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1º PERÍODO ARTE E CULTURA POPULAR AUTORAS Maria Generosa Ferreira Souto Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, mestre em Letras: Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, especialista em Língua Portuguesa, especialista em Educação Básica, especialista em Educação Especial Inclusiva. especialista em Literatura Luso-brasileira e graduada em Licenciatura Plena em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUCMinas. Atualmente é professora titular da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes e designada do Instituto Superior de Educação de Montes Claros. É organizadora da Revista - Vínculo da Unimontes. É conselheira efetiva do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão – Cepex da Unimontes. Mona Lisa Duarte Mestre em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes, especialista em Comunicação, Estratégias e Linguagens pela Unimontes e graduada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUCMinas. Atualmente é professora do Centro Regional de Estudos em Ciências Humanas - Crecih e das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros – FIPMoc. SUMÁRIO DA DISCIPLINA Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 367 Unidade I: Cultura: um signo plural de inesgotável travessia . . . . . 371 1.1 Todo mundo tem cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 371 1.2 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 392 1.3 Vídeos sugeridos para debate . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 393 Unidade II: Cultura popular: a festa popular do artesanato e as diversas manifestações regionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 394 2.1 As festas populares somos nós mesmos . . . . . . . . . . . . . . . 394 2.2 Festas religiosas às margens do Jequitinhonha e do São Francisco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 404 2.3 Arte popular: mãos modeladoras, corpos que falam . . . . . 411 Unidade III: Manifestações do folclore nos Vales do Jequitinhonha e do São Francisco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 416 3.1 Compreendendo ps signos da “tradição” e do “folclore”. . . 416 3.2 Principais características do folclore . . . . . . . . . . . . . . . . . 424 3.3 O que diz a Constituição de 1988 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 424 3.4 Lendas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 436 Unidade IV: Cultura popular: de povo à massa . . . . . . . . . . . . . . . 465 4.1 Povo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 465 4.2 Cultura popular na idade média e no renascimento . . . . . . 468 4.3 A massa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 470 4.4 . . . . 471 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 483 Referências básica, complementar e suplementar . . . . . . . . . . . . 487 Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 493 2.4 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 415 3.5 Casos ou “causos”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 437 3.6 Anedotas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 438 3.7 Folclore poético. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 439 3.8 Folclore Linquístico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 452 3.9 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 464 A intermediação dos meios de comunicação de massa 4.5 Folkcomunicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 473 4.6 Arte e a indústria cultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 474 4.7 Adorno e a indústria cultural. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 474 4.8 Walter Benjamin e a responsabilidade técnica da arte. . . . . 478 4.9 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 480 Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Unidade I: Cultura: um signo plural de inesgotável travessia . . . . . . 17 1.1 Todo mundo tem cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 1.2 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 1.3 Vídeos sugeridos para debate . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Unidade II: Cultura popular: a festa popular do artesanato e as diversas manifestações regionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 2.1 As festas populares somos nós mesmos . . . . . . . . . . . . . . . . 40 2.2 Festas religiosas às margens do Jequitinhonha e do São Francisco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 2.3 Arte popular: mãos modeladoras, corpos que falam . . . . . . 57 Unidade III: Manifestações do folclore nos Vales do Jequitinhonha e do São Francisco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 3.1 Compreendendo ps signos da “tradição” e do “folclore”. . . . 62 3.2 Principais características do folclore . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 3.3 O que diz a Constituição de 1988 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 3.4 Lendas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 Unidade IV: Cultura popular: de povo à massa . . . . . . . . . . . . . . . 111 4.1 Povo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111 4.2 Cultura popular na idade média e no renascimento . . . . . . 114 4.3 A massa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 4.4 . . . . 117 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 Referências básica, complementar e suplementar . . . . . . . . . . . . 133 Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139 2.4 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 3.5 Casos ou “causos”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 3.6 Anedotas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 3.7 Folclore poético. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 3.8 Folclore Linquístico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 3.9 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110 A intermediação dos meios de comunicação de massa 4.5 Folkcomunicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 4.6 Arte e a indústria cultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120 4.7 Adorno e a indústria cultural. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120 4.8 Walter Benjamin e a responsabilidade técnica da arte. . . . . 124 4.9 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126 APRESENTAÇÃO 367 Caro(a) cursista, Seja bem-vindo(a) à disciplina ARTE E CULTURA POPULAR, com uma Carga Horária de 90 horas/aula, cuja ementa propõe a investigação sobre as manifestações populares; busca da compreensão sobre o folclore e suas diversas manifestações regionais; reflexão sobre a arte e o povo, e a cultura de massa. A disciplina tem como objetivo geral desenvolver a percepção e a sensibilidade do acadêmico a partir da arte, do folclore, da cultura de massa e da cultura popular, de modo a fazer pleno uso destas aprendizagens no contexto da sua futura práticapedagógica. É necessário tecer considerações acerca da Arte e da Cultura Popular, do ponto de vista antropológico. Procuramos proporcionar-lhe uma visão geral da arte e da cultura popular, fornecendo-lhe a base que fundamentará e motivará suas práticas pedagógicas na utilização do rico patrimônio imaterial do Brasil e da região norte das nossas Gerais. Nela você encontrará noções básicas para compreender o folclore no Brasil, em Minas Gerais e, principalmente, o folclore regional, interpretado como manifestações culturais tradicionais, entendendo a noção de cultura popular definida pelo Centro Popular de Cultura em termos exclusivos de transformação, revivescendo o norte de Minas Gerais e o Vale do Jequitinhonha. Sabemos que a Pluralidade Cultural é um dos temas transversais propostos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN/MEC). Como a sociedade brasileira é formada por diversas etnias, a pluralidade cultural é um tema especialmente importante. O desafio é respeitar os diferentes grupos e culturas que compõem o mosaico étnico brasileiro, incentivando o convívio dos diversos grupos e fazer dessa característica um fator de enriquecimento cultural. Com base nos PCNs, a disciplina objetiva estudar os temas da cultura e da arte popular, dos mais variados, desde a representação do sagrado e místico, como nas figuras de santos e ex-votos, passando por cenas do cotidiano, como nas esculturas de cerâmica ou madeira, até nas indumentárias e artefatos de festas folclóricas, como no Bumba-meu-boi, Festa dos Reis dos Temerosos (ou Cacetes); Festa do Divino Espírito Santo; Festas de Agosto, Festa dos Catopés e Festa de São Gonçalo de Amarante, no Vale do São Francisco. Trataremos, ainda, de apresentar as manifestações populares enquanto um conjunto de costumes, de tradições, de usos da arte do povo, das festas religiosas, das danças, dos mitos, dos causos, das lendas, das 368 paremiologias, dos provérbios, dos ditados, das quadrinhas, das mnemonias, dos desafios e repentes, do artesanato e das manifestações artísticas regionais, tudo isso que ainda se encontra preservado através da tradição oral, por um povo de um país ou região. Dentro do estudo da arte, a arte popular tem sido encarada como a “prima pobre” da arte erudita, devido à sua origem junto a comunidades consideradas “sem instrução”. As manifestações da arte popular como o artesanato, a cerâmica em argila, as peças de madeira, as xilogravuras na literatura de cordel etc. têm sido consideradas como “artes menores” em relação à arte erudita e as pessoas que produzem esse tipo