesma ameaçada, aí também desaparecendo a aparên­
cia de que os pensamentos dominantes não são os pensamentos da classe 
dominante e de que têm um poder distinto do poder dessa classe. A 
existência de pensamentos revolucionários numa época determinada já 
pressupõe a existência de uma classe revolucionária, sobre cujos pressu­
postos já foi dito o necessário mais acima.
38 Em alemão: “der ideelJe Ausdruck”, literalmente “a expressão ideal”, onde o 
adjetivo “ideal” deve ser tomado no sentido forte de “da natureza das idéias”.
37 Literalmente “espiritual”.
208
Se na concepção do decurso histórico os pensamentos da classe 
dominante são separados da classe dominante, se são autonomizados, 
se se insistir que numa época dominaram estes e aqueles pensamentos 
sem que haja preocupação pelas condições da produção e pelos produ­
tores destes pensamentos, portanto se se deixar de lado os indivíduos 
e os estados do mundo que subjazem aos pensamentos, então se pode 
por exemplo dizer que durante o tempo em que dominava a aristocracia 
dominavam os conçeitos de honra, de fidelidade, etc., durante a domi­
nação da burguesia, os conceitos de liberdade, de igualdade, etc. *. A 
classe dominante mesma imagina isso em média. Esta concepção de 
história, comum a todos os historiógrafos principalmente desde o século 
XVIII, se deparará necessariamente com o fenômeno de que dominam 
pensamentos cada vez mais abstratos, isto é, pensamentos que cada vez 
mais assumem a forma da universalidade. Pois cada classe nova que se 
põe no lugar daquela que dominava antes dela é forçada, já para realizar 
o seu objetivo, a apresentar o seu interesse como o interesse comum a 
todos os membros da sociedade, ou seja, expresso em idéias 88: dar aos 
seus pensamentos a forma da universalidade, apresentá-los como os 
únicos racionais e universalmente válidos. Já por estar frente a uma 
classe, a classe revolucionante se faz de antemão presente não como 
classe, mas como representante da sociedade inteira, aparece como a 
massa inteira da sociedade frente à única classe dominante **. Ela o pode 
porque no início o seu interesse se liga efetivamente ainda com os 
interesses comuns a todas as classes restantes não dominantes, porque 
sob a pressão das relações até então existentes o seu interesse ainda não 
pôde se desenvolver como interesse particular de uma classe particular. 
Por isso a sua vitória também é útil a muitos indivíduos das classes 
restantes que não chegaram a dominar, mas só na medida em que põe 
estes indivíduos agora na situação de se elevarem à classe dominante. 
Quando a burguesia francesa derrubou a dominação da aristocracia,
* [Riscado no manuscrito o seguinte:] Estes “conceitos dom inantes” terão 
uma forma tão mais universal e abrangente quanto mais a classe dominante 
está com pelida a apresentar o seu interesse com o o de todos os membros 
da sociedade. A classe dominante mesma tem em média a representação de 
que estes seus conceitos dominavam e os distingue de representações dom i­
nantes em épocas anteriores só por apresentá-los com o verdades eternas. 
** [Nota marginal de Marx:] A universalidade correspende 1. à classe 
contra o estamento / c f . nota 3 9 / , 2. à concorrência, intercâmbio mundial, 
etc., 3. à grande numerosidade da classe dominante, 4. à ilusão dos interesses 
com uns (essa ilusão / e / verdadeira no in íc io ), 5. ao engano dos ideólogos 
e à divisão do trabaiho.
38 Em alemão: “ideell ausgedrückt”. Sobre “ideell” cf. nota 36.
209
tornou com isso possível a que muitos proletários se erguessem acima 
do proletariado, mas só na medida em que se tornaram burgueses. Por 
conseguinte, cada classe nova apenas

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