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Professor Aldair Pereira ECONOMIA BRASILEIRA 1. A ECONOMIA CAFEEIRA A lavoura de café do início do século passado não enfrentou nenhuma crise mais séria de escassez de mão-de-obra. O mercado de trabalho para a produção funcionava adequadamente, pois a questão da mão-de-obra fora resolvida a partir da década de 1870, com a abundante imigração europeia. Além disso, a terra não constituía obstáculo à expansão da produção do café, já que vastas regiões do Estado de São Paulo encontravam-se desocupadas, podendo vir a ser cultivadas no futuro, ainda mais na presença de uma rede ferroviária que se expandia na medida da necessidade de ocupação das terras novas. Assim sendo, a lavoura do café e, portanto, as produções possuíam amplas condições de crescimento no estado, sem enfrentar obstáculos de monta. Em consequência, métodos produtivos rudimentares eram perfeitamente adequados, sem reclamar nenhuma mudança que exigisse absorção de recursos de capital para o prosseguimento dessa empresa, cuja aplicação mais lucrativa encontrava-se na esfera comercial. Visto que a formação da lavoura e a produção de café necessitavam de financiamento, coube ao comerciante ocupar o espaço deixado pela inexistência de vínculos diretos entre o fazendeiro e os bancos. Durante o longo período do século XIX em que a economia cafeeira se assentou sobre o regime de trabalho escravo (e mesmo nas duas décadas seguintes, ao final da escravidão), o mecanismo de financiamento da produção nas lavouras de café vinculava-se profundamente à comercialização do produto. Nesse sistema, adquiriam um papel central os comerciantes (ou comissários) de café das praças de Santos e do Rio de Janeiro, dos quais dependiam, em grande medida, os fazendeiros de café, para: a) realizar seus lucros, com a venda do produto; e b) obter os recursos financeiros necessários à produção. “As relações entre o comerciante e o produtor assentavam principalmente na necessidade de fornecer o primeiro a massa de recursos indispensáveis para o desenvolvimento das operações de cultura a cargo do segundo durante o período da formação dos cafezais e posteriormente na rotação anual das colheitas, com a obrigação taxativa da consignação do produto para a amortização dos adiantamentos e dos ônus que lhes são correlatos. ” 2. ANOS 30 A utilização em massa do trabalho assalariado representou a primeira fase de desenvolvimento do capitalismo no Brasil. A formação do mercado de trabalho assalariado adquiriu um ritmo mais intenso no país depois da falência definitiva do sistema escravista. Na análise desse processo, salta à vista o fato de que, na região de desenvolvimento mais intenso (Sudeste), praticamente até Professor Aldair Pereira a década de 1930, a mão-de-obra assalariada era recrutada preferencialmente entre os imigrantes, embora já houvesse, desde as últimas décadas do século XIX, um grande contingente potencial de trabalhadores assalariados constituído por brasileiros natos. Uma investigação parcial dos recursos de mão-de-obra, efetuada em 1882, demonstrou que de cerca de cinco milhões de pessoas na idade de 13 a 45 anos que viviam nas seis maiores províncias do país — Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Pernambuco e Ceará —, 651 mil, ou 13%, eram escravos. O número de pessoas livres que se dedicavam a qualquer trabalho era igual a 1,4 milhão, ou 29%. As demais, 2,9 milhões, ou 58% de toda a população apta ao trabalho, foram qualificadas como “indivíduos sem ocupação certa”. A abolição da escravatura em 1888 e uma série de cataclismas sociais e econômicos no último quartel daquele século — como a seca catastrófica no Nordeste em 1877-1879 ou a decadência dos cafezais outrora prósperos na província do Rio de Janeiro e a sua transformação em pastagens — resultaram no aumento do número de pessoas que não tinham fontes de rendimentos permanentes para sua subsistência e, muitas vezes, nem sequer domicílio. Foi precisamente nessa época que surgiram, no Rio de Janeiro e em algumas outras cidades do Brasil, as favelas. O que explicaria a necessidade de importação de imigrantes, apesar da existência de tanta mão-de-obra nativa desocupada? Durante 50 anos, de 1880 a 1930, chegaram ao país quatro milhões de imigrantes, a maior parte dos quais se estabeleceu em São Paulo, que era uma espécie de epicentro do desenvolvimento capitalista do país. No final do século XIX, os imigrantes constituíam cerca de metade da população adulta de São Paulo e mais de 10% da população adulta do país. Isso aconteceu, em primeiro lugar, porque milhões de habitantes locais pauperizados, sem ocupação certa, representaram por muito tempo um exército de trabalho sobretudo potencial e não real. O longo domínio do sistema escravista e de outros sistemas arcaicos, a exploração impiedosa e a opressão social que as camadas dos despossuídos, tanto os escravos como os pobres livres, sofreram durante várias gerações mutilaram-nas moral, psicológica e fisicamente. Além disso, o primitivismo dos seus hábitos de trabalho, que se combinava frequentemente com a deficiência física, assim como tradições e costumes que lhes foram inculcados, criavam sérios obstáculos à exploração capitalista da mão-de-obra nacional. A CRISE DE 1930 A Grande Depressão, que atingiu a economia mundial na década de 1930, é considerada o marco fundamental do processo de consolidação da produção industrial brasileira e mesmo latino-americana. Embora o início do processo de industrialização brasileiro remonte às últimas décadas do século XIX, a indústria só viria a se tornar o fator determinante da dinâmica econômica na década de 1930. Após a crise econômica mundial o café deixou de ser o produto que determinava os destinos da economia brasileira, mas por décadas o país ainda continuaria a ter uma produção agrícola superior à industrial. Somente em 1956 a situação se inverteria. Na pauta de exportações, a superação dar-se-ia apenas no início da década de 1970. Professor Aldair Pereira A primeira metade do século XX foi marcada fortemente por três acontecimentos: a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Grande Depressão (1929-1933) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Foram duas guerras imperialistas, que envolveram os países mais ricos do mundo e provocaram destruição em uma escala até então não vivenciada pelos seres humanos. Na visão de respeitados historiadores econômicos, como Eric Hobsbawm, foi o período em que as economias capitalistas atravessaram sua crise mais profunda e terrível. No Brasil, a Revolução de 1930 ocasionou a perda da hegemonia política pela burguesia cafeeira em favor da classe industrial ascendente. O avanço do processo de industrialização no país intensificou-se a partir de então. (Antônio Correa Lacerda) 3. JUSCELINO KUBITSCHEK – PLANO DE METAS Antes mesmo de seu início, o governo de Juscelino Kubitschek enfrentou uma série de dificuldades. As adversidades políticas que marcaram o período entre sua indicação como candidato e sua posse como presidente não deixavam dúvidas quanto à ferrenha oposição que teria pela frente. O novo governo, fruto da aliança PSD-PTB, certamente Convenção do PSD que homologou a candidatura de Juscelino Kubitschek à Presidência da República. 