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DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL 2018

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DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL
1. SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO
1.1. PREVISÃO LEGAL
Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado:
Pena - reclusão, de um a três anos. (é de médio potencial ofensivo, cabe suspensão condicional do processo).
1.2. BEM JURÍDICO TUTELADO
Liberdade de movimento da pessoa (ir, vir e ficar).
A liberdade é um bem disponível ou indisponível? HOJE, prevalece que é DISPONÍVEL, ou seja, o consentimento do ofendido exclui a ilicitude do crime. Se assim não fosse, os direitos do BBB seriam agentes do crime de sequestro.
1.3. SUJEITO ATIVO
Qualquer pessoa. Crime comum.
OBS: Se o sujeito ativo for funcionário público, pode ocorrer crime de abuso de autoridade.
1.4. SUJEITO PASSIVO
Prevalece que qualquer pessoa pode ser vítima, incluindo menores de idade, insanos e deficientes físicos.
OBS: Tem uma minoria doutrinária que diz que a vítima somente pode ser pessoa com liberdade própria de movimento.
Se a vítima for Presidente da República, do SF, da CD ou do STF, o crime será político, desde que com motivação política (LSN, art. 28).
1.5. TIPO OBJETIVO
A conduta é privar a liberdade de alguém, sendo o sequestro e o cárcere privado as formas pelas quais pode ocorrer essa privação. Parte da doutrina faz uma diferenciação entre eles:
Sequestro: Privação da liberdade sem confinamento; sem encerramento em recinto fechado. Exemplo: Vítima que fica privada da liberdade em sítio, Fazenda, ilha etc.
Cárcere privado: Privação da liberdade com confinamento. Exemplo: Vítima fica privada da liberdade de locomoção no cômodo de um imóvel.
Interesse prático na diferenciação: Fixação da pena-base, uma vez que o cárcere privado, em princípio, provoca maior sofrimento à vítima, gerando maior censurabilidade da conduta (art. 59).
Crime de execução livre
- A privação da liberdade pode ser realizada através de violência, grave ameaça, fraude ou qualquer outro meio apto a produzir o resultado.
- O crime pode ser cometido por ação (detenção) ou omissão (retenção). Exemplo de sequestro por omissão: médico que se recusa a liberar paciente já curado.
1.6. TIPO SUBJETIVO
O crime é punido a título de dolo, sem finalidade específica (o sequestro é um crime subsidiário). Se houver finalidade específica, podemos ter outros crimes:
a) Se a Finalidade for escravizar de fato a vítima  Configura-se o crime de redução à condição análoga a de escravo.
b) Se a finalidade for econômica  Pode configurar-se o delito de extorsão mediante sequestro ou extorsão qualificada pela privação da liberdade (sequestro-relâmpago).
c) Se a finalidade for fazer justiça privada  Exercício arbitrário das próprias razões.
d) Se a finalidade for causar na vítima intenso sofrimento físico ou mental  Pode configurar o crime de tortura.
1.7. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
Consuma-se com a efetiva impossibilidade de locomoção da vítima (crime material). É um crime permanente, cuja consumação se protrai no tempo
OBS: O delito de sequestro NÃO EXIGE, para sua consumação, o deslocamento da vítima de um local para outro.
A consumação do crime depende de um tempo razoável de privação da liberdade? Duas correntes:
1ª Corrente (PREVALECE): O crime se consuma independentemente do tempo de privação da liberdade. A variação no tempo de privação pode, eventualmente, interferir na fixação da pena.
2ª Corrente: É indispensável tempo juridicamente relevante da privação, caso contrário haverá mera tentativa.
1.8. FORMAS QUALIFICADAS (art. 148, §1º e §2º)
1.8.1. Previsão legal
Art. 148, § 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:
I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos;
II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;
III - se a privação da liberdade dura mais de quinze dias.
IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;
V – se o crime é praticado com fins libidinosos.
§ 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral:
1.8.2. Análise do art. 148, §1º
§ 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:
Não mais cabe suspensão condicional do processo.
