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ART 121, ART 122 DO CP ATUALIZADO

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Homicídio
	
	A proteção do tipo penal homicídio se dedica à vida extrauterina. Para se delimitar este conceito, porém, é preciso se abordar também a vidas intrauterina, pois quando cessa esta é que surge aquela, sendo fundamental a definição exata da fronteira.
	Há diversas correntes disputando o tema.
A primeira, defende que o marco é o início das contrações, das dores de expulsão do feto, para se considerar que a vida intrauterina tenha cessado, dando início à extrauterina. 
A corrente majoritária, porém, entende que é no rompimento da bolsa amniótica que cessa a vida intrauterina, pois é o primeiro ato em que não mais será possível a manutenção da gravidez – surge a vida extrauterina, então.
Veja que a corrente majoritária encontra reforço no artigo 123 do CP: o crime de infanticídio, que já protege a vida extrauterina, fala que a morte do filho “durante o parto ou logo após” pode configurá-lo, o que significa que no início do curso do parto já se considera a vida como extrauterina – pois do contrário o dispositivo falaria apenas em “logo após”. Veja:
“Infanticídio
Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:
Pena - detenção, de dois a seis anos.”
	Sendo o parto efetivado por cesariana, diz a corrente majoritária que a vida extrauterina surge quando se dá a primeira incisão nas camadas abdominais, pelo realizador do parto – o que é o equivalente cirúrgico ao rompimento da bolsa, no parto natural, pois é o primeiro ato do parto.
	A cessação da vida, a morte, por seu turno – o que, no homicídio, é o momento da consumação –, também encontrava certa divergência, hoje um pouco amainada. 
Nélson Hungria defendia que a morte se consumava quando havia a cessação das funções vitais (cardíaca, circulatória, respiratória). 
Modernamente, porém, é praticamente pacífico o entendimento de que a vida cessa quando há total inoperância da atividade encefálica. O artigo 3° da Lei 9.434/97, diploma que regula os transplantes de órgãos, é norma que traz conceito legal de morte, podendo ser perfeitamente aplicado no Direito Penal:
“Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.
§ 1º Os prontuários médicos, contendo os resultados ou os laudos dos exames referentes aos diagnósticos de morte encefálica e cópias dos documentos de que tratam os arts. 2º, parágrafo único; 4º e seus parágrafos; 5º; 7º; 9º, §§ 2º, 4º, 6º e 8º, e 10, quando couber, e detalhando os atos cirúrgicos relativos aos transplantes e enxertos, serão mantidos nos arquivos das instituições referidas no art. 2º por um período mínimo de cinco anos.
§ 2º Às instituições referidas no art. 2º enviarão anualmente um relatório contendo os nomes dos pacientes receptores ao órgão gestor estadual do Sistema único de Saúde.
§ 3º Será admitida a presença de médico de confiança da família do falecido no ato da comprovação e atestação da morte encefálica.”
	Assim, a morte encefálica é o fim da vida. Morte encefálica, por conceito médico abreviado, é a destruição das estruturas vitais do encéfalo necessárias para manter a consciência e a vida vegetativa.
 
A prova de que o feto esteja vivo, para o Direito Penal, é bastante flexível: qualquer prova inequívoca será admissível (e não apenas aquelas provas vinculadas da medicina legal, como a docimásia hidrostática de Galeno).
	Esclarecido o momento em que a tutela da vida extrauterina tem lugar, passemos à análise expressa do tipo penal do homicídio.
O homicídio é um crime de dano, e não de perigo. É material, consumando-se com o resultado naturalístico morte. É de forma livre, podendo ser praticado por qualquer meio, qualquer conduta apta à produção do resultado morte (se o meio não for apto, o crime é impossível, por absoluta impropriedade do meio empregado).
	Trata-se também de crime comum, não sendo exigida nenhuma condição especial do ser humano para que o possa praticar. É crime plurisubsistente, admitindo tentativa. É instantâneo, porém com efeitos permanentes (a morte não se desfaz jamais).
	O elemento subjetivo do homicídio é o dolo de matar, direto ou eventual, o animus necandi.
	A legislação extravagante também prevê o crime de homicídio, como se pode ver na Lei de Segurança Nacional, Lei 7.170/83, no artigo 29, usque 26:
“Art. 29 - Matar qualquer das autoridades referidas no art. 26.
Pena: reclusão, de 15 a 30 anos.”
“Art. 26 - Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação.
Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
Parágrafo único - Na mesma pena incorre quem, conhecendo o caráter ilícito da imputação, a propala ou divulga.”
	Também a Lei 2.889/56 trata do homicídio, ao criminalizar o genocídio buscado por meio da morte, no artigo 1°, “a”:
“Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;
d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo;
Será punido:
Com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra a;
Com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b;
Com as penas do art. 270, no caso da letra c;
Com as penas do art. 125, no caso da letra d;
Com as penas do art. 148, no caso da letra e;”
EUTANÁSIA, DISTANÁSIA E ORTOTANÁSIA: 
Eutanásia , hodiernamente é entendida como morte provocada por sentimento de piedade à pessoa que sofre. Ao invés de deixar a morte acontecer a eutanásia age sobre a morte, antecipando-a. Assim, a eutanásia só ocorrerá quando a morte for provocada em pessoa com forte sofrimento, doença incurável ou em estado terminal e movida pela compaixão ou piedade. Portanto, se a doença for curável não será eutanásia, mas sim o homicídio tipificado no art. 121 do Código Penal , pois a busca pela morte sem a motivação humanística não pode ser considerada eutanásia. 
Não há, em nosso ordenamento jurídico previsão legal para a eutanásia, contudo se a pessoa estiver com forte sofrimento, doença incurável ou em estado terminal dependendo da conduta, podemos classificá-la como homicídio privilegiado , no qual se aplica a diminuição de pena do parágrafo 1º do artigo 121 do CP ; como auxílio ao suicídio , desde que o paciente solicite ajuda para morrer, disposto no art. 122 do mesmo diploma legal ou ainda a conduta poderá ser atípica . 
Art. 121 (...) 
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. (grifos nossos) 
Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: 
Note-se que, ausentes os requisitos da eutanásia, a conduta poderá ser classificada como homicídio simples ou qualificado. E no que tange ao auxílio ao suicídio a solicitação ou o consentimento do ofendido não afastam a ilicitude da conduta. 
Distanásia é o prolongamento artificial do processo de morte e por conseqüência prorroga também o sofrimento da pessoa. Muitas vezes o desejo de recuperação do doente a todo custo, ao invés de ajudar ou permitir uma morte natural, acaba prolongando sua agonia. 
Conforme Maria Helena Diniz, "trata-se do prolongamento exagerado da morte de um paciente terminal ou tratamento inútil.Não visa prolongar a vida, mas sim o processo de morte" (DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001). 
Ortotanásia significa morte correta, ou seja, a morte pelo seu processo natural. Neste caso o doente já está em processo natural da morte e recebe uma contribuição do médico para que este estado siga seu curso natural. Assim, ao invés de se prolongar artificialmente o processo de morte (distanásia), deixa-se que este se desenvolva naturalmente (ortotanásia). Somente o médico pode realizar a ortotanásia, e ainda não está obrigado a prolongar a vida do paciente contra a vontade deste e muito menos aprazar sua dor. 
A ortotanásia é conduta atípica frente ao Código Penal , pois não é causa de morte da pessoa, uma vez que o processo de morte já está instalado. 
Desta forma, diante de dores intensas sofridas pelo paciente terminal, consideradas por este como intoleráveis e inúteis, o médico deve agir para amenizá-las, mesmo que a conseqüência venha a ser, indiretamente, a morte do paciente. (VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e direito. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999, p. 90.) [1: BIOÉTICA - ciência da sobrevivência humana; Estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e dos cuidados da saúde, na medida em que esta conduta é examinada à luz dos valores e de princípios morais; o estudo interdisciplinar dos problemas criados pelo progresso médico e biológico, tanto a nível microssocial, como a nível macrossocial, e sua repercurssão na sociedade e no seu sistema de valores, tanto no momento atual como no futuro.A Organização Mundial de Saúde, ou simplesmente OMS, define saúde como “o estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença”]
Cabe à ortotanásia a promoção de cuidados paliativos ao paciente, até o momento de sua morte. Estes são definidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como o controle da dor e de outros sintomas, e o cuidado dos problemas de ordem psicológi¬ca, social e espiritual; atingindo a melhor qualidade de vida possí¬vel para os pacientes e suas famílias. Dessa forma, os cuidados visando o bem-estar da pessoa passam a ser a prioridade, e não a luta contra algo que, inevitavelmente, não tem como se combater – no caso, a doença e o fim da vida.
Nessa perspectiva, a morte passa a ser vista como uma condição natural de todo ser humano, sendo ideal a busca da aceitação desse fato, garantindo a dignidade daquele que está partindo. Ao não se submeter a procedimentos invasivos, geralmente longe de casa, e que o deixam exaurido; o paciente em questão pode ter maior tempo e energia para estar ao lado de pessoas queridas, aproveitando também para, dentro de suas condições, viver ativamente.