de arte não são reconhecidas como artistas e, sim, como artesãos. Porém, Roger Chartier (1995) defende que a cultura popular é uma categoria erudita, ressaltando que “Queira-se ou não, esta categoria leva a perceber a cultura que ela designa como tão autônoma quanto as culturas longínquas e como situada simetricamente em relação à cultura dominante, letrada, elitista, com a qual forma um par” (CHARTIER, 1995, p.13). As informações abordadas serão fundamentais na discussão dos principais conceitos de cultura e de folclore, elaborados pela Antropologia. É indiscutível que o conhecimento científico estimula a atitude crítica e, por isso, mesmo, em boa medida, contribui para o exercício da cidadania nas sociedades contemporâneas. Ao assim proceder, a Arte e a Cultura Popular, como código simbólico, apresenta-se como dinâmica viva. Todas as culturas estão em constante processo de reelaboração, introduzindo novos símbolos, atualizando valores, adaptando seu acervo tradicional às novas condições historicamente construídas pela sociedade. Dessa forma, no sentido antropológico do termo, afirmamos que todo e qualquer indivíduo nasce no contexto de uma cultura e, ao longo de sua vida, ajuda a produzi-la, cada qual a seu modo, no jeito simples de ser da coletividade. Por isso, chamaremos de pluralidade cultural, que sem dúvida, todos vivemos, ensinamos e aprendemos. É trabalho de valorização de características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais que convivem no território brasileiro Quanto à Metodologia, significativamente você vai perceber que a temática das Artes e da Cultura Popular é muito importante para a investigação do processo educacional. Evidentemente, buscamos evidenciar nesta disciplina que o conhecimento da Pluralidade Cultural na escola habilita o educador a compreender a sua função e, sobretudo, a orientar convenientemente a análise do patrimônio imaterial, dos valores, da alteridade, da sensibilidade, da intencionalidade, da memória, da cidadania e do respeito. Assim, você, acadêmico de Artes Visuais, deverá ter em mente que a disciplina é muito importante para sua formação humanística/ artística/científica, para compreensão da relevância de se estudar, valorizar e respeitar a diversidade sociocultural no processo educativo perpassado pelos ensinos fundamental e médio. Várias sugestões serão oferecidas em Apresentação UAB/Unimontes 369 cada unidade a ser desenvolvida, tais como: orientações de estudo, leituras para aprofundamento, temas para os fóruns e chat's, vídeos, links para sites relacionados com o tema da disciplina, atividades a serem realizadas na semana presencial, atividades práticas, atividades para os seminários. Esta disciplina apresenta quatro unidades. Cada unidade está dividida em subunidades: Unidade I: Cultura - um signo plural de inesgotável travessia Unidade II: Cultura Popular - a festa popular do artesanato e as diversas manifestações regionais Unidade III: Manifestações do folclore nos Vales do Jequitinhonha e São Francisco Unidade IV: Cultura Popular - de Povo à Massa Quanto às Avaliações, você realizará: Avaliação de Aprendizagem (AA), ao final de cada unidade; Avaliações On-line (AO) e Avaliações Semestrais (AS), através de questões reflexivas ao longo do período, observando os temas tratados e os objetivos propostos. Você deverá perceber que as questões para discussão e reflexão são muito importantes, e acompanham o texto, bem como as sugestões para o ambiente de aprendizagem, ao fórum, acesso a bibliotecas virtuais na web, etc. As sugestões e dicas estão localizadas junto ao texto, aparecendo com os seguintes itens: Artes Visuais Caderno Didático - 1º Período C A B F EGGLOSSÁRIOATIVIDADES DICAS PARA REFLETIR A leitura dos textos complementares indicados também é importante, uma vez que indicam os possíveis desenvolvimentos e ampliações para o estudo e a discussão. São recursos que podem ser explorados de maneira eficaz por você, pois visam a promover atividades de observação e de investigação que permitam desenvolver competências e habilidades próprias da análise antropológica e exercitar a leitura e a interpretação de fenômenos sociais e culturais. Nessa discussão estamos interessados em sua valorização profissional e em incentivá-lo(a) a aplicar o apreendido em sua prática imediata, além de utilizar vídeos e TV para a sua formação continuada. Ao planejar esta disciplina consideramos que estas questões e sugestões seriam fundamentais, de forma que familiarize o acadêmico, gradativamente, com a visão e os procedimentos próprios da disciplina. 370 Desejamos a você sucesso no estudo e na sua prática pedagógica. Esperamos que você tenha êxito nos estudos e que possa integrar cada vez mais a cultura à prática pedagógica. Leia tudo, abra espaços para a interação com os colegas, faça questionamentos e construa leituras críticas. Agora é com você. Bom estudo! As autoras. Arte e Cultura Popular UAB/Unimontes 371 1UNIDADE 1CULTURA: UM SIGNO PLURAL DEINESGOTÁVEL TRAVESSIA 1.1 TODO MUNDO TEM CULTURA Caro cursista, nesta primeira unidade você conhecerá uma vasta discussão em torno do signo “Cultura” e os seusdiferentes significados, importantes para a sua travessia, nesta disciplina que ora se inicia. São tecidas algumas definições de cultura, para que você possa compreender no que consiste a disciplina, e melhor relacioná-la à Cultura Popular, e compreender as relações com a cultura de massas e a indústria cultural, que serão estudadas nas próximas unidades. Acompanhe a leitura atentamente e verá que na lateral do texto há dicas de estudo, glossário, reflexão e atividades propostas. Nessa discussão estamos interessadas em sua valorização profissional e em incentivá-lo(a) a aplicar o aprendido em sua prática imediata. Objetivos específicos: ?apreender os vários conceitos de cultura; ?avaliar as concepções de culturas erudita, popular e de massa; ?compreender a tradição X transformação das mafinestações de arte; ?analisar os signos povo, arte, folclore e cultura popular; e ?perceber o caráter estético da produção artística na sociedade contemporânea. Toda disciplina acadêmica possui conceitos essenciais que devem ser bem assimilados pelos estudantes a fim de que compreendam melhor os temas propostos. Para que o diálogo sobre “arte e cultura popular” seja mais produtivo, você deve apreender alguns assuntos associados a essa discussão, tais como: os conceitos de cultura, folclore, tradição, cultura de massa e outros. Após conhecer os estudos produzidos sobre os temas relacionados à disciplina, você deverá ser capaz de construir e reconstruir problematizações próprias. O primeiro conceito a ser apresentado será o de “cultura”. A palavra deriva do verbo latino colere, sendo inicialmente o ato de cultivar e cuidar da terra, agricultura. Por extensão, associa-se aos cuidados com a criança e sua educação. Também se estendia ao cuidado com os deuses, o culto (CHAUÍ, 1986, p. 129). Há uma flagrante analogia entre as etapas do cultivo de um terreno e a formação da cultura humana. Com efeito, a cultura de um terreno pressupõe sua limpeza de toda sujeira e ervas daninhas, a aragem e o cultivo dos vegetais desejados. Algo análogo se passa com a formação da cultura dos homens e dos povos. Antes de mais nada, a boa cultura exige que se limpem as inteligências de todos os erros e falsas opiniões - ervas daninhas de nossas 372 Arte e Cultura Popular UAB/Unimontes mentes - que comprometem tudo o que nelas venha a ser plantado. Após, será preciso "arar" nossas inteligências, habituando-as a pensar. Gradativamente, a “cultura” vai se distanciando da natureza e se aproximando dos atos humanos. Essas ações humanas elevam o homem a estágios civilizacionais superiores. Por isso, a “cultura” é vista como conhecimentos adquiridos através de indagações racionais para que se “evolua” cada vez mais. Nesse sentido é que se diz que “fulano tem cultura”, e “sicrano não tem”; ou que “os índios estão num estágio cultural atrasado”, enquanto a “Europa é culturalmente superior”. É fácil perceber o quanto existe de preconceito na utilização do termo com esse sentido, no qual se percebe sentimentos de superioridade entre os povos e as pessoas. O significado de cultura mais antigo aborda o refino, a boa educação, a formação intelectual e humana, tem a sua correspondência nos gregos e latinos, ligado a educação do homem como tal, isto é, a educação às “boas artes” próprias do ser humano e que o diferenciam de todos os outros seres animados. A cultura na Grécia antiga é a procura e a realização que o homem faz de si, fortemente filosófica. A busca por um novo sentido para a “cultura” partiu principalmente da antropologia e é fundamental para os estudos da cultura popular. Sob esta perspectiva não há homens sem cultura. Além disso, “permite comparar culturas e configurações culturais com entidades iguais, deixando de estabelecer hierarquias em que inevitavelmente existiriam sociedades superiores e inferiores (DAMATTA, 1986, p. 127)”. Ao iniciarmos o debate, é interessante que você atente-se à definição pioneira de Edward Burnett Tylor, sob a etnologia, (ciência relativa especificamente do estudo da cultura). A cultura, no entanto, seria “o complexo que inclui conhecimento, crenças, arte, morais, leis, costumes e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Portanto, corresponde, neste último sentido, às formas de organização de um povo, seus costumes e tradições transmitidas de Figura 01: Lavradores. Antropologia