I – Se Vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 anos
Ascendente ou descendente: Abrange também o vínculo afetivo, nos termos do art. 227, VII, § 6º da CF/88.
Cônjuge ou companheiro: O companheiro só foi introduzido com a Lei 11.106/05. Antes da Lei, não era possível estender a qualificadora ao companheiro, sob pena de analogia in malam partem.
Vítima maior de 60 anos: Incluída pelo Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03). A qualificadora incide mesmo que a maioridade ocorra somente no decorrer da privação da liberdade.
OBS1: Esses predicados da vítima têm que fazer parte do dolo do agente, sob pena de responsabilidade penal objetiva.
OBS2: O rol é taxativo. Nota-se que não estão abrangidos os parentes colaterais e os afins.
II - Se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital
A vítima é internada sem necessidade para tal, mas sim com a disfarçada finalidade de afastá-la do convívio social. É a chamada Internação fraudulenta ou simulada.
III - Se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias
É uma prova de que a corrente que exige prazo razoável de privação está errada.
Os dias de privação são contados até o momento em que a vítima efetivamente estiver livre. Trata-se de prazo material.
IV - Se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos
A idade da vítima deve fazer parte do dolo do agente.
A vítima deve ser criança ou adolescente em algum momento da privação, mesmo que venha a ser liberada com mais de 18 anos.
V - Se o crime é praticado com fins libidinosos.
Finalidade específica que qualifica o crime. Essa qualificadora foi acrescentada pela Lei 11.106/05. Antes da referida Lei, a conduta analisada configurava o extinto crime de rapto violento, previsto no art. 219 do CP.
1.8.5. Análise do art. 148, §2º
§ 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral:
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
Não basta causar sofrimento físico ou moral; o sofrimento deve ser GRAVE e em decorrência dos maus-tratos ou da natureza da detenção. Se dessas condutas resultar lesão corporal ou morte, haverá concurso material de delitos.
2. TRÁFICO DE PESSOAS
2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS E PREVISÃO LEGAL
Aqui, analisaremos apenas os aspectos penais do referido crime, o qual foi introduzido no CP pela Lei 13.344/2016.
A Lei 13.344/2016 revoluciona o tratamento que o Brasil confere ao tráfico de pessoas, inclusive, conforta o ordenamento brasileiro as convenções internacionais. Havia um descompasso entre o nosso ordenamento e aquilo que o Brasil havia se comprometido perante os organismos internacionais.
Até o advento da referida lei, o tráfico de pessoas, no Brasil, estava relacionado à exploração sexual, apenas e tão somente, previsto no art. 231 do CP (tráfico internacional de pessoal) e art. 231-A do CP (tráfico interno de pessoas).
Contudo os documentos internacionais não restringiam o tráfico de pessoas à exploração sexual, mas abrangem outras formas de exploração, a exemplo do tráfico de pessoas com a finalidade de retirada e comércio de órgãos, tecidos e partes do corpo; tráfico de pessoas visando adoção ilegal de crianças; tráfico de pessoas com a finalidade de exploração de trabalho escravo ou condição de servidão; e, claro, tráfico de pessoas com o intuito de exploração sexual.
A Lei 13.344/2016 revogou os artigos 231 e 231-A do CP e criou o art. 149-A, sendo o tráfico de pessoas um crime contra a liberdade individual.
Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016)
I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; (Incluídopela Lei nº 13.344, de 2016)
II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016)
III - submetê-la a qualquer tipo de servidão; (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016)
IV - adoção ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016)
V - exploração sexual. (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016)
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.(Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016)
§ 1o A pena é aumentada de um terço até a metade se: (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016)
I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las; (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016)
II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência; (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016)
III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016)
IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional. (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016)
§ 2o A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa. (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016)
O referido artigo trata tanto do tráfico nacional como do tráfico internacional (transnacionalidade), o qual passou a ser uma causa de aumento, como já ocorre com o tráfico de drogas.