É necessária uma distinção importante entre matar e deixar morrer. Neste contexto, matar seria provocar a morte de alguém, diretamente, fato que seria totalmente condenável e amoral. Porém, a atitude de deixar morrer é vista como o ato de permitir que o paciente cumpra sua finalidade, enquanto ser existente e mortal. Como é a própria doença, incurável, que mata o paciente, não se poderia falar em culpa ou ultraje à dignidade do moribundo, por causa da omissão em aplicar meios extraordinários para uma sobrevida.
O Conselho Federal de Medicina editou a Resolução 1.805/06, que trata da ortotanásia, instruindo aos médicos sobre sua admissibilidade
“Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.
§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.
§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.
§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.” 
“Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar.”
Com a decisão, o médico autorizado pelo paciente ou seu responsável legal pode limitar ou suspender tratamentos exagerados e desnecessários que prolonguem a vida do doente em fase terminal de enfermidades graves e incuráveis
Os conselhos de Medicina alcançaram importante vitória nos campos ético e jurídico em 1º de dezembro. O juiz Roberto Luis Luchi Demo emitiu sentença onde considera improcedente o pedido do Ministério Público Federal por meio de ação civil pública de decretação de nulidade da sua Resolução nº 1.805/2006, que trata de critérios para a prática da ortotanásia.  A decisão divulgada pela 14ª Vara da Justiça Federal, sediada em Brasília, coloca ponto final em disputa que se arrastou por mais de três anos.
Em sua sentença, o magistrado afirma que, após refletir a propósito do tema, chegou “à convicção de a resolução, que regulamenta a possibilidade de o médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis, realmente não ofende o ordenamento jurídico posto”.  Essa possibilidade esta prevista desde que exista autorização expressa do paciente ou de seu responsável legal.
Competência - O juiz Roberto Demo citou ainda exaustivamente manifestação inclusa no processo feita pela procuradora da República Luciana Loureiro Oliveira que havia, solicitado a desistência da ação movida pelo próprio Ministério Público. De acordo com ela, apesar da polêmica que o tema encerra nos campos jurídico, religioso, social e cultural, cinco pontos agregam valor à Resolução nº 1805/2006
Em primeiro lugar, na opinião do MPF, o CFM tem competência para editar norma deste tipo, que não versa sobre direito penal e, sim, sobre ética médica e conseqüências disciplinares. Outra premissa surge na avaliação da procuradora, acatada pela sentença final, para quem a ortotanásia não constitui crime de homicídio, interpretado o Código Penal à luz da Constituição Federal.
A sentença afirma ainda que a Resolução nº 1805/2006 não determinou modificação significativa no dia-a-dia dos médicos que lidam com pacientes terminais, não gerando, portanto, os efeitos danosos alardeados na ação proposta. Segundo a decisão, a regra, ao contrário, deve incentivar os médicos a descrever exatamente os procedimentos que adotam e os que deixam de adotar, em relação a pacientes terminais, permitindo maior transparência e possibilitando maior controle da sua atividade médica.
Há nesta decisão, a todo ver, certa confusão entre eutanásia passiva e ortotanásia, justamente porque o juiz não diferencia o processo de morte do processo de vida. A linha é mesmo tênue, mas existe, e por isso, reafirme-se, é posição mais acertada a de que a ortotanásia é fato atípico. Cabe aqui trazer, porque muito elucidativa, a exposição de motivos da Resolução 1.805/06 do CFM:
“EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS – Resolução CFM n° 1.805/06
 A medicina atual vive um momento de busca de sensato equilíbrio na relação médico-enfermo. A ética médica tradicional, concebida no modelo hipocrático, tem forte acento paternalista. Ao enfermo cabe, simplesmente, obediência às decisões médicas, tal qual uma criança deve cumprir sem questionar as ordens paternas. Assim, até a primeira metade do século XX, qualquer ato médico era julgado levando-se em conta apenas a moralidade do agente, desconsiderando-se os valores e crenças dos enfermos. Somente a partir da década de 60 os códigos de ética profissional passaram a reconhecer o doente como agente autônomo. 
À mesma época, a medicina passou a incorporar, com muita rapidez, um impressionante avanço tecnológico. Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e novas metodologias criadas para aferir e controlar as variáveis vitais ofereceram aos profissionais a possibilidade de adiar o momentoda morte. Se no início do século XX o tempo estimado para o desenlace após a instalação de enfermidade grave era de cinco dias, ao seu final era dez vezes maior. Tamanho é o arsenal tecnológico hoje disponível que não é descabido dizer que se torna quase impossível morrer sem a anuência do médico. 
Bernard Lown, em seu livro A arte perdida de curar, afirma: “As escolas de medicina e o estágio nos hospitais os preparam (os futuros médicos) para tornarem-se oficiais-maiores da ciência e gerentes de biotecnologias complexas. Muito pouco se ensina sobre a arte de ser médico. Os médicos aprendem pouquíssimo a lidar com a morte. A realidade mais fundamental é que houve uma revolução biotecnológica que possibilita o prolongamento interminável do morrer.”
O poder de intervenção do médico cresceu enormemente, sem que, simultaneamente, ocorresse uma reflexão sobre o impacto dessa nova realidade na qualidade de vida dos enfermos. Seria ocioso comentar os benefícios auferidos com as novas metodologias diagnósticas e terapêuticas. Incontáveis são as vidas salvas em situações críticas, como, por exemplo, os enfermos recuperados após infarto agudo do miocárdio e/ou enfermidades com graves distúrbios hemodinâmicos que foram resgatados plenamente saudáveis por meio de engenhosos procedimentos terapêuticos.
Ocorre que nossas UTIs passaram a receber, também, enfermos portadores de doenças crônico-degenerativas incuráveis, com intercorrências clínicas as mais diversas e que são contemplados com os mesmos cuidados oferecidos aos agudamente enfermos. Se para os últimos, com freqüência, pode-se alcançar plena recuperação, para os crônicos pouco se oferece além de um sobreviver precário e, às vezes, não mais que vegetativo. É importante ressaltar que muitos enfermos, vítimas de doenças agudas, podem evoluir com irreversibilidade do quadro. Somos expostos à dúvida sobre o real significado da vida e da morte. Até quando avançar nos procedimentos de suporte vital? Em que momento parar e, sobretudo, guiados por que modelos de moralidade?
 Aprendemos muito sobre tecnologia de ponta e pouco sobre o significado ético da vida e da morte. Um trabalho publicado em 1995, no Archives of Internal Medicine, mostrou que apenas cinco de cento e vinte e seis escolas de medicina norte-americanas ofereciam ensinamentos sobre a terminalidade humana. Apenas vinte e seis dos sete mil e quarenta e oito programas de residência médica tratavam do tema em reuniões científicas.
Despreparados para a questão, passamos a praticar uma medicina que subestima o conforto do enfermo com doença incurável em fase terminal, impondo-lhe longa e sofrida agonia. Adiamos a morte às custas de insensato e prolongado sofrimento para o doente e sua família. A terminalidade da vida é uma condição diagnosticada pelo médico diante de um enfermo com doença grave e incurável; portanto, entende-se que existe uma doença em fase terminal, e não um doente terminal. Nesse caso, a prioridade passa a ser a pessoa doente e não mais o tratamento da doença.
As evidências parecem demonstrar que esquecemos o ensinamento clássico que reconhece como função do médico “curar às vezes, aliviar muito freqüentemente e confortar sempre”. Deixamos de cuidar da pessoa doente e nos empenhamos em tratar a doença da pessoa, desconhecendo que nossa missão primacial deve ser a busca do bem-estar físico e emocional do enfermo, já que todo ser humano sempre será uma complexa realidade biopsicossocial e espiritual.
A obsessão de manter a vida biológica a qualquer custo nos conduz à obstinação diagnóstica e terapêutica. Alguns, alegando ser a vida um bem sagrado, por nada se afastam da determinação de tudo fazer enquanto restar um débil “sopro de vida”. Um documento da Igreja Católica, datado de maio de 1995, assim considera a questão: “Distinta da eutanásia é a decisão de renunciar ao chamado excesso terapêutico, ou seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque não proporcionais aos resultados que se poderiam esperar ou ainda porque demasiado gravosas para ele e para a sua família. Nestas situações, quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida”.
Inevitavelmente, cada vida humana chega ao seu final. Assegurar que essa passagem ocorra de forma digna, com cuidados e buscando-se o menor sofrimento possível, é missão daqueles que assistem aos enfermos portadores de doenças em fase terminal. Um grave dilema ético hoje apresentado aos profissionais de saúde se refere a quando não utilizar toda a tecnologia disponível. Jean Robert Debray, em seu livro L’acharnement thérapeutique, assim conceitua a obstinação terapêutica: “Comportamento médico que consiste em utilizar procedimentos terapêuticos cujos efeitos são mais nocivos do que o próprio mal a ser curado. Inúteis, pois a cura é impossível e os benefícios esperados são menores que os inconvenientes provocados”. Essa batalha fútil, travada em nome do caráter sagrado da vida, parece negar a própria vida humana naquilo que ela tem de mais essencial: a dignidade.