é um campo de estudo das ciências sociais que busca compreender o homem. A antropologia social é o estudo do Homem enquanto produtor e transformador da natureza. (DAMATTA, 1987, p. 32) C A B F EGGLOSSÁRIO 373 Artes Visuais Caderno Didático - 1º Período geração para geração que, a partir de uma vivência e tradição comum, se apresentam como a identidade desse povo. O comportamento dos indivíduos depende de um aprendizado, de um processo chamado endoculturação ou socialização. Pessoas de raças ou sexos diferentes têm comportamentos diferentes não em função de transmissão genética ou do ambiente em que vivem, mas por terem recebido uma educação diferenciada. Assim, podemos concluir que é a cultura que determina a diferença de comportamento entre os homens. O homem age de acordo com os seus padrões culturais, ele é resultado do meio em que foi socializado. Para Edward Tylor (1871),Cultura é o todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade.Tylor foi o primeiro a formular o conceito de cultura do ponto de vista antropológico da forma como é utilizado atualmente. Ele enfatizou a idéia do aprendizado na sua definição de cultura. Para Burke (1989), houve uma ampliação do conceito em tempos mais ou menos recentes. Escreve o historiador que até o século XVIII, o termo cultura tendia a referir-se à arte, à literatura e música (...), hoje contudo seguindo o exemplo dos antropólogos, os historiadores e outros usam o termo "cultura" muito mais amplamente, para referir-se a quase tudo que pode ser apreendido em uma dada sociedade, como comer, beber, andar, falar, silenciar e assim por diante (BURKE,1989:25). O tempo passa e Malinowski (1965) afirma que a cultura não é estática e que acompanha as modificações da sociedade; desta forma conclui-se que a organização formal é dinâmica e assim se transforma de acordo com as interações sociais. A necessidade de encontrar os significados das relações entre os elementos da cultura de uma organização e que dão sentido ao quotidiano das mesmas justifica o apelo ao estruturalismo, do qual Geertz (1989) é um dos representantes. Para Geertz (1989: 15) o conceito de cultura é essencialmente semiótico, que vem de encontro com o pensamento de Max Weber, quando diz "que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu". Geertz concebe a cultura como uma "teia de significados, ressaltando " que o homem tece ao seu redor e que o amarra. Essa teia orienta a existência humana. A cultura, segundo Geertz (1989), é pensada como sistema simbólico, claramente possível pelo isolamento histórico de grupos humanos, expressa as relações próprias da comunidade, passando por gerações, até caracterizar-se por um sistema integrado de ações conjuntas, identificadas por sua ideologia, crenças, expressões, formas de ser e estar. Já Bourdieu (1989) sustenta a construção coletiva totalmente influenciada pela representação explícita e da expressão verbal. Interpretar as culturas significa interpretar símbolos, mitos, ritos. Na verdade, Tylor formalizou uma idéia que vinha crescendo desde o iluminismo. John Locke, em 1690, afirmou que a mente humana era uma caixa vazia no nascimento, dotada de capacidade ilimitada de obterconhecimento, através do que hoje chamamos de endoculturação. PARA REFLETIR Acesse o Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo (USP): www.n-a-u.org/indexb.html. DICAS 374 Arte e Cultura Popular UAB/Unimontes À luz da Filosofia, a cultura é o resultado dos modos como os diversos grupos humanos foram resolvendo os seus problemas ao longo da história. Cultura é criação. O homem não só recebe a cultura dos seus antepassados como também cria elementos que a renovam. A cultura é um fator de humanização. O homem só se torna homem porque vive no seio de um grupo cultural. A cultura é um sistema de símbolos compartilhados com que se interpreta a realidade e que conferem sentido à vida dos seres humanos. Em Ciências Sociais, cultura apresenta-se como o aspecto da vida social que se relaciona com a produção do saber, da arte, do folclore, da mitologia, dos costumes, bem como à sua perpetuação pela transmissão de uma geração à outra. Para a Sociologia, o conceito de cultura tem um sentido diferente do senso comum. Sintetizando, simboliza tudo o que é aprendido e partilhado pelos indivíduos de um determinado grupo e que confere uma identidade dentro do seu grupo de pertença. Não existem culturas superiores, nem culturas inferiores pois a cultura é relativa, designando-se em sociologia por relativismo cultural, isto é a cultura do Brasil não é igual à cultura portuguesa, por exemplo: diferem na maneira de se vestirem, na maneira de agirem, têm crenças e valores distintos. Enquanto que na Antropologia, entende-se a cultura como o totalidade de padrões aprendidos e desenvolvidos pelo ser humano. Nessa visão antropológica, pode-se definir a cultura como rede de significados que dão sentido ao mundo que cerca um indivíduo, ou seja, a sociedade. Essa rede engloba um conjunto de diversos aspectos, como crenças, valores, costumes, leis, moral, línguas, etc. Nesse sentido, pode- se chegar à conclusão de que é impossível que um indivíduo não tenha cultura, afinal, ninguém nasce e permanece fora de um contexto social, seja ele qual for. Apesar da dificuldade que os antropólogos enfrentam para definir a cultura, não se discute a sua realidade. A cultura se desenvolveu a partir da possibilidade da comunicação oral e a capacidade de fabricação de instrumentos, capazes de tornar mais eficiente o seu aparato biológico. Isto significa afirmar que tudo o que o homem faz, aprendeu com os seus semelhantes e não decorre de imposições originadas fora da cultura. As culturas são diferentes e sinalizam para as diversas maneiras que os povos e as pessoas encontram para se relacionar, resolver seus problemas, conviver entre si e com o ambiente, cultuar os seus deuses, produzir seus materiais simbólicos de identificação e os instrumentos necessários à comunidade em questão. Todas as culturas possuem códigos de identificação que vão sendo assimilados desde o primeiro ano de vida. Eles são impostos às pessoas e compreendidos naturalmente. Um dos códigos de identificação mais importantes de uma cultura é a língua. Quando se aprende uma língua naturalmente, no processo de socialização, aprende-se a dominar uma 375 Artes Visuais Caderno Didático - 1º Período complexa estratégia lingüística desenvolvida para que cada povo se entenda e se comunique. Sendo a língua um código/ produto cultural, o português do Brasil e de Portugal tem particularidades que dizem respeito às suas culturas e por isso não são iguais. De outra maneira, quando se inicia o aprendizado de uma língua estrangeira, inicia-se também o aprendizado de uma nova cultura porque não é possível uma tradução literal de palavras. A língua traduz como pensa um povo e os povos pensam diferente. Assim com se alimentam diferente, rezam diferente e dão diferentes significados para as ações. É exemplar a história de um professor alemão que num intercâmbio cultural ficou muito impressionado com os laços de amizade mantidos no Brasil entre professores e alunos. Interpretou a atitude de aproximação das alunas como abertura para poder “namorá-las”. Do outro lado, as alunas perceberam que este professor estava “excedendo” e comunicou suas atitudes à coordenação do curso. Ele interpretou mal o código de convívio daquela cultura. Veja que Arantes (2004, p. 24) diz que “significação e valores são da essência da cultura.” Verificamos, também, que, simplificadamente, “no sentido antropológico, a cultura é um conjunto de regras que nos diz como o mundo pode e deve ser classificado (DAMATTA, 1986, p. 125).” Como se vê, mesmo dentro de uma cultura nacional que têm na língua sua identificação maior, existem vários códigos de identificação particulares. Por isso, fala-se em culturas regionais, cultura de periferia, cultura popular etc. que significa que cada um desses segmentos tem redes de significação e identificação próprias. A produção de cultura se dá em todos os níveis, basta que ajam pessoas querendo construir significações sociais juntas. Carlos Rodrigues Brandão, em entrevista concedida à Rede Brasil, Salto para o Futuro, esclareceu qual o sentido de cultura e de cultura popular. Segundo Brandão, cantos, danças, pinturas rupestres ou então, fotografias digitais, crenças, filosofias, visões de mundo, tudo aquilo que nós construímos com as imagens, com os símbolos, com os significados, com os sentidos, com os saberes, os sentimentos, que nós, inclusive, partilhamos quando habitamos uma cultura. Para ele, tudo isso faz parte de uma outra dimensão da cultura que nos acompanha e nos torna humanos. Nós não apenas criamos cultura enquanto seres humanos, quando aprendemos a nos colocarmos frente a natureza e a transformá-la. Mas também estamos rodeados, cercados, o tempo, todo, de símbolos, de significados. Para Brandão, as culturas não têm todas o mesmo destino e não devem seguir todas a mesma trajetória, assim como as pessoas que nós convivemos não estão todas condenadas a viverem de um modo semelhante ou igual, a estudarem de um único modo, a crerem num único Deus, e da mesma maneira. O que faz a imensa riqueza da experiência 376 Arte e Cultura Popular UAB/Unimontes humana é que, ao contrário dos gorilas, ou dos chipanzés, nascemos seres de uma mesma espécie com diferenças inexistentes, dentro daquilo que, antigamente, se chamava de raças. Brandão indaga: “O que eu tenho de