Pré-visualização4 páginas
Lei 2.889/1956 \uf07d Embora sempre tenha existido, na História, atos de barbárie adequados ao que se considera atualmente crime de genocídio, a preocupação internacional de estabelecer mecanismos jurídicos para sua prevenção e repressão só surgiu ao fim da 2ª Guerra Mundial, como reação aos atos de extermínio levados a cabo pelos nazistas no período de 1941 a 1945, notadamente contra os judeus, poloneses e ciganos. \uf07d O próprio termo genocídio é um neologismo criado nessa época (1944) pelo polonês Rafael Lemkin, sobrevivente das perseguições raciais dos nazistas, professor de Direito Internacional da Universidade de Yale, obtido, para alguns, da junção do vocábulo grego genos (gente, grupo humano) e do sufixo latino cidio (matar), e para outros, dos lexemas latinos genus (raça, povo) e excidium (destruição, exterminação). \uf07d Esta última concepção, tendo em conta que o genocídio, como conceituado na Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio da ONU, de 09.12.1948, não se restringe à ação de matar, delineia-se mais adequada. \uf07d A doutrina, na esteira dos conceitos adotados pela Convenção de 1948, concebe o genocídio como a prática de determinados atos, definidos em lei, finalisticamente dirigidos à destruição, total ou parcial, de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso enquanto tal. \uf07d Há posições divergentes sobre a questão do bem jurídico tutelado nos tipos de genocídio. Podem-se identificar três correntes de opinião: \u25e6 As que defendem a proteção de um bem jurídico coletivo, cujo substrato ideológico é o reconhecimento da diversidade humana e a inadmissibilidade de nela radicar qualquer critério de inferioridade ou superioridade racial, étnica, nacional ou religiosa; \u25e6 As que vêem no crime de genocídio a tutela de bens jurídicos individuais, de que são titulares cada qual dos membros do grupo atingido; \u25e6 e, enfim, os que preconizam tratar-se de delito pluriofensivo, que tem como objetividade jurídica imediata o bem individual (vida, integridade física, liberdade, etc) e, de forma reflexa, o bem jurídico coletivo consistente no direito do grupo à existência na diversidade. \uf07d Perfilha-se o entendimento de que o crime tem por objeto bem jurídico de caráter supra- individual, consubstanciado na idéia de diversidade e pluralidade como direitos inerentes à própria dignidade humana. O bem jurídico protegido nos tipos da Lei 2889/56 é o direito à existência de grupos humanos, independentemente de raça, etnia, nacionalidade ou religião já que o genocídio se consubstancia na própria negação desse direito. Trata-se, portanto, de bem jurídico supraindividual. \uf07d Nessa esteira, o STF, no julgamento do R.E. n° 351487-RR, que tinha por objeto delito de genocídio contra a tribo Yanomami da Comunidade Haximu, em Roraima, pronunciou-se no sentido de que a objetividade jurídica nesse crime é a \u201ctutela penal da existência do grupo racial, étnico, nacional ou religioso, a que pertence a pessoa ou pessoas imediatamente lesionadas\u201d, cuidando-se de delito de \u201ccaráter coletivo ou transindividual. Crime contra a diversidade humana\u201d. \uf07d Sujeito ativo de qualquer das condutas descritas nos tipos incriminadores da Lei 2.889/56 é qualquer pessoa. Delito unissubjetivo, pode ser cometido por um só indivíduo; sem olvidar, contudo, que no genocídio é marcante a pluralidade de agentes, os quais geralmente estão ligados às forças de repressão de determinado grupo detentor do poder político e/ou militar. \uf07d De se ressaltar que só a pessoa física, não a jurídica, poderá figurar como agente do crime, tanto em razão do que estabelecem os artigos IV e V da Convenção de 1948, que mencionam pessoas culpáveis, como porque, \u201cdo ponto de vista penal, a capacidade de ação, de culpabilidade e de pena exige a presença de uma vontade, entendida esta como faculdade psíquica da pessoa individual, que não existe na pessoa