No Brasil, há muito o que fazer com relação à terminalidade da vida. Devem ser incentivados debates, com a sociedade e com os profissionais da área da saúde, sobre a finitude do ser humano. É importante que se ensine aos estudantes e aos médicos, tanto na graduação quanto na pós-graduação e nos cursos de aperfeiçoamento e de atualização, as limitações dos sistemas prognósticos; como utilizá-los; como encaminhar as decisões sobre a mudança da modalidade de tratamento curativo para a de cuidados paliativos; como reconhecer e tratar a dor; como reconhecer e tratar os outros sintomas que causam desconforto e sofrimento aos enfermos; o respeito às preferências individuais e às diferenças culturais e religiosas dos enfermos e seus familiares e o estímulo à participação dos familiares nas decisões sobre a terminalidade da vida. Ressalte-se que as escolas médicas moldam profissionais com esmerada preparação técnica e nenhuma ênfase humanística. 
O médico é aquele que detém a maior responsabilidade da “cura” e, portanto, o que tem o maior sentimento de fracasso perante a morte do enfermo sob os seus cuidados. Contudo, nós, médicos, devemos ter em mente que o entusiasmo por uma possibilidade técnica não nos pode impedir de aceitar a morte de um doente. E devemos ter maturidade suficiente para pesar qual modalidade de tratamento será a mais adequada. Deveremos, ainda, considerar a eficácia do tratamento pretendido, seus riscos em potencial e as preferências do enfermo e/ou de seu representante legal. 
Diante dessas afirmações, torna-se importante que a sociedade tome conhecimento de que certas decisões terapêuticas poderão apenas prolongar o sofrimento do ser humano até o momento de sua morte, sendo imprescindível que médicos, enfermos e familiares, que possuem diferentes interpretações e percepções morais de uma mesma situação, venham a debater sobre a terminalidade humana e sobre o processo do morrer. 
Torna-se vital que o médico reconheça a importância da necessidade da mudança do enfoque terapêutico diante de um enfermo portador de doença em fase terminal, para o qual a Organização Mundial da Saúde preconiza que sejam adotados os cuidados paliativos, ou seja, uma abordagem voltada para a qualidade de vida tanto dos pacientes quanto de seus familiares frente a problemas associados a doenças que põem em risco a vida. A atuação busca a prevenção e o alívio do sofrimento, através do reconhecimento precoce, de uma avaliação precisa e criteriosa e do tratamento da dor e de outros sintomas, sejam de natureza física, psicossocial ou espiritual.”
	Havendo chance de vida, ainda há uma questão a ser enfrentadas: a recusa do paciente em receber tratamento. Se o paciente simplesmente se nega a ser tratado, mesmo que o médico tenha certeza que ali não está instalado um processo de morte, ou seja, há possibilidade de sobrevida, nada há que se fazer: a decisãodo paciente deve ser respeitada, não podendo se imputar ao médico a configuração do crime de auxílio ao suicídio, que será estudado adiante, por omitir-se. Todavia, se o paciente não tem condições de se manifestar positiva ou negativamente ao tratamento, a decisão recai exclusivamente sobre o médico: se ele identificar que o estado do paciente é fadado ao óbito, ou seja, que há processo de morte irreversível instalado, a ortotanásia tem lugar; se verificar que há qualquer terapia vivificante possível, ela deve ser realizada, sob pena de se considerar sua omissão eutanásia passiva.
Homicídio privilegiado
	Reveja o §m 1° do artigo 121 do CP:
“(...)
Caso de diminuição de pena
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
(...)”
	A primeira circunstância apontada no dispositivo como privilégio é o motivo de relevante valor social ou moral. A motivação, o porquê do crime, é um aspecto que é bastante considerado em nosso ordenamento, é sempre uma circunstância de grande relevância. O artigo 67 do CP denuncia esta nossa preferência sociológica em atribuir maior valor às circunstâncias subjetivas. Veja:
“Concurso de circunstâncias agravantes e atenuantes
Art. 67 - No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
	Antes de analisar cada uma das causas de privilégio, é preciso diferenciar brevemente três conceitos: a voluntariedade, a finalidade e o motivo. Voluntariedade é elemento da conduta, porque é o que representa um atuar do agente, sem se cogitar da finalidade de sua conduta. A finalidade, por sua vez, situa-se na tipicidade, porque nada mais é do que expressão sinonímica do dolo. A motivação, por seu turno, é elemento que se insere na culpabilidade, porque é medida da reprovabilidade da conduta do agente.
	Como medida de culpabilidade, balança da reprovabilidade, a motivação pode ser classificada, grosso modo, como torpe, neutra ou nobre. Para a torpeza, maior reprovabilidade; para a neutralidade, nem aumento, nem minoração; para a nobreza, privilégio.
	No § 1° do artigo 121 do CP, os motivos são nobres. O motivo de relevante valor social ou moral só será assim considerado se se prestar à defesa de um valor positivo, nobre, conceito que é objetivo e genérico, reconhecido em grande escala, e não individual. Vejamos.
Relevante valor moral
Exemplo costumeiro em que há valor moral relevante é o do pai que, em defesa da honra de sua filha estuprada, mata o criminoso estuprador (não é qualquer morte de estuprador, veja, que privilegia o crime: é a morte dele praticada por quem tenha como ânimo a defesa da honra maculada de sua filha).
Outro exemplo ainda mais claro de motivo de valor moral relevante é a eutanásia: ao matar o ente querido que está em agonia, o agente está impelido, em verdade, por amor e piedade, pelo que a sua culpabilidade deve ser reduzida.
Relevante valor social
	Aqui, o valor que privilegia o crime é diretamente caro à sociedade, e não apenas reconhecido por ela como relevante, mas atinente apenas ao homicida, como ocorre no relevante valor moral. É a sociedade quem tem interesse direto no valor aqui privilegiado, e não apenas o criminoso, não sendo o privilégio fruto de mero reconhecimento social de que o valor intimamente importante ao agente é moralmente relevante. Esta é a diferença entre valor moral e valor socialmente relevante: no primeiro, o motivo é dedicado a interesse intimo, mas reconhecido como moralmente relevante pela sociedade; no segundo, o motivo é dedicado a interesse da própria sociedade.
	Nélson Hungria traz exemplo clássico: o homicida que mata o traidor da pátria, em tempos de guerra, para evitar que este forneça informações valiosas aos inimigos nacionais. Outro exemplo, mais verossímil, é o do agente que matou um delinqüente que aterrorizava toda uma comunidade, tendo sido motivado pelo intuito de restabelecer a paz e a tranqüilidade social do lugar. Concretamente: o morador da favela que, cansado das atrocidades feitas pelo “dono do tráfico”, mata o chefe do crime, com o fito de proteger sua comunidade de novos atentados.
Violenta emoção
	O dispositivo empresta privilégio ao agente que mata alguém após ser tomado pelo domínio de violenta emoção logo após sofrer injusta provocação da vítima. Há que se ter cuidado com diversos aspectos, aqui. Vejamos.
	Domínio não é mera influência. A influência da emoção é circunstância atenuante, como se vê no artigo 65, III, “c”, fine, do CP:
“Circunstâncias atenuantes
Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
(...)
III - ter o agente:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
(...)
c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
(...)”
	A influência da emoção é motivação parcial, enquanto o domínio é motivação total para o crime.
	A emoção é também mencionada no artigo 28, I, do CP:
“Emoção e paixão
Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - a emoção ou a paixão; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
(...)”
	O que o legislador quis retratar, neste artigo 28, I, do CP, é que a emoção, assim como a paixão, são sensações e estados de espírito que acometem todos os indivíduos, e são perfeitamente controláveis, e, se não forem controlados, levando o agente a cometer crime, não excluirão a imputabilidade.
	Ao contrário, se a emoção e a paixão criarem processos patológicos, capazes de ilidir completamente a capacidade de discernimento, o agente será tido por inimputável, mas esta constatação é técnica, pericial médica psiquiátrica.
	Veja que, mesmo não excluindo a imputabilidade, a violenta emoção foi eleita como causa de diminuição de pena no homicídio, mas a paixão não teve o mesmo tratamento. A razão é técnica: enquanto a emoção é um sentimento perturbador e passageiro, que não afasta a culpabilidade, mas a minora, a paixão é um sentimento não arrebatador, que presume maturação da idéia, premeditação, e não um rompante causado por uma obliteração momentânea da plenitude de consciência. Em verdade, o crime decorrente da paixão tem maior probabilidade de ser qualificado do que privilegiado, eis que o agente contaminado por este sentimento poderá incorrer em alguma das situações que qualificam o homicídio, que serão adiante abordadas (emboscada, emprego de meio insidioso, etc).
	Ademais, a violenta emoção só será causa de diminuição se for causada por uma injusta provocação proveniente da vítima. Repare que nem tudo que o agente considerar provocação por parte da vítima pode ser considerado injusto, e se justa for a suposta provocação, a emoção não se justifica, e não há privilégio. A vítima terminar um relacionamento amoroso com o agente, por exemplo, não é provocação injusta – é direito dela. Por isso, não pode ser jamais ser considerada provocação injusta, esta circunstância, e se o agente matar a vítima por esta motivação, mesmo que estivesse realmente sob violenta emoção, não poderá ser privilegiado, eis que sua motivação não foi causada por provocação injusta da vítima.