2.2. CONDUTA PUNIDA
Protege-se a liberdade individual, punindo-se as condutas de agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, coação, fraude e abuso, com a finalidade de:
a) Remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo
b) Submetê-la a trabalho em condições análogas a de escravo
c) Submetê-la a qualquer tipo de servidão
d) Adoção ilegal
e) Exploração sexual
A pena foi, sensivelmente, majorada. Agora, é de 4 a 8 anos.
Como se percebe, o art. 149-A é um crime de conduta mista, formado por oito verbos nucleares, alguns, inclusive, são sinônimos (visto acima).
Destaca-se que o crime só estará caracterizado quando o agente agir com grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com as finalidades constantes nos itens acima.
Havendo consentimento válido da vítima, ou seja, o ofendido concorda em ser traficado com as finalidades descritas acimas, haverá a exclusão de tipicidade, conforme previsão constante nos documentos internacionais do qual o Brasil é signatário.
ATENÇÃO!! Para que o consentimento exclua a tipicidade, deve ser um consentimento válido. Não será considerado quando for concedido mediante grave ameaça, uso de força, com abuso de autoridade, tratando-se de vítima vulnerável, bem como quando o consentimento for dado visando uma contraprestação (coloca-se na condição de traficância visando receber pagamento ou benefício).
2.3. SUJEITO ATIVO
O tipo penal não exige qualidade ou condição especial do agente. Assim, trata-se de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa.
Inclusive, dependendo de quem o pratica (funcionário público, parentes), estar-se-á diante de uma causa de aumento.
2.4. SUJEITO PASSIVO
Não se exige qualidade especial da vítima, trata-se de crime comum. Aliás, a depender da vítima (criança, adolescente, pessoa com deficiência, idoso), ter-se-á uma causa de aumento.
2.5. ELEMENTO SUBJETIVO
É o dolo, sendo imprescindível a finalidade especial animando o traficante, são elas:
f) Remover órgãos, tecidos ou partes do corpo
g) Submeter a trabalho em condições análogas a de escravo
h) Submeter a qualquer tipo de servidão
i) Adoção ilegal
j) Exploração sexual
2.6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
A consumação ocorre mediante a realização de qualquer um dos oito núcleos constantes no art. 149-A.
Alguns núcleos são típicos de delitos permanentes, ou seja, a consumação se protraí no tempo.
Admite-se tentativa.
O crime se consuma, independentemente, de o agente efetivar a retirada de órgãos, de submeter a vítima a condição análoga de escravos, a servidão, a adoção ilegal ou a exploração sexual.
2.7. CAUSAS DE AUMENTO DE PENA
A pena será aumentada de 1/3 até a metade se o crime for cometido:
a) Por funcionário público no exercício da função ou a pretexto de exercê-las;
b) Contra criança, adolescente, pessoa com deficiência ou pessoa idosa;
c) Quando o agente se prevalece de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função;
d) Quando a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional.
Segundo Rogério Sanches, o legislador errou ao aumentar a pena apenas no caso de exportação da pessoa, pois deixou de aumentar a pena no caso de importação internacional de vítima. Trata-se de erro grasso, tratando de maneira desigual duas situações iguais.
2.8. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA
A pena será reduzida, de 1/3 a 2/3, quando o traficante de seres humanos for primário e não integrar organização criminosa.
Como não houve a fixação de patamar para a diminuição, Rogério Sanches afirma que o juiz deve considerar o grau de submissão da vítima ou a maior ou menor colaboração do agente na apuração do crime, com a efetiva libertação da vítima.
2.9. AÇÃO PENAL
Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada.
2.10. COMPETÊNCIA
A competência é da justiça estadual, salvo no caso de transnacionalidade (importação e exportação de seres humanos) em que caberá à justiça federal.
2.11. PRESCRIÇÃO
Segundo Rogério Sanches (posição defendida em seu livro), tratando de tráfico de pessoas para exploração sexual, aplica-se o art. 111, V do CP, quando a vítima for criança ou adolescente.
2.12. LIVRAMENTO CONDICIONAL
O legislador mudou o livramento condicional do tráfico de pessoas.
Houve a tentativa de colocá-lo como hediondo ou, pelo menos, equipará-lo a crime hediondo. Não foi admitido, tendo em vista a falta de proporcionalidade e razoabilidade (no entender do SF).