10 fev. 1955. Juscelino Kubitschek acena para o povo. Seria hostilizado por adversários capitaneados pela UDN, para quem Juscelino e Jango representavam a continuação política do ex-presidente Getúlio Vargas. Parecia não existir possibilidade de meio termo para o novo presidente, e por isso mesmo o apoio da opinião pública seria a única forma de garantir sua manutenção no cargo. Era preciso ousar, e JK ousou ao anunciar seu programa de governo – 50 anos de progresso em5 anos de realizações, com pleno respeito às instituições democráticas. Esse ideal desenvolvimentista foi consolidado num conjunto de 30 objetivos a serem alcançados em diversos setores da economia, que se tornou conhecido como Programa ou Plano de Metas. Na última hora o plano incluiu mais uma meta, a 31a, chamada de meta-síntese: a construção de Brasília e a transferência da capital federal, o grande desafio de JK. Não se pode dizer que essa fosse a primeira experiência de Juscelino de governar com base num plano de desenvolvimento. Guardadas as devidas proporções, como governador de Minas Gerais de 1951 a 1955, JK já tinha eleito o binômio energia e transportes como metas de desenvolvimento para a sua gestão. Tanto o plano de governo mineiro quanto o Plano de Metas de Juscelino foram elaborados com base em estudos e diagnósticos realizados desde o início da década de 1940 por diversas comissões e missões econômicas. O último grande esforço de diagnóstico dos entraves ao crescimento econômico brasileiro fora feito pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos entre 1951 e 1953, Juscelino Kubitschek inaugura as novas instalações da fábrica de caminhões Mercedes Benz. São Bernardo do Campo (SP), 28 set. 1956 ainda no governo Vargas. Os Professor Aldair Pereira estudos da Comissão Mista, assim como os do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e os da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), indicavam a necessidade de eliminar os "pontos de estrangulamento" da economia brasileira. Tratava-se de setores críticos que não permitiam um adequado funcionamento da economia. A premissa do Plano de Metas, esboçado pouco antes da posse de JK por uma equipe do BNDE, era, assim, a superação desses obstáculos estruturais. As metas deveriam ser definidas e implementadas em estreita harmonia entre si, para que os investimentos em determinados setores pudessem refletir-se positivamente na dinâmica de outros. O crescimento ocorreria em cadeia. A meta de mecanização da agricultura, por exemplo, indicava a necessidade de fabricação de tratores, prevista na meta da indústria automobilística. Para os analistas da época, o Brasil vinha passando, desde a década de 1930, por um processo de substituição Palestra de Juscelino Kubitschek no Clube Militar. Rio de Janeiro, 21 jul. 1959 de importações não-planejado, e a falta de planejamento seria a causa dos constantes desequilíbrios no balanço de pagamentos. O Plano de Metas pretendia suprir essa falta. A introdução de uma meta de consolidação da indústria automobilística no país tinha como objetivo, entre outras coisas, a redução planejada e gradativa da importação de veículos. Talvez pela consciência que tivesse das dificuldades inerentes à burocracia estatal e dos obstáculos permanentes e inevitáveis impostos pela oposição, JK traçou uma estratégia de ação que se mostraria acertada com relação à administração e à operacionalização do Plano de Metas. Já na primeira reunião de seu ministério, em 1o de fevereiro de 1956, criou um órgão diretamente subordinado à Presidência da República, o Conselho do Desenvolvimento, que iria coordenar o detalhamento e a execução do plano. Tendo como secretário- executivo o presidente do BNDE, e reunindo todos os ministros, os chefes dos gabinetes civil e militar e o presidente do Banco do Brasil, o conselho constituiria uma administração paralela com autonomia de decisão suficiente para viabilizar a realização dos projetos. O conselho foi conduzido, primeiramente, por Lucas Lopes. Quando este deixou a presidência do BNDE para assumir o Ministério de Fazenda, em agosto de 1958, seu lugar foi ocupado por Roberto Campos, que permaneceu até julho de 1959. Dessa data até o final do governo, Lúcio Meira presidiu o BNDE e foi o secretário-executivo do conselho. O Cruzeiro, n.27, 16 abr. 1960 O Conselho do Desenvolvimento recorria a especialistas dos diversos setores previstos no Plano de Metas e também a economistas oriundos de órgãos do governo, como a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc). Atuava através de grupos executivos, aos quais cabia a responsabilidade pela concessão de incentivos ao setor privado para que as metas de que tratavam fossem atingidas. O mais conhecido de todos foi o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA). A coordenação dos investimentos do setor público era atribuição do BNDE. O Cruzeiro, n.27, 16 abr. 1960 O Plano de Metas mencionava cinco setores básicos da economia, abrangendo várias metas cada um, para os quais os Professor Aldair Pereira investimentos públicos e privados deveriam ser canalizados. Os setores que mais recursos receberam foram energia, transportes e indústrias de base, num total de 93% dos recursos alocados. Esse percentual demonstra por si só que os outros dois setores incluídos no plano, alimentação e educação, não mereceram o mesmo tratamento dos primeiros. A construção de Brasília não integrava nenhum dos cinco setores. As metas eram audaciosas e, em sua maioria, alcançaram resultados considerados positivos. O crescimento das indústrias de base, fundamentais ao processo de industrialização, foi de praticamente 100% no quinquênio 1956- 1961. Ministro