	A emoção só será considerada minorante se o crime ocorrer logo em seguida à injusta provocação que a despertou. O critério para identificar este momentum é a razoabilidade: será considerado logo após o tempo casuístico suficiente para que a violenta emoção não tenha cessado. Se o rompante não estiver mais presente, não mais há que se considerar o domínio da emoção como motivação do delito.
	A provocação não se confundecom a agressão: se o agente mata para repelir agressão, é claro que se está tratando de legítima defesa, e não mais de mero privilégio.
	Por curiosidade, vale mencionar que a doutrina chama os crimes praticados sob domínio ou influência da emoção de ações em curto-circuito, que são reações momentâneas e impulsivas do indivíduo, que o levam a praticar o crime. Trata-se de crime de ímpeto, manifestação súbita e violenta, causada por impulso.
Em síntese: se o homicídio de ímpeto for praticado em total domínio da emoção, como visto, há o privilégio; se praticado sob influência da emoção, e não total domínio, há a atenuante genérica. E se a emoção evidenciar patologia psiquiátrica capaz de ilidir a imputabilidade, não há culpabilidade, e o agente será alvo de medida de segurança.
Homicídio qualificado
	 
	É possível homicídio qualificado privilegiado? Sim. Quando? Isso já foi pergunta para defensor público no TO, no ES, magistratura/SP. 
O § 1º traz as privilegiadoras:
Motivo de relevante valor social, 
Motivo de relevante valor moral e a 
Emoção. 
O § 2º traz qualificadoras e prevê cinco qualificadoras:
Motivo torpe – subjetiva (ligada ao motivo)
Motivo fútil – subjetiva (ligada ao motivo)
Meio cruel – objetiva (ligada ao modo de execução)
Modo surpresa – objetiva (ligada ao modo de execução)
Fim especial – subjetiva (ligada ao motivo)
FEMINICÍDIO – subjetiva (ligada ao motivo).
Vimos que o que está grifado é objetivo e o resto é objetivo. E vocês vão aplicar a lei da física que diz que os iguais se repelem. Os opostos se atraem. Então, só é possível homicídio qualificado privilegiado se a qualificadora for de natureza objetiva. Qualificadora de natureza subjetiva não coexiste com privilégio
. Qualificadoras do homicídio em espécie (análise do art. 121, §2º) 
I – Mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe
	É o motivo moralmente reprovável, demonstrativo de depravação espiritual do sujeito. Torpe é o motivo abjeto, vil, ignóbil e desprezível. É, pois, o motivo repugnante, moral e socialmente repudiado. No dizer de Hungria, revela alta depravação espiritual do agente, profunda imoralidade, que deve ser severamente punida. 
Na previsão do motivo torpe o legislador trabalha com a chamada interpretação analógica ou “analogia intralegem” (dá exemplos da conduta seguidos de um encerramento genérico). Lembrando que a analogia pura é vedada para punir. 
Exemplo dado pelo legislador: Homicídio cometido mediante paga ou recompensa. É o chamado Homicídio mercenário ou mandato remunerado. Trata-se de delito onde necessariamente há número plural de agentes (mandante e executor), ou seja, trata-se de crime plurissubjetivo (de concurso necessário). 
Quanto à paga e promessa de recompensa, prevalece que se refere à vantagem econômica (Greco não faz essa limitação). A diferença entre elas é o momento em que são realizadas.
 
OBS: matar por favor sexual é tão torpe quanto, só não configura o exemplo da vantagem econômica. 
No homicídio mercenário, a qualificadora da torpeza é só para o executor ou se comunica ao mandante? 
1ª C: Trata-se de circunstância subjetiva incomunicável nos termos do art. 30 do CP. (Doutrina moderna – Rogério Greco). 
2ª C: Trata-se de elementar subjetiva do homicídio qualificado, logo, comunicável aos concorrentes, nos termos do art. 30 do CP. Ou seja, para essa corrente, o homicídio qualificado configura um tipo penal autônomo. 
Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. 
Informativo 575 STJ 
Para o STJ (último entendimento): 
- "A paga ou a promessa de recompensa" é uma circunstância acidental do delito de homicídio, de caráter pessoal e, portanto, incomunicável automaticamente aos coautores do homicídio. 
- No entanto, não há proibição de que esta circunstância se comunique entre o mandante e o executor do crime, caso o motivo que levou o mandante a encomendar a morte tenha sido torpe, desprezível ou repugnante. 
- Em outras palavras, o mandante poderá responder pelo inciso I do § 2º do art. 121 do CP, desde que a sua motivação, ou seja, o que o levou a encomendar a morte da vítima seja algo torpe. Ex: encomendou a morte para ficar com a herança da vítima. 
- Por outro lado, o mandante, mesmo tendo encomendado a morte, não responderá pela qualificadora caso fique demonstrado que sua motivação não era torpe. Ex: homem que contrata pistoleiro para matar o estuprador de sua filha. Neste caso, o executor responderá por homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I) e omandante por homicídio simples, podendo até mesmo ser beneficiado com o privilégio do § 1º. 
Vingança é sinônimo de motivo torpe? 
Não, necessariamente. Deve-se analisar o caso concreto. Só existe uma espécie de vingança que SEMPRE configura um motivo torpe: aquela onde o agente atinge não a pessoa que o provocou, mas uma terceira pessoa que o atinja. É o exemplo do sujeito que, querendo vingar-se de seu patrão, mata o filho deste. 
O resto das vinganças nem sempre qualificam o homicídio: quanto mais torpe for a ação que causou o sentimento de vingança, menos torpe será a vingança. 
O ciúme não é considerado motivo torpe (e nem fútil). O motivo torpe é infamante e não se pode considerar infamante algo que resulta de um sentimento bom como o amor. 
II – Por motivo fútil 
É o motivo insignificante, frívolo. Ocorre aqui uma grande desproporção entre a causa moral da conduta e o resultado morte por ela operado. Exemplo: Briga de trânsito. 
Motivo fútil não se confunde com motivo injusto. Injusto todo crime é. 
Todo motivo fútil é injusto, mas nem sempre o motivo injusto pode ser considerado fútil. 
Ex: Maria anuncia que vai se separar de Abel após 10 anos de casamento em razão de ter se apaixonado por Pedro, vizinho do casal. Inconformado, Abel mata Maria. 
O motivo é injusto, considerando que não há justificativa para ceifar a vida de uma pessoa por conta do fim de um relacionamento. Por outro lado, não se pode dizer que a razão que motivou o agente seja insignificante (desprezível). 
- O móvel fútil tem que ser o único que influencia o agente em seu desiderato. Se concorrer outro motivo, acabará por diminuir a futilidade do motivo. 
- Para incidir a qualificadora, o móvel fútil deve advir de pessoas em estado de normalidade psíquica. Exemplo: Pessoa em estado embriaguez não pode responder por homicídio qualificado pela futilidade, porquanto é privada de senso de proporção caracterizador do motivo fútil. 
E a questão do dolo eventual? A pessoa está em estado de embriaguez e o homicídio poderá ser qualificado, como dito acima. 
Ausência de motivos qualifica o crime? 
1ª C: Se motivo pequeno (fútil) qualifica, a ausência de motivo também qualificará. Jurisprudência (Capez, Greco). Seria um contrassenso conceber que o legislador punisse com pena 30 mais grave quem mata por futilidade, permitindo que o que age sem qualquer motivo receba a sanção mais branda. 
2ª C: O crime será qualificado quando o motivo é pequeno, que não se confunde com ausência de motivos. Querer abranger a ausência é analogia in malam partem. Logo, o homicídio será simples (Cezar Bitencourt, Damásio). Afirma que, apesar de ser ilógico, pelo respeito ao princípio da legalidade, a ausência de motivos não se equipara ao motivo fútil. Equiparar “ausência de motivo” a “motivo fútil” é fazer uma analogia in mallan partem. 
III – Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum 
Também aqui o legislador trabalha com interpretação analógica. 
Meio insidioso: Aquele dissimulado na sua eficiência maléfica, ou seja, desconhecido da vítima, que não sabe estar sendo atacada. Exemplo: Veneno. O homicídio com emprego de veneno é chamado de venefício. Trata-se de um meio fraudulento sem que a vítima perceba q está havendo um crime: ex: sabotagem em freio de um avião, na mochila que leva i paraquedasda vítima, troca do medicamento para manter alguém vivo por comprimidos de farinha.
Veneno: Substância mineral, vegetal ou animal, que, introduzida no corpo da vítima, é capaz de perturbar ou destruir as funções vitais de seu organismo. Exemplo de Hungria: Açúcar para o diabético é veneno. 
Para incidir a qualificadora é imprescindível que a vítima desconheça estar ingerindo a substância venenosa (ignora estar sendo envenenada). Se a vítima tem conhecimento, não incide ESTA qualificadora (pois o meio deixa de ser insidioso), mas pode estar presente outra (como o meio cruel). 
