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1 E X P L O R A N D O O I N T E R I O R D A T E R R A - E s t r u t u r a e C o m p o s i ç ã o - Antigos pensadores dividiam o universo em duas partes: o céu, acima, e o inferno, embaixo. O céu era transparente e cheio de luz, e eles poderiam enxergar diretamente suas estrelas e seus planetas vagantes. O solo era opaco, um inacessível mundo inferior da escuridão, fechado para os olhos humanos. Isso já não é o caso hoje. Podemos olhar para o interior da Terra não com os raios de luz das estrelas, mas com as ondas sísmicas e estudos envolvendo rochas vulcânicas e meteoritos. Terríveis abalos dos terremotos podem causar destruição. Essa mesma energia pode, ainda, ser utilizada para “iluminar” as mais profundas camadas da Terra, permitindo-nos construir imagens tridimensionais, por exemplo, dos reservatórios de petróleo na crosta, das correntes ascendentes e descendentes de convecção mantélica e da estrutura do núcleo interno. Nesta discussão exploraremos o interior da Terra até o centro, aproximadamente a 6.370 km abaixo de nossos pés. Além das técnicas de sismologia, serão consideradas informações geológicas de rochas expelidas por erupções vulcânicas e de rochas oriundas dos meteoritos. Serão analisadas as altas temperaturas do interior profundo do planeta e, como conseqüência, o funcionamento interno de dois grandes processos: a convecção do manto, que controla, por exemplo, a tectônica de placas e o geodínamo no núcleo externo de ferro líquido, o qual gera o campo magnético. 2 1. GENERALIDADES Pela teoria mais aceita estima-se que a formação do Sistema Solar teve início há seis bilhões de anos, quando uma enorme nuvem de gás que vagava pelo Universo começou a se contrair. A poeira e os gases dessa nuvem se aglutinaram pela força da gravidade e, há 4,5 bilhões de anos, formaram várias esferas de gases incandescentes que giravam em torno de uma esfera maior, que deu origem ao Sol (Figura 1). As esferas menores formaram os planetas, dentre os quais a Terra. Devido à força da gravidade, os elementos químicos mais pesados como o ferro e o níquel concentraram-se no seu centro, enquanto que os gases foram, em seguida, varridos da superfície do planeta por ventos solares. Assim, foram separando-se camadas com propriedades químicas e físicas distintas no interior do Globo Terrestre, formando-se o núcleo, manto e crosta (Figura 2). Em torno de quatro bilhões de anos atrás, gases do manto separaram-se, formando uma camada de ar ao redor da Terra - a atmosfera - já naquela época muito semelhante à atual. O acesso direto às partes mais profundas da Terra não é possível devido às limitações tecnológicas de enfrentar as altas pressões e temperaturas. O furo de sondagem mais profundo feito até hoje (em Kola, Rússia) atingiu apenas 12 km, uma fração insignificante comparada ao raio da Terra de 6.370 km. Assim, a estrutura e composição interna do planeta só podem ser estudadas de maneira indireta, com análise das ondas sísmicas registradas na superfície, por meteoritos e também através de estudos de rochas vulcânicas. Com respeito ao método sísmico, numa explosão ou num terremoto são liberadas ondas elásticas sísmicas tipos S e P ( Figuras 3). As ondas tipo P (primárias) são denominadas longitudinais e as do tipo S (secundárias) são as cisalhantes ou transversais. Diversos tipos de sismógrafos podem registrar esses dados. A velocidade das ondas P (VP) e a velocidade das ondas S (VS) variam em função das propriedades físicas afetadas, por mudança de pressão, temperatura, grau de fusão parcial, mineralogia e composição. As ondas tipo VS, por exemplo, não se propagam num meio líquido. O estudo das ondas sísmicas definiu três descontinuidades principais no interior da Terra, refletindo mudanças na composição, fase ou ambas. A principal descontinuidade é de Guttenberg, a 2900 km de profundidade, onde ocorre um decréscimo de VP e não transmissão de S, assinalando o limite manto-núcleo. A segunda em importância é a descontinuidade de Mohovicic, situada entre 30 e 50 km nos continentes e 10 a 20 km em regiões oceânicas. Esta é marcada por aumento de VP e VS na passagem crosta-manto. Por fim, tem-se a descontinuidade de Leman, a cerca de 5.200 km com aumento de VP, indicando o limite Núcleo Externo-Núcleo Interno. Levando-se em consideração estas abordagens e estudos complementares, definiu-se que a Terra apresenta-se estruturada em crosta superior e inferior, manto superior, zona de transição, manto inferior, núcleo externo e núcleo interno. 