da Economia, José Maria Alkmim. Ao final dos anos JK, o Brasil havia mudado. Muitos foram os avanços, e muitas foram as críticas à opção de JK pelo crescimento econômico com recurso ao capital estrangeiro, em detrimento de uma política de estabilidade monetária. O crescimento econômico e a manutenção da estabilidade política, apesar do aumento da inflação e das consequências daí advindas, deram ao povo brasileiro o sentimento de que o subdesenvolvimento não deveria ser uma condição imutável. Era possível mudar, e o Brasil havia começado a fazê-lo. (Fundação Getúlio Vargas) 4. PLANO CRUZADO O plano Cruzado foi um plano econômico lançado durante o governo de José Sarney. O plano foi criado em 1986 pelo ministro da Fazenda (Dilson Funaro), o Brasil vivia um grande estado de euforia (grandes inflações, eleições, escassez de alguns produtos...). Foi um ano conturbado, pois em 1985 havia morrido o presidente eleito Tancredo Neves. As principais medidas tomadas pelo plano Cruzado foram: - A moeda corrente brasileira que era o Cruzeiro foi transformada em Cruzado, seguido de sua valorização (O cruzado valia 1000 vezes mais); - Congelamento dos preços em todo o varejo, os quais eram fiscalizados por cidadãos comuns (fiscais do Sarney); - Antecipação do salário mínimo (O governo garantia a antecipação de parte do salário mínimo visando assim estimular o consumo); - Correção automática do salário para acompanhar a inflação. O plano foi um fracasso, principalmente devido a: - O principal motivo de fracasso do plano foi o congelamento de preços, que fez a rentabilidade dos produtores caírem para perto de zero quando não faziam os mesmos ter prejuízo, a falta de mobilidade de preços fez os produtos ficarem Professor Aldair Pereira ausentes dos mercados e até leite não era mais encontrado para se comprar, foi a época em que os consumidores fazerem “estoque” de produtos em casa; - O governo não era responsável o suficiente para controlar seus gastos, além de fazer o país perder grandes quantias de reserva internacional; - A proximidade das eleições fez com que o governo tomasse algumas atitudes populistas, evitando tomar atitudes impopulares para garantir a sobrevida do plano Cruzado. (Brasil Republicano – Economia do Brasil) 5. PLANO BRESSER Nome pelo qual ficou conhecido o conjunto de medidas econômicas lançado pelo ministro da Fazenda Luís Carlos Bresser Pereira em 12 de junho de 1987 com o objetivo de conter a inflação.Desde que assumiu plenamente a Presidência da República após a morte de Tancredo Neves, José Sarney careceu de legitimidade e apoio político para implantar um regime de austeridade necessário para combater a inflação. A substituição do ministro da Fazenda Francisco Neves Dornelles por Dílson Funaro, em agosto de 1985, marcou a opção pelo desenvolvimentismo em detrimento do controle da inflação que, naquele mês, atingiu a taxa mensal de 14%. Diante da escalada da inflação, que chegou a 16,2% em janeiro de 1986, Funaro lançou o Plano Cruzado. Entre fevereiro e novembro de 1986 o congelamento de preços instituído pelo plano reduziu a 1% a taxa mensal de inflação. Quando se lançou o plano, havia uma previsão de que o déficit público, descontada a correção monetária sobre a dívida pública, seria reduzido para apenas 0,5% do PIB e que o congelamento de preços só duraria três meses, prazo supostamente suficiente para eliminar a inércia inflacionária. Mas o sucesso inicial do plano, implantado em ano eleitoral, levou o governo a seguidas concessões que tornaram as políticas monetária e fiscal francamente expansionistas, gerando um notável aumento da atividade econômica e dos salários reais. O congelamento da taxa nominal de câmbio e o aumento da renda provocaram a eliminação do superávit comercial. Apesar dos sintomas inequívocos de inflação artificialmente reprimida, como a valorização de imóveis, o desabastecimento em muitos mercados e a prática de ágio em outros (no mercado paralelo de dólares praticou-se ágio de mais de 90%), a inevitável correção de rumos do Plano Cruzado foi protelada até o dia seguinte às eleições de novembro de 1986. Quando se iniciou a flexibilização do congelamento de preços e da taxa de câmbio, a taxa mensal de inflação decolou do patamar de 1,4% em outubro. Em fevereiro de 1987 planava a 14%. A volta da inflação acionou a Escala Móvel de Salários, instrumento que concedia aos salários nominais correções automáticas toda vez que a inflação acumulada atingia 20%. Restabeleceu-se, desta forma, e com maior intensidade, a indexação generalizada cuja eliminação fora a motivação básica do Plano Cruzado. Em fevereiro de 1987, diante do iminente Professor Aldair Pereira esgotamento das reservas cambiais, o governo Sarney optou por declarar uma moratória unilateral dos compromissos externos do país, por temer o desgaste político de um acordo com o FMI, estigmatizado como responsável pela recessão de 1983. A conjugação de inflação em alta, aumento do desemprego e crise cambial provocou a substituição do ministro Funaro por Bresser Pereira em 3 de maio de 1987. Bresser desvalorizou a taxa de câmbio em 8,5% no dia seguinte à posse e ainda acelerou as desvalorizações diárias, sinalizando um retorno à ortodoxia. Mas a implantação de um novo plano consistente de combate à inflação esbarrava em imensas restrições políticas. O elevado poder de compra dos salários verificado durante o apogeu do Plano Cruzado deveu-se à conjugação de três fatores agora insustentáveis: valorização real da taxa de câmbio, compressão de tarifas públicas e aquecimento da atividade econômica sob regime de congelamento de preços. O esgotamento das reservas cambiais impedia a continuidade da política de valorização cambial; o déficit público, agravado pela defasagem das tarifas públicas, acabaria por provocar expansão monetária; a disposição das empresas de manter o nível de emprego sob regime de preços congelados estava chegando ao fim. O descongelamento da taxa de câmbio, tarifas públicas e preços após a eleição de novembro de 1986 poderia ter gerado apenas uma brusca elevação de preços, sem trazer de volta o processo inflacionário, caracterizado pela elevação sucessiva de preços e salários. Mas isto teria exigido que o descongelamento fosse efetuado sob uma política monetária apertada e que não houvesse um mecanismo automático de correção de salários nominais como a escala móvel. Assim se reduziriam os salários reais pelas forças de mercado, mantendo-se a inflação sob