Exemplo: pessoa coloca arma na cabeça da pessoa e diz “beba este veneno”. A pessoa bebe sabendo que era veneno. O homicídio é simples ou qualificado? É qualificado não pelo emprego de veneno, pois a pessoa sabia que estava bebendo veneno, mas não deixa de ser qualificado pela impossibilidade de defesa a vítima.
Meio cruel: Aquele que aumenta inutilmente o sofrimento da vítima. Exemplo: tortura, asfixia, fogo. 
Tortura: Não se confunde o homicídio qualificado pela tortura (art. 121, § 3º, III do CP), com o crime de tortura qualificada pela morte (art. 1º, § 3º da Lei 9.455/97). Nesta a intenção do agente é torturar, ocorrendo a morte de forma culposa (crime preterdoloso). Naquela, a intenção é matar, sendo a tortura o meio de execução eleito. 
OBS: Admite-se concurso entre a tortura simples e o homicídio qualificado, na hipótese em que, depois de torturar a vítima o agente decide matá-la para assegurar a impunidade (art. 121, §2º, V).
Meio que resulte perigo comum: Fogo e explosivo, por exemplo. 
IV - À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido 
Traição: Quebra de confiança. Exemplo: Marido que mata a mulher durante a conjunção carnal. Tiro pelas costas. 
Emboscada: Surpresa à vítima, pressupõe ocultamento do agressor. Ex.: Tocaia. Pressupõe sempre uma premeditação. 
Dissimulação: É a ocultação da intenção homicida. Exemplo: Fazer-se de amigo da vítima para matá-la. A dissimulação pode ser moral (se passa de fotógrafo e leva a vítima para o mato a pretexto de realização de fotos) e material (exemplo do disfarce, integrantes de um grupo fundamentalista infiltraram-se num desfile militar , utilizando-se de roupas do exército para matar o presidente de um país). Também pressupõe uma premeditação. 
OBS: Conforme Damásio, a premeditação, per si, não constitui circunstância qualificadora do homicídio. Muitas vezes significa até mesmo uma resistência do agente à prática delituosa. Apesar de não constituir uma qualificadora, deve ser valorada pelo juiz na fixação da pena-base. 
Para que essa qualificadora (uso de meio que dificulte ou impossibilite defesa) exista é necessário que a vítima tenha alguma possibilidade de defesa numa situação normal. Exemplo onde não se configura: Vítima em coma. 
Além disso, só se configura a qualificadora se a dificuldade ou impossibilidade de defesa resultar da conduta do agente. Se a impossibilidade de defesa decorrer de característica da vítima, não há que se falar na qualificadora oura estudada. Exemplo onde não se configura: Vítima que anda de muletas; vítima de tenra idade etc. Ora, o agente não utiliza como recurso a característica da vítima, e sim se aproveita dela. Como também, a superioridade física do autor não qualifica o delito, por não se tratar de um recurso buscado pelo agente para evitar a defesa da vítima, sendo-lhe algo inerente.
OBS: Vale lembrar que essas circunstâncias relativas ao meio e modo de execução (objetivas) são comunicáveis aos partícipes do crime, desde que, é claro, sejam de seu conhecimento. 
obs: a superioridade numérica ( caso de grupos de extermínio, como tb espancamentos realizados por um grupo de pessoas) - trata-se de um meio que dificulta a defesa do ofendido. 
 
V - Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime (conexão) 
Sempre que for reconhecida essa qualificadora, o homicídio deverá ter relação com outro crime, ou seja, deverá existir uma conexão entre os crimes, que pode ocorrer de duas formas: 
Conexão objetiva teleológica: O agente mata para assegurar a execução de outro crime (futuro). Exemplo: Matar o segurança da Gisele para estuprá-la. Assegurar a execução. 
OBS: Mesmo que o segundo crime não se consume, ou mesmo seja impossível, é qualificado o primeiro, pois basta que a finalidade do homicídio tenha sido a garantia da execução (a censurabilidade da conduta daquele que age com esse fim é maior). Ocorrendo o segundo crime, ocorrerá concurso de delitos. 
Conexão objetiva consequencial: O agente mata para assegurar a impunidade, vantagem ou ocultação de outro crime (pretérito). 
Impunidade: Homicídio da testemunha que pode identificar o agente como autor de um estupro. 
Vantagem: Homicídio de coautor de furto para ficar com a totalidade da ‘res furtiva’. 
Ocultação: Homicídio de perito que ia apurar a apropriação indébita do agente. 
Conexão temporal (conexão ocasional): O agente mata por ocasião de outro crime, sem vínculo finalístico. Ex.: Estava matando uma pessoa e aproveitei para matar o meu desafeto que passava no local. NÃO CONFIGURA UMA QUALIFICADORA. 
OBS1: Não se exige coincidência de sujeitos ativos para configurar a qualificadora. O crime conexo ao homicídio pode ter como autor qualquer outra pessoa. Ex.: Pai mata a testemunha de crime cometido pelo filho. 
OBS2: Quando o homicídio é realizado para garantir a execução, ocultação, impunidade ou vantagem de uma contravenção, não se configura essa qualificadora (seria analogia in malam partem). Entretanto, deve ser aplicada a qualificadora da torpeza, porquanto a qualificadora da conexão é apenas uma especialização do motivo torpe. 
VI – FEMINICIDIO:
Foi publicada ontem (10/03/2015), a Lei n. 13.104/2015, que: 
• prevê o FEMINICÍDIO como qualificadora do crime de homicídio; e
• inclui o FEMINICÍDIO no rol dos crimes hediondos.
Vejamos algumas impressões iniciais a respeito da novidade legislativa.
O que é feminicídio?
Feminicídio é o homicídio doloso praticado contra a mulher por “razões da condição de sexo feminino”, ou seja, desprezando, menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima enquanto mulher, como se as pessoas do sexo feminino tivessem menos direitos do que as do sexo masculino.
Feminicídio X femicídio
Existe diferença entre feminicídio e femicídio?
• Femicídio significa praticar homicídio contra mulher (matar mulher);
• Feminicídio significa praticar homicídio contra mulher por “razões da condição de sexo feminino” (por razões de gênero).
A nova Lei trata sobre FEMINICÍDIO, ou seja, pune mais gravemente aquele que mata mulher por “razões da condição de sexo feminino” (por razões de gênero). Não basta a vítima ser mulher.
Como era a punição do feminicídio?
Antes da Lei n. 13.104/2015, não havia nenhuma punição especial pelo fato de o homicídio ser praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Em outras palavras, o feminicídio era punido, de forma genérica, como sendo homicídio (art. 121 do CP). 
A depender do caso concreto, o feminicídio (mesmo sem ter ainda este nome) poderia ser enquadrado como sendo homicídio qualificado por motivo torpe (inciso I do § 2º do art. 121) ou fútil (inciso II) ou, ainda, em virtude de dificuldade da vítima de se defender (inciso IV). No entanto, o certo é que não existia a previsão de uma pena maior para o fato de o crime ser cometido contra a mulher por razões de gênero.
A Lei n. 13.104/2015 veio alterar esse panorama e previu, expressamente, que o feminicídio, deve agora ser punido como homicídio qualificado.
A Lei Maria da Penha já não punia isso?
NÃO. A Lei Maria da Penha não traz um rol de crimes em seu texto. Esse não foi seu objetivo. A Lei n. 11.340/2006 trouxe regras processuais instituídas para proteger a mulher vítima de violência doméstica, mas sem tipificar novas condutas, salvo uma pequenaalteração feita no art. 129 do CP.
Desse modo, o chamado feminicídio não era previsto na Lei n. 11.340/2006, apesar de a Sra. Maria da Penha Maia Fernandes, que deu nome à Lei, ter sido vítima de feminicídio duas vezes (tentado).
Vale ressaltar que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha poderão ser aplicadas à vítima do feminicídio (obviamente, desde que na modalidade tentada).
Foi acrescentado o inciso VI ao § 2º do art. 121 do CP
O rol de qualificadoras do homicídio encontra-se previsto no § 2º do art. 121 do CP.
A Lei n. 13.104/2015 acrescentou um sexto inciso ao rol do § 2º para tratar do feminicídio. Confira:
Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
(...)
Feminicídio
VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
Sujeito ativo
Pode ser qualquer pessoa (trata-se de crime comum).
O sujeito ativo do feminicídio normalmente é um homem, mas também pode ser mulher.
Sujeito passivo
Obrigatoriamente deve ser uma pessoa do sexo feminino (criança, adulta, idosa, desde que do sexo feminino).
Mulher que mata sua companheira homoafetiva: pode haver feminicídio se o crime foi por razões da condição de sexo feminino.
Homem que mata seu companheiro homoafetivo: não haverá feminicídio porque a vítima deve ser do sexo feminino. Esse fato continua sendo, obviamente, homicídio.
Transexual, homossexual e travesti. Diferenças
Transexual é o indivíduo que possui características físicas sexuais distintas das características psíquicas. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a transexualiade é um transtorno de identidade de gênero. A identidade de gênero é o gênero como a pessoa se enxerga (como homem ou mulher). Assim, em simples palavras, o transexual tem uma identidade de gênero (sexo psicológico) diferente do sexo físico, o que lhe causa intenso sofrimento.