2. CROSTA A base da crosta terrestre é dada pela descontinuidade de Mohovicic. É dividida em crostas continental e oceânica, sendo, efetivamente, o produto de diferenciação de rochas do manto, causado pelo mecanismo de fusão parcial. As crostas continental e oceânica possuem características muito distintas, principalmente no que diz respeito à composição litológica e química, morfologia, estrutural, idade, espessura e dinâmica. CROSTA CONTINENTAL A crosta continental está sendo formada há pelo menos 3,96 bilhões de anos e apresentam estruturas complexas produzidas pelos diversos eventos geológicos que afetaram as rochas após a sua formação. Apresenta espessura muito variada, desde cerca de 30-50 km nas regiões sismicamente estáveis mais antigas (cráton) até 60-80 km nas cadeias de montanhas, tais como os Himalaias na Ásia e os Andes da América do Sul. Em qualquer dos casos a crosta continental vai se adelgaçando a medida que se aproxima da zona de transição com a crosta oceânica. A evidência sísmica mostra que, em algumas regiões cratônicas, a crosta continental está dividida em duas partes maiores pela descontinuidade de Conrad que assinala um ligeiro aumento das velocidades sísmicas com a profundidade e que separa, portanto, rochas de densidade menor na crosta superior de rochas de maior densidade na crosta inferior. 3 Hipocentros de terremotos situam-se a profundidades de até 15 km, marcando a porção crustal referida como crosta superior que possui comportamento rúptil (descontinuidade de Conrad) e a porção crustal inferior que possui comportamento dúctil. O manto superior litosférico também possui comportamento rúptil, ainda que menos rígido que a crosta superior. Este arranjo litosférico tendo uma porção dúctil entre duas porções rígidas é denominado de modelo sanduíche litosférico. Dentre as rochas expostas na superfície dos continentes, encontram-se desde as rochas sedimentares pouco ou não deformadas até as rochas metamórficas que foram submetidas a condições de temperatura e pressão correspondentes às da crosta intermediária ou profunda a mais de 20 km. Podem estar presentes, também, rochas plutônicas que cristalizaram em níveis crustais desde rasos (1-3 km) até profundos. Tanto as rochas metamórficas como as plutônicas estão expostas atualmente pela ação combinada das forças geológicas internas que, entre outras coisas, são responsáveis pelo soerguimento das cadeias montanhosas e das forças externas, como a erosão, que contribui para o desgaste das montanhas, com a exposição de rochas cada vez mais profundas. Essas rochas mais profundas são representadas por rochas ductilmente deformadas. CROSTA OCEÂNICA Há ampla variação das espessuras das camadas e, conseqüentemente, da espessura total da crosta oceânica média apresenta espessura total em torno de 7,5 km, no Oeste do Oceano Pacífico encontram-se alguns platôs oceânicos nos quais a espessura da crosta oceânica alcança de três a quatro vezes a espessura média. Programas de sondagens do assoalho oceânico incluíram alguns furos mais profundos que penetraram até em torno de 1,5 km. 3. MANTOO manto trata-se da camada interna da Terra localizada entre a descontinuidade de Mohovicic e a de Guttenberg (2900 km). As ondas longitudinais (P) e as cisalhantes (S) apresentam um aumento em suas velocidades ao passar pela descontinuidade de Mohovicic. Esta descontinuidade possui espessura de 0,1 a 0,5 km. O manto pode ser dividido em 3 camadas, são elas: manto superior, zona de transição e manto inferior. MANTO SUPERIOR O manto superior estende-se desde a descontinuidade de Mohovicic até cerca de 700 km. Incluem o manto superior litosférico, que é a base da litosfera e o manto superior astenosférico (astenosfera). a. Manto superior astenosférico: é considerada a existência de um importante fenômeno denominado de convecção mantélica (Figura 4) que deve estar intimamente ligada ao movimento dos blocos litosféricos. No entanto, ainda não se podem determinar os limites das células convectivas se estão na astenosfera ou em níveis mais profundo do manto. O fenômeno tem como princípio que uma rocha superaquecida no interior do manto deve sofrer expansão e redução de densidade. Esse processo é capaz de proporcionar à rocha sua ascensão lenta, deslizando de maneira plástica através das rochas ao seu redor, mais densas e menos quentes. O movimento de convecção é promovido muito lentamente, sendo que, de