meu? O que nós temos de nosso para mostrar como o que é nosso, como aquilo que nós criamos e que nos faz iguais a ingleses, a iranianos, a mexicanos e argentinos, porque todos de uma mesma espécie humana, mas diferentes, porque é uma gente de um lugar, socializada dentro de uma língua, com costumes, com gramáticas sociais, com visões de mundo, com tradições culturais próprias. O que nós temos para mostrar, em grande medida é, primeiro: a cultura do lugar, a cultura paranaense, cultura mineira, cultura carioca e, depois, dentro de cultura do lugar, as diferentes culturas que eu posso vivenciar, em Belém do Pará, em São Luiz, no Rio de Janeiro e em qualquer outra cidade”. Ele ressalta que somos seres únicos, somos absolutamente idênticos do ponto de vista de identidade, do ponto de vista de inteligência e de desenvolvimento, somos potencialmente de uma mesma espécie. Por outro lado, nós hoje em dia compreendemos que, cada pessoa, isso vale Observe os hábitos culturais da sua região. Compare-os com hábitos de outras regiões e outros países. ATIVIDADES Cruzar as pernas No código das boas maneiras no Brasil velho era proibido cruzar as pernas, uma sobre a outra. Denunciava claro abandono às normas essenciais da educação severa e nobre, dando a impressão desfavorável de uma intimidade que ultrapassa os limites da confiança familiar. As meninas e mocinhas do meu tempo recebiam a recomendaçãoexpressa e categórica de jamais pôr uma perna em cima da outra. Valia um ultraje para os preceitos fundamentais dos Bons Modos. Se alguma, mais espevitada e trepidante, fingia esquecer o dogma e punha a perna cruzada, era fatal o bombardeio dos olhares reprovativos e, sempre que possível, um bom e discreto beliscão, avisador da infringência. Fui educado com essas exigências. Menino e rapaz, “não passava a perna” diante de gente de fora, visitantes ilustres, convidados de categoria solene. Minha mãe, afável e simples, nos dias serenos dos seus oitenta anos, nunca se atreveu a tomar essa posição, delirantemente delituosa. Um dos elogios comuns ao Presidente Arthur Bernardes (1922- 1926) era jamais violar essa regra no Catete ou fora dele. Não se recostava no espaldar da poltrona e não era capaz de descansar uma perna, cruzando-a na outra. Os antigos ficavam encantados com essa obediência ao estilo de outrora, quando havia gente bem-educada. As meninotas e mocinhas sentavam-se hirtas, verticais, durinhas como bonecas de Nuremberg, os pezinhos juntos, os joelhos unidos, omoplatas sem esfregar nas costas da cadeira. Sabiam estar, sem assumir atitude de quem se aninha para fazer sono. CASCUDO, Luís da Câmara. História dos nossos gestos. São Paulo: Global, 2003, p. 198. 377 Artes Visuais Caderno Didático - 1º Período inclusive para as crianças e os jovens de uma turma de estudante, cada pessoa, cada uma de nós, quem quer que seja, independentemente de quem seja, do ponto de vista de qualquer classificação ou preconceito, é uma fonte absolutamente original, peculiar e única de conhecimento, de saber, de vivência, de experiência. E se isso é verdadeiro com uma pessoa, diante de outra pessoa, na relação entre as culturas é mais ainda. As culturas não são desiguais, não há uma hierarquia, as culturas indígenas não são culturas rústicas, ou sertanejas, empobrecidas e as culturas rústicas e sertanejas não são culturas civilizadas empobrecidas. Elas são culturas diferenciadas, a relação entre elas é uma relação entre diferenças. As nossas culturas populares, que também são plurais, muitas vezes nós usamos essa palavra no singular, como uma espécie de um grande guarda-chuva para falar do povo brasileiro em oposição a essas culturas eruditas, acadêmicas, e assim por diante. Mas, na verdade, tal como acontece com as línguas, que são uma dimensão da cultura, dentre outras, elas são plurais, elas são múltiplas. Diz que a grande riqueza da experiência humana é que somos iguais, mas somos absolutamente diferentes naquilo que nos iguala. 1.1.1 O eu e o outro A partir do momento em que se aprende a ser membro de uma determinada cultura, os hábitos culturais do “outro” serão no mínimo estranhos ao “eu”. Um brasileiro ficaria chocado de saber que na Coréia é comum comerem carne de cachorro, já que no Brasil, dependendo da casa ele é quase um membro da família. Por outro lado, o churrasco do Figura 02: Dança de São Gonçalo em São Francisco. Observe as atitudes etnocêntricas das pessoas que convivem com você. Discuta em grupo. PARA REFLETIR 378 Arte e Cultura Popular UAB/Unimontes brasileiro não seria possível na Índia, porque lá a vaca é um animal sagrado. Apesar de diferentes, não é possível classificar uma ou outra maneira de viver como correta ou errada. Ao se julgar a cultura do outro a partir dos nossos parâmetros estaremos agindo de forma etnocêntrica. Os antropólogos chamam de etnocentrismo “a visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência”(ROCHA, 1994, pág. 7). Acreditar que o “outro” está errado porque pensa e vive diferente do “eu” é colocar-se numa posição de superioridade no contato cultural. Isso destrói culturas, até mesmo povos inteiros que não tem como se defender da imposição cultural. Ocorreu com os índios no Brasil e ocorre diariamente, não da mesma forma, mas com a mesma força simbólica, quando se escuta que é necessário abandonar hábitos atrasados e adotar o estilo de vida dos países “desenvolvidos”. O problema do etnocentrismo é que o “outro” é pensado sempre como melhor ou pior do que o “eu”, nunca como igual. Na visão etnocêntrica, o “eu” não se coloca no lugar do “outro” para ver como o seu mundo funciona; ele olha para o outro, a partir daquilo que aprendeu nos grupos culturais que freqüenta e julga se este “outro” é melhor ou pior do que ele. A visão etnocêntrica não se restringe ao contato entre povos diferentes. Ela também está presente no cotidiano, em atitudes de preconceito e intolerância. Fatos como espancamento de homossexuais e prostitutas demonstram como é difícil a aceitação das ações e escolhas do “outro”. Qual é a alternativa ao etnocentrismo? Aprender a relativizar. Como diz Rocha, compreender que “as verdades da vida são menos uma questão de essência das coisas e mais uma questão de posição (1994, pág. 20)” Relativizar é “não transformar a diferença em hierarquia, em Figura 03: Menino negro de tradições africanas. 379 Artes Visuais Caderno Didático - 1º Período superiores e inferiores ou em bem e mal, mas vê-la na sua dimensão de riqueza por ser diferença (ROCHA, 1994, pág. 20)”. Analisar qualquer cultura que seja diferente da cultura do “eu” exige um trabalho constante de relativização. Deve ser feito na compreensão da cultura popular. Para além dos trabalhos acadêmicos, nas relações sociais, relativizar é o único caminho para que os homens possam viver em paz. Assistindo e sendo humilhado Ferréz Na verdade, eu já pensava em escrever este texto uns quatro anos atrás, desde que fui ao cinema com dois amigos, um deles era o Alex, assistir ao filme Um Dia de Treinamento, com Denzel Washington. Quando acabou o filme, eu tava tão nervoso, tão irritado, que na hora que o Alex elogiou o filme eu simplesmente saí andando. Os caras já sabem como sou e foram perguntar o que tinha acontecido, disse que, como o Alex sendo um cara negro num tava revoltado vendo um filme, onde o único cara bom é o branco de olho azul, que passa um dia inteiro com outro policial negro que o ensina a bater em latinos e em outros negros. Mas na verdade ele tinha gostado tanto do filme, que junto com o outro parceiro nem ligaram pro que eu tava falando. Depois disso, foram inúmeras vezes que abandonei sessões pela metade, filmes que me davam nojo, vontade de pegar meu dinheiro de volta no cinema ou na locadora, assim como alguns filmes feitos atores negros que passam na TV, estereotipando o povo negro como se todos bebessem e fumassem maconha, além de incentivar a violência e desvalorizar as mulheres. Oh! Malcolm, ainda bem que você não está vendo isso. O seriado que passa no SBT, a família tem sete jovens estadunidenses (todos loiros), um olha pro outro e fala como o irmão é burro e completa: - Desse jeito, você não passa de ser presidente do México. Já no filme O Exorcismo de Emily Rose, o ajudante da advogada de defesa fala em certa parte do filme: - A maioria dos casos de exorcismo é no Terceiro Mundo, claro, gente primitiva e supersticiosa! Ferréz é escritor. Acesso em http: //ferrez.blogspot.com. Fonte: Revista Caros Amigos / fevereiro de 2008. Leia o texto e discuta sobre as atitudes etnocêntricas descritas pelo autor. ATIVIDADES 380 Arte e Cultura Popular UAB/Unimontes Campeões do mau gosto Ferréz E não pára por aí, até em desenhos a gente é contaminado, no desenho Super Amigos, os maiores heróis da Terra (todos eles estadunidenses) enfrentam a grande Rainha Negra Vudu, com todo tipo de colar, magia e tudo que tem direito. Agora, um dos filmes campeões em preconceito e no mau gosto é Umgigolô por Acidente na Europa. Quando o personagem principal (estadunidense) amarra outro personagem (europeu) num poste com a frase: “Viva a América, a Europa fede a bosta.” Em seguida, os europeus passam e jogam coisas nele, o chamando de porco. E o filme segue pregando a guerra étnica. No mesmo filme, num ônibus, quando o personagem principal vê um senhor tocando acordeom, sai com uma das mãos no nariz e a outra coçando a cabeça e diz: - É a dança dos negros sujos. Já no filme Dois é bom, três é demais, o personagem Dupret, interpretado por Owen Wilson, quando vai dar uma palestra na escola, no trecho que fala das profissões, toda vez que cita uma profissão a câmara mostra uma criança branca, quando fala na parte do esporte, a câmara focaliza um menino negro. Mas o pior ainda vem, quando, ao se referir a não gostar de trabalhar, ele cita a Europa e a América do Sul, dizendo que “nós entendemos bem isso”, depois diz que conheceu uma mina argentina e lá todo mundo fica à toa na vida. Ferréz é escritor. Acesso em http: //ferrez.blogspot.com. Fonte: Revista Caros Amigos / fevereiro de 2008. 