controle. Mas a fragilidade política do governo Sarney impedia a implantação de uma política monetária de forte contenção e, principalmente, a eliminação da escala móvel. Sem as condições necessárias para que o descongelamento se fizesse sem o retorno da inflação, está tornou-se o mecanismo que forçou a queda dos salários reais ao nível em vigor antes do Plano Cruzado. O Plano Bresser pode ser visto como uma tentativa frustrada de conciliar a inexorável redução dos salários reais com a queda da inflação. O plano foi lançado em meados de junho sob condições muito adversas: sem reservas internacionais e em estado de moratória, não podia contar com a valorização cambial para conter preços; a meteórica elevação recente da taxa de inflação sinalizava que os preços relativos estavam muito desalinhados, o que comprometia a eficácia de um novo plano de desindexação; a população, já escaldada pelo fracasso do plano anterior, diante de um eventual novo congelamento não hesitaria em acumular estoques preventivos; a implantação da Assembleia Constituinte, em que os constituintes eram os próprios parlamentares do Congresso regular, minava a capacidade do governo Sarney de obter apoio político para implantar medidas econômicas austeras. Em seu plano, Bresser aliava componentes heterodoxos e ortodoxos. Entre os primeiros destacavam-se o congelamento de preços e salários por 90 dias; e o estabelecimento de um fator de conversão de créditos aplicável a obrigações e títulos emitidos antes do lançamento do plano com valores nominais prefixados. Além dessas medidas, substituiu-se a Escala Móvel de Salários por um Professor Aldair Pereira mecanismo baseado na Unidade de Referência de Preços (URP) que definia a taxa de reajuste mensal dos salários, a vigorar após decorrido o prazo de congelamento, como sendo a média geométrica da inflação observada nos três meses anteriores ao mês de reajuste. Do lado ortodoxo, no momento do lançamento do plano desvalorizou-se a taxa de câmbio em 10,6% e reajustaram-se as tarifas públicas (eletricidade: 45%, telefone: 34%, aço: 32%, combustíveis: 13%). Estes reajustes elevaram a inflação de junho à inédita taxa de 26,1%, que foi expurgada do cômputo da URP daquele mês. Além disso, manteve-se uma política monetária apertada no intuito de conter a formação de estoques especulativos. O congelamento de preços adotado foi menos rígido do que o do Plano Cruzado, como atesta a manutenção de desvalorizações da taxa de câmbio ao ritmo diário de 0,4%. A opção por um congelamento flexível era um sintoma de que Bresser, ao contrário dos criadores do Plano Cruzado, não tinha a pretensão de eliminar a inflação, mas apenas de criar uma trégua para que se implantassem gradualmente reformas destinadas a permitir seu controle efetivo. Após a elevada inflação corretiva de junho, o mês de julho foi promissor: a taxa de inflação caiu para 3,1% e o balanço comercial alcançou superávit de 1,4 bilhão de dólares. Anunciou-se nesse mês o Plano de Controle Macroeconômico, cuja meta era elevar a poupança pública de modo a criar condições para a retomada do crescimento econômico sem pressões inflacionárias. Mas em agosto, quando as primeiras revisões de preços foram autorizadas, a inflação voltou a subir para 6,4%. O descompasso entre a inflação em ascensão e os reajustes salariais definidos pela URV com base na inflação passada inferior à corrente passou a gerar forte queda dos salários reais, levando o governo a ceder a pressões por antecipações de futuros reajustes salariais. A vulnerabilidade política do governo Sarney permitiu que, dentro do próprio governo, as categorias mais mobilizadas conseguissem significativas antecipações de reajustes salariais, contribuindo parao fracasso da tentativa de controlar o déficit público. Os mecanismos de indexação como a URV, embutidos no próprio Plano Bresser por concessão política, e a incapacidade do governo para implantar a austeridade monetária e fiscal acabaram por deixar a cargo da inflação o papel de reduzir os salários reais ao nível compatível com a eliminação do déficit comercial, a contenção do déficit público e a manutenção do emprego. A inflação de dezembro atingiu 14%. Bresser, incapaz de implantar suas propostas na área fiscal, pediu demissão em 18 de dezembro. (MODIANO, E. Ópera; SIMONSEN, M. H. Conjuntura; SIMONSEN, M. H. Inércia.) 6. PLANO VERÃO O Plano Verão foi anunciado em 15 de janeiro de 1989. Foi o terceiro choque econômico e a segunda reforma monetária do Governo Sarney. O mesmo foi elaborado sob a supervisão dos ministros Maílson da Nóbrega, João Batista de Abreu, Dorothea Werneck, Ronaldo Costa Conto. O Plano Verão teve a mesma concepção dos pacotes anti-inflacionários aplicados anteriormente no Brasil e Professor Aldair Pereira em outros países, diferenciado destes apenas na extinção da correção monetária. Foi por meio do recurso constitucional da medida provisória, que dependeu da posterior aprovação pelo Congresso, que o Plano Verão adotou, dentre outras providências: • Congelamento dos preços, serviços e tarifas públicas por tempo indeterminado; • O não realinhamento dos preços dos combustíveis e da energia elétrica. Previa-se um descongelamento lento e gradual a partir do mês de março daquele ano para os preços. O objetivo então era resolver a defasagem e sair do congelamento sem uma explosão de remarcações. E mais: • A extinção da OTN e da URP; • A criação do cruzado antigo; • A desvalorização do câmbio em 16.3805%, ficando congelado. • O dólar americano passou a valer, então, um cruzado novo. • houve a suspensão do processo de indexação da economia por três meses até 15 de abril. • criou-se também a Caderneta de Poupança Reajustada (única); • implementou-se uma política monetária restritiva. • quanto à dívida externa, foram suspensas as operações de ré empréstimo por um ano. Conversões da dívida continuaram, mas os leilões de janeiro de 1989 foram suspensos. Em abril daquele ano o governo criou os Bônus do Tesouro Nacional (BTN), atendendo a reivindicação por um sistema de indexação que pudesse conviver com a inflação que então ressurgia. O BTN seria corrigido pelo índice medido pelo IPC. Por meio da análise das medidas adotadas pelo Plano Verão observou- se que as mesmas geraram uma reação dos capitalistas que largaram os ativos financeiros e tomaram ativos reais. Para se evitar a fuga de ativos financeiros o governo garantiu uma taxa de juros elevada. Os agentes econômicos fugiram dos papéis do