jurídica\u201d. \uf07d Não pode ser agente o próprio membro do grupo cuja extinção se pretende, porquanto, o extermínio em massa de pessoas da mesma nacionalidade poderá consubstanciar crime contra a humanidade, mas não genocídio, quando a intenção não seja acabar com esse grupo, e sim com aqueles integrantes dele que se apresentem como dissidentes, de modo que o grupo vitimado já não o é em razão de sua nacionalidade, etnia ou religião, mas por sua oposição ideológica ao agente. \uf07d De se observar que no crime do artigo 2° da Lei 2889/1956, modalidade especial de crime de quadrilha ou bando, delito de concurso necessário, só se perfaz o tipo com a convergência de mais de três pessoas, isto é, exigem-se ao menos quatro integrantes na associação. \uf07d Em quaisquer dos crimes definidos nos artigos 1°, 2° e 3°, da Lei 2889/1956, incide uma majorante de 1/3 (um terço) da pena se o agente for governante ou funcionário público, por força do disposto no artigo 4°; o que se justifica em razão da maior magnitude do delito em tais casos. \uf07d Sujeito passivo direto e imediato do crime \u2013 que se confunde também com seu objeto material \u2013 é a pessoa, o membro da coletividade que se busca extinguir e sobre o qual recaia a conduta do agente, e sujeito passivo mediato é o gênero humano e, especificamente, os grupos nacionais, étnicos, raciais ou religiosos cuja existência na diversidade se busca proteger. \uf07d A Convenção de 1948, em seu artigo II, relacionou \u2013 o que é repetido no artigo 1° da Lei 2.889/1956 \u2013 como destinatários da proteção jurídica os grupos nacionais, étnicos, raciais ou religiosos, como tais, excluindo deliberadamente os grupos políticos, cuja inclusão fora inicialmente aventada. \uf07d Nem a Convenção nem a Lei brasileira definem o que seja grupo nacional, grupo étnico, grupo racial ou grupo religioso, de modo que tais expressões revelam-se elementos normativos extrajurídicos e o propósito teleológico da lei permite afirmar que o que é relevante é a existência de uma coletividade como objeto do crime, \u201ces decir, de una colectividad humana dotada de cierta estabilidad y señas comunes de identidad\u201d. \uf07d Tem-se como grupo nacional aquele constituído de pessoas, ocupantes ou não de um mesmo Estado, vinculadas por unidade de origem, de território, idioma, costumes, cultura e aspirações coletivas; em síntese, \u201cum grupo de pessoas unidas por laços naturais e portanto eternos \u2013 ou pelo menos existentes ab immemorabli \u2013 e que, por causa destes laços, se torna a base necessária para a organização do poder sob a forma do Estado nacional...\u201d. \uf07d Entretanto, tal definição não é completa nem fechada, havendo grupos nacionais com certas diversidades culturais e até de línguas \u2013 vejam-se os diversos dialetos italianos \u2013 assim como composto de membros esparsos por vários territórios, como era o caso dos judeus antes da criação do Estado de Israel, etc. \uf07d Pode-se, entretanto, afirmar que o vínculo que integra o grupo nacional é preponderantemente de ordem sócio-cultural, e não biológica ou antropológica. \uf07d Grupo étnico, por sua vez, \u201cé um conjunto relativamente estável de indivíduos que mantém continuidade histórica porque se reproduz biologicamente e seus membros estabelecem entre si vínculos de identidade social distinta, a partir do que se assumem como uma unidade política (real ou virtual, presente ou passada), que tem direito exclusivo e controle de um universo de elementos culturais que consideram próprios\u201d. \uf07d Grupo étnico e grupo racial são conceitos que se entrelaçam, porque seu ponto de convergência são homogêneas características biológicas, como laços de sangue, genéticos, de anatomia, cores da pele e dos olhos, traços físicos, etc. \uf07d Por isso, é muito difícil uma precisa distinção entre raça e etnia, sendo comum que os léxicos os tratem como sinônimos, devendo-se destacar, ademais, que \u201cla pureza racial es algo