Contudo, o livramento condicional, quando se tratar de tráfico de pessoas, deve seguir os requisitos dos crimes hediondos ou equiparados. Assim, para que o condenado obtenha o livramento condicional será necessário o cumprimento de mais de dois terços da pena, desde que não seja reincidente específico em crimes hediondos ou equiparados.
2. INVASÃO DE DISPOSITIVO INFORMÁTICO
2.1. PREVISÃO LEGAL
Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
2.2. BEM JURÍDICO PROTEGIDO
O bem jurídico protegido é a PRIVACIDADE, gênero do qual são espécies a INTIMIDADE e a VIDA PRIVADA. Desse modo, esse novo tipo penal tutela valores protegidos CONSTITUCIONALMENTE (art. 5º, X, da CF/88).
2.3. SUJEITO ATIVO
Pode ser qualquer pessoa (crime comum). Obviamente que não será sujeito ativo desse crime a pessoa que tenha autorização para acessar os dados constantes do dispositivo.
2.4. SUJEITO PASSIVO
É o titular do dispositivo.
Em regra, a vítima é o proprietário do dispositivo informático, seja ele pessoa física ou jurídica. No entanto, é possível também identificar, em algumas situações, como sujeito passivo, o indivíduo que, mesmo sem ser o dono do computador, é a pessoa que efetivamente utiliza o dispositivo para armazenar seus dados ou informações que foram acessados indevidamente.
É o caso, por exemplo, de um computador utilizado por vários membros de uma casa ou no trabalho, onde cada um tem perfil e senha próprios. Outro exemplo é o da pessoa que mantém um contrato com uma empresa para armazenagem de dados de seus interesses em servidores para acesso por meioda internet (“computação em nuvem”, mais conhecida pelo nome em inglês, qual seja, cloud computing).
2.5. ANÁLISE DAS ELEMENTARES DO TIPO
Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
2.5.1. Invadir
Ingressar, sem autorização, em determinado local. A invasão de que trata o artigo é “virtual”, ou seja, no sistema ou na memória do dispositivo informático.
2.5.2. Dispositivo informático
Em informática, dispositivo é o equipamento físico (hardware) que pode ser utilizado para rodar programas (softwares) ou ainda para ser conectado a outros equipamentos, fornecendo uma funcionalidade. Exemplos: computador, tablet, smartphone, memória externa (HD externo), entre outros.
2.5.3. Alheio
O dispositivo no qual o agente ingressa deve pertencer a terceiro. É prática comum entre os hackers o desbloqueio de alguns dispositivos informáticos para que eles possam realizar certas funcionalidades originalmente não previstas de fábrica. Como exemplo comum tem-se o desbloqueio do IPhone ou do IPad por meio de um software chamado “Jailbreak”. Caso o hacker faça o invada o sistema de seu próprio dispositivo informático para realizar esse desbloqueio, não haverá o crime do art. 154-A porque o dispositivo invadido é próprio (e não alheio).
2.5.4. Conectado ou não à rede de computadores
Apesar do modo mais comum de invasão em dispositivos ocorrer por meio da internet, a Lei admite a possibilidade de ocorrer o crime mesmo que o dispositivo não esteja conectado à rede de computadores. É o caso, por exemplo, do indivíduo que, na hora do almoço, aproveita para acessar, sem autorização, o computador do colega de trabalho, burlando a senha de segurança.
2.5.5. Mediante violação indevida de mecanismo de segurança
Somente configura o crime se a invasão ocorrer com a violação de mecanismo de segurança imposto pelo usuário do dispositivo. Retomando o exemplo anterior, não haverá, portanto, o crime se o indivíduo, na hora do almoço, aproveita para acessar o computador do colega de trabalho, que não é protegido por senha ou qualquer outro mecanismo de segurança.
Também não haverá crime se alguém encontra o pen drive (não protegido por senha) de seu colega de trabalho e decide vasculhar os documentos e fotos ali armazenados.