governo e pegaram os ativos reais. Como consequência deste fato, o aumento da taxa de juros, no início, fez com que caíssem alguns preços relativos, só que isso perdurou somente até o mês de abril. Dessa forma, a taxa de juros continuou subindo até o mês de maio. Naquele mês, o governo estava com estoque da dívida maior do que no início do plano. Dessa maneira, o congelamento de preços que vigorou nos primeiros meses foi prejudicial devido ao realinhamento dos combustíveis e da energia elétrica, antes de serem congelados. No mês de junho de 1989 algumas das medidas adotadas foram suspensas: a principal foi a volta da correção monetária, que se tornou necessária devido à reescalada do processo inflacionário. (Portal da Educação) Professor Aldair Pereira 7. PLANO COLLOR PLANO COLLOR 1 março DE 1990 Muita especulação ocorreu nos dias anteriores ao plano. Na noite de 13 de março foi decretado feriado bancário o que surpreendeu o país. Esperava-se feriado bancário apenas no dia 15 (sexta-feira), dia do anúncio oficial das medidas adotadas. O feriado foi decidido à última hora e representou apenas uma medida preventiva face ao aumento da intranquilidade no sistema financeiro, mas o anúncio das medidas permaneceu no dia 15. Houve remarcação generalizada de preços, de até 300%. A Folha de São Paulo, de 15 de março de 1990 às fls. B-4 anunciou o vazamento de 15 das medidas integrantes do pacote econômico desde o dia 12 de março para algumas instituições financeiras, ocasionando pesadas movimentações no mercado financeiro. Teria havido saques de US$ 35 bilhões do over. O governo Collor começava sob a égide da fraude. Desde fevereiro estavam ocorrendo transferências de aplicações do over e fundos de curto prazo para as cadernetas de poupança por parte de pequenos, médios e grandes aplicadores. Esta migração poderia ter sido evitada pela equipe econômica de transição, com o estabelecimento de valores máximos para depósito em poupança o que não aconteceu. A não adoção desta prática acabou obrigando também à intervenção sobre as cadernetas de poupança. O Plano Collor I, decretado em 15.03.1990 confiscou US$ 80 bilhões, representando todos os valores depositados em contas bancárias e de poupança superiores e NCz$ 50.000,00 (cerca de US$ 1.200 no câmbio oficial), que ficaram retidos um ano e meio e seriam devolvidos em 12 parcelas mensais. O nome da moeda é trocado de cruzado novo (NCz$) para cruzeiro (Cr$), sem alteração do valor. O over, os fundos e as contas remuneradas o limite seria Cr$ 25.000,00. Os valores seriam devolvidos após 18 meses em 12 parcelas com correção monetária e juros de 6%. O congelamento das contas acabou incluindo as contas correntes e a poupança, até então considerada a mais segura forma de aplicação. Tinha havido dias antes da posse forte movimento de transferência dos recursos de contas de poupança para as contas correntes, o que obrigou a apenas 72 horas antes da posse à decisão de também incluir as contas de poupança no bloqueio, quebrando uma tradição de não intervenção existente desde a criação das cadernetas em 1964. Professor Aldair Pereira Preços e salários foram congelados por 45 dias. Uma tarifação trouxe reajustes de até 70%. A emissão de títulos ao portador foi eliminada. O plano foi decidido devido à conclusão de vários economistas que para acabar com o processo inflacionário era preciso reduzir a liquidez, o excesso de dinheiro na economia. Para derrubar o mercado, decidiu-se fazer algo que nem o mercado imaginasse que pudesse ser feito. Porém para gerenciar o plano, Collor colocou uma professora universitária que não tinha nenhuma experiência em cargos políticos ou de administração pública. Collor acabou fazendo justamente aquilo que dizia que Lula iria fazer e por isso não deveria ser eleito. O objetivo deste confisco era zerar o déficit público que estava previsto para 8% do PIB, ou US$ 31 bilhões em 1990 e obter um superávit de 2%. Porém os mecanismos da ciranda financeira permaneceram vigentes. Os prazos de aplicação não foram alongados, permanecendo o overnight, bem como não foram definidos níveis de remuneração menores para prazos de aplicação mais curtos. Foi adotado o IOF sobre aplicações em ouro, ações, debêntures, CDB e poupança; aumento do IPI em 30% para bebidas. Cancelados todos os incentivos fiscais, inclusive Sudam, Sudene, lei Sarney e ZPEs e fim da isenção do IR para agricultores. No governo determinou-se a redução dos ministérios de 23 para 12, foram fechados 24 órgãos públicos: IBC, IAA, Siderbrás, Portobrás, Funarte, Embrafilme. Carros só para o presidente e ministros e de serviço. O demais seria vendido. Seriam vendidos também as mansões ministeriais, jatinhos e 10.000 imóveis funcionais em Brasília Collor anunciou ainda a extinção de 24 empresas estatais, entre elas o IAA, o IBC e o DNOCS. Para simbolizarsua luta contra os "marajás”, anunciou o leilão de dezenas de mansões do governo em Brasília. Com suas medidas conseguiu desestabilizar a estrutura do Estado brasileiro. 8. PLANO REAL Duas características básicas podem ser identificadas no Plano Real dentro da sequência de tentativas de estabilização da economia brasileira, depois da crise da dívida externa do início da década de 1980. Uma característica foi a intenção deliberada de fugir aos movimentos bruscos e do elemento surpresa que fizeram a glória e o fracasso de seus antecessores, e que atingiram o paroxismo no Plano Collor. A segunda característica foi a insistência da equipe no governo em anunciar o plano como uma estratégia multifásica de estabilização, da qual a Professor Aldair Pereira reforma monetária seria apenas um momento, e não necessariamente o mais importante. Essas duas características tinham o objetivo de desarmar os espíritos dos agentes econômicos, que tinham se habituado a associar programas de estabilização a perdas súbitas de direitos. O comportamento defensivo contra os choques anti-inflacionários exacerbava conflitos e acelerava a inflação ao gerar corrida contra a moeda, aumentando, a cada tentativa, os custos dos programas de choque e diminuindo as chances de sucesso em programas baseados em desindexação. A concepção de uma sequência de etapas permitiria certa flexibilidade para a correção dos erros inevitáveis dos programas de choque, mas, ao mesmo tempo, se tornaria compatível com a construção de uma imagem de serenidade na institucionalização da política econômica, que seria útil para minimizar os custos da estabilização em