modo comparativo, o ponteiro do relógio move-se um sem número de vezes mais rápido. A porção rochosa superaquecida do manto ao atingir a base da litosfera, encontra uma camada mais rígida que é a placa, podendo passar a movimentar-se horizontalmente, arrastando consigo a placa sobrejacente. Nos locais onde as correntes de convecção se convergem, um limbo descendente de convecção é produzido, e que se daria a zona de subducção. Por outro lado, onde as correntes de convecção se divergem, favorece a geração da zona de acresção nas margens construtivas ou divergentes. b. Manto superior litosférico: o limite manto superior litosférico e astenosfera, entre 50 e 150 km, é marcado por uma zona de baixa velocidade das ondas sísmicas P e S e alta condutibilidade elétrica. Em função da baixa viscosidade dessa zona, é facilitado o deslizamento e deslocamento de blocos litosféricos, diminuindo a fricção. Sua presença é atribuída ao gradiente de temperatura anomalamente alto, sendo hipoteticamente constituída de fusão incipiente de minerais, alinhamento sistemático de minerais e também pela possível presença de água. O manto litosférico é uma importante fonte de fusão para a geração de magmas basálticos, que, em sua maior parte, serão extrudidas como derrames na superfície terrestre, formando extensos pacotes de basaltos em várias regiões do planeta. São basaltos que via de regra mostram evidências geoquímicas de que 4 o manto litosférico é composicionalmente heterogêneo. Essa heterogeneidade é marcada pela presença de basaltos divididos basicamente em dois grupos e identificados na maioria dos grandes derrames basálticos do planeta com base a critérios químicos em função dos teores de elementos químicos, tais como Ti, K, Rb, Ba, Th, U, Y e Zr. ZONA DE TRANSIÇÃO Esta zona estende-se de cerca de 700 km, marcando a base da astenosfera e início do manto inferior. É uma zona caracterizada por diversas mudanças rápidas de velocidades sísmicas. O início da zona de transição é determinado por uma pequena descontinuidade, causando aumento de cerca de 10% de densidade. MANTO INFERIOR Estende-se de cerca de 700 km a partir da superfície, através de uma pequena descontinuidade, até a descontinuidade de Guttenberg (2900 km). É caracterizado pela presença de velocidades sísmicas (P e S) menos uniformes. As ondas de choque indicam que o manto inferior é mais denso que uma mistura de óxidos com composição granada peridotito. Isto pode ser devido a novas mudanças de fase minerais e/ou aumento da razão Fe/Mg no manto inferior. 4. NÚCLEO Trata-se de uma esfera gigante essencialmente metálica com cerca de 1/3 da massa da Terra e do tamanho aproximado do planeta Marte. O núcleo interno encontra-se abaixo de 5200 km, a partir da superfície, logo após a descontinuidade de Leman, com cerca de 2/3 do tamanho da Lua e uma composição próxima a uma mistura ferro e níquel. Possui ondas P com baixa velocidade, sugerindo um material parcialmente fundido. O núcleo externo ocorre entre a descontinuidade de Guttenberg (2900 km) e a descontinuidade de Leman (5200 km). Nesta camada não são transmitidas às ondas tipo S, sendo interpretado como no estado líquido ou mesmo zonado. Experimentos recentes sugerem que a parte externa do núcleo é de 8 a 15 vezes menos denso que o Fe, o que requer a presença de elemento de número atômico pouco abaixo do níquel (Ni), o que poderia ser silício (Si) ou enxofre (S) ou ambos. Se a Terra passou por um estado redutor de alta temperatura de início, o S e outros voláteis seriam perdidos, restando, assim, o Si como o mais provável. Se o fenômeno não ocorreu, haveria, portanto, a possibilidade de haver o S no núcleo externo. 5. MAGNETISMO TERRESTRE Sendo o campo magnético da Terra representado por um dipolo magnético localizado em seu centro, cabe a pergunta – o que poderia causar esse magnetismo? A presença de minerais permanentemente magnetizados nas camadas superficiais da Terra não é suficiente para explicar a intensidade do campo magnético. Além do mais, esses minerais não são suficientemente móveis para explicar as mudanças periódicas na direção e intensidade do campo. A partir das informações da estrutura e composição do núcleo, a teoria viável de geração do campo magnético terrestre é a que trata o núcleo como uma espécie de dínamo auto-sustentável (Figura 5). Este modelo foi desenvolvido por volta de 1950 por Bullard e Eldsasser. Um dínamo é qualquer mecanismo que converte energia mecânica em energia elétrica como aquele utilizado em centrais hidrelétricas. O dínamo da Terra é auto-sustentável porque depois de haver disparado por um campo magnético que poderia ter sido muito fraco (como por exemplo, o próprio campo do sistema solar), continuou produzindo seu próprio campo sem suprimento de campo externo. O líquido metálico do núcleo terrestre, movendo-se de maneira apropriada, agiria como um dínamo, necessitando apenas de um suprimento contínuo de energia para manter o material em movimento. 