Existem algumas formas de acompanhamento médico oferecidas ao transexual, dentre elas a cirurgia de redesignação sexual (transgenitalização), que pode ocorrer tanto para redesignação do sexo masculino em feminino, como o inverso. 
A cirurgia para a transformação do sexo masculino em feminino é chamada de “neocolpovulvoplastia” e consiste, na maioria dos casos, na retirada dos testículos e a construção de uma vagina (neovagina), utilizando-se a pele do pênis ou de parte da mucosa do intestino grosso.
O Conselho Federal de Medicina editou a Resolução 1652/2002-CFM regulamentando os requisitos e protocolos médicos necessários para a realização da cirurgia de transgenitalização.
Importante, ainda, esclarecer que transexual não é o mesmo que homossexual ou travesti. A definição de cada uma dessas terminologias ainda está em construção, sendo ponto polêmico, mas em simples palavras, a homossexualidade (não se fala homossexualismo) está ligada à orientação sexual, ou seja, a pessoa tem atração emocional, afetiva ou sexual por pessoas do mesmo gênero. O homossexual não possui nenhuma incongruência de identidade de gênero. A travesti (sempre utiliza-se o artigo no feminino), por sua vez, possui identidade de gênero oposta ao seu sexo biológico, mas, diferentemente dos transexuais, não deseja realizar a cirurgia de redesignação sexual.
Vítima homossexual (sexo biológico masculino): não haverá feminicídio, considerando que o sexo físico continua sendo masculino.
Vítima travesti (sexo biológico masculino): não haverá feminicídio, considerando que o sexo físico continua sendo masculino.
Transexual que realizou cirurgia de transgenitalização (neovagina) pode ser vítima de feminicídio se já obteve a alteração do registro civil, passando a ser considerada mulher para todos os fins de direito?
NÃO. A transexual, sob o ponto de vista estritamente genético, continua sendo pessoa do sexo masculino, mesmo após a cirurgia.
Não se discute que a ela devem ser assegurados todos os direitos como mulher, eis que esta é a expressão de sua personalidade. É assim que ela se sente e, por isso, tem direito, inclusive de alterar seu nome e documentos, considerando que sua identidade sexual é feminina. Trata-se de um direito seu, fundamental e inquestionável.
No entanto, tão fundamental como o direito à expressão de sua própria sexualidade, é o direito à liberdade e às garantias contra o poder punitivo do Estado.
O legislador tinha a opção de, legitimamente, equiparar a transexual à vítima do sexo feminino, até porque são plenamente equiparáveis. Porém, não o fez. Não pode o intérprete, a pretexto de respeitar a livre expressão sexual do transexual, valer-se de analogia para punir o agente.
Enfim, a transexual que realizou a cirurgia e passou a ter identidade sexual feminina é equiparada à mulher para todos os fins de direito, menos para agravar a situação do réu. Isso porque, em direito penal, somente se admitem equiparações que sejam feitas pela lei, em obediência ao princípio da estrita legalidade.
Deve-se salientar, contudo, que, em sentido contrário, a Prof. Alice Bianchini, maior especialista do Brasil sobre o tema, defende, em palestra disponível no Youtube, que a transexual que realizou a cirurgia pode sim ser vítima de feminicídio.
Razões de condição de sexo feminino
“Razões de gênero” foi substituída no Congresso
A expressão escolhida é péssima. A redação é confusa, truncada e não explica nada.
No projeto de lei, a locução prevista para o tipo era: se o homicídio é praticado “contra a mulher por razões de gênero”. Ocorre que, durante os debates, a bancada de parlamentares evangélicos pressionou para que a “gênero” da proposta inicial fosse substituída por “sexo feminino”, com objetivo de afastar a possibilidade de que transexuais fossem abarcados pela lei. A bancada feminina acabou aceitando a mudança para viabilizar a aprovação do projeto.
Melhor seria se tivesse sido mantida a redação original, que, aliás, é utilizada na Lei Maria da Penha: “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero” (art. 5º) e nas legislações internacionais.
Mas, afinal, o que são “razões de condição de sexo feminino”?
O legislador previu, no § 2º-A do art. 121, uma norma penal interpretativa, ou seja, um dispositivo para esclarecer o significado dessa expressão.
§ 2º-A Considera-se que há “razões de condição de sexo feminino” quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Violência doméstica e familiar (inciso I)
Haverá feminicídio quando o homicídio for praticado contra a mulher em situação de violência doméstica e familiar.
Ao afirmar isso, o legislador ampliou bastante o conceito de feminicídio, já que, pela redação literal do inciso I não seria necessário discutir os motivos que levaram o autor a cometer o crime. Pela interpretação literal, não seria indispensável que o delito tivesse relação direta com razões de gênero. Tendo sido praticado homicídio (consumado ou tentado) contra pessoa do sexo feminino envolvendo violência doméstica, haveria feminicídio.
Ocorre que a interpretação literal e isolada do inciso I não me parece a melhor. É preciso contextualizar o tema e buscar a interpretação sistemática, socorrendo-se da definição de “violência doméstica e familiar” encontrada no art. 5º da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que assim a conceitua:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentementede coabitação.
Desse modo, conclui-se que, mesmo no caso do feminicídio baseado no inciso I do § 2º-A do art. 121, será indispensável que o crime envolva motivação baseada no gênero (“razões de condição de sexo feminino”). Ex.1: marido que mata a mulher porque acha que ela não tem “direito” de se separar dele; Ex.2: companheiro que mata sua companheira porque quando ele chegou em casa o jantar não estava pronto.
Por outro lado, ainda que a violência aconteça no ambiente doméstico ou familiar e mesmo que tenha a mulher como vítima, não haverá feminicídio se não existir, no caso concreto, uma motivação baseada no gênero (“razões de condição de sexo feminino”). Ex: duas irmãs, que vivem na mesma casa, disputam a herança do pai falecido; determinado dia, uma delas invade o quarto da outra e a mata para ficar com a totalidade dos bens para si; esse crime foi praticado com violência doméstica, já que envolveu duas pessoas que tinha relação íntima de afeto, mas não será feminicídio porque não foi um homicídio baseado no gênero (não houve violência de gênero, menosprezo à condição de mulher), tendo a motivação do delito sido meramente patrimonial.
Menosprezo ou discriminação à condição de mulher (inciso II)
Para ser enquadrado neste inciso, é necessário que, além de a vítima ser mulher, fique caracterizado que o crime foi motivado ou está relacionado com o menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Ex: funcionário de uma empresa que mata sua colega de trabalho em virtude de ela ter conseguido a promoção em detrimento dele, já que, em sua visão, ela, por ser mulher, não estaria capacitada para a função.
Tentado ou consumado
O feminicídio pode ser tentado ou consumado.
Tipo subjetivo
O feminicídio pode ser praticado com dolo direto ou eventual.
Natureza da qualificadora
A qualificadora do feminicídio é de natureza subjetiva, ou seja, está relacionada com a esfera interna do agente (“razões de condição de sexo feminino”). Ademais, não se trata de qualificadora objetiva porque nada tem a ver com o meio ou modo de execução.
Por ser qualificadora subjetiva, em caso de concurso de pessoas, essa qualificadora não se comunica aos demais coautores ou partícipes, salvo se eles também tiverem a mesma motivação. Ex: João deseja matar sua esposa (Maria) e, para tanto, contrata o pistoleiro profissional Pedro, que não se importa com os motivos do mandante, já que seu intuito é apenas lucrar com a execução; João responderá por feminicídio (art. 121, § 2º, VI) e Pedro por homicídio qualificado mediante paga (art. 121, § 2º, I); a qualificadora do feminicídio não se estende ao executor, por força do art. 30 do CP:
Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.
Impossibilidade de feminicídio privilegiado
O § 1º do art. 121 do CP prevê a figura do homicídio privilegiado nos seguintes termos:
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
É possível aplicar o privilégio do § 1º ao feminicídio? É possível que exista feminicídio privilegiado?
NÃO. A jurisprudência até admite a existência de homicídio privilegiado-qualificado. No entanto, para isso, é necessário que a qualificadora seja de natureza objetiva. No caso do feminicídio, a qualificadora é subjetiva. Logo, não é possível que haja feminicídio privilegiado.
Causas de aumento de pena
A Lei n. 13.104/2015 previu também três causas de aumento de pena exclusivas para o feminicídio. Veja: 
§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II – contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;
III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.
Aumento: de 1/3 até a 1/2.
Inciso I:
A pena imposta ao feminicídio será aumentada se, no momento do crime, a vítima (mulher) estava grávida ou havia apenas 3 meses que ela tinha tido filho(a).
A razão de ser dessa causa de aumento está no fato de que, durante a gravidez ou logo após o parto, a mulher encontra-se em um estado físico e psicológico de maior fragilidade e sensibilidade, revelando-se, assim, mais reprovável a conduta.