381 Artes Visuais Caderno Didático - 1º Período O rato e o sapo Ferréz De volta aos desenhos animados, a Dreanworks é campeã no preconceito, vou pegar só um exemplo que já basta, o desenho Por água abaixo, que traz a história de um ratinho rico que morava sozinho e descobre um mundo muito mais divertido no esgoto (alusão à solitária elite e a tão superlotada favela?). A história se passa, até que aparece um assassino, que é um sapo e francês. Quando o grande vilão, que também é um sapo, conta sua história triste, sobre como ele era um sapo muito querido do príncipe Charles e acaba sendo jogado na privada, antes de terminar a história ele nota o rosto de chacota do assassino francês e pergunta: “Você está zombando do meu sofrimento?” E o francês responde: “Claro, desde que não seja o meu sofrimento, afinal sou francês”. Em seguida, o francês toma um gole de vinho francês e cospe no chão, desdenhando do vinho. O desenho segue com dezenas de tiradas sobre os europeus. Depois, seguindo a trilha de desgosto, ainda posso citar a série The Shield, sobre o cotidiano de policiais americanos, que passa no AXN. Numa das cenas, o policial entra na casa de um latino e vê que todos os mantimentos estão podres, e logo diz: “Vocês do Terceiro Mundo não têm geladeira em seu país, não? Que nojo!” Ou o trecho do seriado recém-lançado Jericho, que trata de uma explosão nuclear em alguns Estados americanos, e de alguns sobreviventes numa pequena cidade. Em um capítulo recente, o ex-prefeito aparta uma briga de dois moradores e grita algo como: “Nós não nos tornaremos selvagens como os animais de Terceiro Mundo em suas vilas”. Será que, além de não poder escolher ao que assistir, em nenhuma grade de programação, em nenhum canal, pago ou não, apesar de todos os canais serem somente “concessões”, não poderemos sequer deixar de ser humilhados todo tempo? Isso, sem mencionar o tanto de bandeira estadunidense que a gente já engoliu nos filmes, toda hora tem que ter algo para nos lembrar que eles são “superiores”. Como uma verdade absoluta, a gente vinha engolindo legenda atrasada, legenda errada, falta de legenda e por aí vai, que numa eterna tradução a gente vai aprendendo à força que ou fala e lê em inglês, ou não sabemos qual lanche pedir, em que loja está sale, ou em promoção, ou como vamos arrumar um work, ou trabalho, e parece mesmo que deixamos de ser colônia de um, para ser do outro. Este texto na verdade é infindável, porque, sempre que estou assistindo a algum filme ou seriado, identifico o preconceito nele e corro para somar mais no texto, mas, como todo filme, tudo tem um fim. Espero mais filmes nacionais, mais seriados, mais produções honestas, que, ao contrário da produção deles, somente traga histórias para entreter, sem maldade, sem querer fazer ninguém de fantoche, nem magoar nenhuma etnia. Só espero que os bilhões gastos nas produções hollywoodianas sirvam para lago além de tentar provar que eles são superiores a nós o tempo todo. Ferréz é escritor. Acesso em http: //ferrez.blogspot.com. Fonte: Revista Caros Amigos / fevereiro de 2008. 382 Arte e Cultura Popular UAB/Unimontes 1.1.2 Os níveis de cultura Uma das maneiras de estudar a cultura das sociedades modernas é através da sua classificação em níveis diferentes. A divisão se dá basicamente em três níveis: alta, média e baixa cultura ou erudita, de massa e popular. Louis Porcher diz: “Não há duvida de que até uma época recente a arte (vista aqui não como produto, mas sim como cultura), sempre teve na sociedade uma conotação aristocrática, enquanto exercício de lazer e marca registrada da elite”. A alta cultura é representada por produtos culturais de vanguarda, de difícil fruição: livros de linguagem elaborada e inovadora, como Guimarães Rosa; músicas complexas como às de Bach e Beethoven. O circuito da alta cultura é dos “letrados”, dos intelectuais. Associando-se à classe social, a alta cultura é a cultura de elite. Contrapondo-se à alta cultura estaria a cultura popular, que representa a produção artística e cultural do “povo”. O povo não tendo acesso a redes complexas de elaborações de sentidos – diga-se escola e valores hegemônicos produz uma arte mais simples, porém autêntica e voltada para o seu universo social. Batuques, lundus, repentes podem ser aqui identificados. Historicamente, a oposição sempre foi entre a cultura erudita e a cultura popular, ou a cultura dos pobres e a cultura dos ricos, ou a cultura dos exploradores e a cultura dos explorados. O desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e o acesso facilitado ao consumo originaram uma nova categoria de análise dentro dos estudos sobre a produção e o consumo cultural nas sociedades modernas. A cultura média ou cultura de massa absorve tanto a cultura de elite quanto à cultura popular e difunde- as aleatoriamente através dos meios de comunicação de massa para um público mediano. Nesse contexto, a cultura de massa tenta produzir objetos que sejam acessíveis a um público médio, a todas as classes. Uma das críticas que se faz é quanto à homogeneização, ao nivelamento por baixo que formaria opiniões superficiais, pessoas superficiais. Particularmente, rebaixa a alta cultura, a medida que a simplifica para uma fruição maior entre a massa. Segundo Tinhorão (2001),“a indústria procura refletir não a verdade de cada uma das camadas sociais, mas produzir – através da diluição de informação cultural – uma média capaz de ser apreciada e compreendida por uma maioria de pessoas englobadas sobre o nome de massa [...] Não satisfaz de maneira profunda, mas garante a aceitação geral” (TINHORÃO, 2002, p. 159). A cultura de massa surgiu com o capitalismo com a divisão de burgueses e proletários. Contudo é onde começa o consumismo irracional, que através da Indústria Cultural permitiu que nos tornássemos 'escravos da mídia'. É importante sabermos sobre cultura de massa, quem faz parte dela, de que maneira nos atinge e como nos tornamos massa ao invés de público. O que a indústria cultural percebeu mais tarde e Adorno constatou 383 Artes Visuais Caderno Didático - 1º Período que ela possuía a capacidade de absorver em si os antagonismos e propostas críticas, em vez de combatê-lo. Desta forma, sim, a cultura de massa alcançaria a hegemonia: elevando ao seu próprio nível de difusão e exaustão qualquer manifestação cultural, e assim tornando-a efêmera e desvalorizada. A “censura”, que antes era externa ao processo de produção dos bens culturais, passa agora a estar no berço dessa produção. A cultura popular, em vez de ser recriminada por ser “de mau gosto” ou “de baixa qualidade”, é hoje deixada de lado quandousado o argumento mercadológico do “isto não vende mais” — depois de ser repetida até exaurir-se de qualquer significado ideológico ou político. Podemos dizer que, por sua vez, a cultura de massa tem o seu habitat no campo da comunicação de massa (teatro, biblioteca, museu...) em parceria com a mass media (áudio, audiovisual,), que são os veículos da propaganda, os quais manipulam a cultura de massa ou sociedade de consumo. Veja você, a distinção entre arte e cultura de massa, pois admite clareza em diversos exemplos. Compare-se um concerto de violinos e uma partida de futebol. No contexto da indústria cultural — da qual a mídia é o maior porta-voz — são totalmente distintos e independentes os conceitos de “popular” e “popularizado”, já que o grau de difusão de um bem cultural não depende mais de sua classe de origem para ser aceito por outra. A grande alteração da cultura de massa foi transformar todos em consumidores que, dentro da lógica iluminista, são iguais e livres para consumir os produtos que desejarem. Dessa forma, pode haver o “popular” (produto de expressão genuína da cultura popular) que não seja popularizado (“que não venda bem”, na indústria cultural) e o “popularizado” que não seja popular (vende bem, mas é de origem elitista). O capitalismo dos séculos XVIII e XIX passa por uma grande mudança, já que se caracteriza pelo sistema de produção, onde a mão de obra é forçada a vender a sua força de trabalho. A Revolução Industrial iniciada na Inglaterra fortalece o sistema capitalista e solidifica suas raízes na Europa e em outros países. O consumismo vem logo após com “a conduta capitalista e não– capitalista que respeita o consumo” (citação de Weber). DICAS Figura 04: Dínamo Esporte Clube, cedida pelo ex-jogador Juca Brandão. 