5 6. O CALOR NO INTERIOR DA TERRA E O GRAU GEOTÉRMICO A radiação solar é a maior responsável pelos fenômenos que ocorrem na superfície da Terra e na atmosfera. Entretanto, a poucas dezenas de centímetros de profundidade, seus efeitos diretos sobre a temperatura terrestre são praticamente desprezíveis e o aumento de temperatura que sentimos ao descermos no interior de uma mina, por exemplo, é somente devido ao fluxo de calor do interior da Terra. Tendo em vista que o curso evolutivo inicial da Terra foi semelhante a dos demais planetas interiores, o processo de acresção planetária se constitui em importante fator de aquecimento do protoplaneta, gerando temperaturas iniciais próximas a 1000oC. Entretanto, são a radioatividade e a conversão de energia gravitacional em térmica, com a formação do núcleo há mais de quatro bilhões de anos, as principais fontes do calor interno. Alguma energia calorífica, derivada dos processos iniciais de formação da Terra, restou, em parte, porque as temperaturas internas são mantidas pelas transformações radioativas de isótopos instáveis. Não considerando os radio elementos de vida curta, presentes nos primórdios da história do planeta, o calor produzido pela desintegração do urânio 238 e 235, do tório 232 e do potássio 40 é responsável pela manutenção de uma dinâmica interna até os dias atuais. A radioatividade liberta calor que, por sua vez, se transforma em trabalho, gerandoforças que movimentam placas litosféricas e erguem imensas cordilheiras. O fluxo de calor no interior da Terra (grau geotérmico) é definido como o produto da variação da temperatura com a profundidade em função da condutividade térmica das rochas das camadas internas da Terra. O conhecimento das variações da temperatura com a profundidade é precário, sendo medidas em furos de sondagem ou no interior de minas. A condutividade térmica também é medida experimentalmente com rochas próximas à superfície e os valores para maiores profundidades acabem sendo inferidos a partir de propriedades físicas obtidas principalmente da sismologia. As altas temperaturas no núcleo (+/- 5000oC), passando para 3400oC no manto inferior, caindo bruscamente para 1200oC na crosta inferior e baixando para 600oC no interior da crosta superior. Esta diminuição de temperatura se explica pela condutibilidade térmica das rochas. Com isso, a média mundial de grau geotérmico é considerada de 1oC/33 m ou 30oC/km. No entanto, existem variações importantes que fogem muito desta média, por exemplo, na Ilha de Marajó, o grau geotérmico é de 1oC/125m; em Caldas Novas (GO) é estimado em 1oC/15m. Contribuições secundárias de calor nos materiais da crosta podem ser também consideradas, como a presença de materiais radiativos, bem como de sulfetos cuja reação com a água libera calor. BIBLIOGRAFIA BÁSICA COMPLEMENTAR LABOURIAU-SALGADO M.L. História Ecológica da Terra. Edgard Blucher, 1994. ODUM, P.E. Ecologia. Editora Guanabara, 1988. PRESS, F.; SIEVER, R.; GROTZINGER, J.; JORDAN, T.H. Para entender a Terra. Bookman Editora, 4ª edição, 2006. SUGUIO, K.; UKO, S.A. Evolução geológica da Terra e a fragilidade da vida. Edgard Blucher, 2003. TEIXEIRA, W.; TOLEDO, M.C.M.; FAIRCHILD, T.R.; TAIOLI, F. Decifrando a Terra. Editora Oficina de Textos, São Paulo/SP, 2000. POPP, J.H. Geologia Geral. Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., Rio de Janeiro, 1995. Disciplina: Geologia Prof. Dr. Vanderlei Maniesi Porto Velho, junho de 2013 6 Figura 1. Estrutura da Terra logo após a formação do núcleo, com sua atmosfera primitiva e partículas. Figura 2. Estrutura da Terra, mostrando em detalhe as diferenças de espessura entre as crostas oceânica e continental. 7 Figura 3. Comportamento das ondas sísmicas P (longitudinal) e ondas sísmicas S (transversal). 8 Figura 4. Correntes de convecção mantélica. Figura 5. Movimento em espiraal dos materiais fuidos do núcleo externo da Terra, gerando forças magnéticas bipolares (norte e sul).
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