termos de perdas bruscas de crescimento econômico e de desemprego. A abordagem fiscal A primeira etapa foi a construção de algum espaço para a política fiscal. Diante do irrealismo óbvio que seria tentar fazer uma reforma fiscal de profundidade sem conhecer as necessidades de financiamento do governo por detrás do véu da inflação elevada, optou-se por obter um mínimo de desvinculação entre despesas e receitas orçamentárias a partir da criação do chamado Fundo Social de Emergência (FSE). A segunda foi anunciar uma sequência de reformas que envolveria a Previdência Social, e os componentes administrativo e patrimonial, com a finalidade de construir um horizonte plurianual no qual fosse possível se obter uma redução consistente das necessidades de financiamento inflacionário do governo. A terceira foi a introdução de uma moeda de conta indexada capaz de, através de um mecanismo de operacionalidade simples, permitir uma recuperação mínima da percepção de preços relativos. O processo político A posse de Fernando Henrique Cardoso, como ministro da Fazenda, criou um elemento de serenidade em meio ao pânico dos investidores. A competência técnica da equipe que se juntou ao governo, além, naturalmente, das qualidades de político do novo titular da Fazenda, ajudou a afastar as perspectivas de um novo choque econômico. Só assim pode-se entender como, depois de seis meses de estudos e negociações sobre a proposta orçamentária para 1994, e nove meses depois da posse, o anúncio da etapa de transição com um indexador oficial que servisse de unidade de conta, a chamada Unidade Real de Valor (URV) logrou ser mais um elemento de tranquilidade. Seria feita uma ponte entre a moeda moribunda e uma outra moeda que se pretendia estável e forte. Esta foi vista como uma boa solução para a angústia dos que temiam por mais um Professor Aldair Pereira congelamento demagógico e pernicioso, porém estava longe de ser um programa de estabilização. A comissão especial do Congresso que examinou o programa demonstrou boa disposição para negociar com a equipe econômica, mas na realidade nada foi obtido até o fim do período de revisão constitucional, exceto o FSE, artifício para tornar manejável a execução orçamentária. Com pouco apoio do lado da reestruturação fiscal, o programa de estabilização entraria no ano das eleições gerais em uma trajetória precária de sustentação. A economia em 1993 Por outro lado, as vendas de Natal confirmaram os prognósticos mais otimistas, que apontavam para um nível de atividade mais elevado ao final de 1993. O ano fechou com um crescimento industrial de mais de 8% e um PIB com crescimento da ordem de 5%, deixando tranquilo o presidente Itamar Franco, que passou a ter mais razões para acreditar em sua equipe. Sem recessão, com reservas abundantes e um saldo cambial em dezembro da ordem de três bilhões de dólares, havia segurança para o anúncio dos primeiros passos do novo programa de estabilização. A URV O anúncio da URV, cujo valor foi estabelecido em lei como igual ao do dólar comercial (de forma a facilitar as conversões contratuais ao dólar, em vez de se utilizar uma indexação diária dos pagamentos defasados), como instrumento de uma reforma monetária gradual foi, sem dúvida, a grande inovação do programa de transição. Ao fim da primavera de 1993, analistas econômicos e a imprensa especulavam sobre as medidas drásticas que seriam inevitavelmente tomadas, em decorrência da aceleração de mais de dez pontos percentuais na inflação mensal entre maio e dezembro. Reforma monetária, confiscos, congelamentos e tablitas voltaram à ordem do dia. A equipe econômica lançou e deixou vazar a ideia de que poderia ser feita uma reforma monetária com indexação pelo dólar, sem que houvesse necessidade de choque, nem de dolarização da economia. Bastaria que houvesse um mínimo de consenso de que as condições institucionais para um ajuste fiscal duradouro seriam viáveis e que elas estariam dadas antes de que fossem tomadas medidas para que fosse eliminada a inércia inflacionária. A regra de conversão salarial, contida na Medida Provisória nº 434, que instituiu o programa, foi a melhor defesa dos salários jamais proposta para funcionar no período de transição para a reforma monetária. Isso aconteceu, apesar de ela pôr em risco uma reindexação salarial no novo índice oficial, que implicava a conversão, na nova moeda de conta, da média dos quatro últimos salários percebidos, calculados pela taxa de câmbio na data do recebimento pelo trabalhador. Uma greve que ameaçava paralisar o país foi adiada e a tentativa de acionar uma oposição articulada por parte de alguns sindicalistas não rendeu bons resultados. Professor Aldair Pereira Depois do primeiro susto, a população passou a temer os efeitos da inflação em URV, que ocorreria apenas na medida em que houvesse atraso na correção do câmbio, em presença de aceleração dos preços em cruzeiros reais. Medida pela experiência passada, o atraso era muito pequeno nos 12 meses anteriores, pois o governo procurava ajustar a taxa de câmbio em paralelo à aceleração da inflação, desde a posse do presidente Itamar Franco. Sabia-se que a guerra por um ajuste fiscal para tornar o governo menos dependente da inflação exigiria pelo menos três batalhas: a do orçamento equilibrado, a de flexibilização da execução orçamentária e a das reformas do Estado (Previdência Social, monopólios públicos e equacionamento dos demais passivos pendentes da União). As duas primeiras tinham grande chance de bom êxito. A última, que permitiria que o surto de crescimento pós-estabilização fosse imediatamente convertido em uma nova etapa de crescimento acelerado, teria mesmo que ficar para o mandato presidencial seguinte. Mas o governo perdeu as três batalhas, frustrando as esperanças de uma arregimentação de última hora, que seria feita pelo senador Fernando Henrique Cardoso, que havia deixado o ministério para assumir a candidatura presidencial. As medidas tomadas entre março e junho de 1994 destinavam-se apermitir uma transição suave entre o regime de megainflação e o regime de baixa inflação. No regime de megainflação (uma espécie de hiperinflação reprimida na qual a economia funciona quase normalmente), a chave para um funcionamento quase normal dos negócios é uma atenção crescente para a diferença entre o preço de anúncio e o preço de liquidação das transações. O primeiro é o que está no cardápio dos restaurantes, nas listas dos revendedores e no salário que o trabalhador