Inciso II:
A pena imposta ao feminicídio será aumentada se, no momento do crime, a mulher (vítima) tinha menos de 14 anos, era idosa ou deficiente.
A vítima, nesses três casos, apresenta uma fragilidade (debilidade) maior, de forma que a conduta do agente se revela com alto grau de covardia.
Como o tipo utiliza a expressão “com deficiência”, devemos entendê-la em sentido amplo, de forma que incidirá a causa de aumento em qualquer das modalidades de deficiência (física, auditiva, visual, mental ou múltipla).
O conceito de deficiência está previsto no Decreto n. 3.298/99, sendo definida como “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano” (art. 3º, I). No art. 4º são conceituadas as diversas categorias de deficiência (física, auditiva, visual, mental e múltipla).
Inciso III:
A pena imposta ao feminicídio será aumentada se o delito foi praticado na presença de descendente ou de ascendente da vítima.
Aqui a razão do aumento está no intenso sofrimento que o autor provocou aos descendentes ou ascendentes da vítima que presenciaram o crime, fato que irá gerar graves transtornos psicológicos.
Importante esclarecer algo muito importante: semanticamente, quando se fala que foi praticado “na presença de alguém”, isso não significa, necessariamente, que a pessoa que presenciou estava fisicamente no local. Assim, o tipo não exige a presença física do ascendente ou descendente. Poderá haver esta causa de aumento mesmo que o ascendente ou descendente não esteja fisicamente no mesmo ambiente onde ocorre o homicídio. É o caso, por exemplo, em que o filho da vítima presencia, por meio de webcam, o agente matar sua mãe; ele terá presenciado o crime, mesmo sem estar fisicamente no local do homicídio.
Ascendente: é o pai, mãe, avô, avó, bisavô, bisavó e assim por diante.
Descendente: é o filho(a), neto(a), bisneto(a) etc.
Atenção: não haverá a causa de aumento se o crime é praticado na presença de colateral (ex: irmão, tio) ou na presença do cônjuge da vítima.
Dolo: para que incidam tais causas de aumento, o agente deve ter ciência das situações expostas nos incisos, ou seja, ele precisa saber que a vítima estava grávida, que ela era menor que 14 anos, que tinha deficiência etc.
Agravantes genéricas e bis in idem:
Algumas dessas causas de aumento especiais são também previstas como agravantes genéricas no art. 61, II, do CP. No caso de feminicídio, o magistrado deverá aplicar apenas as causas de aumento, não podendo fazer incidir as agravantes que tenham o mesmo fundamento sob pena de incorrer em bis in idem. Ex: se o feminicídio é praticado contra mulher idosa, o agente responderá pelo art. 121, § 2º, VI com a causa de aumento do inciso II do § 7º; não haverá, contudo, a incidência da agravante do at. 61, II, “h”.
Competência 
Se o feminicídio ocorre com base no inciso I do § 2º-A do art. 121, ou seja, se envolveu violência doméstica, a competência para processar este crime será da vara do Tribunal do Júri ou do Juizado Especial de Violência Doméstica (“Vara Maria da Penha”)? 
Dependerá da Lei estadual de Organização Judiciária.
Situação 1: existem alguns Estados que, em sua Lei de Organização Judiciária preveem que, em caso de crimes dolosos contra a vida praticados no contexto de violência doméstica, a Vara de Violência Doméstica será competente para instruir o feito até a fase de pronúncia. A partir daí, o processo será redistribuído para a Vara do Tribunal do Júri. 
Segundo já decidiuo STF, essa previsão é válida. Assim, a Lei de Organização Judiciária poderá prever que a 1ª fase do procedimento do júri seja realizada na Vara de Violência Doméstica em caso de crimes dolosos contra a vida praticados no contexto de violência doméstica. Não haverá usurpação da competência constitucional do júri. Apenas o julgamento propriamente dito é que, obrigatoriamente, deverá ser feito no Tribunal do Júri (STF. 2ª Turma. HC 102150/SC, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 27/5/2014. Info 748).
Situação 2: se a lei de organização judiciária não prever expressamente essa competência da Vara de Violência Doméstica para a 1ª fase do procedimento do Júri, aplica-se a regra geral e todo o processo tramitará na Vara do Tribunal do Júri.
Crime hediondo
A Lei n. 13.104/2015 alterou o art. 1º da Lei n. 8.072/90 e passou a prever que o feminicídio é crime hediondo.
O que muda no fato de o feminicídio tornar-se crime hediondo? Quais são as diferenças entre o crime comum e o crime hediondo?
	CRIME COMUM
	CRIME HEDIONDO (OU EQUIPARADO)
	Em regra admite fiança.
	NÃO admite fiança.
	Admite liberdade provisória.
	Admite liberdade provisória.
	Admite a concessão de anistia, graça e indulto.
	NÃO admite a concessão de anistia, graça e indulto.
	O prazo da prisão temporária, quando cabível, será de 5 dias, prorrogável por igual período.
	O prazo da prisão temporária, quando cabível, será de 30 dias, prorrogável por igual período.
	O regime inicial de cumprimento da pena pode ser fechado, semiaberto ou aberto. 
	O regime inicial de cumprimento da pena pode ser fechado, semiaberto ou aberto.
	Admite a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (art. 44 do CP).
	Admite a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (art. 44 do CP).
	Admite a concessão de sursis, cumpridos os requisitos do art. 77 do CP.
	Admite a concessão de sursis, cumpridos os requisitos do art. 77 do CP, salvo no caso do tráfico de drogas por força do art. 44 da Lei n. 11.343/2006.
	O réu pode apelar em liberdade, desde que a prisão não seja necessária.
	O réu pode apelar em liberdade, desde que a prisão não seja necessária.
	Para a concessão do livramento condicional, o apenado deverá cumprir 1/3 ou 1/2 da pena, a depender do fato de ser ou não reincidente em crime doloso.
	Para a concessão do livramento condicional, o condenado não pode ser reincidente específico em crimes hediondos ou equiparados e terá que cumprir mais de 2/3 da pena.
	Para que ocorra a progressão de regime, o condenado deverá ter cumprido 1/6 da pena.
	Para que ocorra a progressão de regime, o condenado deverá ter cumprido: 
2/5 da pena, se for primário; e 
3/5 (três quintos), se for reincidente.
	A pena do art. 288 do CP (associação criminosa) é de 1 a 3 anos.
	A pena do art. 288 do CP (associação criminosa) será de 3 a 6 anos quando a associação for para a prática de crimes hediondos ou equiparados.
Constitucionalidade
A qualificadora do feminicídio é inconstitucional por violar o princípio da igualdade?
NÃO. O STF enfrentou diversos questionamentos nesse sentido ao julgar a ADC 19/DF proposta em relação à Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) e na oportunidade decidiu que é possível que haja uma proteção penal maior para o caso de crimes cometidos contra a mulher por razões de gênero (STF. Plenário. ADC 19/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9/2/2012).
Assim, não há violação do princípio constitucional da igualdade pelo fato de haver uma punição maior no caso de vítima mulher.
Na visão da Corte, a Lei Maria da Penha e, agora, a Lei do Feminicídio, são instrumentos que promovem a igualdade em seu sentido material. Isso porque, sob o aspecto físico, a mulher é mais vulnerável que o homem, além de, no contexto histórico, ter sido vítima de submissões, discriminações e sofrimentos por questões relacionadas ao gênero.
Trata-se, dessa forma, de uma ação afirmativa (discriminação positiva) em favor da mulher.
Ademais, a criminalização especial e mais gravosa do feminicídio é uma tendência mundial, adotada em diversos países do mundo. 
Vigência e irretroatividade
A Lei n. 13.104/2015 entrou em vigor no dia 10/03/2015, de forma que se a pessoa, a partir desta data, praticou o crime de homicídio contra mulher por razões da condição de sexo feminino responderá por feminicídio, ou seja, homicídio qualificado, nos termos do art. 121, § 2º, VI, do CP.
A Lei n. 13.104/2015 é mais gravosa e, por isso, não tem efeitos retroativos, de sorte que, quem cometeu homicídio contra mulher por razões da condição de sexo feminino até 09/03/2015, não responderá por feminicídio (art. 121, § 2º, VI).
I - Feminicídio como nova qualificadora do homicídio e seus requisitos típicos por LFG: 
De acordo com a novel Lei, passa a ser homicídio qualificado a morte de mulher por razões de sexo feminino (CP, art. 121, § 2º, VI). No § 2º-A do mesmo artigo, o Código Penal elenca as situações que são consideradas como razões de condição do sexo feminino: violência doméstica e familiar, menosprezo à condição de mulher ou discriminação à condição de mulher.
Os requisitos típicos da nova qualificadora (feminicídio) são:
Homicídio qualificado
§ 2º Se o homicídio é cometido:
[...]
Feminicídio
VI – contra a mulher (1) por razões da condição de sexo feminino (2): 
Pena: reclusão, de 12 a 30 anos.
§ 2º-A. Considera-se que a há razões de condição de sexo feminino (3) quando o crime envolve:
I – violência doméstica e familiar (4); 
II – menosprezo (5) ou discriminação à condição de mulher (6).