384 Arte e Cultura Popular UAB/Unimontes Além das diferenças de instrumentos e da extensão, algo os distingue mais fundamentalmente: o primeiro foi feito para valer como uma obra culturalmente elevada, exigindo do espectador uma concentração e uma sobriedade tal, que é necessário travar um diálogo vivo com a obra para que ela seja entendida, o que significa gostar dela pelo que a faz ser uma obra de arte, pois ela se coloca como um enigma a ser desvendado. A arte é sempre um desafio, não se colocando nunca como algo que possa ser fruído de modo imediato, uma vez que requer certa frequentação, uma preparação em termos de comprometimento histórico, um processo analítico e interpretativo. Já um jogo de futebol ou hit de sucesso, no entanto, é algo concebido para render dinheiro, como uma mercadoria, da qual se pretende obter aceitação dos usuários. Estes não se situam em uma classe específica, nem precisam ter uma determinada formação ou estar concentrados para compreender o sentido da obra em questão. O público-alvo dessas obras é o que se caracteriza como massa: uma quantidade indefinida e cada vez maior de pessoas. Estamos falando de uma indústria cultural, de uma fabricação em série de produtos consumidos de modo a provir um prazer que não se liga diretamente à sobrevivência ou à melhoria das condições materiais de vida, mas, sim, ao divertimento, à distração, ao lazer. O que a indústria cultural promete com todas as letras, explicitamente, é propiciar entretenimento, o que significa para o público a oportunidade de se livrar da premência do trabalho cotidiano. Ela é uma indústria que coloca em seus produtos o rótulo “distração e liberdade”, mas cujo conteúdo é, in vero facto, um prazer narcisista, uma promessa de readquirir a identidade individual, a inteireza do ego perdida na vida cotidiana. Todos os produtos da cultura de massa têm como seu valor estético mais próprio uma relação de espelho para o espectador. O slogan para a venda da boneca Barbie explicita muito do que se procura (in)conscientemente em todos os produtos da indústria cultural: “Barbie: tudo o que você quer ser”. O que os consumidores pretendem é, no fundo, não apenas recuperar as energias despendidas no cotidiano, ou se distraírem, etc., mas, também, recobrar algo de sua auto-estima, ou seja, querem ter, nas coisas, o reflexo sublimado daquilo que eles gostariam de ser. Busca-se nos objetos a próprio identidade. A cultura de massa é, então, um exercício continuado e progressivo de narcisismo. Quando experimentamos essa fase na infância, tudo era imediatamente positivo. Todas as fontes de prazer externas eram imediatamente incorporadas ao ego, sem espaço para contradições, rupturas ou isolamento do ego perante as coisas. Na medida em que os objetos são delineados pelo ego, se eles são causa de prazer, são incorporados, se de desprazer, são odiados. Somente aquilo que aumenta e estabiliza o ego é amado; o que coloca dificuldades para tal inteireza é 385 Artes Visuais Caderno Didático - 1º Período rejeitado. É precisamente esse processo de absorção egocêntrica imediato, sem esforço ou contradição, glorificador da auto-imagem, que a indústria cultural vende sistematicamente em seus produtos. Ela justifica a produção de suas mercadorias dizendo que é isso o que o público quer, mas dever-se- ia dizer que tais produtos são apenas uma determinada maneira de satisfazer uma carência inconsciente, e que tem a péssima característica de reforçar essa mesma carência, pelo fato de viciá-los no consumo de bens imediatos. É preciso dizer que a distração e o lazer, em si mesmos, não têm nada de ruim, nem de condenável. O desejo de produzir associações livres de idéias e de sentimentos não caracteriza, por si só, uma carência que faz o ser humano menor. O impulso lúdico, de jogo, de deixar-se atrair por um empreendimento descolado da seriedade da vida já existe claramente até nos animais, como nos cães, que se comprazem em buscar objetos e brincar um com o outro. O problema que se pode detectar no lazer pretendido pelos consumidores da indústria cultural é que essa distração está mesclada à finalidade específica de resgatar um sentimento de identidade integral perdido durante a vida esforçada no cotidiano. É de suma importância relatar que a massa, de certo modo sofre sem ter reação e nem sabem que sofrem ao ataque da mass media, através da manipulação da indústria e dos governos, de fato é extremamente favorável a eles que exista a cultura de massa. Deixar o intelecto empobrecido, sem críticas e sem reação é uma das opções do sistema da Indústria Cultural. Ela surgiu com a revolução industrial no século XIII e trouxe consigo o capitalismo e o conseqüente valor do consumismo. É nele que se sustenta o conceito de cultura de massa. No Brasil não podemos dizer que a cultura é homogênea, pois no nosso país ainda existe uma desigualdade de classes sociais. É necessário destacar uma o conceito de massa e público. Esse último irá se destacar de acordo com o grau de conhecimento e escolaridade da população. Sabe o que disse certa vez Marx? Que “os homens fazem sua própria história, mas não sabem que a fazem”. Ele bem que estava certo, pois a nossa população não sabe por que assiste tal canal ou por que ouve tal música ou ainda, por que usam tal roupa que está na moda e por que consome tal bebida. A população é fortemente influenciada pela mídia, mas não percebe o porquê, e principalmente por onde ela (mídia) a manipula. A indústria cultural, muitas vezes, usa este apelo ao conjunto de idéias que é colocado explicitamente em suas obras como uma espécie de isca para enganar aqueles que estão sedentos por lições de vida, conteúdos filosóficos, morais, religiosos, ou outro qualquer que se considere elevado, crítico, valioso em termos culturais e de formação humana. O reconhecimento da existência de tais conteúdos “nobres” nos produtos da cultura de massa tem o sentido mais próprio de narcisismo,ou 386 Arte e Cultura Popular UAB/Unimontes seja, da satisfação de perceber que somos suficientemente inteligentes para discernir tais valores nas obras, os quais desejamos que façam parte de nossa própria pessoa. Massa, ao contrário, não passa de um amálgama de indivíduos que não se movem, mas são movidos por paixões. A massa é sempre, e necessariamente, passiva. Ela não age racionalmente e por sua conta, mas se alimenta de entusiasmos e idéias não estáveis. É sempre escrava das influências instáveis da maioria, das modas e dos caprichos que passam. A massa é como a areia movida pelo vento, ou o rebanho nas mãos do pastor. Movem-na apenas veleidades: o dinheiro, a facilidade, o luxo, o prazer, o prestígio. Duas características diferenciam a cultura de massa das outras categorias de análise: 1ª) seus produtos e consumidores não se encontram no mesmo nível social. A cultura de massa não é feita pela massa, mas para a massa. 2ª) os produtos são produzidos com a única finalidade de serem comercializados. Absorvem o imaginário de ricos e pobres para criar produtos que sejam consumíveis por todos. 1.1.3 Arte produzida no Brasil também é cultura A arte exprime a vida e assume a sua complexidade, seja considerada erudita ou popular. Seja em qualquer olhar, em qualquer sopro, em qualquer pulsação é pura linguagem em que se manifesta o máximo esforço realizado a fim de se expressar do modo mais belo e original. A emoção que sentimos diante de uma manifestação popular é chamada de emoção estética. Essa emoção estética consiste num momento de felicidade e de simpatia, decorrente do acordo entre o pensamento e a sensibilidade com a arte. Através da arte, o homem se expressa e se comunica o universo pleno de signos e de significantes, cada qual com seu formato singular. Um objeto de arte, em si mesmo, como produto cultural, tanto pode servir a esta ou aquela camada da população. Se exposto graciosamente, temos Figura 05 :Reprodução da obra “A primeira Missa no Brasil”, de Vítor Meireles, 1861. 387 Artes Visuais Caderno Didático - 1º Período uma repercussão. Se em exposição num museu, posto que se cobre um ingresso, temos uma menor acessibilidade. Mudou o veículo, o intermediário. Porém, não se perde, na alteração de um veículo para um outro, a sua essência popular. Afinal, ocorreu a intenção de se exteriorizar uma idéia ou conteúdo ideológico, determinado por uma demanda difusa, independentemente do alcance. A Arte brasileira é o termo utilizado para designar toda e qualquer forma de expressão artística produzida no Brasil, desde a época pré- colonial até os dias de hoje. Dentro desta ampla definição, estão compreendidas as primeiras produções artísticas da pré-história brasileira e as diversas formas de manifestações culturais indígenas, bem como a arte do período colonial, de inspiração barroca, e os registros pictóricos de viajantes estrangeiros em terras brasileiras. Com a chegada da Missão Artística Francesa, ensaia-se pela primeira vez a criação de uma escola nacional de arte, consolidada por meio do estabelecimento da Academia Imperial de Beleas Artes no Rio de Janeiro. Posteriormente, sob a influência do expressionismo europeu, o Brasil assistirá ao desenvolvimento do Modernismo Brasileiro, que será progressivamente incorporado ao gosto da sociedade e da arte oficial, até que a assimilação das novas tendências surgidas no pós-guerra contribua para o florescimento da Arte Contemporânea brasileira. No tocante às mais antigas manifestações de Arte Rupestre no Brasil encontram-se na Serra da Capivara, no Piauí, datando de cerca de 13000 a.C. Em Pedra Pintada, na Paraíba, foram encontradas pinturas com cerca de 11 mil anos de idade e, em Minas Gerais, chamam atenção os registros de arte rupestre localizados em várias cavernas do vale do Peruaçu, que se distinguem por seus raros desenhos de padrões geométricos, executados entre 2.000 e 10.000 anos atrás. São igualmente dignas de menção as pinturas de animais descobertas em grutas calcárias no vale do Rio das Velhas, em Lagoa Santa, Minas Gerais. Na documentação arqueológica brasileira, predominam o uso de materiais como osso, chifre, pedra e argila, para a confecção de objetos Fonte: sergiosakall.com.br/primitiva/rupestre Figura 06: Selo da França, que compreende uma série emitida em 16/04/1968 (Scott: 1204/1207). 