espera receber no fim do mês, que é impregnado por inflação esperada. O segundo é quanto o freguês paga depois de verificar o desconto, o prazo para o cheque pré-datado, ou o que o trabalhador descobre, no mês seguinte, ao verificar quanto seu trabalho efetivamente compra. Com baixa inflação, algumas dessas regras e práticas geradas para a convivência com uma inflação elevada são irrelevantes (como a de dar descontos para compras à vista ou no cartão de crédito e proteger em fundos de curtíssimo prazo, os chamados FAFs, os saldos monetários utilizados para transação). Outras práticas são simplesmente incompatíveis com a baixa inflação, como a de um varejista vender por um preço à vista menor do que o preço que paga ao atacadista, que era possível, simplesmente, pela diferença de prazos de liquidação entre as duas operações. O regime da URV pretendia justamente permitir que tal transição ocorresse tanto quanto possível por renegociações voluntárias de (novos) preços de liquidação entre as partes. Preços que fossem compatíveis com a baixa inflação sem a necessidade do efeito de coordenação que era atribuído ao congelamento de preços pós-reforma. Foi, desta forma, simulada a dolarização dos preços e contratos sem prender o governo em um regime de taxa de câmbio nominal fixa. Na transição para a inflação baixa, manteve-se constante, em termos reais, a Professor Aldair Pereira taxa de câmbio, coisa que o governo já demonstrara capacidade de fazer desde o final de 1991. O grande feito dessa opção foi viabilizar a transição para a reforma monetária sem controlar preços e com uma interferência mínima nos contratos privados, características que marcaram o fracasso dos programas anteriores. A reforma monetária A reforma monetária foi decretada pela circulação da nova moeda, o real, lançado com o valor equivalente a uma URV, ou seja, 2.750 cruzeiros reais, que era o valor da taxa de câmbio à época do seu lançamento. As medidas tomadas em 1º de julho de 1994 para a concretização da reforma monetária foram bem recebidas pelos analistas. Primeiro, pelo fato de o governo brasileiro poder fazer, logo de saída, uma tripla ancoragem da nova moeda, o real, o que não havia sido possível, por exemplo, ao governo argentino em 1991. O câmbio fixo, dada uma posição de reservas quase oito vezes maior do que dispunham os argentinos, era na realidade um teto, pois os agentes logo perceberam que seriam caras as apostas contra o programa através da busca por moeda estrangeira. O controle do déficit fiscal foi viabilizado durante quase dois anos pelo FSE. Além disso, o artigo 48 da medida provisória, que criou a nova moeda, virtualmente impediu o uso político das despesas do Tesouro, congelando por 90 dias os gastos públicos, proibindo a abertura de créditos especiais no Orçamento, bloqueando os financiamentos e avais do Tesouro e impossibilitando novas operações de crédito interno ou externo, exceto os de rolagem de dívida e de capital de giro. Estabeleceu-se, pela primeira vez desde a criação do Banco Central, uma intenção clara de limitar as emissões da nova moeda, uma vez remonetizada a economia. Este objetivo visava claramente a apoiar a resistência do Ministério da Fazenda contra as investidas de caráter político para gastos parafiscais, que costumam ser freqüentes em ano eleitoral. As três âncoras Os fundamentos do esforço de estabilização da moeda em 1994 basearam-se em uma tripla amarração: o teto para o câmbio permitiu a desindexação, o controle do déficit a curto prazo melhorava as perspectivas fiscais e a adoção de uma política monetária ativa foi anunciada. Foram justificadas as expectativas de que o Real sobreviveria com folga às eleições, e que o novo governo poderia completar as tarefas da estabilização, desfrutando da oportunidade de administrar uma economia com baixa inflação. Em que se baseava a expectativa de que a inflação não retornaria, a menos que o novo governo contribuísse para isso? O teto para a taxa de câmbio estava apoiado numa forte posição de reservas internacionais. A desindexação do câmbio fixo destinava-se a apagar a memória da indexação de curto prazo, e Professor Aldair Pereira viabilizava uma perspectiva de estabilidade para os salários e para os custos em geral, que haviam sido atrelados à URV. Isso neutralizou grande parte das pressões inflacionárias do lado da oferta. Como existia capacidade ociosa na indústria, boa safra colhida e capacidade para importar, houve condições para a economia aguentar alguma inevitável expansão da demanda por bens e serviços, que seria resultante da redução do imposto inflacionário. O equilíbrio macroeconômico requeria que a tendência à elevação da demanda por parte do setor privado fosse acompanhada por um controle da demanda de bens e serviços por parte do setor público, para evitar-se que a expansão do gasto público gerasse espirais de euforia temporária. Foi feito, assim, um esforço para aumentar o controle do déficit fiscal, apesar do fracasso da revisão constitucional em torná-lo permanente. Finalmente, o governo mostrou clara intenção de limitar as emissões da nova moeda, uma vez remonetizada a economia. Fixou limites à expansão da base monetária que implicaram uma monetização nos primeiros três meses cerca de 15% inferior ao que ocorreu no Plano Cruzado. Houve, entretanto, duas grandes diferenças: em primeiro lugar, um depósito compulsório de 100% sobre os depósitos à vista foi instituído para bloquear a oferta de crédito, colocando sob controle do Banco Central a decisão de expandir os empréstimos bancários ao setor privado, sem contingenciamentos, tetos ou restrições artificiais. Comentários finais O terceiro aniversário do Real representou a vitória da tranquilidade sobre o tumulto, assim como o segundo marcou a vitória da coerência diante das pressões para mudar a política, enquanto o primeiro pôde ser celebrado essencialmente pela capacidade demonstrada pelo governo em manter acesa a esperança na estabilização em meio ao turbilhão mexicano. Na passagem do primeiro ano da nova moeda, a crise mexicana ameaçava tornar-se, para muitos analistas, uma grande tempestade latino-americana. A política econômica na Argentina estava pressionada pelos efeitos contracionistas que a perda de reservas internacionais exercia sobre a economia. Naquele momento, o papel de desindexação cambial na estabilização atingia o auge de seu desprestígio. Se a conversibilidade e a paridade fixa do peso argentino ruíssem, o Brasil