Trata-se de uma falha da Lei porque a privacidade continua sendo violada, mas não receberá punição penal.
Exemplos de mecanismo de segurança: firewall (existente na maioria dos sistemas operacionais), antivírus, anti-malware, antispyware, senha para acesso, entre outros.
2.5.6. Com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo.
Ex.: hacker que ingressa no computador de uma atriz para obter suas fotos lá armazenadas.
Atenção: se houver autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo, não haverá crime. Ex.: determinado banco contrata uma empresa especializada em segurança digital para que faça testes e tente invadir seus servidores.
2.5.7. Ou com o fim de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita.
É o caso, por exemplo, do indivíduo que invade o computador e instala programa espião que revela as senhas digitadas pela pessoa ao acessar sites de bancos.
2.6. ELEMENTO SUBJETIVO
É o dolo, que deve ser acrescido de um especial fim de agir (“dolo específico”). Qual é o ESPECIAL FIM DE AGIR desse tipo penal?
A invasão deve ocorrer com o objetivo de:
a) Obter, adulterar ou destruir dados ou informações do titular do dispositivo; ou
b) Instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita.
2.7. CONSUMAÇÃO
Cuida-se de CRIME FORMAL.
Consuma-se com a invasão, não se exigindo a ocorrência do resultado naturalístico. Desse modo, a obtenção, adulteração ou destruição de dados do titular do dispositivo ou a instalação de vulnerabilidades não precisam ocorrer para que o crime se consuma. Em regra, para que seja provada a invasão, será necessária a realização de perícia (art. 158 do CPP). No entanto, é possível que o delito seja comprovado por outros meios, como a prova testemunhal (art. 167 do CPP).
Se o agente invade o computador da vítima, lá instala um malware (programa malicioso), descobre sua senha e subtrai valores de sua conta bancária, comete qual delito?
O entendimento consolidado, até então, era o de que se tratava de furto mediante fraude (art. 155, § 4º, II).
Essa posição deve ser alterada com o novo art. 154-A? A referida conduta pode ser classificada como invasão de dispositivo informático?
Reputo que NÃO. O art. 154-A prevê como crime invadir computador, mediante violação indevida de mecanismo de segurança, com o fim de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita. O art. 155, § 4º, por sua vez, pune a conduta de subtrair coisa alheia móvel (dinheiro, p. ex.) mediante fraude (inclusive por meio VIRTUAL).
Desse modo, parece que a conduta narrada se amolda, de forma mais específica e completa, no art. 155, § 4º, sendo o delito do art. 154-A o crime meio para a obtenção da finalidade do agente, que era a subtração. Aplica-se, no caso, o princípio da consunção, punindo o agente apenas pelo furto, ficando a invasão absorvida. Em suma, essa conduta NÃO DEIXOU de ser furto.
Vamos, no entanto, imaginar outras situações correlatas:
a) O agente TENTA invadir o computador da vítima com o objetivo de instalar o malware e obter a senha para realizar o furto, MAS NÃO CONSEGUE: responderá por tentativa de invasão (art. 154-A) e não por tentativa de furto qualificado (art. 155, § 4º, II);
b) O agente INVADE o computador da vítima com o objetivo de instalar o malware e obter a senha para realizar o furto, porém NÃO INICIA os atos executórios da subtração: responderá por invasão consumada (art. 154-A) e não por tentativa de furto qualificado (art. 155, § 4º, II);
c) O agente INVADE o computador da vítima com o objetivo de instalar o malware e obter a senha para realizar o furto, INICIA O PROCEDIMENTO PARA SUBTRAÇÃO dos valores, mas NÃO CONSEGUE por circunstâncias alheias à sua vontade: responderá por tentativa de furto qualificado (art. 155, § 4º, II);
d) O agente invade o computador da vítima com o objetivo de instalar o malware e obter a senha para realizar o furto, conseguindo efetuar a subtração dos valores: responderá por furto qualificado consumado (art. 155, § 4º, II).