388 Arte e Cultura Popular UAB/Unimontes utilitários (recipientes, agulhas, espátulas, pontas de projétil), adornos (pingentes e contas de colar) e cerimoniais, atestando uma preocupação estética observável, sobretudo, na extraordinária variação de formas geométricas e no tratamento das superfícies e dos retoques. Acerca da arte indígena, no Brasil, do período entre 5000 a.C. e 1100, há vestígios de culturas amazônicas com alto grau de sofisticação na fabricação e decoração de artefatos de cerâmica, como as da Ilha de Marajó e da bacia do rio Tapajós, onde se registra a presença de complexos vasos antropomorfos e zoomorfos, com suportes e apliques ornamentais. Ainda no contexto amazônico, são dignos de nota as estatuetas de terracota, sobretudo com representações femininas e de animais, e os objetos de pedra, como os pingentes representando batráquios (muiraquitãs). São igualmente importantes as cerâmicas encontradas na costa maranhense (tradição Mina, c. 3200 a.C.) e no litoral baiano (tradição Periperi, c. 880 a.C.), com difusão ampla e diversificada, atingindo certas áreas meridionais já em plena era cristã. Mais simples em sua composição do que as cerâmicas amazônicas, essas peças sobressaem pela diversidade de técnicas decorativas da pintura. De forma genérica, a arte plumária indígena e a pintura corporal atingem grande complexidade em termos de cor e desenho, utilizando penas e pigmentos vegetais como matéria-prima. Por fim, destaca-se a confecção de adornos peitorais, labiais e auriculares, encontrados em diversas culturas diferentes espalhadas por todo o território brasileiro. Já a arte erudita refere-se àquela produzida e apreciada pela elite de uma sociedade. Mas não necessariamente uma elite econômica, compreendida pelas pessoas ricas, e sim por uma pequena parcela, uma minoria de pessoas que conhecem vários estilos artísticos e que são bem informadas, ou seja, a elite cultural. Os artistas eruditos são reconhecidos por grande parte da população, possuem estudos refinados de diversas técnicas, materiais, estudos e de história da arte. Geralmente esses artistas são homenageados postumamente com seu nome na História cultural de um povo, como é o caso de Sandro Botticelli, Leonardo da Vinci, Michelangelo, Salvador Dalli, Pablo Picasso, Cândido Portinari, Di Figura 07: Arte indígena de palha – detalhes. 389 Artes Visuais Caderno Didático - 1º Período Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Almeida Júnior dentre outros. Almeida Jr. (1850-1899) ficou conhecido como o primeiro pintor erudito nascido no país a registrar o “outro brasileiro”, o homem do interior do estado de São Paulo, representante das camadas pobres do Brasil. Sua produção foi recuperada e valorizada por artistas e intelectuais ligados ao Modernismo, como Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Cândido Portinari. A arte erudita é facilmente encontrada em grandes museus e galerias e possuem um valor artístico e qualidade estética incontestável pelos críticos e pelos apreciadores mais exigentes. Ela caracteriza-se por apreender o significado da existência humana através da arte; instigar o público apreciador a mudar sua visão de mundo; envolver o desenvolvimento dos códigos artísticos; compreender a expressão individual do artista. 1.1.4 Crítica aos três níveis de cultura Apesar de pertinente e relevante para efeito de análise social, a divisão da cultura em níveis sempre suscitoucríticas. A primeira diz respeito ao processo de hierarquização da cultura. Considerar que existe um nível superior e outro inferior de produção cultural é cair nos riscos do etnocentrismo e negar a circulação natural que existe no interior das culturas. Além disso, deve-se lembrar que a cultura, hoje dita como erudita, era na verdade a cultura popular de nossos colonizadores. Shakespeare era representado na Inglaterra, para o povo e pelo povo e lá ele era popular, era mestre como é mestre os nossos artesãos, nossos brincantes de reisados, coco-de-roda e de outros folguedos populares. A comédia Del'Arte era popular no sul da Itália e na França (vejam o filme “Ciranu de Bejerac”), até mesmo no momento em que Mollière Você pode perceber que há várias manifestações de arte.Estabeleça aproximações e distanciamentos entre a erudita, a tradicional, a popular e a de massa. Em que outros momentos da vida cotidiana as artes tradições imperam? Pense nisto e discuta no Ambiente Virtual de Aprendizagem com seus colegas. ATIVIDADES Fonte: Livro Didático História do Brasil, 2003. Figura 08: Ilustração de Caipira picando fumo, 1893, de Almeida Júnior. Veja o filme Shakespeare Apaixonado. DICAS 390 Arte e Cultura Popular UAB/Unimontes assume a sua paternidade e a entregou à aristocracia francesa; Lopes de Veja era popular na Espanha, na época do teatro de ouro Espanhol; Gil Vicente e seus autos eram popular em Portugal e até recentemente, nesse século que se finda, Garcia Lorca era popular na Espanha com o teatro La Barraca se opondo ao Governo ditatorial e facista de Franco e Bertold Brecht era popular na Alemanha combatendo a força nazista. Essas grandes potências nos colonizaram e nos colonizam até os dias atuais, e se no passado histórico se fecharam em espaços excludentes para ritualizar e perpetuar suas culturas, enquanto os negros dançavam na senzala a capoeira e os índios festejavam suas guerras, caças e deuses da natureza, hoje usam a força dos meios de comunicação e se reúnem nos grandes supermercados culturais, que são as majestosas casas de espetáculos, teatro, casas de shows, arenas de rodeios, financiados e garantidos pelo poder público, restando ao povo, poucos deles por sinal, os sítios, beiras de praias, bairros periféricos, sem apoio, nem moral, para expressar a sua cultura. É necessário relativizar a hierarquia entre alta e baixa cultura para se compreender o quão complexo é o processo de aprendizado e criação de cultura e arte. A produção popular pode ser tão rica e complexa quanto à erudita. Os artistas populares não se distinguem dos artistas eruditos em termos de uns serem inferiores aos outros. Os artesãos possuem habilidades e capacidade de criar peças originais e criativas na mesma proporção dos artistas plásticos, o domínio da técnica pode ser apreendido na tradição acadêmica ou na tradição popular, mas para além do domínio da técnica, o artista é aquele que consegue transferir para algum tipo de material (barro, papel, instrumento musical) sensações, sentimentos, desejos ou qualquer realidade transmutada naquilo que ele quer. A técnica se aprende, mas a arte é um dom. As diferenças entre os artistas populares e os artistas de tradição acadêmica não devem ser hierarquizadas, sendo uma pior e outra melhor. Devem ser apenas sentidas, assim como toda obra de arte. E tem outro trabalho meu que chama DESAFORO. (...) É uma cabeça grande, uma boca muito grande, nessa boca do meio está escrito DESAFORO e em volta da cabeça tem outras cabeças. Então, eu queria mostrar essa barreira que existe, dessas outras cabeças, que são as pessoas chatas e que não deixam a gente ter vez; (...)E tem outra peça que chama O PODER, em que fiz uma pirâmide onde tem pessoas que dão sustento ao rei que fica lá em cima; (...) E tem um outro trabalho meu, sem nome. (...) São duas pessoas unidas numa só, onde a cara da frente mostra estas carinhas boas que as pessoas nos mostram e tem aquela cara feia atrás, que é o que a pessoa realmente é. Tem outra, que também quero mostrar, ela é uma cara muito feia, com um olho só e este olho é doente, é furado; você vê isto perfeitamente aí, de muita gente que nunca quer saber do que está se passando à sua volta, adiante dele na realidade, se ele está bem não quer saber de nada! Então, como esta pessoa nada vê que está passando ao redor dele, seu olho está furado. (FIGUEIREDO, 1983, p. 36) 391 Artes Visuais Caderno Didático - 1º Período Em segundo lugar, deve-se observar que no processo social, as culturas se influenciam mutuamente, Muitas vezes, a cultura erudita se apropria da cultura popular e vice-versa na produção dos seus materiais simbólicos e artísticos. Apesar de toda a originalidade dos livros de Guimarães Rosa, sabe-se que muitos dos seus relatos, causos e expressões lingüísticas são traduções do modo de vida do povo sertanejo. A todo o momento, pessoas de diferentes grupos sociais se encontram, estabelecem relações e se influenciam mutuamente. Quanto à cultura de massa, deve-se lembrar que mesmo inserida no circuito comercial da cultura, ela não é uma simples reelaboração dos materiais simbólicos da cultura erudita e da popular (que ocorre realmente). Ela reúne novas ações, interpretações e assimilações do ambiente que não podem ser chamadas nem de eruditas nem de populares. Dispositivos tecnológicos como o videoclipe ou o videogame possuem uma linguagem inovadora, não é uma simples reelaboração, implicam mudanças culturais. Mesmo no âmbito do cinema ou da televisão é possível criar uma estética nova, que fuja da simples releitura de um livro. Além disso, o que a cultura de massa possibilita é uma maior circulação dos produtos culturais por todos os setores da sociedade. Sendo assim, “as culturas já não se agrupam em grupos fixos e estáveis e portanto desaparece a possibilidade de ser