seria a próxima peça a cair no dominó latino- americano. A política cambial foi relaxada, mas, apostando contra o cenário da contaminação iminente e resistindo às pressões para uma mudança radical de estratégia macroeconômica que trincou a unidade da equipe econômica, o núcleo remanescente da equipe cerrou os dentes e fez uso férreo do recém- adquirido instrumento de controle monetário. Não faltaram, à época, sugestões para que se adotasse a opção chilena: aceitar o gradualismo deflacionista vivido pelo Chile no início dos anos 1980, defendido por muitos como uma rota segura para o crescimento. Professor Aldair Pereira Manter a opção por continuar a baixar a inflação requeria convicção nos instrumentosmonetários, mesmo em presença da deterioração da posição fiscal. O freio monetário baseado nos elevados compulsórios foi uma estratégia que abriu espaço para o financiamento do déficit público, que crescia com a generosidade dos aumentos salariais concedidos no apagar das luzes do governo Itamar Franco. Mas a freada brusca expôs as feridas mortais que o fim da inflação elevada havia infligido ao sistema financeiro. O segundo ano do Real foi, assim, marcado pela crise bancária, que agravou o desgaste do Banco Central e definiu o novo desafio à viabilidade política da estratégia da estabilização. Se havia esperança de alguns governadores na sobrevivência de seus bancos como instrumentos para financiar a expansão dos gastos, ela foi extinta pela notória falência daquelas instituições e pela capacidade demonstrada pela equipe liderada não mais por Pérsio Arida, mas por Gustavo Loiola, o novo presidente do Banco Central, para resistir às pressões e às intrigas. Insistir na estabilização como prioridade significava, à época, resistir às pressões para afrouxar o controle monetário e tentar produzir um cenário de inflação declinante como parte essencial de coerência na política macroeconômica. Apesar dos custos notórios em termos de produção, emprego industrial e desgaste político dentro da aliança governista, o governo pôde comemorar o segundo aniversário do Real redobrando as apostas dos efeitos benéficos da inflação esperada no declínio do segundo semestre de 1996. A verdadeira âncora do Real, que permitia a continuidade do processo de estabilização, era a inflação esperada e, assim, a coerênca dos objetivos e dos instrumentos macroeconômicos utilizados, apesar dos grandes desgastes, foi a marca registrada do segundo aniversário. No terceiro ano ocorreu a recuperação da economia, consolidou-se a inflação esperada em declínio e a combinação de um déficit fiscal menor (embora elevado) com a recuperação econômica permitiu que a confiança crescente nos rumos da economia pagasse dividendos na forma de melhoria da qualidade do financiamento externo. As críticas e as pressões sobre o governo dirigiram-se no terceiro ano para que este encontrasse formas de acelerar o crescimento. Dois desafios foram enfrentados: o primeiro foi manter a tranquilidade diante dos resultados contraditórios do nível de atividade, que era interpretado por muitos como uma recessão prolongada; o segundo foi não perder a calma diante da trajetória do déficit no balanço de pagamentos em conta corrente, empurrada pela deterioração rápida do déficit comercial a partir do segundo semestre de 1996. Sem uma recuperação do nível de atividade que justificasse o crescimento das importações e a abertura de um hiato crescente de financiamento externo aumentavam as pressões, ora para conter a demanda, ora para acelerar as desvalorizações e, no meio do caminho, para restaurar o protecionismo e a Professor Aldair Pereira política industrial baseada na escolha prévia dos vitoriosos. A opção pela tranquilidade dos movimentos suaves e a espera paciente pelos resultados de políticas que levam tempo para surtir efeito — em meio a notórios fracassos em termos dos efeitos das reformas sobre o déficit público esperado — requerem a manutenção das reservas elevadas, e isso tem custos, pois subordina a política de juros à melhoria da qualidade do financiamento externo. A confiança no futuro da estabilização e no crescimento da economia é elemento essencial da manutenção da trajetória de sucesso do Real no seu quarto ano. Para que isso seja possível, o grande desafio do governo é convencer poupadores e investidores, consumidores e trabalhadores de que não precisará de mais inflação no futuro para fechar suas contas. Esta é uma tarefa que só foi conseguida nos últimos três anos à custa de processos que não podem ser mantidos indefinidamente no futuro. Esgotados os limites para o crescimento da dívida pública pelo aumento do mercado cativo, começaram a fluir as receitas das vendas dos ativos. A vitória da privatização como idéia e como fonte de recursos para compensar o fracasso em conter suas despesas não isenta, porém, o governo de encarar o fato de que o problema é reduzir suas necessidades de financiamento. Analisando em retrospectiva percebe-se que uma das características mais destrutivas da experiência inflacionária brasileira foi o efeito dominante da inflação sobre a agenda de discussões nos rumos da política econômica. Tal dominância decorreu precisamente dos mecanismos que permitiram o país funcionar e crescer em ambiente de alta inflação. Depois que tal adaptação mostrou-se ilusória, a partir das mudanças de regras contratuais de correção monetária nos experimentos pós-Cruzado, os mecanismos de defesa contra as mudanças de regras, que invariavelmente têm ocorrido quando a aceleração da inflação ameaça fugir ao controle do governo, aumentaram ainda mais a importância da inflação esperada como variável central para a tomada de decisões econômicas e condicionante dos rumos da política econômica. Ao contrário do que ocorria até a primeira metade da década de 1980, a estabilização da economia foi percebida como essencial para libertar as forças criativas da economia do jogo estéril da inflação e permitir uma mudança nos rumos das discussões acerca das perspectivas do país. Professor Aldair Pereira 9. BIBLIOGRAFIA ACORDA BRASIL. [S.l.] : Ministério da Educação e Cultura, 1995. MODIANO, E. Ópera; SIMONSEN, M. H. Conjuntura; SIMONSEN, M. H. Inércia Antônio Correa Lacerda Portal da Educação Brasil Escola Portal do Administrador LOPES, L. M.; VASCONCELLOS, M. A. S. (Orgs). MANKIW, N. G. Introdução à Economia BATISTA JUNIOR, Paulo Nogueira. Brasil e a Economia Internacional
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