2.9. OBTENÇÃO DE VANTAGEM
Para a consumação do crime do art. 154-A não se exige que o invasor tenha obtido qualquer vantagem. Basta que tenha havido a INVASÃO. No entanto, se houver prejuízo econômico por parte da vítima, haverá causa de aumento prevista no § 2º do art. 154-A:
CP 154-A § 2º Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico.
Atenção: se a vítima sofreu prejuízo econômico porque o invasor dela SUBTRAIU valores, não haverá o crime do art. 154-A, com essa causa de aumento do § 2º, mas sim o delito de furto qualificado. Isso porque, conforme explicado acima, o furto é mais específico que o delito de invasão.
Quando então seria o caso de aplicar o § 2º?
Nas hipóteses em que da invasão ocasionar prejuízo, desde que não seja um delito mais específico.
Ex.: incidirá essa causa de aumento se, por conta da invasão, a vítima teve sua máquina danificada, precisando de consertos.
2.10. TENTATIVA
A tentativa é perfeitamente possível.
Ex.: o agente iniciou o processo de invasão do computador de um terceiro, mas não conseguiu violar o mecanismo de segurança do dispositivo.
2.11. PENA
A pena é irrisória e representa proteção insuficiente para um bem jurídico tão importante.
Em virtude desse quantum de pena, será muito frequente a ocorrência de prescrição retroativa pela pena concretamente aplicada.
2.12. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO
Oart. 154-A do CP é crime de menor potencial ofensivo, sujeito à competência do Juizado Especial Criminal (art. 61 da Lei n. 9.099/95).
CP. Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
Lei 9.099. Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
Em regra, nos delitos sujeitos ao Juizado Especial Criminal o instrumento de apuração do fato utilizado pela autoridade policial é o termo circunstanciado (art. 69 da Lei n. 9.099/95).
Lei 9.099. Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.
Entretanto, nos casos do art. 154-A do CP muito provavelmente o termo circunstanciado não será suficiente para apurar a autoria e materialidade do delito, sendo quase que imprescindível a instauração de inquérito policial, considerando que, na grande maioria dos casos, será necessária a realização de busca e apreensão na residência do investigado, perícia e oitiva de testemunhas etc.
2.13. DELEGACIAS ESPECIALIZADAS EM CRIMES VIRTUAIS
Vale ressaltar que a Lei n. 12.735/2012, publicada na mesma data desta Lei, determinou que os órgãos da polícia judiciária (Polícia Civil e Polícia Federal) deverão estruturar setores e equipes especializadas no combate à ação delituosa em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado (art. 4º).
Lei n. 12.735/2012. Art. 4o Os órgãos da polícia judiciária estruturarão, nos termos de regulamento, setores e equipes especializadas no combate à ação delituosa em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado.
Em suma, as polícias deverão criar delegacias ou núcleos especializados em crimes cibernéticos, como, aliás, já existem em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, entre outros.
2.14. FIGURA EQUIPARADA
CP Art. 154-A § 1º Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde DISPOSITIVO OU PROGRAMA DE COMPUTADOR com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.
É o caso, por exemplo, do indivíduo que desenvolve um programa do tipo “cavalo de troia” (trojan horse), ou seja, um malware (software malicioso) que, depois de instalado no computador, libera uma porta para que seja possível a invasão da máquina.
Em alguns cursos de informática, o professor desenvolve softwares espiões para testarem a segurança da rede e aprimorarem técnicas de contraespionagem. Há também empresas que elaboram e comercializam tais programas. Obviamente que, em tais situações, não haverá crime considerando que o objetivo não é o de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular, havendo o intuito acadêmico, docente ou de melhorar a segurança das redes empresariais, descobrindo as brechas existentes. O fato seria atípico, portanto, por faltar o elemento subjetivo do injusto.
O § 1º menciona tanto programa de computador (softwares) como também dispositivos (hardwares) destinados à invasão indevida de outros dispositivos informáticos, como é o caso dos chamados “chupa cabra”.