culto conhecendo o repertório das 'grandes obras', ou ser popular porque se domina o sentido dos objetos e Compare as entrevistas de Lira Marques e Yara Tupinambá, artista “popular” e “erudita” respectivamente, sobre o processo de produção artístico. Quais são as conclusões que você tira desta comparação. Pesquise sobre outros artistas populares e eruditos. ATIVIDADES OPINIÃO - Ô Yara, o que você mostra nesse trabalho Ícones de Minas? YARA – Eu tentei somar tudo aquilo que é simbólico para nós, que é um ícone. O que é um ícone? É um sinal muito forte de uma cultura. Então, o que é um sinal muito forte pra Minas? São as pequenas cidades; as pequenas vilas espraiadas entre montanhas; as montanhas; as flores do sertão, que estão muito presentes no meu trabalho; os santos; os oratórios; e, ultimamente, as bandeiras de São João. Eu tive uma surpresa e uma emoção grande quando eu vim expor aqui, agora, no Centro Cultural... eu tinha feito essa série de bandeiras (a noite de São João), que vem surgindo aos poucos, num trabalho, noutro, você vai encontrar, ali, balões, noites etc. Então, eu tive um susto quando cheguei na Praça (Dr. Chaves) e encontrei as bandeiras flutuando e balançando ao vento, como eu havia feito, as cores como eu havia feito, entendeu? Então, ali, eu vi como que a minha infância ficou gravada na minha memória e como quem isso tudo me remete aqui mesmo a Montes Claros, à minha adolescência em Itaúna, onde havia as festas de São João, onde eu via essas bandeirinhas, esse encantamento que eu tinha pela cor, pelo movimento, por tudo aquilo que fica incorporado na memória. 392 Arte e Cultura Popular UAB/Unimontes mensagens produzidos por uma comunidade mais ou menos fechada (uma etnia, um bairro, uma classe). Agora essas coleções renovam sua composição e sua hierarquia com as modas, entrecruzam-se o tempo todo,e, ainda por cima, cada usuário pode fazer sua própria coleção. As tecnologias de reprodução permitem a cada um montar em sua casa um repertório de discos e fitas que combinem o culto com o popular, incluindo aqueles que já fazem isso na estrutura das obras: Piazzola, que mistura o tango com o jazz e a música clássica” (CANCLINI, 1998, p. 304). Canclini propõe um conceito – descolecionar; e um novo tipo de cultura – híbrida. Segundo ele, as culturas não podem mais ser organizadas por referência a coleções de bens simbólicos, onde se distingue o repertório erudito, do massivo e do popular. No contexto pós- moderno, cada pessoa faz a sua coleção particular entrecruzando diversos repertórios diferentes. Significa que uma coleção de cds particular pode conter música clássica, sertanejo, mpb e rock, sem problema algum. O gosto eclético, a não-fidelidade a uma coleção é um traço dessa cultura híbrida: artesanatos e obras de arte valiosas no mercado de arte convivem no mesmo ambiente de decoração da casa; diversidade no modo de se vestir, que deixa a identificação por classe ou cultura cada vez menos latente. Parte-se para a formação de uma cultura cada vez mais híbrida, múltipla e intercultural. Uma cultura que no sistema capitalista pode ser dividida entre os consumidores e os não-consumidores. BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998. BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. CANCLINI, Nestor. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 1997. CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura Oral no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978. CASCUDO, Luís da Câmara. História dos nossos gestos. São Paulo: Global, 2003. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978. DAMATTA, Roberto. A Casa e a Rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil, 1983. DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 2004. LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 1993. Em grupo, discuta como cada aluno organiza sua própria coleção de bens simbólicos. ATIVIDADES REFERÊNCIAS 393 Artes Visuais Caderno Didático - 1º Período LOTMAN, Iuri. La semiosfera de la cultura, Del texto de la conducta y Del espacio. Madrid: Cátedra, 1998. SANT’ANA, Affonso Romano de. Carnavalização. In: Paródia, Paráfrase & Cia. São Paulo: Ática, São Paulo(série Princípios), 1985. VOVELLE, Michel. Ideologias e Mentalidades. São Paulo: Brasiliense, 1987. 1 O filme A missão, dirigido por Roland Joffé, apresenta bem as relações etnocêntricas que foram estabelecidas na colonização das Américas. 2 Outra sugestão é Casamento Grego, dirigido por Joel Zwick. Um filme divertido sobre tolerância e respeito à diversidade cultural. VÍDEOS SUGERIDOS PARA DEBATE 394 2UNIDADE 2CULTURA POPULAR: A FESTA POPULAR DO ARTESANATOE AS DIVERSAS MANIFESTAÇOES REGIONAIS Nesta Unidade procuramos proporcionar a você, caro cursista, uma visão geral da arte moldada pela fé e pela voz do povo, através das narrativas tradicionais orais, sejam cantadas ou re-citadas, fornecendo-lhe a base das discussões que fundamentam todas as manifestações da fé, principalmente as festas populares, que consideramos, todas, religiosas, sem exceção, e que não são profanas. A festa somos nós, estão em nós. Trabalhamos os conceitos vário de festas e seu significado perante uma comunidade. Você terá, também, um panorama das artes manifestadas na pré-história, no Brasil, na cultura indígena, na tradição popular e na chamada erudita. Ao longo do texto você verá subtítulos para cada tema exposto, dicas de livros e de textos para enriquecer os seus estudos, o glossário para auxiliar você na interpretação dos textos, tudo isso a fim de facilitar as suas reflexões diariamente. Objetivos específicos: ?apreender o conceito de festa popular; ?analisar narrativas míticas; ?compreender a importância das narrativas tradicionais da cultura popular; ?refletir sobre as artes pré-histórica, indígena, erudita e popular; e ?estudar a cultura popular nos Vales do Jequitinhonha e do São Francisco. 2.1 AS FESTAS POPULARES SOMOS NÓS MESMOS Teceremos, aqui, ancoradas na teoria de Mikhail Bakhtin (1996), que contempla e explica as imagens da festa popular, a tradição, a cultura, o riso desmedido que remetem às instâncias transformadoras de alegria e de liberdade. Por mais que se tenha lido e discutido o memorável A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais, não cessa de repercutir o eco de suas formulações. Figura 09: Festa Popular. 395 Artes Visuais Caderno Didático - 1º Período Na Idade Média, até os limites do Renascimento, as festas eram momentos de diversão irrestrita. Seus elementos e ritos compunham intenção ampliada de inversão de valores, da troca de papéis sociais, da carnavalização, que leva a descobrir o novo e o inédito, dando ênfase especial às sucessões e à renovação. Não se pode deixar sem referência a literatura medieval, folclórica, oral e carnavalizada. As oralidades que tinham no corpo a própria mídia passam de voz viva aos meios acústicos, eletrônicos, ou em rede. E isto tem a ver com a modernização e é inevitável. Apresentava uma visão parodística do mundo, onde as figuras cotidianas apareciam invertidas e aí se dava a ruptura dos preceitos éticos e até mesmo estéticos. Nesses textos carnavalizados rompe-se a lógica do cotidiano e funde-se o real ao imaginário e aproximam-se elementos contraditórios: sabedoria e burrice, loucura e razão, o certo e o errado, o velho e o moço, o gordo e o magro, o sublime e o grotesco, a vida e a morte. Bakhtin divide as manifestações da cultura popular medieval em três categorias fundamentais: Ritos e Espetáculos (carnaval, festa dos tolos, teatro cômico em praça pública), Obras Cômicas Verbais (em versos, peças, trovas...) e Diversas Formas e Gêneros do Vocabulário Familiar e Grosseiro (insultos e ofensas, gírias/blasões populares). Do primeiro tipo, Bakhtin lista: o Carnaval, a Festa dos Tolos, o Risco Pascal, a Festa do Asno, as Festas do Templo, etc. Nesses ritos públicos, eram parodiados a liturgia e o cerimonial das classes dominantes (Igreja e Nobreza). Havia, por exemplo, a eleição de “reis” dos foliões, geralmente avaliados por sua face mais horrenda ou grotesca. Por isso, o carnaval não é considerado um espetáculo de arte, e sim uma forma de viver a realidade, ainda que provisória. Os bufões tomavam o lugar das autoridades eclesiásticas ou aristocráticas e, por algumas horas ou alguns dias, a ordem repressora era subvertida e dava lugar à paródia, para que logo em seguida tudo voltasse ao status quo anterior. Essa capacidade de conviver normalmente com os dois tipos de ordem, e aceitar sua superposição, era o que Bakhtin identificou como a dualidade da visão-de-mundo que se tinha na cultura da Idade Média. O carnaval como exemplo de manifestação através de rito e espetáculo também se utiliza do grotesco para desmistificar, desestruturar, ainda que por alguns dias, as formas pré-concebidas de se entender o mundo. Ele cria a oportunidade de o indivíduo mais desvalorizado dentro de um círculo social sentir-se agente de modificação da realidade, passando da posição de espectador para a de ator do espetáculo."O carnaval é essencialmente igualitário e, nos seus três dias, transpõe para o mundo da "rua" os ideais das relações espontâneas, afetivas, e essencialmente simétricas que são a contrapartida das paradas. Ver Tese de Doutorado de Generosa Souto - As Transformações da Festadança de São Gonçalo de Amarante nas Barrancas do São Francisco: tradição e mídia. PUCSP, 2005. (Disponível em www.santoagostinho.edu.br
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