(1) Sujeito passivo: mulher
A Lei do Feminicídio faz referência expressa à vítima mulher. Tal também se dá no âmbito da Lei Maria da Penha (LMP - Lei 11.340/2006). Quando se trata da aplicação da LMP, há decisões jurisprudenciais e parte da doutrina que se posiciona no sentido de aplica-la para situações que envolvem transexuais, travestis, bem como relações homoafetivas masculinas. A LMP cuida primordialmente de medidas protetivas. Nesse terreno, a analogia é válida para proteger até mesmo o homem (nas relações homoafetivas).
No qualificadora do feminicídio, o sujeito passivo é a mulher. Aqui não se admite analogia contra o réu. Mulher se traduz num dado objetivo da natureza. Sua comprovação é empírica e sensorial. De acordo com o art. 5º, par. Ún., a Lei 11.340/2006 deve ser aplicada, independentemente de orientação sexual. Na relação entre mulheres hetero ou transexual (sexo biológico não correspondente à identidade de gênero; sexo masculino e identidade de gênero feminina), caso haja violência baseada no gênero, pode caracterizar o feminicídio. A aplicação da Lei Maria da Penha para transexual masculino foi reconhecida na decisão oriunda da 1ª Vara Criminal da Comarca de Anápolis, juíza Ana Cláudia Veloso Magalhães (proc. N. 201103873908, TJGO).
No caso das relações homoafetivas masculinas definitivamente não se aplicará a qualificadora. A lei falou em mulher. Por analogia não podemos aplicar a lei penal contra o réu. Não podemos admitir o feminicídio quando a vítima é um homem (ainda que de orientação sexual distinta da sua qualidade masculina). 
(2) e (3) Requisito normativo: “razões da condição de sexo feminino”
O Projeto que deu origem à Lei 13.104/2015 (PL 8305/2014) sofreu, pouco tempo antes de ser aprovado, uma alteração: o vocábulo “gênero” foi substituído pela expressão “condição de sexo feminino”. 
Tal alteração traz algum impacto interpretativo? Entendemos que não, já que a expressão “por razões da condição de sexo feminino” vincula-se, igualmente, a razões de gênero.
Perceba-se que o legislador não trouxe uma qualificadora para a morte de mulheres. Se fosse assim bastaria ter dito: “Se o crime é cometido contra a mulher”, sem utilizar a expressão “por razões da condição de sexo feminino”.
Uma vez esclarecido que a qualificadora não se refere a uma questão de sexo (categoria que pertence à biologia), mas a uma questão de gênero (atinente à sociologia, padrões sociaisdo papel que cada sexo desempenha) convém trazer algumas considerações sobre o assunto.
De acordo com a Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”, “a violência contra a mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente a observância, gozo e exercício de tais direitos e liberdades”. Também ela “constitui ofensa contra a dignidade humana e é manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens.”
A violência de gênero envolve uma determinação social dos papéis masculino e feminino. Toda sociedade pode (e talvez até deva) atribuir diferentes papéis ao homem e à mulher. Até aí tudo bem. O problema? O problema ocorre quando a tais papéis são atribuídos pesos com importâncias diferenciadas. No caso da nossa sociedade, os papéis masculinos são supervalorizados em detrimento dos femininos. 
Para Maria Amélia Teles e Mônica de Melo, a violência de gênero representa “uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher. Demonstra que os papéis impostos às mulheres e aos homens, consolidados ao longo da história e reforçados pelo patriarcado e sua ideologia, induzem relações violentas entre os sexos.”[1]
Em se tratando de controle da mulher, essa violência incide quase como controle total, dada a situação de afeto, intimidade, convivência (em muitos casos) e continuidade que caracteriza a relação de poder desigual decorrente do sistema de desigualdade de gêneros. 
Os papéis sociais atribuídos a homens e a mulheres são acompanhados de códigos de conduta introjetados pela educação diferenciada que atribui o controle das circunstâncias ao homem, o qual as administra com a participação das mulheres, o que tem significado ditar-lhes rituais de entrega, contenção de vontades, recato sexual, vida voltada a questões meramente domésticas, priorização da maternidade. Resta tão desproporcional o equilíbrio de poder entre os sexos, que sobra uma aparência de que não há interdependência, mas hierarquia autoritária. Tal quadro cria condições para que o homem sinta-se (e reste) legitimado a fazer uso da violência, e permite compreender o que leva a mulher vítima da agressão a ficar muitas vezes inerte, e, mesmo quando toma algum tipo de atitude, acabe por se reconciliar com o companheiro agressor, após reiterados episódios de violência. Pesquisa da Fundação Perseu Abramo conclui que é comum as mulheres sofrerem agressões físicas, por parte do companheiro, por mais de dez anos[2]. Diversos estudos demonstram que tal submissão decorre de condições concretas (físicas, psicológicas, sociais e econômicas) a que a mulher encontra-se submetida/enredada, exatamente por conta do papel que lhe é atribuído socialmente. 
Como bem adverte Léo Rosa de Andrade, “nesse mundo dos homens, as mulheres foram postas para servir a casa dos homens, parir para os homens, cuidar dos filhos dos homens. Os homens repartiam entre si o controle sobre as mulheres, vigiando-as, reprimindo-as, matando-as. As leis dos homens absolviam os homens de tudo. As mulheres eram dos homens. Sumiam-se, inclusive, na adoção do nome dos homens.”[3]
(4) a (6) circunstâncias que caracterizam as “razões de condição de sexo feminino”
Para configurar feminicídio, como já assinalamos, não basta que a vítima seja mulher. A morte tem que ocorrer por “razões da condição de sexo feminino”. Elas foram elencadas no § 2º-A do art. 121 do Código Penal como sendo as seguintes: violência doméstica e familiar contra a mulher, menosprezo à condição de mulher e discriminação à condição de mulher. Vejamos cada uma delas:
a) Violência doméstica e familiar contra a mulher
A primeira das “razões da condição de sexo feminino” trazida pela nova Lei refere-se ao fato de o crime envolver “violência doméstica e familiar”.
A partir de uma interpretação sistemática (que é aquela que busca uma exegese levando-se em consideração o conjunto do ordenamento jurídico) chega-se à Lei Maria da Penha e percebe-se que lá a expressão “violência doméstica e familiar” é fartamente utilizada. Em seu art. 5º ela é conceituada como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. 
Como se pode perceber, para que se configure a violência doméstica e familiar justificadora da qualificadora, faz-se imprescindível verificar a razão da agressão (se baseada ou não no gênero). 
A Lei Maria da Penha também traz o contexto em que a violência doméstica e familiar baseada no gênero pode se dar: âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto (art. 5º, I a III).
Com essas informações, podemos concluir que a violência doméstica e familiar que configura uma das razões da condição de sexo feminino (art. 121, § II-A) e, portanto, feminicídio, não se confunde com a violência ocorrida dentro da unidade doméstica ou no âmbito familiar ou mesmo em uma relação íntima de afeto. Ou seja, pode-se ter uma violência ocorrida no âmbito doméstico que envolva, inclusive, uma relação familiar (violência do marido contra a mulher dentro do lar do casal, por exemplo), mas que não configure uma violência doméstica e familiar por razões da condição de sexo feminino (Ex. Marido que mata a mulher por questões vinculadas à dependência de drogas). O componente necessário para que se possa falar de feminicídio, portanto, como antes já se ressaltou, é a existência de uma violência baseada no gênero (Ex.: marido que mata a mulher pelo fato de ela pedir a separação).
Ainda levando em conta a interpretação sistemática, devemos fazer referência ao art. 61, f, do Código Penal que trata da agravante relativa ao fato de o crime ter sido cometido “com violência contra a mulher na forma da lei específica”, ou seja, da Lei Maria da Penha.
Vislumbramos, assim, um sistema no nosso ordenamento jurídico que trata de criar normas penais gênero-específicas e é com base nesse contexto que as normas que tratam de criar situações particulares para as vítimas do sexo feminino devem ser interpretadas.
b) menosprezo à condição de mulher
A morte em razão de menosprezo à condição de mulher é a segunda espécie de feminicídio trazida pela nova Lei.
Há menosprezo quando o agente pratica o crime por nutrir pouca ou nenhuma estima ou apreço pela vítima, configurando, dentre outros, desdém, desprezo, desapreciação, desvalorização. 
c) discriminação à condição de mulher
O Brasil é signatário da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW, 1979), ratificada em 1984. 
Nela podemos encontrar a seguinte definição de discriminação contra a mulher: “toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”. (Art. 1º)
Também é importante mencionar que a proibição da discriminação contra a mulher e a adoção de sanções para os casos de discriminação fazem parte de compromisso internacional assumido pelo Brasil quando ratificou a CEDAW. Consta no Art. II do documento internacional mencionado:
Artigo II. Os Estados Partes condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com tal objetivo se comprometem a:
[...]
b) Adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher;
Situações que configuram a discriminação: matar mulher por entender que ela não pode estudar, por entender que ela não pode dirigir, por entender que ela não pode ser diretora de uma empresa etc.
II - Causas de aumento de pena

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