Segundo o § 1º, tanto quem produz, como quem oferece, distribui, vende ou divulga o programa ou dispositivo é punido. Nesse sentido, existem inúmeras páginas na internet que divulgam softwares espiões e invasores. Deve-se ter cuidado com a divulgação de tais conteúdos porque essa conduta passa a ser crime pela nova Lei se ficar provado que a finalidade do agente ao disponibilizar esse programa, era o de permitir que o usuário do software possa invadir dispositivo informático para “obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita”.
2.15. INVASÃO QUE GERA PREJUÍZO ECONÔMICO (CAUSA DE AUMENTO)
CP. Art. 154-A § 2º Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico.
Essa causa de aumento, que já foi explicada acima, refere-se apenas ao caput do art. 154-A, não podendo ser aplicada para o § 3º.
2.16. INVASÃO QUALIFICADA PELO RESULTADO (QUALIFICADORA)
CP. Art. 154-A. § 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.
Haverá a qualificadora prevista neste § 3º se, com a invasão, o agente conseguir obter o conteúdo de:
a) Comunicações eletrônicas privadas (e-mails, SMS, diálogos em programas de troca de mensagens etc);
b) Segredos comerciais ou industriais;
c) Informações sigilosas (o sigilo que qualifica o crime é aquele assim definido em lei).
Incidirá também a qualificadora no caso de o invasor conseguir obter o controle remoto do dispositivo invadido.
Esse § 3º constitui exemplo de aplicação do princípio da subsidiariedade expressa (explícita), considerando que o próprio tipo penal prevê que não haverá invasão qualificada se a conduta do agente constituir um crime mais grave.
CP. Art. 154-A. § 4º Na hipótese do § 3º, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos.
O § 4º traz uma causa de aumento específica para o delito previsto no § 3º.
Assim, o agente responderá pela pena aumentada se, além de obter, DIVULGAR, COMERCIALIZAR ou TRANSMITIR a outros o conteúdo contido em:
a) Comunicações eletrônicas privadas (e-mails, SMS, diálogos em programas de troca de mensagens etc);
b) Segredos comerciais ou industriais;
c) Informações sigilosas.
Caso o agente pratique o art. 154-A, §§ 3º e 4º o delito deixa de ser de competência do Juizado Especial Criminal, considerando que, aplicada a causa de aumento sobre a reprimenda prevista no § 3º o crime terá pena máxima superior a 2 anos.
2.18. CAUSA DE AUMENTO DE PENA
CP. Art. 154-A. § 5º Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra:
I - Presidente da República, governadores e prefeitos;
II - Presidente do Supremo Tribunal Federal;
III - Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou
IV - dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.
O § 5º traz causas de aumento para os casos em que a invasão de dispositivo informático ocorrer contra determinadas autoridades.
Entendo que essa causa de aumento incide tanto para o crime cometido no caput do art. 154-A como também para a figura qualificada do § 3º.
2.19. AÇÃO PENAL
Art. 154-B. Nos crimes definidos no art. 154-A, somente se procede mediante representação, salvo se o crime é cometido contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços públicos.
REGRA: O crime do art. 154-A, em regra, é de ação penal pública condicionada à representação. Isso se justifica em razão da intimidade e da vida privada serem bens disponíveis e também pelo fato de que a vítima tem o direito de avaliar se deseja evitar o processo judicial e assim se proteger contra os efeitos deletérios que podem advir da divulgação das circunstâncias que envolvem o fato (strepitus iudicii).A depender do caso concreto, a instauração da investigação e do processo penal poderão implicar nova ofensa à intimidade e privacidade do ofendido considerando que outras pessoas (investigadores, Delegados, servidores, Promotor, Juiz etc.) terão acesso ao conteúdo das informações que a vítima preferia que ficassem em sigilo, tais como fotos, correspondências, mensagens, entre outros.
Dessa forma, é indispensável que a vítima ofereça representação para que seja iniciada qualquer investigação sobre o fato (art. 5º, § 4º, do CPP), bem como para que seja proposta a denúncia por parte do Ministério Público.
Exceções: O crime do art. 154-A será de AÇÃO PÚBLICA INCONDICIONADA se for cometido contra:
a) A administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios;
b) Empresas concessionárias de serviços públicos.

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